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Irmã Tereza Notarnicola

Sor Tereza Notarnicola

Sister Tereza Notarnicola

Resumos

Este trabalho objetiva identificar os motivos que levaram Irmã Tereza para a Enfermagem e sua inserção na Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), contribuindo para divulgar a história dessa enfermeira como um exemplo de vida profissional e de dedicação à enfermagem. Trata-se de um estudo de natureza histórico-social e segue o referencial teórico-metodológico da Historia Oral de Vida para a coleta de dados. Ela trabalhou 33 anos em prol de todos os enfermeiros. Durante esse período, ela deu uma grande contribuição para a construção da sede nacional da ABEn em Brasília, pois não somente angariou recursos em inúmeras campanhas para levantamento de fundos, como ela própria administrou a construção do prédio. Ela foi secretária executiva da ABEn por muitos anos e trabalhou com todas as principais líderes da enfermagem e pioneiras do País, organizando congressos, conferências e outros eventos científicos. Todos os enfermeiros estão em débito com esta notável figura de enfermagem, que em seus 86 anos, continua trabalhando numa casa de idosos. Ela é uma legenda vida e modelo para os jovens enfermeiros.

História da enfermagem; Sociedades de enfermagem; Organizações de enfermagem


Se trata de un trabajo que intenta identificar las motivaciones que movieran Sor Tereza a la enfermería y su inserción en la Asociación Brasilera de Enfermería y contribuir para divulgar su historia como un ejemplo de vida profesional y de dedicación a la enfermería. Este es un trabajo de naturaleza histórica y social con referencial teórico y metodológico embasado en Historia Oral de Vida como instrumento para la colección de datos. Ella ha trabajado por 33 años para el beneficio de los enfermeros, Durante este periodo se destaca su gran contribución para la construcción de la sede nacional de la Asociación, en Brasilia, no solo recaudando recursos en diversas campañas pero también administrando la construcción misma. Ella fue también secretaria ejecutiva de la Asociación por muchos años y trabajó con todas las líderes de enfermería y pioneras del país, organizando congresos, conferencias y otros eventos científicos. Todos los enfermeros están en débito con esta notable figura de enfermería, quien en sus 86 años, sigue trabajando en una casa de personas de edad. Ella es una legenda viva y modelo para los enfermeros jóvenes.

Historia de la enfermería; Socieadades de enfermería; Organizaciones de enfermería


This paper aims at identifying the motivations which moved Sister Tereza toward nursing and her insertion into Brazilian Nursing Association contributing to disseminate her history as an example of professional life and dedication to nursing. This is a social-historical study based on historical-methodological reference approach of Oral History of Life for data collection. Sister Tereza worked over 33 years for the benefit of all nurses. During this period she contributed to build up the national headquarter of the Association, in Brasília, not only collecting resources through several raising funds campaigns, but also administering the construction itself. She also was executive secretary of the Association for many years and worked with all main nurse-leaders and pioneers of the country, organizing national congresses, conferences and other scientific events. All nurses are in debt to this notable nursing figure, who at the age of 86, continues working in a nursing home caring old people. She is a living legend and model for young nurses.

Nursing History; Nursing societes; Nursing organizations


PESQUISA

Irmã Tereza Notarnicola

Sister Tereza Notarnicola

Sor Tereza Notarnicola

Taka OguissoI; Genival Fernandes de FreitasII

IEnfermeira e Advogada. Professora Titular do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, SP

IIEnfermeiro e Advogado. Professor Doutor do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, SP

RESUMO

Este trabalho objetiva identificar os motivos que levaram Irmã Tereza para a Enfermagem e sua inserção na Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), contribuindo para divulgar a história dessa enfermeira como um exemplo de vida profissional e de dedicação à enfermagem. Trata-se de um estudo de natureza histórico-social e segue o referencial teórico-metodológico da Historia Oral de Vida para a coleta de dados. Ela trabalhou 33 anos em prol de todos os enfermeiros. Durante esse período, ela deu uma grande contribuição para a construção da sede nacional da ABEn em Brasília, pois não somente angariou recursos em inúmeras campanhas para levantamento de fundos, como ela própria administrou a construção do prédio. Ela foi secretária executiva da ABEn por muitos anos e trabalhou com todas as principais líderes da enfermagem e pioneiras do País, organizando congressos, conferências e outros eventos científicos. Todos os enfermeiros estão em débito com esta notável figura de enfermagem, que em seus 86 anos, continua trabalhando numa casa de idosos. Ela é uma legenda vida e modelo para os jovens enfermeiros.

Descritores: História da enfermagem; Sociedades de enfermagem; Organizações de enfermagem.

ABSTRACT

This paper aims at identifying the motivations which moved Sister Tereza toward nursing and her insertion into Brazilian Nursing Association contributing to disseminate her history as an example of professional life and dedication to nursing. This is a social-historical study based on historical-methodological reference approach of Oral History of Life for data collection. Sister Tereza worked over 33 years for the benefit of all nurses. During this period she contributed to build up the national headquarter of the Association, in Brasília, not only collecting resources through several raising funds campaigns, but also administering the construction itself. She also was executive secretary of the Association for many years and worked with all main nurse-leaders and pioneers of the country, organizing national congresses, conferences and other scientific events. All nurses are in debt to this notable nursing figure, who at the age of 86, continues working in a nursing home caring old people. She is a living legend and model for young nurses.

Descriptors: Nursing History; Nursing societes; Nursing organizations.

RESUMEN

Se trata de un trabajo que intenta identificar las motivaciones que movieran Sor Tereza a la enfermería y su inserción en la Asociación Brasilera de Enfermería y contribuir para divulgar su historia como un ejemplo de vida profesional y de dedicación a la enfermería. Este es un trabajo de naturaleza histórica y social con referencial teórico y metodológico embasado en Historia Oral de Vida como instrumento para la colección de datos. Ella ha trabajado por 33 años para el beneficio de los enfermeros, Durante este periodo se destaca su gran contribución para la construcción de la sede nacional de la Asociación, en Brasilia, no solo recaudando recursos en diversas campañas pero también administrando la construcción misma. Ella fue también secretaria ejecutiva de la Asociación por muchos años y trabajó con todas las líderes de enfermería y pioneras del país, organizando congresos, conferencias y otros eventos científicos. Todos los enfermeros están en débito con esta notable figura de enfermería, quien en sus 86 años, sigue trabajando en una casa de personas de edad. Ella es una legenda viva y modelo para los enfermeros jóvenes.

Descriptores: Historia de la enfermería; Socieadades de enfermería; Organizaciones de enfermería.

