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Análise do cuidado ao bebê hospitalizado segundo a perspectiva Winnicottiana

Analise del cuidado al bebe hospitalisado según la perspectiva Winnicottiana

Analysis of delivered care to hospitalized babies according to Winnicottian perspective

Resumos

O objetivo deste trabalho foi verificar o holding proporcionado pelas auxiliares de enfermagem, enfermeiras, mães e pais aos bebês internados em uma unidade neonatal de médio risco de um hospital escola do Município de São Paulo. Trata-se de um estudo qualitativo descritivo que utilizou o referencial teórico de Winnicott. Os dados foram coletados por meio de filmagens. Os resultados revelaram que há profissionais que falham no fornecimento do holding, enquanto outras, proporcionam um holding satisfatório. Embora pais e mães proporcionem holding adequado, por vezes também falham nesta provisão. Acreditamos ser necessário rever a prática assistencial de enfermagem de modo que todos os componentes da equipe, mães e pais sejam capazes de fornecer o holding adequado, visando o desenvolvimento do bebê.

Desenvolvimento infantil; Cuidado da criança; Recém-nascido


El objetivo de este trabajo fue verificar el holding proporcionado por auxiliares de enfermería, enfermeras, madres y padres a bebes internados en unidad neonatal de medio riesgo de hospital escuela del Municipio de São Paulo. Es un estudio cualitativo descriptivo que utilizo el referencial teórico de Winnicott.. Los datos fueron colectados por medio de filmagen. Los resultados relevaron que hay profesionales que fallan en suministro del holding, mientras que otros, proporcionan un holding satisfactorio. A pesar de que padres proporcionan holding adecuado, algunas veces también fallan en esta provisión. Creemos que es necesario rever la práctica asistencial de enfermería de forma que todos componentes del equipo, madres y padres sean capaces de fornecer holding adecuado, visando desenvolvimiento del bebé.

Desarrollo infantil; Cuidado del niño; recién nacido


This work aimed to analyze the holding provided by nurse aides, nurses, mothers, and fathers to infants newborn hospitalized at the middle risk neonatal unit of a university hospital in the city of São Paulo. This is a qualitative descriptive study based on Winnicott's theoretical framework. Data were collected by means of videotaping. Results demonstrated that there are some professionals who fail in providing holding, whereas others provide it satisfactorily. Although parents provide adequate holding, at times they fail to do so. We believe that it is necessary that the caring practice must be reevaulated, so that all members of the team, and also mothers and fathers are able to provide adequate holding for the infant's development.

Child development; Child care; Infant newborn


PESQUISA

Análise do cuidado ao bebê hospitalizado segundo a perspectiva Winnicottiana

Analysis of delivered care to hospitalized babies according to Winnicottian perspective

Analise del cuidado al bebe hospitalisado según la perspectiva Winnicottiana

Fabiane Carvalhais RegisI; Tereza Yoshiko KakehashiII; Eliana Moreira PinheiroIII

IPsicóloga. Enfermeira da Pediatria do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo fabiregis@fig.com.br

IIDoutora em Enfermagem. Docente da Universidade do Grande ABC - Santo André

IIIDoutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal de São Paulo

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar o holding proporcionado pelas auxiliares de enfermagem, enfermeiras, mães e pais aos bebês internados em uma unidade neonatal de médio risco de um hospital escola do Município de São Paulo. Trata-se de um estudo qualitativo descritivo que utilizou o referencial teórico de Winnicott. Os dados foram coletados por meio de filmagens. Os resultados revelaram que há profissionais que falham no fornecimento do holding, enquanto outras, proporcionam um holding satisfatório. Embora pais e mães proporcionem holding adequado, por vezes também falham nesta provisão. Acreditamos ser necessário rever a prática assistencial de enfermagem de modo que todos os componentes da equipe, mães e pais sejam capazes de fornecer o holding adequado, visando o desenvolvimento do bebê.

