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A formação do enfermeiro e a estratégia atenção integrada às doenças prevalentes na infância

Nurse education and the strategy of integrated management of childhood prevalent illnesses

La formación del enfermero y la atención integrada a enfermedades de la infancia

Resumos

A estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) visa a melhoria da saúde infantil e da qualidade da assistência à saúde da criança. Este artigo apresenta uma descrição e reflexão sobre a introdução da AIDPI no ensino de graduação em Enfermagem, fundamentada na literatura e na experiência das autoras no ensino de Enfermagem em Saúde da Criança nas Escolas de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto). Inclui aspectos históricos da AIDPI no Brasil, e os princípios que a fundamentam. Finalizando, indica potencialidades da aplicação da Estratégia no âmbito das unidades de saúde e em outros locais de atendimento à criança, enfocando a atuação do enfermeiro.

saúde infantil; cuidado da criança; cuidados primários de saúde; educação em enfermagem


The Integrated Management of Childhood Illnesses (IMCI) strategy aims at improving the quality of care delivered and children's health conditions. This article presents a description and reflection on the introduction of the Integrated Management of Childhood Illnesses in the Nursing undergraduate curriculum, based on the literature and on the experience of the authors teaching at the Nursing program on Children's Health from University of São Paulo (Nursing School and Nursing School from Ribeirão Preto). The authors mention historical aspects regarding the IMCI in Brazil and the principles that guide it. In the end, they indicate the potentials regarding the application of this strategy at the health care units for children, focusing on nurses' performance.

child health; child care; primary health care; education; nursing


La estrategia de "Atención Integrada a las Enfermedades sobresalientes en la Infancia" (AIDPI) proporciona una mejora de las condiciones de salud infantil y de la calidad de la asistencia a los niños. Este artículo presenta una descripción y reflexión sobre la introducción de ese tipo de asistencia dentro de la enseñanza en Enfermería, que está fundamentada en la literatura y en la experiencia de las autoras en la enseñanza de Enfermería en Salud de los Niños en las Escuelas de Enfermería de la Universidad de São Paulo (y Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto). Se incluyen los aspectos históricos de la AIDPI en Brasil y los principios que la fundamentan. Finalizando,el estudio indica las potencialidades de la aplicación de la estrategia en el ámbito de las unidades de salud y otros locales de atención a los niños y se centra en la actuación del enfermero.

salud infantil; cuidado del niño; atención primaria de salud; educación en enfermería


DIRETRIZES CURRICULARES - IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO - RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS DCN

A formação do enfermeiro e a estratégia atenção integrada às doenças prevalentes na infância

Nurse education and the strategy of integrated management of childhood prevalent illnesses

La formación del enfermero y la atención integrada a enfermedades de la infancia

Maria De La Ó Ramallo VeríssimoI; Débora Falleiros de MelloII; Maria Rita BertolozziIII; Anna Maria ChiesaIII; Cecília Helena de Siqueira SigaudI; Elizabeth FujimoriIII; Regina Aparecida Garcia de LimaII

IProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP - São Paulo/SP

IIProfa Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP - Ribeirão Preto/SP

IIIProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP - São Paulo/SP, E-mail:

RESUMO

A estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) visa a melhoria da saúde infantil e da qualidade da assistência à saúde da criança. Este artigo apresenta uma descrição e reflexão sobre a introdução da AIDPI no ensino de graduação em Enfermagem, fundamentada na literatura e na experiência das autoras no ensino de Enfermagem em Saúde da Criança nas Escolas de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto). Inclui aspectos históricos da AIDPI no Brasil, e os princípios que a fundamentam. Finalizando, indica potencialidades da aplicação da Estratégia no âmbito das unidades de saúde e em outros locais de atendimento à criança, enfocando a atuação do enfermeiro.