1. INTRODUÇÃO

A motivação para escrever sobre a vida de Irmã Maria Tereza Notarnicola foi o conhecimento da história dessa religiosa e enfermeira que continua militando na profissão desde a década de 1940, sempre com grande idealismo e perseverança. Ela é detentora de uma visão singular e privilegiada do seu tempo, do significado do que era ser enfermeira antes, nos anos passados e hoje, e consciência do seu papel no processo de consolidação da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), como um espaço de representatividade político-social da profissão.

É preciso criar uma historiografia da profissão que rompa com a localização da História da Enfermagem fora da história social e oficial(1). Por isso, este estudo pretende olhar para uma parte da História da Enfermagem na ótica de um ator social e personagem atuante dessa História, buscando uma articulação entre passado e presente, partindo da trajetória de vida desse personagem. Desse modo, esperamos contribuir para esclarecer o presente com base nos significados atribuídos às vivências desse personagem, tornando-as significativas aos enfermeiros.

Faz-se mister conhecer e compreender a história da profissão, a inserção social e os significados atribuídos socialmente às atividades desenvolvidas em prol da coletividade. Caso contrário, e sem conhecimento da história da profissão(2) inviabiliza-se qualquer posicionamento perante as múltiplas e dinâmicas realidades sociais e as transformações necessárias.

Qual o legado de Irmã Maria Tereza Notarnicola para o desenvolvimento e o reconhecimento profissional da enfermagem? Como se deu sua contribuição para a consolidação da ABEn? Que significados atribui à sua prática e à inserção nas atividades profissionais? Essas interrogações despertaram-nos para a preocupação na conservação da memória da profissão a respeito de acontecimentos marcantes e a repercussão destes fatos para o processo histórico-social do desenvolvimento da enfermagem nos cenários nacional e internacional. Assim, a memória é algo pessoal e intransferível que é conservada em um processo contínuo de lembranças, significação e socialização(3). Sendo assim, no presente trabalho valemo-nos da memória da colaboradora como fonte para a investigação, pois o interesse nessa memória é a interpretação que o sujeito participante faz dos fatos por ela vivenciados, ao longo de mais de meio século, e que tiveram significações para a construção da História da Enfermagem Brasileira.

A proposta deste trabalho, portanto, se pauta no estudo dos relatos orais dessa testemunha ocular do seu tempo, ainda viva, lúcida e atuante, acerca da História da Enfermagem Brasileira, a fim de identificar os fatores que motivaram essa sua atuação profissional e inserção no processo de construção da identidade da enfermagem, na busca da valorização da profissão. Partindo de um olhar e da memória da história de quem a tem vivenciado ao longo desse período até os dias de hoje, este trabalho pretende contribuir para desvelar aspectos da História da Enfermagem Brasileira, apontando valores, crenças e motivações que permearam esse caminhar profissional, considerando-se o fato de que essa colaboradora é parte integrante dessa história e como ator social detém nuances da memória histórica da enfermagem.

Em seu discurso em homenagem à Irmã Tereza, como Enfermeira do Ano, em 1971, na abertura do XXIV Congresso Brasileiro de Enfermagem, Clarice Della Torre Ferrarini destacava que "... Aqui as suas colegas de todo o Brasil trazem o calor da amizade e os agradecimentos pelo muito que a senhora fez e continua fazendo pelo desenvolvimento da Enfermagem. A Associação Brasileira de Enfermagem, através de sua Diretoria e associadas, de público reconhece o seu trabalho e dedicação à causa associativa, pois a senhora tem sido incansável..."(4).

Além do trabalho profissional como enfermeira em diversas instituições hospitalares, Irmã Tereza destacou-se pela sua atuação na ABEn, pois participou de quase todos os Congressos de Enfermagem, desde que se diplomou em 1947, inclusive, representou o país em congressos internacionais do Comitê Internacional Católico de Enfermeiras e Assistentes Médico-sociais (CICIAMS). Ocupou mais de 30 cargos de Diretoria nas Seções da ABEn, tendo sido Presidente da Seccional Minas Gerais, Coordenadora de Comissões Permanentes e Especiais da ABEn, gerente da Revista Brasileira de Enfermagem e tesoureira da ABEn. Destacou, ainda, sua capacidade de gerir negócios e a quase multiplicação de recursos, apontando, também, seu empenho na construção da sede da ABEn, em Brasília.

Para completar a apresentação da homenageada, Clarice ressaltou algumas qualidades da mesma, dizendo: "(...) A senhora mostrou ser portadora de especial bênção de ver adiante e realizar aquilo que visualizou. Em seu coração, qual solo gentil e fértil de amor, permitiu que germinasse a bênção recebida e eclodisse na constância da dedicação, oferecendo ânimo aos aflitos e mais, para suas companheiras, ânimo para o trabalho de cada uma, e pela lição recebida, de entusiasmo e fé no trabalho realizado (...) sempre servindo o próximo e, assim, justificando a vida(4).

Em agradecimento à ABEn pela homenagem, Irmã Tereza assim se expressou: "Integrei-me à ABEn, essa querida Associação a quem muito devo e a cujo serviço tenho votado o mais carinhoso empenho e todo ardor e esforço, quer na defesa de suas causas e ideais, quer na valorização de seu patrimônio, contribuindo para a construção da sede em Brasília, obra em parte realizada, graças à ajuda de todas as Seções e à confiança que me foi atribuída no desempenho do cargo de tesoureira"(5).

Os objetivos deste estudo são: identificar os motivos que levaram à atuação profissional de Irmã Maria Tereza, sua inserção nas atividades da ABEn para a valorização e reconhecimento da profissão, nos cenários nacional e internacional, a partir da década de 1940 e contribuir para divulgar sua história como exemplo de vida profissional e de dedicação à classe.

2. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Para atingirmos os objetivos deste trabalho, optamos pelo referencial da história oral de vida, por acreditarmos que ele nos possibilitaria conhecer o transcorrer da trajetória de vida pessoal e profissional da colaboradora escolhida.

A História Oral consiste no relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência de vida que adquiriu. Também é uma das formas de se captar informações oralmente, constituindo-se ora em método de pesquisa, ora em recurso para a coleta de dados(6).

O presente trabalho é de natureza histórico-social e nele foi utilizada a técnica da história de vida, como instrumento para coleta de dados.

De acordo com Humerez, há necessidade de se diferenciar a história de vida de outros instrumentos de coleta de dados como o depoimento, a história oral, a biografia, a autobiografia. Embora em todos esses instrumentos prevaleça a oralidade, quando usamos a história de vida para coletar dados, apesar da subjetividade do sujeito, sempre atingiremos a coletividade e, portanto, a objetividade e captamos o grupo do qual o sujeito é parte. No caso da história de vida, tem importância fundamental o interesse pela seqüência da vida do sujeito. Quando a intenção do pesquisador é conhecer um dado específico que o sujeito poderá ter conhecimento ou experiência, o depoimento sobre o assunto poderá ser mais adequado(7).