Descritores: Desenvolvimento infantil; Cuidado da criança; Recém-nascido.

ABSTRACT

This work aimed to analyze the holding provided by nurse aides, nurses, mothers, and fathers to infants newborn hospitalized at the middle risk neonatal unit of a university hospital in the city of São Paulo. This is a qualitative descriptive study based on Winnicott's theoretical framework. Data were collected by means of videotaping. Results demonstrated that there are some professionals who fail in providing holding, whereas others provide it satisfactorily. Although parents provide adequate holding, at times they fail to do so. We believe that it is necessary that the caring practice must be reevaulated, so that all members of the team, and also mothers and fathers are able to provide adequate holding for the infant's development.

Descriptors: Child development; Child care; Infant newborn

RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue verificar el holding proporcionado por auxiliares de enfermería, enfermeras, madres y padres a bebes internados en unidad neonatal de medio riesgo de hospital escuela del Municipio de São Paulo. Es un estudio cualitativo descriptivo que utilizo el referencial teórico de Winnicott.. Los datos fueron colectados por medio de filmagen. Los resultados relevaron que hay profesionales que fallan en suministro del holding, mientras que otros, proporcionan un holding satisfactorio. A pesar de que padres proporcionan holding adecuado, algunas veces también fallan en esta provisión. Creemos que es necesario rever la práctica asistencial de enfermería de forma que todos componentes del equipo, madres y padres sean capaces de fornecer holding adecuado, visando desenvolvimiento del bebé.

Descriptores: Desarrollo infantil; Cuidado del niño; recién nacido.

1. INTRODUÇÃO

Considerando o ser humano como um ser em processo contínuo de desenvolvimento emocional e como um sujeito em inter-relação permanente com o ambiente, que sofre e exerce influências ao meio que o circunda, questionamos sobre as condições necessárias para prover e manter um ambiente que favoreça o desenvolvimento emocional do bebê.

Na grande maioria das vezes, o feto está amparado por mecanismos fisiológicos e psicológicos, de modo que o ambiente uterino provê o ser em desenvolvimento daquilo que necessita.

O nascimento vem então romper com esse suposto equilíbrio, tanto que a literatura menciona o trauma do nascimento, havendo autores, que propõem a realização do parto no escuro, em temperatura adequada, com som apropriado para evitar o suposto trauma, como o preconizado por Frédérick Leboyer(1).

Acreditamos, sem nos deter às exceções, que as mães, de um modo geral, estão preparadas ou amparadas para proteger seus bebês de agressões ambientais, tão logo possam cuidar dos mesmos.

Pautadas no referencial teórico de Winnicott(2), as autoras decidiram verificar como ocorre a provisão ambiental diante de um bebê hospitalizado. O holding é definido pelo autor como toda provisão ambiental, que vai além do segurar físico do bebê, incluindo nos cuidados dispensados ao recém-nascido além dos aspectos físicos, os psíquicos considerando a sua sensibilidade.

Um ambiente hostil, ou falhas no cuidado promovido ao bebê, podem estar caracterizando o não fornecimento do holding, o que pode por sua vez não propiciar a integração e a sensação de ser unitário, de ser uma pessoa levando à sensação de aniquilamento, ou mesmo ao estabelecimento do falso self (resulta em uma sensação de irrealidade e em um "sentimento de futilidade"; distorção do ego em termos de falso e verdadeiro "self")(3).

Quando o ambiente não é satisfatoriamente bom, a continuidade do ser pode ser interrompida, resultando no enfraquecimento do ego e na não existência psíquica do bebê(3). A criança está presente enquanto um corpo orgânico, que até reage aos estímulos do meio, mas não existe enquanto ser capaz de estar e criar no mundo.

A hospitalização de bebês, seja em unidades de médio risco ou de terapia intensiva por um período prolongado, nos faz pensar que pode estar acontecendo uma ruptura do que é desejável em termos de ambiente satisfatório para o desenvolvimento dos mesmos.