Descritores: saúde infantil; cuidado da criança; cuidados primários de saúde; educação em enfermagem

ABSTRACT

The Integrated Management of Childhood Illnesses (IMCI) strategy aims at improving the quality of care delivered and children's health conditions. This article presents a description and reflection on the introduction of the Integrated Management of Childhood Illnesses in the Nursing undergraduate curriculum, based on the literature and on the experience of the authors teaching at the Nursing program on Children's Health from University of São Paulo (Nursing School and Nursing School from Ribeirão Preto). The authors mention historical aspects regarding the IMCI in Brazil and the principles that guide it. In the end, they indicate the potentials regarding the application of this strategy at the health care units for children, focusing on nurses' performance.

Descriptors: child health; child care; primary health care; education, nursing

RESUMEN

La estrategia de "Atención Integrada a las Enfermedades sobresalientes en la Infancia" (AIDPI) proporciona una mejora de las condiciones de salud infantil y de la calidad de la asistencia a los niños. Este artículo presenta una descripción y reflexión sobre la introducción de ese tipo de asistencia dentro de la enseñanza en Enfermería, que está fundamentada en la literatura y en la experiencia de las autoras en la enseñanza de Enfermería en Salud de los Niños en las Escuelas de Enfermería de la Universidad de São Paulo (y Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto). Se incluyen los aspectos históricos de la AIDPI en Brasil y los principios que la fundamentan. Finalizando,el estudio indica las potencialidades de la aplicación de la estrategia en el ámbito de las unidades de salud y otros locales de atención a los niños y se centra en la actuación del enfermero.

Descriptores: salud infantil; cuidado del niño; atención primaria de salud; educación en enfermería

1 Introdução

As diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Enfermagem(1) definem que o profissional dessa área dever ser capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.

Nesse sentido, para a população de 0 a 5 anos de idade em nosso país, os problemas de saúde prioritários são a diarréia, as infecções respiratórias agudas, a desnutrição e a anemia, agravos que são passíveis de controle e assistência no nível primário de atenção.

A Atenção Primária em Saúde caracteriza-se pela necessidade de articular ações de prevenção, curativas e paliativas, e pelo vínculo entre profissionais e população. Nesse âmbito, é mais apropriado classificar problemas identificados do que buscar a elucidação de diagnósticos clínicos, como ocorre, tradicionalmente, no âmbito da prática de especialidades(2).

Para atender a esses princípios, a estruturação da atenção básica demanda a construção de processos de trabalho que incorporem inovações tecnológicas e novas formas de organização além de depender de profissionais de saúde devidamente capacitados.

É nessa dimensão que se coloca o uso de protocolos para o manejo padronizado de agravos prevalentes na população, tal como a estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI).

Este artigo tem por objetivo apresentar elementos de reflexão sobre a formação do enfermeiro, focalizando a introdução da estratégia AIDPI no ensino de graduação, a partir das experiências desenvolvidas nas duas Escolas de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

2 Aspectos históricos e princípios da estratégia AIDPI

Até a década de 70, os programas de assistência à saúde nos países em desenvolvimento priorizavam o tratamento da doença e, nessa ótica, caracterizavam-se por ações e atividades essencialmente hospitalocêntricas.

Em 1978, a Declaração de Alma-Ata introduziu a discussão sobre a inter-relação entre doença, pobreza e desenvolvimento sócio-econômico, fomentando o desenvolvimento da atenção primária à saúde em nível mundial.

No Brasil, com o objetivo de responder ao desafio de enfrentar os fatores condicionantes e determinantes da morbi-mortalidade infantil e atingir melhores indicadores de saúde, em 1984, o Ministério da Saúde, em conjunto com o Ministério da Previdência e Assistência Social, propôs a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC). Esse programa buscava promover a saúde das crianças de forma integral, melhorar a qualidade do atendimento e aumentar a cobertura dos serviços de saúde através de cinco ações básicas: acompanhamento sistemático do crescimento e desenvolvimento, estímulo ao aleitamento materno e orientação alimentar para o desmame, assistência e controle das infecções respiratórias agudas, controle das doenças diarréicas e controle de doenças preveníveis por imunização(3).