A história de vida se distingue da biografia, por ser esta última a história do indivíduo redigida por outro, o que a aproxima e, às vezes, confunde-se com a história de vida, no entanto, esta última permite o recorte dos discursos para a análise e interpretação e, geralmente, o pesquisador toma-a na encruzilhada da realidade subjetiva-objetiva, enquanto que na biografia, o mais importante é a história individual do sujeito em questão.

Alguns autores preferem denominar história oral de vida, enquanto depoimento de um indivíduo acerca de sua experiência de vida, enfatizando-se a necessidade de se dar espaço para que o colaborador possa dar seu depoimento com a maior liberdade possível, podendo, inclusive, conduzir esse depoimento sozinho, com o mínimo de interferência do entrevistador. O que importa é a vida do narrador, a história de sua experiência pessoal e a preservação de uma narrativa natural e ampla. O uso de questionários ou perguntas indutivas é inapropriado, pois as entrevistas devem ser livres, ou seja, as perguntas devem ser amplas e oferecer subsídios para que o narrador comece a falar. Estas podem ser divididas em blocos que orientem a seqüência da narrativa(8).

A história de vida significa apreender a subjetividade do indivíduo, compreendendo-a numa dimensão processual, considerando que é produzida por instâncias individuais, coletivas e institucionais, num inter-jogo dialético entre o eu, o outro e o mundo(7). Desse modo, a partir do estudo da narrativa do sujeito singular que vivenciou um período histórico específico na ABEn, foi delineada a trajetória metodológica escolhida que se pautou na história de vida da Irmã Maria Tereza Notarnicola, por meio da entrevista semi-estruturada.

A História Oral baseia-se nos mesmos pressupostos teóricos de outros procedimentos utilizados na pesquisa sociológica e, por conseguinte, tais pressupostos não lhe conferem um caráter de método independente, mas lhe garante o status de método(9).

Ao obter-se a narrativa da entrevistada que vivenciou a profissão num contexto determinado, torna-se possível resgatar acontecimentos, valores, ideologias e desvelar significados atribuídos às suas vivências. Para tanto, valemo-nos do movimento de círculos de progressão e regressão no qual os fatos, percepções e interpretações do narrador não descrevem um percurso linear; ao contrário, obedecem a uma lógica que lhe é própria, de acordo com a importância atribuída a cada lembrança no contexto que ele deseja desvelar(10). Sendo assim, esse movimento possibilitou-nos reconstruir a história de vida de uma testemunha ocular de fatos relevantes da História da Enfermagem Brasileira, as atividades junto à ABEn, e o quanto essas ações puderam contribuir para o conhecimento e a valorização da profissão.

Portanto, este estudo tem como base o método da História Oral, que possibilitou, a partir das narrativas da colaboradora escolhida, aproximarmo-nos do conhecimento de suas vivências, por meio de procedimentos de coleta, análise e interpretação dessas narrativas.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E DE ANÁLISE

3.1 A escolha da colaboradora

Decidimos ouvir a história de vida de Irmã Tereza, como colaboradora, por entender que sua trajetória profissional de atuação nos últimos 50 anos mostrou-se de extrema relevância na construção dos parâmetros da profissão, em especial, na consolidação da ABEn como uma entidade representativa dos profissionais de enfermagem, e por demonstrar plena lucidez no raciocínio crítico, para a idade, e uma visão extraordinária sobre a necessidade de inserção da enfermagem nos diferentes cenários da prática social e política.

3.2. Coleta e análise de dados

A coleta dos dados iniciou-se com agendamento de entrevista com a colaboradora, na residência da mesma, totalizando dois encontros em dias diferentes, em 2005. No primeiro, foi-lhe explicado o objeto, os objetivos do trabalho e a forma de captação dos dados entrevista gravada. Não foi fácil obter sua concordância, pois em sua modéstia e humildade achava que havia feito tudo por obediência ao seu voto religioso e obrigação profissional com a enfermagem. Concordou em colaborar ante a alegação de que a história de sua vida poderia servir de modelo para as novas gerações de enfermagem. Após seu consentimento, ainda no primeiro encontro, procedemos à realização da entrevista semi-estruturada, pautada nas seguintes questões norteadoras, as quais foram elaboradas com base no objetivo deste estudo:

a) A senhora poderia discorrer sobre sua escolha profissional?

b) Como se deu sua participação nas atividades da Associação Brasileira de Enfermagem?

c) Qual a importância que essa Associação teve em sua vida?

d) Como se deu seu envolvimento com líderes da enfermagem da década de 50 até os dias atuais?

Por duas vezes, os relatos transcritos foram submetidos à apreciação da colaboradora para ajustes necessários e esclarecimento de dúvidas dos próprios autores. Todas as sugestões dela foram incorporadas. A seqüência da vida e a atuação profissional dessa personagem tornaram possível a organização dos dados na medida em que destacamos fatos, que a própria depoente julgou marcantes, ao longo de sua vida associativa na ABEn e em outras tantas atividades em prol da profissão e da coletividade a que sempre serviu.

Optamos pela exposição da narrativa a partir da história da sua vida familiar, indo ao desempenho de papéis ao longo da vida dessa colaboradora, pois entendemos que a análise ficaria mais centrada na história de sua vida. Assim, após a transcrição, leitura e releitura do conteúdo, procedemos à transcriação do texto, com o cuidado de validá-lo com a colaboradora e autora das narrativas, a fim de extrair as categorias das falas, após classificar e codificar os discursos de acordo com os temas tratados nas entrevistas. Os resultados desses procedimentos podem sofrer a influência da subjetividade dos pesquisadores, o que exige alguns cuidados para não haver prejuízo do sentido atribuído a fatos, conceitos, valores e circunstâncias(11). Por isso, ratificamos as informações coletadas com a colaboradora após a transcrição e transcriação do texto.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Infância e adolescência

Sou descendente de italianos, nascida no bairro do Brás, na capital de São Paulo, em 8 de maio de 1920, e registrada como Maria Notarnicola. Meus pais nasceram em Bari, no sul da Itália, imigraram com meus avós para o Brasil e aqui se casaram. Há pouco tempo reunimos a família toda, éramos quase 150 pessoas entre netos, bisnetos, tetranetos. Somos 5 irmãos, sendo 2 homens e 3 mulheres. Minhas duas irmãs ainda estão vivas. Meus sobrinhos são todos adultos, cristãos e bem encaminhados na vida.