Considera-se o ser com um potencial herdado, o que inclui o processo de maturação que se efetiva em um ambiente favorável. Desse modo nem tudo depende única e exclusivamente do ambiente. A tarefa do bebê é existir e se desenvolver, e a da mãe é prover o holding auxiliando-o em sua trajetória(4).

Considerando a nossa vivência como enfermeiras da assistência neonatal, questionamo-nos sobre como ocorre o holding quando estamos diante de bebês que permanecem internados por um longo período. Há um ambiente propício para o desenvolvimento desses bebês? Os profissionais da equipe fornecem o holding? A mãe consegue propiciar o holding durante sua permanência junto ao bebê no ambiente hospitalar?

Tais questionamentos nos inquietam na medida em que a prática assistencial parece por vezes voltada meramente ao atendimento de necessidades fisiológicas, sendo que até estas não parecem ser integralmente atendidas, quando se considera o descuido em relação ao desenvolvimento sensório-motor do recém-nascido provocando seqüelas por vezes irreversíveis, com prejuízo pessoal e custo social elevado.

Acreditamos ser essa uma questão também com relevância acadêmica, pois entendemos que no hospital-escola, como um ambiente de ensino e aprendizagem para os vários profissionais da área de saúde, uma mudança no cuidado fornecido ao bebê serve por si só como embasamento de uma prática qualificada para os futuros profissionais.

Este trabalho foi desenvolvido após a realização de um curso de extensão denominado "Desenvolvimento Emocional Primitivo Winnicottiano" no Instituto Paulista de Psicologia, Estudos Sociais e Pesquisa - IPPESP, em 2003. Constatando a escassez de literatura que enfoca a assistência de enfermagem ao recém-nascido e respaldadas no referencial teórico de Winnicott, as autoras propuseram-se a investigar como ocorre o holding no ambiente hospitalar.

Considerando o exposto, o objetivo deste trabalho foi verificar o holding proporcionado pelos pais e profissionais de enfermagem aos bebês hospitalizados em uma unidade neonatal de médio risco de um hospital-escola do Município de São Paulo; campo de estágio para os alunos dos cursos de graduação de Enfermagem e Medicina.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo descritivo sobre o holding proporcionado ao recém-nascido na unidade de médio risco de um hospital-escola do Município de São Paulo, tendo como referencial teórico o desenvolvimento emocional primitivo de D. W. Winnicott.

2.1 Coleta de dados

Para este estudo, foram analisadas as imagens dos cuidados prestados aos recém-nascidos em uma unidade neonatal de médio risco de um hospital-escola do Município de São Paulo, gravadas em uma fita VHS e cedidas por Pinheiro(5), que as utilizou em sua tese de doutorado em Enfermagem.

As imagens captadas por Pinheiro(5) nos períodos de Janeiro a Outubro de 2001 e Outubro a Novembro de 2002, registraram os cuidados prestados aos recém-nascidos, tanto pelas auxiliares e enfermeiras durante a permanência dos pais. Neste estudo, utilizou-se uma edição das sessões de filmagens, com duração de 9 minutos, da qual as autoras selecionaram as imagens pertinentes ao holding, que poderiam ser analisadas pelo referencial de Winnicott.

Os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e, em atendimento aos dispositivos da Resolução 196/96 sobre a ética na pesquisa envolvendo seres humanos, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido(6).

2.2 Sujeitos da Pesquisa

Os sujeitos do estudo constituíram-se de auxiliares de enfermagem e enfermeiras que prestam cuidado ao bebê nos plantões matutino, vespertino e noturno e também de mães e pais que estavam presentes na unidade. Os pais participam do cuidado do recém-nascido, realizando atividades como: troca de fraldas, administração de mamadeiras, aleitamento materno. É incentivado que tanto a mãe como o pai, toquem e segurem o bebê ao colo.

