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Vivenciando o período puerperal: uma abordagem compreensiva da Fenomenologia Social

Vivenciando el período puerperal: un abordaje comprensivo de la Fenomenología Social

Experiencing the postpartum period: a comprehensive approach of Social Phenomenology

Resumos

Trata-se de estudo qualitativo, realizado com puérperas que possuem convênio saúde, visando compreender a experiência da mulher que vivencia o puerpério e conhecer quais as necessidades de cuidado percebidas por estas mulheres. Fundamentou-se na pesquisa qualitativa, no referencial da fenomenologia social. Dos depoimentos emergiram as categorias: assumindo responsabilidade pelo bebê; sentindo-se sobrecarregada, limitada e insegura; percebendo-se vulnerável; vivenciando um sentimento único e mágico; referindo satisfação em relação ao atendimento pós-parto. Os resultados evidenciaram que a vivência das mulheres no pós-parto é similar à das mulheres que não possuem convênio saúde. No que se refere à assistência, foi possível perceber que o fato de possuir convênio saúde possibilita a intersubjetividade entre a mulher e o profissional de saúde, permitindo vivenciar este período de forma mais segura.

Período pós-parto; Saúde da mulher; Pesquisa qualitativa


Se trata del estúdio cualitativo, realizado com puerperas que poseen beneficio de salud visando comprender la experiência de la mujer que vivencia el puerperio y conocer cuales son lãs necesidades de cuidado percibidas por estas mujeres. Se dio fundamento en la pesquisa cualitativa con referencia a la fenomenologia social. De las declaraciones sobresalieron las categorias: asumiendo responsabilidad por el bebé; sintiendose sobrecargada, limitada e insegura; percebiendose vulnerable; vivenciando un sentimiento unico y mágico; refiriendo satisfacción en relación al atendimiento al posparto. Los resultados evidenciaron que la vivencia de las mujeres en el posparto es similar a la de las mujeres que no poseen beneficio de salud. En lo que se refiere a la asistencia, fue posible percibir que el fato de poseer asistencia médica posibilita la intersubjetividad entre la mujer y el profesional de la salud, permitiendo vivenciar este periodo de forma mas segura.

Período posparto; Salud de la mujer; Investigación cualitativa


The aim of this study was to achieve an understanding of what new mothers served by private health care realize about the postpartum period, as well as identifying what their help and care needs are, during this life cycle. The research development proposition has been grounded on a qualitative research model with the phenomenological approach. Some categories came out from the statements: Taking charge of her child; feeling overloaded, overwhelmed and insecure; sensing herself vulnerable; experiencing a magic and unique emotion; reporting postpartum care satisfaction. After reviewing the categorical analysis, the postpartum living experiences as described by the subjects have been found quite similar to that of women without private health care. Nevertheless, the access to good quality in private health services became an important aspect because it enabled a close subjective relationship of mother and health care professional, allowing a safe postpartum experience.

Postpartum period; Women's health; Phenomenology


PESQUISA

Vivenciando o período puerperal: uma abordagem compreensiva da Fenomenologia Social

Experiencing the postpartum period: a comprehensive approach of Social Phenomenology

Vivenciando el período puerperal: un abordaje comprensivo de la Fenomenología Social

Míriam Aparecida Barbosa MerighiI; Roselane GonçalvesII; Isabela Granghelli RodriguesIII

IProfessor Doutor Associado do Departamento Materno Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), São Paulo, SP. Líder do Grupo de Pesquisa em Enfermagem e a subjetividade da mulher que vivencia o processo saúde-doença. merighi@usp.br

IIrofessor Doutor do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), São Paulo, SP. Membro do Grupo Pesquisa em Enfermagem e a subjetividade da mulher que vivencia o processo saúde-doença. roselane@usp.br

IIIAluna de Graduação em Enfermagem da EEUSP, São Paulo, SP. Membro do Grupo Pesquisa em Enfermagem e a subjetividade da mulher que vivencia o processo saúde-doença. isabelagr@gmail.com

RESUMO

Trata-se de estudo qualitativo, realizado com puérperas que possuem convênio saúde, visando compreender a experiência da mulher que vivencia o puerpério e conhecer quais as necessidades de cuidado percebidas por estas mulheres. Fundamentou-se na pesquisa qualitativa, no referencial da fenomenologia social. Dos depoimentos emergiram as categorias: assumindo responsabilidade pelo bebê; sentindo-se sobrecarregada, limitada e insegura; percebendo-se vulnerável; vivenciando um sentimento único e mágico; referindo satisfação em relação ao atendimento pós-parto. Os resultados evidenciaram que a vivência das mulheres no pós-parto é similar à das mulheres que não possuem convênio saúde. No que se refere à assistência, foi possível perceber que o fato de possuir convênio saúde possibilita a intersubjetividade entre a mulher e o profissional de saúde, permitindo vivenciar este período de forma mais segura.