Apesar das ações preconizadas no PAISC terem sido propostas para atender aos agravos mais freqüentes e importantes das crianças com menos de 5 anos de idade, e o programa apresentar diretrizes para o atendimento da população infantil nos serviços de saúde em todos os níveis de governo, federal, estadual e municipal, o perfil da saúde infantil no Brasil continuou a representar um grande desafio.

Em 1990, o 1º Encontro da Cúpula Mundial em Favor da Infância, realizado em Nova Iorque pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), constatou que as metas traçadas na Declaração de Alma Ata não haviam sido atingidas. Esse fato marcou o reconhecimento e a preocupação dos governantes em estabelecer prioridades concretas para a redução da morbi-mortalidade infantil por diarréia, infecções respiratórias e doenças imunopreveníveis até o ano 2000. Para alcançar tais metas, os aspectos propostos incluíram a necessidade de se investir na melhoria do acesso da população a medidas de prevenção e promoção da saúde, na melhoria da qualidade da atenção prestada na rede de serviços e a necessidade de promover maior integração das estratégias e ações(4).

Na tentativa de enfrentar esse conjunto de problemas, organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o UNICEF passaram a se mobilizar no sentido de unir esforços na busca de novos enfoques e ferramentas para a construção de um sistema eficiente de atenção primária à saúde infantil. Esse esforço conjunto resultou na estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI), adotada oficialmente no Brasil pelo Ministério da Saúde em 1996.

A estratégia tem como finalidade reduzir a mortalidade infantil, reforçar o conceito de integralidade da atenção à saúde da criança e fortalecer a capacidade de planejamento e resolução dos problemas no nível primário de atenção, colocando à disposição do pessoal da saúde, as ferramentas mais adequadas. Especificamente, a AIDPI tem como objetivos: reduzir a mortalidade em crianças com menos de cinco anos; reduzir o número e a gravidade de casos de infecções respiratórias agudas, diarréias e desnutrição; e melhorar a qualidade da atenção prestada à criança nos serviços de saúde, diminuindo o uso de tecnologias de diagnóstico e tratamento inadequados (5, 6).

Introduzindo o conceito da integralidade, a estratégia AIDPI propõe "olhar" a criança como um "todo" e não apenas o "problema", motivo da consulta. Esse conceito propicia a aplicação de todas as ações de controle específico já existentes no PAISC a um só tempo(7, 8).

Como a estratégia propõe avaliar, de maneira sistemática, os principais problemas que afetam a saúde infantil, na tentativa de detectar e tratar qualquer "sinal de perigo" ou doença específica, essa abordagem permite que o profissional de saúde não perca de vista a avaliação e a identificação de problemas ou sinais de enfermidade que, por não terem se constituído na principal causa da consulta, poderiam não ser percebidos pelo pessoal de saúde(6).

É também parte da estratégia AIDPI reconhecer que as crianças, saudáveis ou doentes, devem ser consideradas dentro do contexto social no qual se desenvolvem. Assim, a estratégia enfatiza a necessidade de se melhorar tanto as práticas relacionadas à família e à comunidade, quanto a atenção prestada pelo sistema de saúde, visando melhorar as habilidades dos profissionais de saúde, a organização dos serviços e as práticas familiares e comunitárias de cuidado infantil.

A estratégia consiste em um conjunto de critérios simplificados para avaliar, classificar e tratar as doenças prevalentes nas crianças menores de cinco anos. Está estruturada sob a forma de árvores decisórias, ou guias que orientam a avaliação, classificação e manejo padronizado em tais situações, o que possibilita maior resolutividade da assistência. Nesse sentido, a AIDPI busca acelerar o tratamento de urgência em crianças gravemente doentes, envolver os pais no cuidado efetivo da criança no lar, monitorar o crescimento, recuperar nutricionalmente a criança desnutrida, e incentivar o aleitamento materno exclusivo e a imunização.