No referido berçário, existe em média uma enfermeira responsável pelas unidades de médio e alto risco em cada plantão, que acumula atividades assistenciais e administrativas; e duas auxiliares de enfermagem que prestam cuidados aos recém-nascidos na unidade de médio risco. Assim, freqüentemente os pais são recebidos na unidade pelas auxiliares de enfermagem, com quem estabelecem maior contato.

A ocupação média da unidade de médio risco gira em torno de dez crianças, com permanência de aproximadamente dez dias, ocupando berços ou incubadoras, algumas vezes com monitores para vigilância dos sinais vitais, traçado eletrocardiográfico e saturação de oxigênio. Tratando-se de um hospital-escola, há um afluxo constante de alunos e docentes.

2.3 Referencial Teórico

Utilizamos o referencial teórico de Winnicott, pela sua relevância social, que vislumbra o bebê com potencial para o crescimento e desenvolvimento emocional primitivo. À função materna cabe a tarefa de prover o ambiente e acolher esse bebê no sentido de reconhecer sua existência. A falha ambiental pode tornar o desenvolvimento emocional primitivo suscetível a rupturas, contudo capaz de, em condições de cuidados físicos e psíquicos adequados, prover a existência do bebê de modo único e pleno.

Na perspectiva winnicottiana, o bebê possui um sentido de continuidade de ser, sendo que ele ainda não existe por si, existindo apenas na relação com a mãe. Isso implica em aceitar o princípio de que a criança parte da dependência rumo à independência, da não-integração à integração, a noção de eu sou(7).

O autor destaca três estágios de desenvolvimento em que o bebê segue de uma dependência absoluta, para uma dependência relativa rumo a uma independência relativa. A dependência nesse estágio inicial é absoluta, de modo que quando ocorre o colapso ambiental, há uma ruptura, e a resposta do bebê é a interrupção do seu processo de desenvolvimento(7).

Em cada um desses estágios naturais ao desenvolvimento emocional do bebê, o que se espera é que ocorra o holding satisfatório, ou seja, que a criança possa ser acolhida, reconhecida em suas necessidades fundamentais, como por exemplo, necessidades de alimento, higiene, conforto. Isso permite ao bebê estabelecer os limites do interno e externo, que posteriormente irão caracterizá-lo enquanto ser, e o que é o outro, enquanto alguém diferente dele próprio. Falhas ambientais, nesses três estágios iniciais podem caracterizar predisposições para transtornos psíquicos dos mais diversos, incluindo a psicose, esquizofrenia, depressão, tendências anti-sociais, dentre outros. O termo holding significa assim além do segurar físico de um bebê, toda a provisão ambiental, de modo que o lactente possa adquirir uma individualidade própria(4:).

Ao discorrer sobre o holding, consideram-se três processos: integração, personalização e relação objetal. "Antes da integração, o indivíduo é um conjunto não organizado de fenômenos sensório-motores contidos pelo ambiente externo"(8). O autor destaca que só depois da integração é que o indivíduo atinge o status de unidade, sabendo diferenciar o que pertence ao mundo interno do externo, podendo então, reunir memórias de experiências. Podemos dizer assim, que a integração representa o estabelecimento de contornos, ou seja dar molde ao bebê, o que significa que a criança aprende a diferenciar os limites entre o que é seu e o que é do outro, isto é, os limites entre o interno e o externo.

A integração é tida por como o principal aspecto do desenvolvimento do ego da criança, sendo que este deve ser complementado pelo ego materno, que torna o ego do bebê forte e estável, validando a sua existência(9).

Para que ocorra esse processo é necessário um ambiente suficientemente bom e alguém que lhe forneça o holding, adaptando-se, o cuidador e o ambiente, às mudanças inerentes ao crescimento e desenvolvimento do bebê. Para tal é necessário um cuidado materno que deve ser baseado na percepção e empatia da mãe ou alguém que desempenhe tal papel. Sob esse aspecto destaca-se a preocupação materna primária como um estado de sensibilidade materna aumentada e atenta às necessidades do bebê(10). Com relação ao pai, o autor salienta, que ao mesmo cabe apenas dar suporte à mãe, a fim de que ela possa estar inteiramente disponível ao bebê(11).