Descritores: Período pós-parto; Saúde da mulher; Pesquisa qualitativa.

ABSTRACT

The aim of this study was to achieve an understanding of what new mothers served by private health care realize about the postpartum period, as well as identifying what their help and care needs are, during this life cycle. The research development proposition has been grounded on a qualitative research model with the phenomenological approach. Some categories came out from the statements: Taking charge of her child; feeling overloaded, overwhelmed and insecure; sensing herself vulnerable; experiencing a magic and unique emotion; reporting postpartum care satisfaction. After reviewing the categorical analysis, the postpartum living experiences as described by the subjects have been found quite similar to that of women without private health care. Nevertheless, the access to good quality in private health services became an important aspect because it enabled a close subjective relationship of mother and health care professional, allowing a safe postpartum experience.

Descriptors: Postpartum period; Women's health; Phenomenology.

RESUMEN

Se trata del estúdio cualitativo, realizado com puerperas que poseen beneficio de salud visando comprender la experiência de la mujer que vivencia el puerperio y conocer cuales son lãs necesidades de cuidado percibidas por estas mujeres. Se dio fundamento en la pesquisa cualitativa con referencia a la fenomenologia social. De las declaraciones sobresalieron las categorias: asumiendo responsabilidad por el bebé; sintiendose sobrecargada, limitada e insegura; percebiendose vulnerable; vivenciando un sentimiento unico y mágico; refiriendo satisfacción en relación al atendimiento al posparto. Los resultados evidenciaron que la vivencia de las mujeres en el posparto es similar a la de las mujeres que no poseen beneficio de salud. En lo que se refiere a la asistencia, fue posible percibir que el fato de poseer asistencia médica posibilita la intersubjetividad entre la mujer y el profesional de la salud, permitiendo vivenciar este periodo de forma mas segura.

Descriptores: Período posparto; Salud de la mujer; Investigación cualitativa.

1. INTRODUÇÃO

A experiência de gestar, parir e de cuidar de um filho pode dar à mulher uma nova dimensão de vida e contribuir para o seu crescimento emocional e pessoal. Por outro lado, pode causar desorganização interna, ruptura de vínculos e de papéis, podendo, até, resultar em quadros de depressão puerperal.

Vários autores referem-se ao puerpério mencionando que este é o período no qual a autoconfiança da mulher encontra-se em crise. Tornar-se mãe é um ritual de transição e envolve uma reorganização de todos os papéis que integram o autoconceito da mulher. Comentam que diversos sentimentos estarão se mesclando no decorrer dos dias; entre eles pode-se colocar a euforia, o medo, o alívio, a ansiedade, entre outros(1-3).

Estudo realizado com mulheres que se encontravam no período puerperal objetivando compreender as alterações percebidas pela mulher na vivência do pós-parto, demonstrou que as mulheres seguiram uma trajetória experienciando sensação de vazio, estranheza e vulnerabilidade, tendo muitas delas chegado ao limite de suas capacidades. Na assistência prestada à mulher no período pós-parto deve-se considerar a singularidade da vivência neste período, tendo em vista situações particulares de vida da pessoa; lembrar que as mulheres esforçam-se para buscar o ajustamento neste novo papel, e que toda vulnerabilidade torna-as mais acessíveis para receberem ajuda. Neste sentido, a assistência deve englobar os aspectos físicos, emocionais e relacionais(4).

Durante o período gravídico puerperal, há mudanças biológicas, psicológicas e sociais. A puérpera, ao reintegrar-se às funções de casa, encontra-se vulnerável tanto física como psicologicamente. Assim sendo, necessita de ajuda dos familiares e dos profissionais da área da saúde, pois o cuidado deve ter continuidade e não terminar com o parto(5).