É importante observar que a estratégia não tem como objetivo estabelecer diagnóstico específico de doenças, mas avaliar sinais clínicos preditivos positivos que possam definir a necessidade de encaminhamento urgente para uma unidade de maior resolutividade ou se proceder ao tratamento no nível primário de saúde, constituindo-se num enfoque altamente efetivo que integra ações curativas com medidas de prevenção e promoção da saúde(9).

3 A estratégia AIDPI no currículo de Graduação da EEUSP

Os docentes da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) vêm abordando os Programas de Saúde adotados pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias de Estado e do Município de São Paulo ao longo dos anos, não só incorporando-os ao currículo de Graduação, como também analisando-os através do desenvolvimento de estudos sobre suas potencialidades e pontos de estrangulamento.

O grupo de docentes teve conhecimento da estratégia AIDPI em 1996, em reunião nacional promovida pela Coordenação Materno-Infantil do Ministério da Saúde e, mais profundamente, em 1997, quando alguns membros desse grupo foram capacitação para sua aplicação. A partir de então, definiu-se como uma das metas de trabalho a incorporação da AIDPI no ensino de graduação da EEUSP.

As docentes reconhecem que a Estratégia está apoiada em fundamentos técnico-científicos comprovados, que lhe conferem racionalidade e a respaldam, tanto no que respeita à identificação da situação de saúde quanto às intervenções propostas(6). Desse modo, possibilita ao graduando, bem como ao profissional, organizar suas ações de forma a priorizar e hierarquizar os problemas e necessidades de saúde. Tais ações tornam a assistência também racionalizada, garantindo que as crianças sejam avaliadas integralmente, sem negligenciar os problemas mais graves, graças ao emprego de sinais clínicos preditivos positivos, que permitem resposta adequada aos perfis epidemiológicos da população infantil em nosso meio(10).

Assim, em 1997, as docentes elaboraram o Projeto RESPIRA-AIDPI, que tem como finalidades:

- Contribuir para a redução da morbi-mortalidade na infância, em algumas áreas de risco do Município de São Paulo, mediante o aprimoramento de tecnologias de intervenção em Saúde Coletiva e atuando sobre as doenças prevalentes na infância.

- Promover a articulação e ação conjunta entre as instituições de formação de recursos humanos e de prestação de assistência à saúde, com relação ao controle das doenças prevalentes na infância.

- Incrementar a produção de conhecimentos, a qualificação de recursos humanos e a atenção às doenças prevalentes na infância, para subsidiar o ensino de graduação e pós-graduação e o planejamento de experiências similares em outras regiões.

No que diz respeito à inclusão da Estratégia no currículo de Graduação, o primeiro passo foi a parceria das docentes dos Departamentos de Enfermagem em Saúde Coletiva (ENS) e de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica (ENP) para a revisão dos programas de ensino das Disciplinas Enfermagem na Saúde da Criança I (ENP) e Enfermagem em Saúde Coletiva e a Saúde da Criança e do Adolescente (ENS). A primeira Disciplina tem carga horária total de 105 horas e, a outra, 60 horas. Ambas são obrigatórias e complementares, ocorrendo simultaneamente para grupos de alunos que variam de 40 a 48 por semestre.

O currículo de graduação da EE, na área de Saúde da Criança, há vários anos tem como base os perfis epidemiológicos da população infantil no país. Dessa forma, a incorporação da Estratégia foi facilitada, pois não houve necessidade de mudança radical do conteúdo programático. Na verdade, foi possível reorganizar o ensino, integrando os conteúdos e práticas das Disciplinas. Assim, todas as vezes que são abordados os problemas prevalentes, dá-se ênfase aos sinais, classificações e condutas preconizados na Estratégia.

Somando-se os períodos ministrados nas duas disciplinas, são utilizadas 45 horas para a abordagem teórica dos conteúdos da estratégia AIDPI, incluindo-se as bases técnico-científicas que a fundamentam. Para tanto, ocorrem aulas expositivas com apoio de recursos áudio-visuais, como as fitas de vídeo do Curso Clínico de AIDPI, e os alunos realizam exercícios dos módulos auto-instrutivos.