Com relação à personalização, o autor, lembra que tanto a psiquê quanto o corpo devem ocupar o mesmo lugar no espaço. Nesse processo, o bebê transcende o que sente em termos de necessidades fundamentais, e "passa a sentir, como uma conseqüência do toque amoroso, que seu corpo constitui-se nele mesmo e/ou que seu sentimento de self centra-se no interior de seu próprio corpo"(12:138). A personalização, em outras palavras, nada mais é do que a inserção da psiquê no soma, sendo que "a base dessa inserção é a ligação das experiências funcionais motoras e sensoriais com o novo estado do lactente de ser uma pessoa"(7:45), de modo que o lactente possa adquirir um esquema corporal.

Em relação ao terceiro processo, uma aquisição fundamental para a fase inicial do desenvolvimento do bebê é a capacidade para viver com e estabelecer relações objetais, em que o bebê deixa de estar em estado de fusão com a mãe, para relacionar-se com a mesma como separada dele(7).

Assim, a atenção com o bebê e a manipulação do mesmo ao trocar uma fralda, segurá-lo ao colo, oferecer uma mamadeira, promover o banho, proporcionam as primeiras experiências de gratificação instintiva e relações objetais com quem lhe presta os cuidados e com o ambiente que o cerca. Desse modo, o cuidado materno que é a princípio uma continuação da provisão fisiológica da vida intra-uterina, forma a base da saúde mental do indivíduo, entendendo-se essa como ausência de psicose ou mesmo de predisposição à mesma(7:48-51).

Quando a satisfação instintiva e as relações objetais constituem uma ameaça ao vir-a-ser pessoal do indivíduo, uma das defesas que o bebê pode desenvolver é a organização do falso self, isto é um sentimento de não existir enquanto ser(7) .

A principal função do ambiente é reduzir ao mínimo as irritações a que o bebê deve reagir, o que não significa proporcionar um ambiente isento de estímulos que não sejam agradáveis. A ansiedade experimentada pela criança nesses estágios iniciais relaciona-se com a ameaça dela não vir a existir, de aniquilamento(7).

Em condições favoráveis em que se tem um cuidador atento ao bebê e um ambiente que possa provê-lo em suas necessidades, a criança estabelece uma continuidade da existência e assim começa a desenvolver a sofisticação que lhe possibilita a lidar com as irritações provocadas pelo ambiente, o que é caracterizado por sua onipotência. O bebê precisa integrar, personalizar e estabelecer relações objetais, tendo a necessidade de ser reconhecido em sua existência a fim de que possa suportar um ambiente hostil, que lhe causa irritações, de modo que tenha menos possibilidades de desencadear transtornos psíquicos posteriormente(7).

Cabe ressaltar que por vezes, a mãe provê um cuidado inicial bom, mas fracassa em completar o processo, permanecendo fundida ao bebê, adiando assim a separação entre eles. Isto pode provocar uma irritação à qual a criança pode reagir, interrompendo a continuidade no processo de vir-a-ser(7).

É esperada a identificação da mãe com o bebê, de maneira que a mesma esteja sensível às necessidades da criança e possa atendê-la no que necessita. Posteriormente a mãe deve estar "pronta para deixar ir sua identificação com o lactente à medida que o lactente começa a precisar ficar separado" dela(7).

Quando ocorre uma provisão ambiental satisfatória, o estabelecimento do holding passa despercebido, embora seja de fundamental importância para o fortalecimento do ego e a continuidade da existência do bebê. Mas é justamente quando há uma falha no holding que tornam-se perceptíveis as conseqüências para o indivíduo do que foi um ambiente incapaz de envolvê-lo, manejá-lo, atendê-lo em suas necessidades físicas e psíquicas, de acolhê-lo, reconhecê-lo e deixar que ele realmente venha existir(7).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao analisar as imagens da fita de VHS, gravadas em uma unidade neonatal de médio risco, de um hospital-escola do Município de São Paulo, foi possível verificar que cada pessoa, ao cuidar do bebê, procede de maneira diferenciada, estando ou não atenta às necessidades do mesmo de acordo com sua capacidade de envolver-se com ele.