Pode-se constatar, por meio da revisão da literatura, a importância do puerpério enquanto um acontecimento de grande transcendência no ciclo vital da mulher. No entanto, o que se observa na prática diária, o que se adota como conduta, na grande maioria das maternidades, é conceder alta hospitalar à mulher e ao seu filho após 24, 48, ou 72 horas do parto. Não há contra referência no sistema de saúde público que assegure à mulher e a seu filho retornarem ao serviço de saúde no qual foram atendidos(4). Desta forma, a instituição de saúde perde o contato com o binômio mãe-filho após a alta hospitalar de ambos.

Apesar de a literatura clássica mostrar que os autores estão preocupados com as conseqüências do puerpério, observou-se que a maioria deles ainda vê este período numa perspectiva externa e não na perspectiva de quem vivencia esta fase da vida.

É necessário conhecer com mais profundidade como se dá a experiência da mulher durante o período puerperal, os fatores que interferem para sua adaptação e integração dos papéis que ela passa a assumir quando se torna mãe, para que as intervenções por parte dos profissionais de saúde possam contribuir para melhorar a sua qualidade de vida.

Para desenvolver a presente pesquisa, julgou-se importante investigar mulheres com convênio saúde, atendidas em instituições privadas. Partiu-se do pressuposto que essas poderiam ter acesso facilitado no que se refere à assistência a saúde, principalmente no que diz respeito ao retorno no período pós-parto, e maiores possibilidades de ter vínculo com a instituição de saúde após a alta hospitalar.

Por acreditar que o conhecimento do outro em sua totalidade dar-se-á ao se procurar compreendê-lo enquanto indivíduos pertencentes a um grupo social com características peculiares, que são coletivamente construídas e aceitas e que influenciam na sua forma de perceber seus problemas de saúde e sua terapêutica, procurou-se, com este estudo, retratar as vivências do puerpério de forma compreensiva, sobretudo no que tange aos significados atribuídos às vivências e ao reconhecimento das necessidades destas mulheres.

Assim, esta investigação buscou explorar a vivência do puerpério das mulheres que possuíam convênio saúde, sob a perspectiva da própria mulher que o vivencia, com a intenção de preencher o vazio existente na literatura visto que, a maioria dos estudos realizados, como já mencionado anteriormente, não incluiu mulheres cujo atendimento é realizado por meio de um convênio saúde e que são atendidas em instituições privadas.

Com o intuito de desvelar o fenômeno da vivência da mulher que se encontra no período pós-parto e que possui convênio saúde, este estudo teve os seguintes objetivos:

- Identificar se os sentimentos e as necessidades de cuidado das mulheres que vivenciam o período gravídico-puerperal, que possuem convênio saúde e são atendidas em instituições privadas, diferem das usuárias do Sistema Único de Saúde;

- compreender o significado que a mulher com convênio saúde, atendida em instituição, privada atribui ao período pós-parto;

- conhecer quais são as necessidades de cuidado dessa mulher nessa fase do ciclo vital.

Acreditamos que esses conhecimentos poderão contribuir significativamente no sentido de subsidiar o cuidado a essa clientela e incrementar o ensino na área da saúde da mulher.

2. ABORDANDO O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

A base teórico-metodológica da presente pesquisa foi fundamentada nos princípios da pesquisa qualitativa que favorece o aprofundamento relativo aos significados, crenças e valores das pessoas que atribuem significados específicos às suas ações e relações humanas.

Apropriamo-nos do referencial da Fenomenologia Social que se fundamenta na concepção de Alfred Schutz. Segundo este referencial não importa investigar o comportamento individual, particular de cada sujeito. O foco de interesse é o que pode constituir-se como uma característica típica de um grupo social que está vivendo uma determinada situação.

Schutz define ação social como sendo uma conduta dirigida para a realização de um determinado fim, e esta ação - motivo para - só pode ser interpretada pela subjetividade do ator, pois somente a própria pessoa pode definir seu projeto de ação, seu desempenho social. Neste sentido, a compreensão do social volta-se para o comportamento social em relação aos motivos, para as intenções que orientam a ação e para as significações para o ator da ação(6).

Por motivo, entende-se: "um estado de coisas, o objetivo que se pretende alcançar com a ação". Assim, motivo para é a orientação para a ação futura e o motivo porque está relacionado às vivências passadas, com conhecimentos disponíveis(7).

