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Cuidar-educando em enfermagem: passaporte para o aprender/educar/cuidar em saúde

Education and care in nursing: passport to the learning, education, and care in health

Cuidar-educando en enfermería: pasaporte para la aprendizaje, educación y atención in salud

Resumos

Trata-se de um ensaio sobre o cuidar e o educar em enfermagem a partir de uma abordagem convergente integrativa entre os enfoques, elucidando que o processo dialógico entre o sujeito cuidador e sujeito-cidadão do cuidado deve ocorrer numa perspectiva problematizadora, contextualizada e transversalizada entre os dois mundos conceituais que envolvem a relação do ser humano. Mostra ainda, que para o profissional exercer o cuidar e o educar, ele precisa usar um "passaporte" que o conduza a diferentes "escalas" de saberes de forma criativa, estética, ética, política e técnica. Na qual o educar potencializa a capacidade do cuidar e a utilização deste, o capacita para intervir de forma construtiva/reflexiva, singular/plural, dinâmica/flexível, num determinado contexto histórico cultural de relações entre os sujeitos.

Cuidados de enfermagem; Educação em enfermagem; Educação do paciente


This is an essay about care and education in nursing from integrative and converging approaches, elucidating that the dialogical process between the subject who cares and the citizen-subject who is cared must occur in a problem-maker perspective, contextualized and transversalized between the two conceptual worlds that involve the human relations. It shows furthermore that, to the professional exert the care and education, he must use a "passport" that conducts him to different "scales" of knowledge in a creative, aesthetical, ethical, political and technical approach. In which the education empowers the capacity of care and the use of it, capacitates him to intervent in a constructive/reflexive, singular/plural, dynamic/flexible way, in a given historical cultural context of relationships between subjects.

Nursing care; Education, nursing; Patient education


Se trata de un ensayo sobre el cuidar y el educar en enfermería a partir de un abordaje convergente integrativo entre los enfoques, elucidando que el proceso dialogado entre el sujeto cuidador y el sujeto-ciudadano del cuidado debe ocurrir en una perspectiva problematizadora, contextualizada y transversalizada entre los dos mundos conceptuales que envuelven la relación del ser humano. Muestra también, que para el profesional ejercer el cuidar y el educar, él precisa usar un "pasaporte" que lo conduzca a diferentes "escalas" de saberes de forma creativa, estética, ética, política y técnica. En la cual el educar potencializa la capacidad de cuidar y la utilización de este, lo capacita para intervenir de forma constructiva/reflexiva, singular/plural, dinámica/flexible, en un determinado contexto histórico cultural de relaciones entre los sujetos.

Atención de enfermería; Educación en enfermería; Educación del paciente


REVISÃO

Cuidar-educando em enfermagem: passaporte para o aprender/educar/cuidar em saúde

Education and care in nursing: passport to the learning, education, and care in health

Cuidar-educando en enfermería: pasaporte para la aprendizaje, educación y atención in salud

Fabiane FerrazI; Luzia Wilma Santana da SilvaII; Luiz Anildo Anacleto da SilvaIII; Kenya Schimidt ReibnitzIV; Vânia Marli Schubert BackesV

IEnfermeira. Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Enfermagem da PEN/UFSC/SC. Membro do Grupo de Pesquisa EDEN/UFSC. Bolsista do CNPq. olaferraz@yahoo.com.br

IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela UNIRIO/UESB. Professora Assistente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB. Doutoranda em Filosofia, Saúde em Enfermagem PEN/UFSC. Bolsista CAPES. luziawilma@bol.com.br

IIIEnfermeiro. Mestre em Enfermagem pela UFSC/SC. Professor Assistente do Departamento de Enfermagem Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul/UNIJUI-RS. Membro do Grupo de Pesquisa EDEN/UFSC. lanildo@unijui.tche.br

IVDoutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem da UFSC/SC. Membro do Grupo de Pesquisa EDEN/UFSC

VDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da UFSC/SC. Coordenadora do Grupo de Pesquisa EDEN/UFSC. Pesquisadora CNPq e FUNCITEC. oivania@nfr.ufsc.br

RESUMO

Trata-se de um ensaio sobre o cuidar e o educar em enfermagem a partir de uma abordagem convergente integrativa entre os enfoques, elucidando que o processo dialógico entre o sujeito cuidador e sujeito-cidadão do cuidado deve ocorrer numa perspectiva problematizadora, contextualizada e transversalizada entre os dois mundos conceituais que envolvem a relação do ser humano. Mostra ainda, que para o profissional exercer o cuidar e o educar, ele precisa usar um "passaporte" que o conduza a diferentes "escalas" de saberes de forma criativa, estética, ética, política e técnica. Na qual o educar potencializa a capacidade do cuidar e a utilização deste, o capacita para intervir de forma construtiva/reflexiva, singular/plural, dinâmica/flexível, num determinado contexto histórico cultural de relações entre os sujeitos.

Descritores: Cuidados de enfermagem; Educação em enfermagem; Educação do paciente.

ABSTRACT

This is an essay about care and education in nursing from integrative and converging approaches, elucidating that the dialogical process between the subject who cares and the citizen-subject who is cared must occur in a problem-maker perspective, contextualized and transversalized between the two conceptual worlds that involve the human relations. It shows furthermore that, to the professional exert the care and education, he must use a "passport" that conducts him to different "scales" of knowledge in a creative, aesthetical, ethical, political and technical approach. In which the education empowers the capacity of care and the use of it, capacitates him to intervent in a constructive/reflexive, singular/plural, dynamic/flexible way, in a given historical cultural context of relationships between subjects.

Descriptors: Nursing care; Education, nursing; Patient education.

RESUMEN

Se trata de un ensayo sobre el cuidar y el educar en enfermería a partir de un abordaje convergente integrativo entre los enfoques, elucidando que el proceso dialogado entre el sujeto cuidador y el sujeto-ciudadano del cuidado debe ocurrir en una perspectiva problematizadora, contextualizada y transversalizada entre los dos mundos conceptuales que envuelven la relación del ser humano. Muestra también, que para el profesional ejercer el cuidar y el educar, él precisa usar un "pasaporte" que lo conduzca a diferentes "escalas" de saberes de forma creativa, estética, ética, política y técnica. En la cual el educar potencializa la capacidad de cuidar y la utilización de este, lo capacita para intervenir de forma constructiva/reflexiva, singular/plural, dinámica/flexible, en un determinado contexto histórico cultural de relaciones entre los sujetos.

Descriptores: Atención de enfermería; Educación en enfermería; Educación del paciente.

1. INTRODUÇÃO

As discussões envolvendo o cuidar associado ao educar, podem ser vistas como extremamente convenientes e saudáveis; haja visto, a importância de se trabalhar estes dois conceitos de maneira integrativa. Cuidar e educar são ações eminentes ao ser humano, e, por conseguinte, intrínsecas aos profissionais da área da saúde. Neste aspecto, a articulação entre cuidar e educar é o arcabouço para o exercício do desenvolvimento profissional em saúde, versando entre outros aspectos, os saberes de forma criativa, estética, ética, política e técnica.

A enfermagem atual vem destacando-se nos mais diversos segmentos como pesquisa, ensino, assistência, consultoria, entre outros, e ainda, pode avançar neste processo de inter-relação entre o cuidado e a educação, uma vez que independente da área de atuação, a imagem da(o) enfermeira(o) como cuidadora é indissociável. Uma vez que, a(o) enfermeira(o) ao cuidar está educando e também está sendo educada(o), ela(o) compartilha saberes com os sujeitos-cidadãos do cuidado e seus familiares(1). Desta forma, enfocamos neste trabalho, a educação como uma forma de cuidar e o cuidado como uma forma de educar.