É preciso considerar que este estudo baseia-se na observação de apenas alguns momentos e pode, por isso, não retratar a realidade do cotidiano das profissionais e das famílias na interação com o recém-nascido. Cabe ressaltar que em determinados momentos, mesmo as profissionais atentas às necessidades do bebê, podem não dispor de tempo para atendê-los convenientemente devido às múltiplas demandas do serviço. Entretanto, sabemos que não é a quantidade de tempo que se dispende ao bebê, mas a qualidade do cuidado oferecido, que é essencial em termos de provisão ambiental.

Foi possível observar que há auxiliares de enfermagem cuidando das crianças de um modo automático, proporcionando o banho ou trocando uma fralda de maneira mecânica, sem acolher o bebê, ou mesmo manejá-lo adequadamente, o que é evidenciado por um choro forte da criança, além da manifestação de movimentos desorganizados de extensão e flexão dos seus membros superiores e inferiores. Essas mesmas profissionais conversavam entre si durante os procedimentos, sem estabelecer qualquer tipo de comunicação com a criança. Tais atitudes podem estar ocasionando uma falha na provisão ambiental, ou seja, uma falha no holding. As conseqüências dessas irritações ambientais provocaram reações de choro e movimentos desorganizados dos membros, provavelmente em função da sensação de não existir do bebê, relacionada à ansiedade experimentada pelo mesmo.

Como relatado no referencial teórico, repetidas falhas na provisão ambiental como não estar sendo acolhido e validado em sua existência, em suas necessidades fundamentais de alimento, higiene e conforto podem levar o bebê, a sofrer uma ruptura no seu desenvolvimento emocional.

Verificou-se que houve falha no holding fornecido à criança também durante a oferta de leite, evidenciado no comportamento de uma auxiliar de enfermagem que se mostrava desatenta ao bebê posicionado sobre suas coxas, mantendo-o afastado do seu corpo, enquanto olhava para as pessoas que transitavam pela unidade. O protetor ocular do recém-nascido foi mantido durante todo o procedimento, de modo que não se estabeleceu o contato olho a olho, um importante indicadorde interação com a criança.

Durante a oferta do leite, esse bebê não foi visto pela profissional de enfermagem. O bebê que repetidas vezes não foi olhado pela mãe, vai incessantemente buscar esse olhar para ser validado em sua existência. A criança que não passa pelo processo de integração na relação com a mãe e/ou com o cuidador, pode crescer sem estabelecer o limite entre o interno e o externo, misturando-se com o outro por não saber o que é seu e o que é do outro. Assim, faz-se necessário considerar que, o cuidar em enfermagem resguarda em si boa parte daquilo de que o bebê necessita para prosseguir o seu desenvolvimento emocional de modo saudável e vir a constituir-se enquanto ser.

Nas imagens analisadas, notou-se que algumas mães observavam atentamente o ambiente hospitalar e não direcionavam o olhar para seu bebê. Tais mães mantinham sua atenção nas pessoas que transitavam pela unidade, no choro de outros bebês, nas visitas que chegavam, e mesmo em um berço vazio, indicando a ausência de algum bebê.

O ambiente hospitalar parece paralisar algumas mães, que embora presentes na unidade, não se envolveram com seus bebês, o que evidenciou um holding insatisfatório, pois essas mães detiveram-se apenas a contemplar a unidade. Novamente, diante da falha ambiental os bebês podem sofrer uma ruptura no seu desenvolvimento emocional.