O motivo para é, portanto, um contexto de significado que é construído ou se constrói sobre o contexto de experiências disponíveis no momento da projeção. Essa categoria é essencialmente subjetiva(6).

O "motivo porque" refere-se a um projeto em função de vivências passadas e é uma categoria objetiva, acessível ao pesquisador. O contexto de significado do verdadeiro motivo porque é sempre uma explicação posterior ao acontecimento(6).

Schutz desenvolveu seus estudos a partir da sua inquietação de compreender o significado subjetivo da ação, o que irá possibilitar construir o tipo vivido. O tipo vivido é a expressão de uma estrutura vivida na dimensão social, uma característica de um grupo social, um conceito expresso pela inteligência, cuja natureza vivida é essencial, é invariante, não corresponde a nenhuma pessoa em particular, trata-se de uma idealização, emerge da descrição vivida do comportamento social, das convergências dos motivos para e motivos porque(7).

O intuito dessa pesquisa foi conhecer a realidade do grupo de puérperas, situando-as na atitude natural, portanto, no seu mundo-vida, para compreender as diversas práticas interpretativas por meio das quais a realidade é construída na perspectiva pessoal e social.

Reitera-se a necessidade deste estudo em uma outra realidade social, pois há interesse em conhecer as necessidades de demandas de cuidados das mulheres que são atendidas, no período pós-parto, em hospitais privados.

3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Participaram desta pesquisa mulheres que se encontravam com idade acima de 18 anos, que estavam sendo atendidas em hospitais privados, possuíam convênio saúde e que concordaram em participar do estudo. Escolhemos mulheres que estavam entre a 4ª e 6ª semanas do pós-parto porque consideramos que, neste período, seus sentimentos estão mais próximos da realidade vivida e, deste modo, poderão expressar seus significados em discursos mais ricos.

Faz-se necessário esclarecer que, enquanto critérios para participar da pesquisa não foram considerados profissão, situação socioeconômica e nível de escolaridade por se acreditar que estes aspectos interfeririam no experienciar do puerpério, uma vez que o interesse do estudo é a experiência vivida pelos sujeitos

A abordagem destas mulheres, ou seja, o contato com as puérperas, dependeu do conhecimento das pesquisadoras e de informações de terceiros sobre a existência destes sujeitos.

A delimitação do número de sujeitos ficou definida a partir do momento em que foi percebido que os depoimentos desvelaram o fenômeno investigado, ou seja, as indagações das autoras encontraram-se suficientemente respondidas. O encerramento da inclusão de novas mulheres foi decidido com base no conjunto dos dados coletados que evidenciaram tanto a riqueza, como as abrangências dos significados contidos nos depoimentos. Assim sendo, doze depoimentos foram trabalhados e considerados suficientes para trazer à luz o fenômeno.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas gravadas, mediante autorização das participantes, no período de novembro de 2004 a março de 2005 e baseou-se nas seguintes questões: Fale-me do seu dia-a-dia depois do nascimento do bebê. Agora, depois do nascimento do bebê, como você se sente? Fale-me da assistência que você recebeu. Foi como você esperava?

As mulheres foram esclarecidas sobre o objetivo da pesquisa, bem como sobre a manutenção do sigilo, do anonimato da sua pessoa e do seu direito de participar ou não da mesma. Após os esclarecimentos as entrevistadas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participar de pesquisa científica. Respeitou-se, ainda, a preferência de data, horário e local. Assim sendo, algumas entrevistas foram realizadas nas residências dessas mulheres e outras nas dependências de seu trabalho.

Com o intuito de preservar o anonimato, as puérperas foram identificadas com nomes fictícios.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para análise das falas das informantes, cada depoimento foi lido cuidadosamente e foram selecionados e sublinhados trechos com os aspectos relativos ao objetivo do estudo. Os trechos sublinhados foram re-escritos, agrupados conforme os aspectos que se relacionaram a um mesmo assunto, de forma a possibilitar a separação e categorização dos mesmos. Cada grupamento recebeu o nome de uma categoria para representar a idéia central dos trechos ali contidos.

Os sentimentos e as experiências das puérperas foram compreendidos por meio da análise dos cinco diferentes temas, identificados após a organização dos depoimentos, sendo eles: Assumindo responsabilidade pelo bebê; Sentindo-se sobrecarregada, limitada e insegura; Percebendo-se vulnerável; Vivenciando sentimento único e mágico e Referindo satisfação em relação ao atendimento pós-parto.