2. CONTEXTUALIZANDO O CUIDAR E EDUCAR

A terminologia cuidar, encontra sentido e dá sentido ao exercício da enfermagem, sendo que "a palavra cuidado está íntima e, ousamos afirmar, definitivamente aderida à enfermagem. Nenhuma profissão é mais cuidadora do que a enfermagem"(2). Todavia, algumas(uns) enfer-meiras(os) ainda têm uma visão limitada e limitante do cuidado, o qual muitas vezes é visto de maneira compartimentada, normalmente voltado à implementação de cuidados seriados, dentro de uma lógica resolutiva.

Frente a isto, pensamos o cuidado em outra dimensão, o compre-endemos de uma forma mais abrangente, na condição que a todo o momento estamos cuidando. Cuidamos e nos cuidamos e partindo desta premissa, cuidamos para que o cuidado seja seguro, diferenciado, integrativo, e que este possa ser verdadeiramente, para além de uma visão epistemiológica, enfocando o ontológico.

Neste sentido, entendendo o cuidado integrativo, como um conjunto de ações integradas ao ser humano, de relações interpessoais, um cuidado que busque desenvolver a capacidade de perceber/percebendo-se, ouvir/perscutando e tocar/sentindo o outro em seu contexto e nas dimensões de seu espaço. Assim, para efetivação deste cuidado, é necessário haver uma interação, uma relação intersubjetiva, que se traduza em intervenções mediadas pelo diálogo e pelas atitudes.

Quando nos referimos ao cuidado, não estamos nos referindo somente a aplicabilidade de cuidados diretos ao sujeito-cidadão do nosso cuidado. Visualizamos o cuidado dentro de outra dimensão, com características bem mais abrangentes, como dito anteriormente. E neste sentido, referimo-nos a indissociabilidade entre o cuidar e o educar, este último numa perspectiva que se refere aos quatro pilares da educação: (a) aprender a conhecer: instrumentos de compreensão; (b) aprender a fazer: agir sobre o meio envolvente; (c) aprender a viver junto aos outros: participar e cooperar com os outros em suas atividades humanas; e, (d) aprender a ser: via essencial que integra os três precedentes(3); sendo que ao observarmos esta questão, percebemos enquanto enfermeiras(os), a necessidade de avançarmos ainda mais neste processo.

Para tanto, a utilização da educação como uma forma de cuidar, transcende os preceitos básicos do cuidado, pois por meio do educar potencializamos nossa capacidade de cuidar, e a utilização desta, nos capacita a intervir de forma construtiva/reflexiva, singular/plural, dinâmica/flexível, num complexo histórico cultural de relações humanas entre sujeitos, num sistema cíclico de relações, em que um aprende com o outro, e este aprender converge para a transformação de ambos, de quem os rodeiam e do meio no qual estão inseridos. Poderíamos aqui exemplificar, a partir de uma visão técnico-científica, a atuação do educar e cuidar por meio de um trabalho que ratifica as assertivas em relação a esta temática, o qual demonstra que houve uma mudança no perfil das internações hospitalares, uma vez que constatou uma redução das internações pediátricas, entre as mães que realizaram pré-natal(4).

Todavia, ao utilizarmos a tecnologia leve como ferramentas dos cuidadores e educadores para o cuidado, agindo como cidadãos, poderemos transcender no tempo e no espaço, pois observamos que podemos utilizar o cuidar e educar, na preservação do meio ambiente, na prevenção de acidentes, em formas de gerar conhecimentos, visando uma cultura de conscientização e a responsabilização da população no sentido do cuidar e educar. Sendo que a tendência transformadora da educação, não pode aceitar como único e verdadeiro o saber sistematizado oficialmente, portanto não deve relutar em admitir o saber originário do senso comum mola propulsora para um empreendimento científico(5).

Sobre o saber popular defendemos que, não é inferior e não é superado pelo conhecimento da ciência, pois este atende a dimensão subjetiva, e a compreensão da subjetividade do outro é o caminho para a compreensão do estético e do expressivo no cuidado(6). Visto desta forma, associamos o cuidar e educar, ao considerarmos que, "precisamos de mais educação, de mais formação e informação. Obviamente, importa socializar os conhecimentos, aumentar a massa crítica da humanidade e democratizar os processos de empodera-mento"(7). Em relação ao cuidado acreditamos que, "cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo um com o outro"(7).