Observou-se um pai, que após identificar seu filho no berço, alinhou o seu rosto com o do bebê por breve período, permanecendo ao seu lado sem tocá-lo por algum tempo, até que a auxiliar de enfermagem o incentivasse para tal. Nesse sentido, quando a funcionária aproxima-se do pai e incentiva-o a tocar em seu filho, ela pode estar auxiliando-o a promover a integração e a personalização do bebê. Isso caracteriza o holding, ou seja, poder se aproximar do bebê para apresentar-se a ele e acolhê-lo.

Na análise das imagens foi possível verificar que existem profissionais capazes de fornecer um holding satisfatório ao bebê, acolhendo-o adequadamente, respondendo às suas necessidades, olhando e conversando com ele. As imagens mostram que durante o banho, uma das auxiliares de enfermagem segurava o bebê contendo-o adequadamente de maneira a mantê-lo na posição de enrolamento, conversando e acariciando-o. Conseqüentemente, o choro foi menos intenso do que nos bebês que não receberam tais cuidados. O bebê acolhido, que é visto por aquele que dele cuida, pode prosseguir em seu desenvolvimento com menos chances de vir a desencadear algum transtorno psíquico.

Outra cena mostra um casal em que o pai inicialmente segura a criança ao colo, aconchegando-a ao seu corpo, e em seguida auxilia a mãe a sentar-se em uma cadeira para entregar-lhe o bebê. Nesse momento, o pai agacha-se de modo que seu rosto fica no mesmo plano do rosto materno, mantendo-se nessa posição enquanto a mãe amamentava.

O exemplo acima descrito, pode ilustrar que a atitude do pai permite que a mãe possa entregar-se à amamentação de modo a propiciar o desenvolvimento físico e psíquico da criança. O desempenho do pai, evidenciado em sua atitude com a mãe, pode ter favorecido a mãe para prover um holding satisfatório.

Em relação aos procedimentos dolorosos como na punção venosa, verificou-se uma cena na qual diante da manifestação de choro do bebê, a auxiliar de enfermagem o envolveu nos braços e conversou com ele de modo a acalmá-lo e acolhê-lo. Da mesma maneira agiu uma enfermeira após realizar punção capilar no pé do recém-nascido.

Em um ambiente hospitalar, por vezes esses procedimentos invasivos e dolorosos são inevitáveis. Contudo, é a maneira como é abordada a criança, antes, durante e após o procedimento, que deve ser contemplada pelo cuidador quando pensamos em proporcionar o holding. Desse modo, pautadas na relevância do holding para o desenvolvimento emocional da criança, as autoras ressaltam que saber manejar o bebê, em termos de provisão ambiental, antes, durante e após qualquer procedimento é tão importante para o desempenho do cuidado quanto à habilidade técnica para realizá-lo.

O não envolvimento de algumas mães e de alguns profissionais no cuidado dispensado ao bebê hospitalizado na fase inicial de seu desenvolvimento emocional, no fornecimento de um holding satisfatório, pode vir a ocasionar a possibilidade de não existir da criança, isto é, no estabelecimento de um falso self e no desenvolvimento de transtornos psíquicos, que refletem-se em casos mais extremos.

Por outro lado verificamos que as mães, muito mais do que as profissionais, proporcionavam melhor holding para seu filho, segurando-o junto ao corpo, estabelecendo o contato olho a olho e demonstrando sintonia com as necessidades da criança. Cabe ressaltar que a preocupação materna primáriacomo um estado caracterizado pela sensibilidade aumentada das mães, possibilita-lhes atender sensivelmente às necessidades iniciais do bebê(10:403). Tal fato não exclui a possibilidade de profissionais fornecerem também o holding.

Desse modo, a prestação do cuidado com qualidade semelhante àquele proporcionado pela mãe em estado de preocupação materna primária, só será possível aos profissionais sensibilizados. Sabe-se que nem todos conseguem tal sensibilização apenas por meio do conhecimento formal, uma vez que este não constitui-se no único determinante da ação. É preciso considerar também o aspecto motivacional da interação das profissionais de enfermagem com o recém-nascido, que resultam em ações de cuidar mais adequadas com a pessoa do bebê(5).