A experiência adquirida ao longo da vida, chamada por Schutz como bagagem de conhecimento disponível faz com que a mulher, ainda enquanto gestante, projete o resultado da ação no momento do puerpério.

A bagagem de conhecimentos disponíveis é como uma estrutura sedimentada das experiências subjetivas prévias do indivíduo, adquiridas ao longo de sua vida, por meio de experiências vivenciadas ou que a ele foram comunicadas por outras pessoas (7).

O conhecimento do mundo é uma construção social. O autor afirma que somente uma parte, muito pequena do meu conhecimento do mundo se origina da minha experiência pessoal. A maior parte é derivada do social, dada pelos meus amigos, pais, professores e os professores dos meus professores(7).

Tendo como princípio o pensamento deste filósofo, compreende-se que as puérperas estão ligadas às significações típicas das relações de seus predecessores face às questões que permeiam a vivência neste período do ciclo vital. Assim, os motivos para desta experiência têm fundamentos nos seus valores e crenças, as quais são adquiridas socialmente.

Desta forma, os dados obtidos possibilitaram conhecer e compreender o típico da vivência das mulheres que vivenciaram o período pós-parto e possuíam convênio saúde. Ao vivenciarem a situação de estar no puerpério as mulheres trouxeram sua dimensão pessoal em relação à vivência deste período e à assistência recebida.

Embora cada mulher apresentasse suas individualidades, a experiência do pós-parto foi vivenciada por todas. Assim sendo, o exercício de analisar o individual apontou vivências comuns que nos possibilitaram construir as experiências e os significados coletivos.

O puerpério é influenciado por vários fatores e desencadeia modificações, tanto interna quanto externa e, por isso, torna-se um momento carregado de sentimentos e sensações. Constitui-se uma das experiências do período gravídico puerperal bastante significativa e enriquecedora.

Ao dar conta do nascimento do bebê, a mulher passa a apropriar-se da nova situação e conscientiza-se de que o bebê é totalmente dependente dela. Assim sendo abre mão de tudo conforme pode-se perceber em algumas falas que compõe a categoria assumindo responsabilidade pelo bebê:

Se eu precisar acordar dez vezes à noite, eu acordo. A gente supera o cansaço, pois é uma coisa muito forte. Tudo fica em segundo plano. Meu mestrado vai ficar para a hora que der. Agora, ele é minha prioridade. Então, tudo na vida fica em segundo plano ... (Luiza)

... você é a vida daquela pessoinha, você que vai dar alimento, você que vai cuidar. Se você não cuidar bem, ela não vai existir... (Daniela)

...Não acho que minha vida mudou muito. Pelo menos até agora, pois estou de licença (...). O que muda é a questão da responsabilidade... (Luiza)

Responsabilizando-se pelo bebê, a mulher sente-se sobrecarregada, cansada, perde a liberdade e fica insegura:

A minha vida mudou muito, em todos os sentidos... Perdi totalmente a minha liberdade, não posso mais fazer nada que não seja dependendo ou contando com os outros, mãe, marido... fora que o tempo passa e você não percebe nem a hora passar; é só trocar fralda, dar de mamar, ficar com ele o tempo todo. Nada mais do que eu faço é feito inteiro, preciso parar para ver o motivo do seu choro, tenho achado tudo muito injusto... sobra tudo para a mulher, que estresse! (Ana)

Mas a sua rotina é outra primeiro, que você já não vê mais você, muito do que você vê é do bebê, quase tudo é o bebê primeiro. Você acaba esquecendo um pouco de você. Mas você fala como é o dia-a-dia: se não sabe como vai ser sua noite, já sabe que não vai dormir... ( Daniela)

... o cansaço é imenso... ele depende de mim e eu fico por conta dele. É tipo uma escravidão... eu não faço outra coisa... (Luiza)

Na maternidade a mulher adquire um novo status, o de ser mãe, transição que requer dela uma redefinição de papéis e a necessidade de adaptações e mudanças pessoais. Um cenário de mudanças psicossociais ocorre na vida da mulher que vivencia o puerpério, mudanças essas que refletem a necessidade de adaptações em seu cotidiano domiciliar e profissional e que ficam mais evidentes com o nascimento do filho, ocasião em que as novas mães iniciam o processo de conhecimento desta criança, aprendem a cuidar dela, como também precisam organizar o cotidiano familiar com a presença do novo membro(9).