4.2 Opção pela vida religiosa

Entrei para a Companhia das Filhas de Caridade de São Vicente de Pauloª a Segundo as Constituições das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, 1983, existem três níveis na instituição: a companhia, a província e a comunidade local. Assim, a Companhia das Filhas da Caridade tem a sede central ou casa-mãe, em Paris, onde a organização foi fundada, por São Vicente de Paulo e Santa Luisa de Marillac, à qual estão subordinadas todas as províncias. Cada comunidade local é subordinada às províncias que abrangem uma grande região geográfica, podendo haver mais de uma província no mesmo país. Portanto, na nomenclatura da Igreja existem grupos religiosos denominados ordens, congregações e companhias, mas que popularmente acabam todos sendo conhecidos como congregações religiosas , em 1937, quando estava com quase 17 anos de idade. Depois de um ano de noviciado em São Paulo, na Creche Catarina Labourè, fui servir em Porto Alegre, onde permaneci de 1939 a 1944. Uma enfermeira francesa da minha comunidade achou que eu tinha jeito para ser enfermeira e influenciou a superiora. Assim, voltei ao Rio de Janeiro para fazer o curso de enfermagem, na Escola Luisa de Marillac.

Hoje em dia não há mais religiosas nos hospitais, a não ser nos hospitais das próprias congregações onde elas continuam atuando. Algumas religiosas terceirizaram a administração das suas instituições, inclusive hospitalares. Nós também deixamos a Santa Casa do Rio de Janeiro, depois de longos anos de trabalho.

A partir da chegada das Filhas de Caridade na Santa Casa, do Rio de Janeiro, em 1832, todas as demais casas da Santa Casa de Misericórdia foram assumidas pela nossa Comunidade: Caju, Santa Maria, Santa Teresa e em outros Estados (13). Muitas crianças que nasciam de mães abandonadas eram acolhidas pelas Irmãs de Caridade na Fundação Romão Duarte. Vale lembrar que até o Hospital de Alienados do Rio de Janeiro, onde foi fundada a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (atualmente UNIRIO) foram as nossas irmãs que começaram. Algumas irmãs francesas já vinham com o curso de enfermagem feito na Cruz Vermelha. Naquele tempo, na França, eram formadas como enfermeiras de guerra. Raquel Haddock Lobo também foi formada pela Cruz Vermelha Francesa e foi a primeira diretora brasileira da Escola Anna Nery, da UFRJ. Muitas Irmãs de Caridade se destacaram em diversos trabalhos da ABEn, mas atuar por tanto tempo, 33 anos, de corpo e alma na Associação, manhã, tarde e noite, fui eu quem fez isso.

Quanto ao meu trabalho atual, posso dizer que já havia encerrado minha carreira e era membro remido do COREN-SP, quando fui requisitada pela minha Comunidade para servir na Casa de Idosos, em Santa Branca (SP), obedeci e estou aqui até hoje, já há cinco anos. Sou a responsável técnica, uma exigência do COREN, para que a instituição pudesse continuar a funcionar. Quero ser fiel a Deus e ao meu voto de obediência. Ao chegar nessa Casa, percebi que ela estava em condições muito precárias com as instalações todas deterioradas, precisando de uma urgente reforma e conservação. E como manter uma casa como essa com idosos de ambos os sexos? A provincial me pediu para dar início à reforma. Tivemos que demolir quase tudo, só ficaram os alicerces. Com a ajuda de amigos e familiares, conseguimos grande parte do material necessário. A construção consumiu R$ 660 mil, sendo R$ 380,00 da Congregação e o restante foi obtido através de doação. Vivi superando dificuldades, mas sempre com os pés no chão e confiante na graça de Deus. Enfrentei as mesmas dificuldades no Hospital São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro, construído na mesma área onde fica a Cúria Provincial, o Colégio São Vicente e o Santuário da Medalha Milagrosa. A Congregação teve que hipotecar 8 propriedades situadas entre o Rio de Janeiro e São Paulo pelo empréstimo feito no Ministério da Saúde, em um valor muito alto na época, cerca de duzentos e quarenta mil cruzeiros. Tivemos que deixar o nosso Hospital São Vicente, no Rio de Janeiro, como pagamento da dívida, que se tornava uma bola de neve, devido à inflação galopante. Para isso tivemos que hipotecar oito casas, sendo três em São Paulo e as demais em Friburgo e no Espírito Santo.Com muita luta conseguimos nos livrar da hipoteca. Felizmente, hoje o Hospital São Vicente é um dos melhores no Rio de Janeiro e recebeu várias vezes a premiação do ISO 9002.

4.3. Escolha profissional

Na verdade, não houve uma escolha pessoal ou o despertar de uma vocação, mas uma designação superior para que eu fosse fazer o curso de enfermagem. Obedeci à ordem e entrei na Escola Luisa de Marillac, no Rio de Janeiro, onde comecei em 1944 e concluí em 1947, dedicando-me de corpo e alma ao curso. Em 1947, participei ainda como aluna do 1º Congresso Brasileiro de Enfermagem, em São Paulo. Gostei do curso e da profissão, pois realizei-me plenamente como Irmã de Caridade e como enfermeira. Logo ao formar-me, engajei-me na Associação Brasileira de Enfermagem. Depois de formada fui para Araguari, onde fiquei até 1949, ano em que conheci Marina de Andrade Resende. Ela me convidou e eu aceitei fazer parte da Comissão de Assistência de Enfermagem: não só dávamos a assistência, mas cuidávamos da parte de administração. Depois fui para Recife, onde fui professora na Escola de Enfermagem Nossa Senhora das Graças. Lecionei na Escola de Enfermagem Carlos Chagas e por 16 anos fui professora na Luisa de Marillac.

Fiz curso de pós-graduação em Enfermagem Obstétrica na Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo (atual UNIFESP), em 1958, e fui aluna de Madre Domineuc. Depois fui para a França, para o curso de Pedagogia e didática aplicada à enfermagem, em Paris, tendo lá permanecido por um ano. Lembro-me que saí do Brasil, em 1959, no dia 26 de outubro e cheguei lá dia 07 de novembro, porque a viagem era de navio. Voltei dia 26 de outubro e cheguei dia 07 de novembro de 1960, com o mesmo navio, no ano seguinte. Naquele ano comemoravam-se os 327 anos de fundação da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo.