O ensino da AIDPI tem como objetivo disponibilizar aos alunos instrumentos para a identificação e manejo das doenças prevalentes na infância. Para tanto, são ministrados conteúdos referentes à integralidade da assistência em saúde infantil, além da caracterização epidemiológica e sua distinção segundo os diferentes grupos sociais. Abordam-se também as doenças prevalentes, quais sejam, infecções respiratórias agudas, doenças chiadoras, doenças diarréicas e distúrbios nutricionais. Nesses temas, enfatizam-se a identificação das crianças de risco e os cuidados para a prevenção e tratamento. Dentre os conteúdos referentes à intervenção de Enfermagem em Saúde Coletiva, destaca-se a abordagem da comunicação interpessoal com vistas à promoção de um processo educativo emancipatório.

O ensino teórico-prático é realizado em Unidades Básicas de Saúde, em Unidades Hospitalares e em visitas domiciliares às famílias cadastradas no Programa de Saúde da Família, somando cerca de 20 horas para todos os alunos. Os alunos utilizam o instrumento padronizado da AIDPI e avaliam e classificam pelo menos cinco crianças, nos diferentes campos de prática.

Visando incrementar o ensino da Estratégia, o grupo de docentes tem investido na divulgação de seu trabalho, através de publicações e apresentações em eventos, e no desenvolvimento de recursos de apoio didático. A exemplo, cabe destacar: em 2000, produziu o vídeo Conversando com as mães sobre problemas respiratórios; em 2001, incluiu conteúdos da AIDPI em três capítulos do Manual de Enfermagem _ Programa de Saúde da Família organizado pelo Instituto de Desenvolvimento da Saúde e adotado pelo Ministério da Saúde; em 2002, produziu o cd-rom Bases Técnicas da Estratégia AIDPI; em 2002/2003 utilizou conteúdos da AIDPI nos instrumentos e textos de apoio de um projeto de acompanhamento dos cuidados domiciliares para a promoção do desenvolvimento infantil para as equipes de saúde da família.

Além de ser aplicada como recurso na metodologia de assistência à criança, a abordagem da Estratégia tem se constituído como fertilizador da compreensão sobre a determinação social das enfermidades prevalentes na nossa população infantil. Outro aspecto que tem sido particularmente enfatizado durante o processo de ensino refere-se ao processo de comunicação e educação em saúde.

Ao longo do trabalho que o grupo de docentes tem desenvolvido, podem-se apontar como principais fortalezas as que se seguem:

- Articulação e integração entre duas áreas de conhecimento (Saúde da Criança e Saúde Coletiva) que, na EEUSP, vinculam-se a Departamentos diferentes.

- Integração com profissionais médicos de uma unidade básica de saúde, na qual está implementada a Estratégia, o que facilita sobremaneira a interlocução na equipe de saúde a respeito dos problemas das crianças, assim como potencializa o desenvolvimento do ensino.

- Melhora do desempenho dos alunos, graças à organização de seu raciocínio nos passos de avaliação e classificação do estado de saúde infantil e priorização dos problemas.

- Avaliações positivas dos alunos em relação ao recorte do conteúdo, recursos pedagógicos utilizados, experiências práticas e integração das Disciplinas.

Ancorado no êxito dessa experiência, o grupo de docentes assumiu o compromisso de ampliar esse processo para o âmbito nacional, com a realização de fóruns com docentes de enfermagem. O primeiro contou com 38 participantes de escolas das regiões Sudeste, Nordeste e Norte e destinou-se à sensibilização e discussão sobre as possibilidades de inserção desse conteúdo nas grades curriculares, resultando em compromisso de incorporar a AIDPI nos currículos de graduação de suas instituições. O segundo teve 22 participantes, incluindo docentes de outros países da América Latina, e destinou-se à capacitação clínica, tendo sido ainda abordadas também bases técnicas que fundamentam a Estratégia.