A enfermagem é caracterizada pelo cuidado, assim, cabe a esta pensar/agir que tipo de cuidado será dispensado aos sujeitos-cidadãos do seu cuidar. Umas das formas que podemos exemplificar, para estabelecer um cuidado efetivo, é a utilização do processo de enfermagem, todavia, elaborado com uma proposta de cuidar de maneira integrativa e não compartimentado, sendo os familiares uma extensão do cuidado e não mais um a ser cuidado. Fato este, necessário salientar, por percebermos em nosso cotidiano, que muitas(os) de nós enfermeiras(os), ainda, vêem a família de uma maneira dissociada, quando deveria enxerga-la como parte integrante do processo de cuidar e educar seu ente, cuidado-se e educando-se numa via de "mão dupla". Pensamos que no planejamento e implementação do cuidado, este deve ser integrativo, sendo assim, capaz de integrar as necessidades do indivíduo-sujeito-cidadão.

A utilização adequada de uma metodologia em enfermagem torna o cuidado integrativo, ou seja, de acordo com as suas necessidades físicas, situacionais, emocionais e espirituais. Porém, o modelo de atenção à saúde, ainda vigente nos hospitais, tem como objetivo, a recuperação mais rápida possível do sujeito-cidadão do cuidado, com a resolução da patologia prevalente, situação em que outros fatores inerentes às doenças são poucos considerados. Assim, "no modelo biomédico-mecaniscista o indivíduo é, estrategicamente, mantido alheio dos problemas de saúde que lhes dizem respeito, dos procedimentos a que é submetido e da terapêutica adotada"(6). Este fato também é observado frente as práticas educativas em saúde, realizadas pelo Ministério da Saúde, que têm como característica a verticalidade, a descontinuidade, a predominância biológica, a desarticulação dos saberes, não participativo e com ênfase no mecanicismo(8). Frente a essa questão, salientamos que "esse indivíduo só é visto no seu aspecto natural, isso é biológico. A subjetividade, a singularidade, a diversidade que distingue cada ser humano, a sua própria condição em relação a tudo que o cerca não são focalizados e muito menos valorizados. Apesar da tentativa de se adotar uma visão holística nas práticas de saúde, o estatuto que ainda prevalece é o das ciências naturais, que se reflete no modelo biomédico de saúde"(9).

Ao conjeturar a citação acima, observamos que estas situações levam ao um cuidado padronizado, impessoal, que podem ser benéficas ou atender as necessidades institucionais e profissionais, mas estão dissociadas, das necessidades individuais. Pensamos ser ético, não apenas ao entender a normatização, mas para além desta, em horizontes que incluam o respeito a pessoa como cidadã e como ser social(10), mantendo o sujeito-cidadão do cuidado e seus familiares devidamente informados e conscientes a respeito de todas as ações que venham ou possam ser implementadas. Quando estes então, buscam entender o que está acontecendo, este é o momento mais propício para estabelecer um diálogo e o processo educativo.

Neste sentido compreendemos que por meio da pedagogia problematizadora, podemos direcionar uma nova sistematização sobre a compreensão do diálogo, como um caráter eminentemente político. Uma vez que, o diálogo não é só um encontro de dois sujeitos que buscam o significado das coisas o saber; mas um encontro que se realiza na práxis ação mais reflexão, no engajamento, no compromisso com a transformação social, apresentando-se novamente a ação. Dialogar não é apenas trocar idéias, o diálogo que não leva à ação transformadora é puro verbalismo. Portanto, o diálogo libertador implica assumir compromissos, comprometer-se, configurando desse modo a ação-reflexão-ação (11).

Corroborando com as idéias acima, percebemos que o diálogo deve ser "entendido como uma relação entre pessoas que se intercomunicam que possibilita a crítica e a problematização, onde ambos podem se manifestar. Quem dialoga, dialoga com alguém e sobre algo, e a partir daí processa-se o aprender a aprender, contextualizado com a prática reflexiva que surge por meio do diálogo, onde o ideal é nunca parar de aprender"(12).