Naquela época para fazer enfermagem era necessário um sentimento de humanidade muito grande, pois a profissão apenas começava a ter evidência. As pioneiras se dedicavam todas de corpo e alma para a profissão e muitas delas eram de famílias ilustres e tradicionais do Brasil, como a própria Raquel Haddock Lobo, a Da. Edith de Magalhães Fraenkel, a Maria Julieta Calmon Vilas-Boas (posteriormente foi ser religiosa beneditina de clausura), Alayde Duffles Teixeira Lott, (irmã do General Teixeira Lott que, em 1956, garantiu a posse de Juscelino Kubitschek como Presidente da República e foi seu Ministro da Guerra) a Irmã Esther de Almeida Neves, de nossa Comunidade, que era irmã de Tancredo Neves e muitas outras. Infelizmente parece que nós, as veteranas, não soubemos preparar as gerações subseqüentes e nem incutimos nelas esse espírito de classe e dedicação, cidadania, participação e determinação de lutar pelos nossos ideais. Será que houve falha das escolas de enfermagem ou de cada profissional que não deu o exemplo?

Antigamente havia uma disciplina chamada Exercício Profissional, no curso de graduação, que ensinava o que era a profissão, seus valores e símbolos, quem eram as líderes e os órgãos de classe, como nos representavam e o que cada um deveria ser e fazer pela sua classe. Parece que agora só ensinam a técnica e as teorias da enfermagem e não se ensina mais esse amor pela profissão.

4.4 Atividades desenvolvidas na ABEn

O fato de ser religiosa não era empecilho para desenvolver atividades na ABEn. Minha "congregação" liberou meu tempo, mas não o dinheiro. Meus irmãos sempre me ajudaram financeiramente. A ABEn não custeava nada, nem passagens, nem estadias. Pagávamos nossas viagens, alimentação e tudo mais do próprio bolso. Dávamos suor, sangue e lágrimas para promover a Associação.

Lembro-me de muitas reuniões da ABEn onde havia discussões acaloradas, cada uma defendendo seu ponto de vista. Assisti fortes discussões entre Madre Domineuc, Irmã Matilde Nina e D. Rosaly Taborda. Quero destacar que conheci todas as lideres e pioneiras da enfermagem brasileira, com exceção de Raquel Haddock Lobo (que morreu em 1933) e trabalhei com todas as presidentes da ABEn nacional, desde a primeira, Da. Edith Fraenkel, até a Dra Maria Ivete Ribeiro de Oliveira. Nos Congressos eram muitas discussões, por exemplo, sobre estágios dos alunos da graduação, critérios para admissão de alunos no curso de Obstetrícia, questões pertinentes às disciplinas curriculares e muitas outras. Muitas professoras da Escola Anna Néry queriam continuar a manter a mesma hegemonia dos tempos de fundação da Escola, o que era relativamente fácil porque todas as escolas de enfermagem tinham que ser equiparadas à Anna Nery, pois o reconhecimento somente surgiu com a Lei n. 775/49. Porém, em 1942, com a nomeação de Da. Edith Fraenkel como diretora da Escola de Enfermagem, da USP, ela levou para São Paulo a revista da ABEn, que estava interrompida, alterou seu nome e reativou a sua publicação. Em seguida, organizou o primeiro congresso de enfermagem e, varias enfermeiras paulistas assumiram sucessivamente a presidência da ABEn e, assim, a liderança da enfermagem brasileira acabou ficando por décadas em São Paulo, interrompida pela mineira Marina de Andrade Resende. A importância da ABEn na minha vida foi fantástica. Tudo que aprendi, administrativamente, devo à Associação, porque trabalhei com essas mulheres ilustres.

4.5 Construção da sede em Brasília

Começamos a construção da sede da Associação, em Brasília, porque queriam retomar o terreno da ABEn, que havia sido doado pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) do Governo Federal, a pedido da presidente da ABEn, Da. Maria Rosa Pinheiro, em 1958. A partir desse pedido oficial e até que se concretizasse a doação coordenei diversas campanhas e rifas para levantamento de fundos. Por exemplo, foram rifados em 1965, no Rio de janeiro, o anel de pérola oferecido pela Circe de Melo Ribeiro, o casaco de pele da Anayde Correa de Carvalho, uma máquina de costura da Wanda Horta, e uma enceradeira oferecida por outra colega. Somente em março de 1967 deu-se o ato de assinatura de posse do terreno com escritura de doação lavrada pelo presidente da Novacap e pela presidente da ABEn, Circe de Melo Ribeiro, e foi estabelecido o prazo de dois meses para começar e dois anos para concluir a construção, contados da data da escritura. Diversas vezes a Novacap tentou retomar o terreno alegando que a ABEn não estava cumprindo os prazos. A ABEn teve que pedir prorrogação de prazo por diversas vezes, mas ciente de que o terreno seria retomado, pois outras associações começaram a se interessar pelo terreno, não apenas pela extensão como pela boa localização, no setor de Grandes Áreas Norte (SGAN), destinada a instituições pois, em Brasília, como cidade planejada havia um setor para cada atividade: bancário, hospitalar, hoteleiro e assim por diante.

A campanha da pedra fundamental, visando à construção da sede em Brasília foi desencadeada porque mais uma vez surgiu a ameaça de retomada do terreno, desta vez pela Associação dos Engenheiros que queria construir sua sede. Em 1967, no Congresso da ABEn, em Brasília, a presidente Circe de Melo Ribeiro lançou a pedra fundamental da sede, como parte da estratégia de início de construção. Na época o local era um descampado enorme com muito vento que levantava poeira vermelha e sem nenhum sinal de vida. Foi difícil localizar o terreno, mas mesmo assim, juntamos um exemplar do Correio Brasiliense do dia da inauguração do Congresso, o Diário Oficial do dia 20 de julho, ata da doação do terreno, cópia da escritura definitiva do terreno, estatuto da ABEn, foto da inauguração do Congresso, além da ata do lançamento com a assinatura dos presentes que foram colocados na urna, e enterrada no terreno. Surgiu um comentário na época da construção da sede, de que a pedra fundamental teria sido lançada em terreno errado, devido a um erro do topógrafo que identificou o terreno vizinho como sendo da ABEn, onde a pedra foi enterrada e esse terreno pertencia a um centro espírita.

Fizemos uma série de campanhas: a do tijolo, a da placa dos cinco mil, a campanha das seções. Nos congressos cada seção fazia uma doação. O resultado financeiro dos congressos era rateada, ficando metade para a ABEn nacional e a outra metade para a seção que organizava o evento. Mas em vários congressos, conseguimos que essa verba toda ficasse só para a ABEn nacional. O primeiro a ceder foi a ABEn-PE, após o congresso de Recife, em 1968.