Até o momento, não foi possível realizar, de forma sistematizada, o seguimento da implantação da AIDPI nos cursos de graduação, principalmente devido aos limites orçamentários do Ministério da Saúde que não têm propiciado o apoio necessário à continuidade da articulação das Escolas de Enfermagem do País. Ainda assim, o grupo de docentes vem contribuindo para o fortalecimento do ensino da AIDPI nos cursos de Graduação, através do relato de sua experiência em eventos de sensibilização e atuando como facilitadoras em cursos de capacitação de docentes no Brasil.

É importante salientar que, ao assumir esse compromisso, a EEUSP responde a uma das missões da Universidade, qual seja, a de apoiar projetos de cooperação técnica de âmbito nacional e internacional, principalmente ao levar adiante um esforço comum para o controle de enfermidades que poderiam ser evitadas, mas ainda consomem vidas e causam importantes seqüelas. Dessa forma, a EEUSP contribui para melhorar a saúde da população infantil, principalmente dos grupos mais pobres e que, em grande monta, não têm acesso à qualidade de vida.

4 A Estratégia AIDPI no ensino de graduação da EERP-USP

Os docentes da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), vinculados à área de ensino Enfermagem em Saúde da Criança e do Adolescente, vêm desenvolvendo suas atividades de ensino, pesquisa e extensão com base nas discussões no Grupo de Estudos em Saúde da Criança e do Adolescente (GESCA), do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EERP-USP. O GESCA tem por objetivos: promover estudos e pesquisas sobre o processo saúde-doença e o cuidado de recém-nascidos, crianças e adolescentes, apreendendo-os em suas dimensões individual e coletiva e em suas relações com a família, a escola, o setor saúde e a comunidade; analisar a inserção da enfermagem nas diferentes modalidades das práticas em saúde, referente a essa população; programar o ensino de enfermagem para a graduação, pós-graduação e extensão universitária(11).

As atividades de ensino, pesquisa e extensão de serviços à comunidade partem da definição de que as crianças: são seres em crescimento e desenvolvimento, com necessidades específicas em cada fase, pertencendo a diferentes classes sociais, apresentando desigualdades não apenas biológicas, ditadas pelas etapas de amadurecimento de suas funções orgânicas, mas socialmente determinadas, havendo uma relação diretamente proporcional entre suas vulnerabilidades, riscos de adoecer, danos e suas condições de existência e qualidade de vida(12).

O ensino de graduação da EERP-USP, em relação à criança e ao adolescente, toma o seguimento do crescimento e desenvolvimento como fio condutor. Para tanto, oferece as disciplinas ERM-236: Enfermagem em Saúde da Criança e do Adolescente (4º semestre-90horas) e ERM-424: Enfermagem pediátrica e neonatal (7º semestre-120 horas), contemplando, dessa forma, os diferentes níveis de complexidade da atenção primária, secundária e terciária. Além dessas, há a disciplina ERM-456: Estágio Curricular Enfermagem em Saúde Coletiva, com 390 horas, no 8º semestre, com caráter de estágio supervisionado.

Para o desenvolvimento das disciplinas do 4º semestre, os responsáveis pelo ensino de enfermagem em saúde da criança e do adolescente, enfermagem em saúde da mulher, enfermagem em saúde pública e nutrição vêm trabalhando com uma programação integrada, tendo como diretriz a saúde da família. Essa iniciativa apresenta limites a serem superados, mas os resultados das avaliações discentes e docentes são positivos, levando-nos a buscar outras estratégias metodológicas para esse processo ensino-aprendizagem.