Assim, compreendemos ser o diálogo uma forma adequada na socialização do conhecimento entre os cuidadores/sujeitos-do-cuidado/familiares, sendo que por meio deste podemos compartilhar de saberes; todavia, cabe salientar a necessidade que o diálogo seja mediado pela relação dialógica e não pela transmissão de informações pura e simples, no qual a(o) enfermeira(o) passa informações de uma forma verticalizada, com a prevalência de um sujeito sabedor, sobre um sujeito ignorante, pois cabe salientar que "o ser humano nos é revelado em sua complexidade: ser ao mesmo tempo totalmente biológico e totalmente cultural"(13).

Ao associar cuidar e educar existe a possibilidade de conversão e diversificação dos conhecimentos, em que estes possam ser construídos, desconstruídos e adaptados as necessidades individuais e coletivas. Pois, em um trabalho educativo em enfermagem envolvendo gestantes, percebeu-se que "a educação é uma dimensão do processo de cuidar. É um processo flexível, dinâmico, complexo, social, histórico, reflexivo, que se constrói a partir das interações entre os seres humanos, no qual quem ensina aprende e quem aprende ensina, havendo troca de conhecimentos e experiências mútuas, uma vez que cada ser que interage, o faz com suas idéias, valores, atitudes e experiências"(14).

Quando nos referimos ao cuidado integrativo, estamos fazendo uma alusão ao cuidado que possa contemplar as necessidades dos indivíduos e/ou famílias, incluindo neste aspecto as questões educativas. Todavia, para que isso ocorra, deve-se utilizar de uma educação que possa promover os sujeitos, que possa capacitar a resolução dos problemas de saúde e, sobretudo, utilizar-se dos conhecimentos adquiridos como uma forma de prevenção das doenças e promoção da saúde.

Pensamos que a utilização da educação no cuidado, por ser o cuidado uma característica bastante peculiar da enfermagem associado à educação, possa constituir-se em um fator a mais, na autonomia, na promoção e no reconhecimento da enfermagem. Ao relacionar a questão da autonomia na educação e/ou na assistência, concordamos com a idéia de que o "nosso trabalho se dá num espaço de autonomia do trabalhador independente da sua função, sempre existirá a possibilidade de criar, de ir além"(15).

Ao nos referirmos à educação e o cuidado, compreendemos que se insere neste contexto a educação continuada, como um fator de preparo do enfermeiro a executar com segurança e efetividade os cuidados de enfermagem, sendo este cuidado não dissociado do educativo. Uma vez que, "visualiza-se a educação e o cuidado como atividades inerentes à enfermagem, não havendo condições de dissocia-los, pois quando cuida-se/educa-se e quando se educa também se cuida"(16).

A verdadeira educação em saúde estimula o indivíduo/família/comunidade, a buscar conhecimentos voltados a reflexão e conscientização, autonomia e auto-cuidado. Em um estudo que trabalhou com enfermeiras(os) que atuam na educação em saúde na prevenção de DSTs/AIDS, observou-se que a maioria dos enfermeiros entenderam a educação em saúde como sendo repasse de informações, enquanto alguns compreendem essa função como o desenvolvimento de uma consciência crítica, refletindo uma abordagem político-social(17).

Percebe-se que há uma discussão sobre as práticas educativas e o cuidado, fazendo uma ponte com o poder disciplinador, sendo que na prática educativa em saúde o autoritarismo pode estar presente, por meio dos critérios de inclusão e/ou exclusão, rotulação dos sujeitos-cidadãos do cuidado segundo sua doença, fornecimento de medicação mediante a presença em `palestras', distanciamento de valores entre os profissionais e os sujeitos do cuidado(9). Pois, os profissionais não estão habituados a trabalhar em grupo de uma forma participativa e dialógica, sendo que "a educação em saúde pode constituir-se em instrumento de mudança, no sentido de construir sujeitos livre, sempre que o poder for utilizado para produzir saber e gerar novos conhecimentos. É interessante acrescentar que muitos dos textos analisados baseiam-se na assunção da responsabilidade individual sobre a ação e no aperfeiçoamento do cliente, enquanto ser humano, através da educação em saúde. O equívoco reside principalmente em que o enfoque tradicional da educação apresenta características individualizantes, unilaterais e coercitivas, diante de problemas que requerem soluções mais abrangentes"(9).