Na campanha dos cinco mil, Amália e Anayde Corrêa de Carvalho e Clarice Ferrarini deram 5 mil cada uma. Também participaram dessa campanha D. Mariana Corrêa de Carvalho, irmã de Amália e Anayde, e Helena Silveira (secretária da Escola de Enfermagem da USP), que embora não fossem enfermeiras fizeram questão de contribuir para a construção da sede da ABEn, pela proximidade que tinham com enfermeiras. As professoras da Escola Anna Nery conseguiram juntar esse valor para oferecer à ABEn. Instituímos uma placa com os nomes das pessoas que participaram dessa campanha dos cinco mil, que representava muito dinheiro na época. Com o valor arrecadado conseguimos erguer a primeira parte da sede. Mas a sede possui três partes em dois pavimentos (1.000 metros de área construída) que foram sendo completados até sua inauguração, em 1972. Foi uma grande luta e podemos orgulhar-nos de termos sido a única associação de classe que conseguiu construir a sede própria no terreno doado pela Novacap, pois nenhuma outra organização profissional conseguiu esse feito. A ABEn nacional cedeu temporariamente algumas salas no andar térreo, para funcionar como sede da seção da ABEn-Brasília, e depois também para o Conselho Regional de Enfermagem (COREN) local.

Fui para Brasília na gestão de Ieda Barreira e Castro, em 1976, para substituir a Clarice Ferrarini, que era secretária executiva da Associação e ocupava o cargo de Coordenadora da Assistência Hospitalar, do Ministério da Saúde. Nessa época ela ficou morando, no Rio, na casa de nossa Comunidade, porque esse setor do Ministério funcionava na Avenida Brasil. Quando o Ministério da Saúde foi todo para Brasília, a Clarice foi também e eu assumi o lugar dela na ABEn. Fiquei em Brasília de 1976 a 1982 e saí porque fui nomeada ecônoma da província de minha Comunidade. Nos seis anos que estive em Brasília, vivi exclusivamente para a ABEn. Aos domingos, como não tinha para onde ir, visitava a Lídia das Dores Mata que morava na cidade. O que Lídia Mata fez pela enfermagem foi incrível e pouca gente sabe ou conhece essa história. Ela era muito simples e modesta e nunca divulgou nada, mas as pessoas que, como eu, a conheceram sabe como ela foi importante para toda a classe. Ela foi a Brasília logo no começo da construção, junto com os candangos, e foi a primeira enfermeira a trabalhar no Senado Federal. Foi praticamente uma religiosa leiga. Só de filhos dos outros que ela criou foram nove. Morreu cega e esclerosada. Foi a primeira Diretora da Escola de Enfermagem Magalhães Barata, do Pará, e foi também diretora da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Conhecia todo mundo em Brasília, ministros ou militares e era respeitada por todos os senadores e deputados. Ela abriu muitas portas e oportunidades em Brasília para que a ABEn pudesse discutir com autoridades os projetos de interesse para a classe e para aprovação das leis de enfermagem.

Em Brasília, eu fazia a administração da sede, era a secretária executiva, escrevia, presidia, guiava cursos, cuidava das publicações e da correspondência da ABEn. Nos dias de reunião da ABEn fazia almoço para os membros da Diretoria. Lígia Paim, quando trabalhava no Ministério da Educação, editou livros, e o lucro auferido era revertido para a manutenção da Associação e da Revista Brasileira de Enfermagem. Naquela época a revista era distribuída gratuitamente aos associados da ABEn, em todo o Brasil. Revisava o Boletim Informativo e todo mundo recebia em casa. Quanto trabalho! Nesse tempo, eu era gerente da revista, tesoureira e secretária. Uma vez ocorreu uma grande enchente na sede, de madrugada, quando o caseiro que morava no fundo me telefonou. Fui imediatamente e tive que entrar na sede com água pela cintura para tentar salvar o que fosse possível. Felizmente os papeis importantes e documentos estavam no andar superior e não foi prejudicado, mas perdemos os carpetes, muitos moveis e equipamentos que estavam no térreo. Foram vários dias para limpeza geral do que restou dos moveis e secar tudo. Essa enchente havia sido causada por falta de uma galeria pluvial que cruzasse o terreno para conduzir a água da rua para a parte mais baixa do terreno no fundo, que teve de ser construída para evitar novas enchentes.

Nos fundos da sede estava a Fundação Getúlio Vargas. De um lado, era um centro espírita e de outro havia uma outra associação, vizinha da ABEn. Desde a construção, até colocar a casa em pleno funcionamento, participei de tudo. Imprimíamos o boletim no mimeógrafo da ABEn, depois compramos máquina de xerox, e máquinas de escrever elétricas. Inicialmente os móveis do salão haviam sido emprestados pelo Senado Federal até conseguirmos comprar. As empresas que se comprometiam a ajudar eram pontuais. Por exemplo, a B. Braun mobiliou a biblioteca, a Johnson ajudou a comprar móveis e contribuía na impressão e papel do boletim. A Presidente da ABEn da época tinha horror das multinacionais, mas nada podia fazer pois a ABEn não tinha dinheiro para custear tudo. Inclusive sem as multinacionais, muitas enfermeiras não podiam participar dos congressos, pois essas empresas pagavam passagens e hospedagem para elas. Não conseguíamos fazer quase nada sem os laboratórios multinacionais que ofereciam jantares e almoços, enfim toda a parte social como shows artísticos. A Revista Brasileira de Enfermagem foi custeada por muitos anos pela Johnson. Hoje percebemos que a nossa memória é muito curta, pois esquecemos o quanto a ABEn conseguiu fazer graças aos auxílios recebidos. É sabido que mesmo em congressos internacionais ou de outras profissões, essas empresas ajudam na infra-estrutura e na parte social dos eventos.

4.6. Líderes da Enfermagem Brasileira

Trabalhei um pouco com a D. Waleska Paixão, Presidente de Associação e havia aquela luta entre enfermeiras e obstetrizes, no Rio de Janeiro. Foi por intermédio dela que comecei a entrar em contato com a Secretaria de Educação Sanitária, hoje Vigilância Sanitária. Foi ali que eu comecei a trabalhar para a criação do Conselho Federal de Enfermagem. A D. Zaíra Cintra Vidal encabeçava a discussão que começou em 1947 e levou quase 30 anos para ser criado, em 1973.