O conteúdo programático sobre saúde da criança e adolescente aborda indicadores epidemiológicos de morbi-mortalidade na infância e adolescência, diretrizes das políticas de saúde da criança e do adolescente, atenção integrada às doenças prevalentes na infância, observação sistematizada e medidas de proteção na infância e adolescência. O ensino teórico-prático é realizado nos núcleos de saúde da família, unidade básica de saúde, creches e escolas de ensino fundamental. A programação também incorpora a discussão sobre os programas de saúde adotados pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias da Saúde do Estado de São Paulo e do Município de Ribeirão Preto. Assim, os docentes dessa área consideram de extrema importância a introdução da estratégia AIDPI no currículo de graduação, reconhecendo suas potencialidades para a redução da mortalidade na infância, diminuição da incidência e/ou gravidade das doenças prevalentes, melhoria da qualidade da atenção à saúde, fortalecimento da promoção à saúde e de ações preventivas nos serviços de saúde, no domicílio e na comunidade.

No ensino teórico, a estratégia AIDPI direciona o processo ensino-aprendizagem, a partir dos seus princípios norteadores, das bases técnico-científicas, dos instrumentos de avaliação da criança, da classificação e das medidas terapêuticas, contemplados em discussões, aulas expositivas, apresentação de vídeos ilustrativos, exercícios teórico-práticos, estudos de caso e avaliações escritas.

O ensino teórico-prático, atualmente, tem sido desenvolvido em consonância com algumas atividades do Programa de Saúde da Família do Centro de Saúde Escola_Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, em que oito grupos de 7 a 10 alunos do 4º semestre e 2 alunos do 8º semestre, acompanhados por docentes e pela enfermeira do Núcleo de Saúde da Família IV, vivenciam a assistência de enfermagem em atendimentos individuais e grupais, visitas domiciliares, recepção da clientela, educação continuada dos membros da equipe de saúde da família, entre outras, direcionando para as etapas de avaliação da criança e classificação das doenças prevalentes.

Os docentes dessa área também vêm incorporando esse conteúdo no ensino de especialização em saúde da família, curso multiprofissional oferecido, em 2002-2003, pelo Pólo Norte/Oeste Paulista de Formação e Capacitação de Recursos Humanos em Saúde da Família. A estratégia AIDPI também faz parte de discussões em disciplinas de pós-graduação e tem sido objeto de estudo de algumas pesquisas sobre a prática de enfermagem em atenção primária à saúde da criança. Outra frente que vem sendo enfatizada é a articulação com a Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto-SP, visando a sensibilização de coordenadores programáticos, gerentes de unidades e profissionais de saúde para a capacitação e implementação da estratégia na rede básica de serviços públicos de saúde.

Entendendo que a estratégia AIDPI possibilita a apreensão da saúde da criança em seus aspectos epidemiológicos, biológicos, sociais, afetivos e políticos, compreende-se que ela enriquece sobremaneira o processo ensino-aprendizagem.

5 Possibilidades de aplicação da AIDPI em diferentes contextos de atendimento à criança

No Brasil, a tarefa de capacitação dos enfermeiros em AIDPI iniciou-se pelos profissionais que já atuam nos serviços, a partir da realização de cursos clínicos promovidos pelo Ministério da Saúde e destinados a médicos e enfermeiros. No entanto, a inserção da AIDPI nos cursos de graduação pode favorecer muito sua implementação, uma vez que dispensa a necessidade de reconstruir o processo de raciocínio do profissional para o atendimento da criança, segundo a metodologia da Estratégia. Cabe destacar que a capacitação do graduando não se faz nos mesmos moldes do curso clínico operacional para profissionais, uma vez que precisa incluir obrigatoriamente conhecimentos e habilidades que o profissional formado já domina, tais como fisiopatologia e semiotécnica.

É fundamental ressaltar que, além do aspecto técnico da capacitação, cabe aos gestores municipais a assunção da Estratégia como um protocolo oficial das instituições de saúde, para respaldar legalmente a atuação dos enfermeiros (LEP 749.86 e Resoluções COFEN 195/97 e 271/2002). Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo adotou a AIDPI como protocolo a ser assumido por médicos e enfermeiros capacitados, na rede de serviços.