Frente ao exposto acima, o que nos cabe é refletir o uso da educação em saúde, como uma forma de exercitar o poder e estabelecer controles pelas enfermeiras, e a esse respeito nos chama a atenção, aquilo que poderíamos denominar, cuidado padronizado em detrimento ao cuidado integrativo.

Observa-se no nosso cotidiano, que na implementação de cuidados padronizados, assemelhados a cuidados seriados, a situação que, se cuida conforme a patologia apresentada, o planejamento da assistência parte da doença de base e não das necessidades dos indivíduos, sendo que estes devem aderir ao cuidado proposto e adaptar-se a inflexibilidade das normas e rotinas. Cabe salientar que nestes casos, os fatores sociais, culturais, relacionais, religiosos e espirituais, são relegados a um segundo plano na elaboração dos cuidados e na implementação das questões educativas, pois se esquece que o ser humano tem dupla entrada "uma entrada biofísica e uma entrada psicosociocultural, que se remetem uma a outra"(13).

Ao abordar o cuidado padronizado, entre as estratégias utilizadas em grande escala para orientação, faz uso de cartilhas, nas quais procura-se estabelecer guias de comportamento pré-determinados, os quais não são educativos, pois induz o indivíduo em direção a um determinado comportamento. A orientação por meio de cartilhas torna o indivíduo um `objeto', no qual os preceitos da cartilha têm por objetivo fazer o indivíduo `funcionar'. Observa-se que estas procuram satisfazer as necessidades institucionais envolvendo peculiaridades individuais e coletivas. Esta é uma forma em que o cuidar e o educar não estão interligados, pois não se está valorizando os espaços das relações entre os sujeitos, a intersubjetividade.

Referindo-se à questão da orientação na educação para o cuidado, observou que toda orientação deve estar centrada nas necessidades dos sujeitos-do-cuidar, situação em que proporcione ao mesmo tempo a participação na busca de soluções para seus problemas e deliberar como alcançar suas próprias metas(18).

Ao situar uma ação educativa, pensamos que esta possa contemplar as necessidades dos sujeitos-cidadãos do cuidado e familiares; mas principalmente, visar um processo efetivamente educativo, por meio do diálogo, pois a ação educativa, "não pode ser um simples ato de transmitir, de depositar, mas um ato cognoscente entre sujeitos (educador/sujeito-cuidador e educando/sujeito-cidadão do cuidado grifo nosso), numa relação dialógica, ou seja, mediada pela palavra, pelas relações, pelas emoções e pelos objetos cognoscíveis"(12).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao exposto até o momento, buscamos uma educação em que o sujeito-cidadão do cuidado e o cuidador possam estar incluídos dentro de um determinado contexto situacional, no qual sua cultura e conhecimentos sejam utilizados para alicerçar uma prática educativa, visando a reflexão e a conscientização necessária em que os mesmos possam cuidar/cuidando-se, promovendo desta forma uma educação transformadora(19). Logo, isto vem ao encontro do pensamento de que os saberes não podem ser simplesmente transferidos, mas instigados aos educandos, neste caso, os sujeitos-cidadãos do cuidado, a serem sujeitos reais na `construção e da reconstrução' juntamente com o educador, este aqui entendido como sujeito cuidador, estando ambos inseridos no processo de cuidar e educar em saúde.

Data do recebimento: 16/09/2004

Data da aprovação: 31/08/2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Out 2005

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2004
  • Aceito
    31 Ago 2005
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