D. Edith Fraenkel foi a primeira presidente da ABEn nacional, re-eleita diversas vezes intercalando seu mandato com as das que a sucederam. A segunda foi Hilda Ana Krisch, sucedida por Zaíra Cintra Vidal, Marina Bandeira, Waleska Paixão, Glete de Alcântara, Maria Rosa Pinheiro, Marina de Andrade Resende, Clarice Ferrarini, Circe de Melo Ribeiro, Amália Correa de Carvalho, Glete de Alcântara de novo, Maria da Graça Corte Imperial, Ieda Barreira e Castro, Circe de Melo Ribeiro (re-eleição) e Maria Ivete Ribeiro de Oliveira. Inicialmente os mandatos eram de dois anos, mas as presidentes eram sucessivamente re-eleitas e por isso o estatuto foi modificado para ser de quatro anos a partir de 1972. Glete faleceu durante seu segundo mandato e foi sucedida pela 1ª. Vice-presidente, Maria da Graça Corte Imperial, do Rio de Janeiro. Maria Ivete foi sucedida por Maria José dos Santos Rossi, representante da ala denominada Participação, em 1986, e a partir daí, perdi contato com a ABEn pois houve mudança de diretrizes e minha colaboração não foi mais solicitada. Assim foi a sucessão de líderes da enfermagem na Associação. No começo todas eram da Escola Ana Néri. Depois da Glete e Maria Rosa a presidência passou para São Paulo, por muito tempo, com exceção da Marina Resende, que era de Minas Gerais, mas trabalhava no Rio de Janeiro, porque havia substituído D. Maria Rosa no cargo da Fundação SESP.

Dentre as Presidentes da Associação Brasileira de Enfermagem, destacaria a D. Edith, que apesar de toda a idade que já tinha depois que deixou São Paulo, em 1955, foi chefiar a Casa de Saúde São Sebastião, no Rio. As Irmãs de Caridade deram muita assistência a ela até seu falecimento. Ela não só fundou a ABEn, mas fundou a Escola de Enfermagem de São Paulo e foi a primeira enfermeira a ocupar um cargo no Ministério da Saúde, no antigo Departamento Nacional de Saúde Pública. Depois foi a D. Izaura Barbosa Lima e a Clarice Ferrarini. Mas de cada uma delas, podemos destacar uma qualidade. Por exemplo, na construção da sede, foram três pessoas que a enfrentaram: a Amália, a Clarice e a Circe. Elas foram as mulheres que conseguiram recursos e mobilizaram a classe para construir a sede e fazer a sua instalação. Eram pessoas de grande destaque e liderança na Enfermagem, em nível nacional. Quem pediu o terreno ao governo federal (no tempo de Juscelino Kubitscheck) foi a D. Maria Rosa. Quem lançou a pedra fundamental foi a Circe, mas quem assumiu todo o ônus da construção foi a Amália. Quem mobiliou foi a Clarice. Terminada a construção faltava a parte paisagística da área externa e a urbanização, seguida da decoração interna para a transferência da ABEn e sua instalação definitiva, em 1975. Mas, havia um fato que desconhecíamos quando da construção da sede. O terreno tinha cristais de rocha que trincaram e movimentou a terra e o prédio da sede começou a afundar. Nova corrida para arrecadação de dinheiro de enfermeiras e seções da ABEn para reforçar a estrutura do edifício, em 1982. Cada seção teve que contribuir de acordo com o número de associados. Nessa escala, coube à Seção São Paulo a maior contribuição financeira para essa obra.

As enfermeiras que assumiram a presidência da ABEn, naquela época, eram mulheres idealistas, dedicadas, de grande valor moral e liderança inconteste e muitas delas provinham mesmo de um nível social privilegiado. D. Edith era neta de Benjamim Constant, e seu pai havia sido embaixador do Brasil. D. Maria Rosa era de uma família tradicional de Araraquara; a Amália, de uma importante família de Ribeirão Preto, assim como a Glete e Marina Resende, ambas de Minas, mas Glete se radicou em São Paulo e Marina trabalhou na Fundação SESP, no Rio de Janeiro. A Maria Ivete era de tradicional família baiana, aluna da primeira turma da Escola de Enfermagem da Bahia e depois diretora dessa Escola, alem de vice-reitora da Universidade e secretária de Estado da Bahia. A Clarice Ferrarini foi a primeira Diretora de Enfermagem do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina, da USP, e quem mais tempo permaneceu no cargo. Ieda Barreira era da Divisão Nacional de Tuberculose. Maria da Graça Corte Imperial era do Hospital Souza Aguiar e trabalhou na Secretaria da Saúde do Rio de Janeiro.

Havia muitas religiosas enfermeiras no Brasil, o que levou a ABEn a filiar-se ao CICIAMS, uma entidade internacional católica. Infelizmente, a ABEn pediu desligamento dessa entidade cujo principal objetivo era orientar enfermeiros a prestar assistência espiritual e religiosa aos pacientes. Da. Waleska Paixão, uma verdadeira religiosa secularizada, influiu na decisão dessa filiação, pois havia sido Diretora da Escola Anna Nery, depois de Lays Neto dos Reis. A ABEn não era, declaradamente, uma entidade católica para poder atender ao principio da não discriminação religiosa exigida pelo ICN (Conselho Internacional de Enfermeiros)b b Nota dos autores: De fato, talvez a única diferença favorável seja que, graças ao montante anual pago pelo COFEN ao ICN, a região da América Latina tenha direito a dois cargos eletivos e não apenas um. Com isso, em tese, o Brasil, representado pelo COFEN, consiga eleger sempre um enfermeiro para a Diretoria do ICN. e assim poder continuar filiada a essa entidade internacional. O CICIAMS aceitou a filiação da ABEn com certa reserva, pois a considerava como membro aderente e não efetivo.

Em nossa história consta que Florence trabalhou com as Filhas da Caridade e viveu como se fosse uma delas, usando os mesmos trajes antes de ir para Criméia. Quem sabe quantas coisas ela incorporou das regras de São Vicente de Paulo, aos princípios gerais que adotou para a enfermagem que ela queria implantar. Pode-se mesmo afirmar que a moderna enfermagem nasceu bem dentro da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo.

4.7. Congressos e outros eventos marcantes

Um fato inusitado da minha trajetória na ABEn, poderia destacar o congresso de Belo Horizonte, em 1984. Havia a chapa denominada "Participação", encabeçada por Maria José Rossi e ferozmente defendida por um pequeno grupo de enfermeiros. A outra era denominada "Compromisso", encabeçada pela Maria Ivete Ribeiro de Oliveira, da Bahia. Sentimos muito temor pela vida da Ivete, em sua posse, tal a atitude de prepotência e arrogância desse grupo. Lembro-me da Circe Ribeiro fazendo o discurso com o papel na mão, passou o colar de presidente para o pescoço da Ivete e declarou-a empossada. Foi um instante dramático, e eu fiquei em pé, atrás de Ivete, dando-lhe apoio enquanto ela fazia o seu discurso de posse, reiterando a sua plataforma de trabalho. Do lado de fora, aquele pequeno grupo de enfermeiros inconformados, cantava o Hino Nacional, tentando atrapalhar a posse da Presidente da ABEn, legitimamente eleita, que ocorreu no Clube da Policia Militar. Quantas lutas e quantos embates! E assim, a vida continua cheia de encantos... Precisamos encarar os desafios e vivê-los a cada momento.