O enfermeiro capacitado para a aplicação da estratégia AIDPI pode atuar na avaliação, classificação e tratamento das crianças com doenças prevalentes, particularmente no âmbito das unidades básicas de saúde. Esse profissional é protagonista fundamental na operacionalização da Estratégia, dado que, na maior parte das vezes, está instrumentalizado para apreender as necessidades de saúde dos usuários das unidades de atenção primária, além de, potencialmente, conhecer mais profundamente as carências do território de referência dessas unidades.

Cabe destacar que a atuação do enfermeiro não se restringe ao emprego do instrumental clínico, mas abarca a dimensão dos demais componentes que integram a Estratégia(13), tais como a vigilância em saúde, entendida como o monitoramento dos principais problemas e necessidades das crianças, bem como a organização dos processos de trabalho, com ênfase à melhoria dos cuidados prestados na unidade de saúde. Ressalta-se, ainda, o papel do enfermeiro no fortalecimento das práticas familiares para a promoção da saúde infantil, prevenção de agravos e identificação precoce de sinais de gravidade.

No cenário atual da Atenção Primária, assume especial relevo a atuação do enfermeiro na orientação e apoio ao trabalho dos agentes comunitários de saúde, que têm se constituído como sujeitos catalisadores para a transformação das condições de saúde das famílias que habitam o território de abrangência das unidades de saúde.

Além disso, a estratégia AIDPI pode ser útil aos enfermeiros na orientação do trabalho de cuidadores que atuam em vários locais de atendimento infantil, como creches e abrigos, bem como de outras pessoas que atuam na comunidade, tais como agentes da pastoral da criança. Nesses locais, os enfermeiros podem preparar os cuidadores para realizarem diversas intervenções de saúde baseadas nos princípios básicos da Estratégia como:

- Promoção de saúde e prevenção de doenças: incentivo ao aleitamento materno e à imunização, e práticas alimentares adequadas, dentre outras.

- Reconhecimento precoce de sinais de doenças infantis e da necessidade de procura de serviços de saúde apropriados.

- Prestação de cuidados de qualidade às crianças doentes: cuidados corretos durante e após o período de doença que favoreçam o pronto restabelecimento da criança, bem como a manutenção de seu processo saudável de crescimento e desenvolvimento.

- Abertura para diálogos com a família sobre o processo de crescimento e desenvolvimento infantil.

Tais práticas podem ser implementadas pelos cuidadores à medida que esses tenham sido instrumentalizados, o que pode ocorrer mediante processos educativos promovidos pelo enfermeiro.

Cabe destacar, ainda, que o enfermeiro é responsável por processos de educação permanente da equipe de enfermagem, mediante supervisão direta das atividades e realização de cursos e oficinas de capacitação e atualização, difundindo conhecimentos relevantes para a prática assistencial e conseqüente melhoria da realidade de saúde.

A incorporação da Estratégia AIDPI permite a sistematização da assistência à criança, englobando atividades de educação em saúde, habilidades comunicativas com a família e promoção do crescimento e desenvolvimento infantil. O envolvimento de profissionais de saúde capacitados e que buscam proximidade da clientela no cotidiano, por meio de atividades e intervenções numa abordagem integral do processo saúde-doença-cuidado, constitui um desafio e pode contribuir para a transformação das práticas de saúde.

6 Considerações finais

No presente artigo foi possível abordar elementos importantes para a formação do enfermeiro, particularmente na área de enfermagem em saúde da criança, ressaltando os aspectos históricos e princípios que fundamentam a Estratégia AIDPI e experiências de introdução no ensino de graduação.

As Escolas de Enfermagem da USP estão compromissadas com a necessidade de mudanças no cenário epidemiológico e social e nas práticas de saúde, assim como com a implementação do Sistema Único de Saúde e reconhecem as potencialidades que a estratégia AIDPI oferece para a melhoria da atuação do enfermeiro em Saúde Coletiva nos serviços de saúde, no domicílio e na comunidade.

Data de recebimento: 31/08/2003

Data de aprovação: 30/10/2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2003

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2003
  • Aceito
    30 Out 2003
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