Acredita-se que cabe ao profissional da saúde intervir para tornar o ambiente hospitalar mais propício ao desenvolvimento do ser humano, pois pode-se inferir por esse estudo o quanto a provisão ambiental pode ser falha em proporcionar o holding adequado ao desenvolvimento emocional do bebê. Um ambiente propício é desejável para a continuidade do vir-a-ser do bebê, para que o mesmo possa adquirir sua integração, personalização e estabelecer relações objetais, caminhando rumo à independência.

Desse modo, acreditamos ser necessário repensar a prática assistencial de enfermagem, ressaltando a necessidade de que todos os componentes da equipe, mães e pais sejam capazes de atender às necessidades físicas e psíquicas do bebê, de proporcionar um holding satisfatório e de olhá-lo de um modo a legitimar a sua existência psíquica diante do mundo, envolvendo-o e manejando-o adequadamente.

4 CONCLUSÃO

A realização deste trabalho pautada no referencial Winnicottiano, nos permitiu vislumbrar a complementaridade entre as diferentes áreas do conhecimento, possibilitando uma prática transdisciplinar capaz de fornecer subsídios para prestar a assistência de enfermagem, que considera o indivíduo em sua totalidade de modo a favorecer o desenvolvimento e a possibilidade de continuar a vir-a-ser do bebê.

A análise de imagens do cuidado prestado ao bebê no ambiente hospitalar nos revelou que por vezes, há um holding satisfatório por parte dos profissionais e em outras ocasiões há falha no fornecimento de um ambiente que possibilite o desenvolvimento saudável da criança na sua integração, fundamental para posterior personalização, possibilidade de ser unitário e capacidade de estabelecer relações objetais.

Observou-se que a falha no holding dos profissionais é também reproduzida por alguns pais. Talvez o berçário, com múltiplos estímulos, muitas pessoas, restringindo a intimidade do contato entre os pais e seu bebê, dificulte a adoção do estado de preocupação materna primária.

Acredita-se na necessidade de uma intervenção na prática assistencial de enfermagem, que permita um olhar que transcenda o cuidado técnico e que permita ao profissional considerar na sua atuação, o ambiente que atenda às necessidades psico-emocionais do bebê hospitalizado, incluindo também a família como alvo do cuidar, apoiando-a na sua tarefa de envolver-se com o bebê. Afinal, "não existe tal coisa como o lactente ... sempre que se encontra o lactente se encontra o cuidado materno ... se o cuidado materno não for suficientemente bom então o lactente realmente não vem a existir"(7).

Como o presente trabalho representa apenas um recorte do cuidado prestado ao bebê, as autoras recomendam que outros estudos sejam realizados a fim de avaliar o holding proporcionado à criança, tanto pelo profissional de enfermagem quanto pela família, para verificar se a provisão ambiental dada pelos mesmos incorpora ao cuidar as necessidades psico-emocionais do bebê. Por outro lado, como este estudo baseou-se somente na análise das imagens, não nos possibilitou compreender as percepções dos sujeitos da pesquisa, suas motivações e razões de suas condutas. Sugere-se então, a partir do referencial proposto, a realização de outros estudos que desvelem o fenômeno pela ótica dos cuidadores. Ressaltam ainda, que essa questão também apresenta relevância acadêmica, pois entende-se que a introdução de uma mudança no cuidado fornecido ao bebê no hospital-escola como um ambiente de ensino e aprendizagem para os vários profissionais da área de saúde, poderá servir como embasamento de uma prática qualificada para os futuros profissionais.

Data do recebimento: 08/11/2004

Data da aprovação: 20/06/2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 2005

Histórico

  • Aceito
    20 Jun 2005
  • Recebido
    08 Nov 2004
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