4.8 Cargos ocupados na ABEn e na vida profissional

Comecei na ABEn com a Marina de Andrade Resende. Meu primeiro trabalho foi na Comissão de Assistência. Depois foi uma sucessão de atividades na Associação: fui tesoureira, por 16 anos, depois por 11 anos da Revista Brasileira de Enfermagem. Desempenhei o papel de secretária executiva e presidi várias comissões de preparo de chapas de candidatos. Desempenhei a função de tesoureira de cinco ou seis congressos brasileiros de enfermagem. Trabalhei como Presidente da ABEn, seção de Minas Gerais, ocasião em que elegemos a Circe presidente da ABEn nacional. Fiquei em Belo Horizonte de 1960 a 64.

4.9. Como vê o desenvolvimento da profissão

O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) foi criado pela ABEn. As enfermeiras que lutaram na ABEn pela sua criação foram as mesmas que batalharam depois para que existisse um conselho de enfermagem. E foram essas colegas, ex-presidentes da ABEn, como Amália, Maria Rosa, Ivete que também dirigiram o COFEN. Havia uma ligação muito grande entre os dois órgãos de classe (ABEn e COFEN). A ABEn lutou quase trinta anos para criar o COFEN, depois subsidiou sua instalação até que ele pudesse seguir sozinho. Depois as seções da ABEn ajudaram a criar os CORENs, primeiro no Rio de Janeiro e depois em São Paulo. Havia um grande entrosamento entre as líderes estaduais da ABEn nos seus Estados com os respectivos CORENs. Essa ligação era tão forte que para se fazer a chapa do COREN, as seções da ABEn eram consultadas. Era muito clara a distinção entre o COFEN, criado para ser uma autarquia federal para fiscalização do exercício profissional de enfermagem e a ABEn, uma entidade cultural e científica da classe. Infelizmente, esse elo foi rompido pela ganância de poder e disputa de espaço de uma entidade por outra, criando uma rivalidade desnecessária, pois os espaços estavam assegurados para cada uma, dada a especificidade de objetivos e de atuação de cada entidade. Mas, a ABEn, de filiação voluntária, foi perdendo força econômica na mesma proporção em que o COFEN foi ganhando, por ser de filiação compulsória e também por ser braço do governo como autarquia federal. Um grande golpe foi dado pelo COFEN ao solicitar ingresso no ICN, onde a ABEn já estava por mais de 60 anos consecutivos. Enfermeiros brasileiros já estavam representados nessa entidade internacional através da ABEn, pagando-se uma cota muito menor e usufruindo dos mesmos direitos* que sempre teve. Talvez, em função desse vínculo internacional que criou novas obrigações, paulatinamente, o COFEN foi avançando seu âmbito de ação, primeiro sobre as especialidades de enfermagem e agora até a realização de congressos, reproduzindo muitas das atividades que a ABEn já fazia e continua fazendo nesse campo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os objetivos previamente delineados, este estudo possibilitou-nos identificar os motivos que levaram Irmã Maria Tereza Notarnicola a realizar o trabalho a que se propôs e o quanto ela se dedicou à causa da enfermagem brasileira, não medindo esforços ou sacrifícios para isso. Inseriu-se de corpo, mente e alma para a efetiva valorização e reconhecimento da enfermagem, tanto no cenário nacional quanto no internacional, baseada nos seus valores sempre perseguidos de perseverança em sua vocação religiosa, altruísmo total e tenacidade na busca dos fins profissionais. Apesar da idade, Irmã Tereza continua perfeitamente lúcida, lembrando-se de fatos com riqueza de detalhes, e demonstra grande empolgação e vivacidade ao descrever os momentos que viveu na enfermagem, principalmente na ABEn, à qual se dedicou integralmente e tanto contribuiu para que a profissão fosse mais respeitada, valorizada e reconhecida pela sociedade de nosso país.

Eis um exemplo vivo de profissional autêntico que não conheceu limites para sua autodeterminação, empenho e capacidade de realizar, organizar e gerenciar recursos humanos, multiplicar recursos materiais e fazer brotar as conquistas que a enfermagem e os enfermeiros necessitavam. Se cada um de nós realizar uma parte do que ela fez, sem dúvida a nossa profissão alçará vôos inimagináveis. Se em 1971, na homenagem da ABEn como Enfermeira do Ano, Clarice Ferrarini agradecia à Irmã Tereza, pelo muito que ela havia feito, hoje, depois de outros trinta anos passados, como agradecer de novo? O melhor a fazer é procurar seguir esse modelo de vida profissional e exemplo de dedicação à classe que ela nos deu.

Inegavelmente, o trabalho junto à ABEn, ao lado das pioneiras e lideres da enfermagem brasileira, rendeu-lhe experiência, mas exigiu seu empenho, determinação e capacidade de gerenciar esses recursos humanos e materiais. É a própria Irmã Tereza que diz: "E assim, a vida continua cheia de encantos... Precisamos encarar os desafios e vivê-los a cada momento".

Submissão: 18/04/2006

Aprovação: 21/09/2006

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    Segundo as Constituições das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, 1983, existem três níveis na instituição: a companhia, a província e a comunidade local. Assim, a Companhia das Filhas da Caridade tem a sede central ou casa-mãe, em Paris, onde a organização foi fundada, por São Vicente de Paulo e Santa Luisa de Marillac, à qual estão subordinadas todas as províncias. Cada comunidade local é subordinada às províncias que abrangem uma grande região geográfica, podendo haver mais de uma província no mesmo país. Portanto, na nomenclatura da Igreja existem grupos religiosos denominados ordens, congregações e companhias, mas que popularmente acabam todos sendo conhecidos como congregações religiosas
  • b
    Nota dos autores: De fato, talvez a única diferença favorável seja que, graças ao montante anual pago pelo COFEN ao ICN, a região da América Latina tenha direito a dois cargos eletivos e não apenas um. Com isso, em tese, o Brasil, representado pelo COFEN, consiga eleger sempre um enfermeiro para a Diretoria do ICN.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      21 Set 2006
    • Recebido
      18 Abr 2006
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