Frente a estas mudanças a mulher percebe-se vulnerável. O choro aparece como uma lamentação pelas várias perdas que a maternidade aparentemente traz. Perda da liberdade de ir e vir como antes, perda de espaço e tempo para si, para seu parceiro e para os amigos; perda do controle sobre a própria vida; perda da individualidade, pondo em questão o sentimento de plenitude e de "ganho" vivido durante a gravidez (4).

...Às vezes eu acho que nunca mais vou ser a mesma e acho que é bem isso, não serei mesmo. É difícil demais cair a ficha, não que ser mãe seja algo ruim... mas queria ser feliz, estar animada, menos estressada, menos nervosa, menos preocupada... (Ana)

...Eu sentia um vazio, e eu não sabia o que fazia, porque minhas irmãs todas trabalham, não tinha ninguém para ficar comigo, aí eu fiquei sozinha, você fica se sentindo meio sozinha... (Júlia)

... tem hora que dá vontade fugir, tem hora que dá vontade de largar tudo, dá vontade de ir para um canto chorar compulsivamente... (Juliana)

Durante o puerpério ocorre uma mistura de sentimentos vivenciados pela mulher, pois, além de contente, está preocupada, apreensiva, insegura, deprimida ou até mesmo, nada contente. Muitas vezes a mulher não encontra espaço para extravasar seus sentimentos; a ambivalência é vivida secretamente(10).

... tenho vivido duas metades, uma excelente de realização com meu filho e outra de me sentir um lixo, não fazer o que quero... está muito duro, por mais que me achem esquisita, estou feliz, meu bebê é lindo, perfeito, estamos com saúde, ninguém consegue entender porque eu estou assim... me chamam de insatisfeita...(Ana)

...Se for ver o lado bom, porque eu só estou falando o lado ruim ( dá uma risada), é um sentimento de continuidade e amor. Acho que aumenta a união do casal... (Luiza)

...Eu me sinto cansada, ocupada, um pouco anulada e agora feliz... (Margarida)

Apesar de todas alterações presentes na vida da mulher no período puerperal, algumas mulheres entrevistadas verbalizaram que experienciar a maternidade é vivenciar um sentimento único, mágico:

...eu me sinto mais completa... você acaba se sentindo mais importante, porque você é muito importante na vida da sua família, do seu marido, namorado, mas você é a vida daquela pessoinha, você que vai dar alimento, vai cuidar, se você não cuidar bem, ela não vai existir, pode passar mal, adquirir alguma doença, então você se sente mais valorizada como pessoa... (Daniela)

...só sei que o nascimento de bebê foi uma benção em minha vida. Eu não esperava... me sinto ótima, tenho o maior ciúme dele. Não gosto que ninguém fique pegando e balançando ele. Ah, não sei muito direito como estou me sentindo, pois ainda a ficha não caiu. Mas eu sei que estou muito feliz e realizada... (Maria)

... ser mãe é uma coisa que nem dá para explicar é mágico... uma experiência nova e maravilhosa, você passa a viver em função de uma outra criaturinha... (Daniela)

A ambivalência materna é vista como essencial para a visualização da "separação" dos espaços mãe-filho. É ressaltado que este sentimento traz culpa, pois vive-se numa sociedade, numa cultura em que se celebra o ideal materno com uma imagem de unidade mãe-filho. No entanto a ambivalência é parte do processo de separação individuação. Tanto a mãe quanto a criança necessitam de afirmação materna das próprias necessidades, desejos, opiniões, fúrias, amor e ódio, para que se estabeleça a separação e, em conseqüência, o relacionamento(11).

...tenho vivido duas metades, uma excelente de realização com meu filho e outra de me sentir um lixo, não fazer o que quero... está muito duro, por mais que me achem esquisita, estou feliz, meu bebê é lindo, perfeito, estamos com saúde, ninguém consegue entender porque eu estou assim... me chamam de insatisfeita... (Ana)

... eu me sinto cansada, ocupada, um pouco anulada e agora feliz... (Margarida)

Essas falas reforçam a necessidade de se compreender o exercício da maternidade como um processo social e culturalmente construído e que, por isso, necessita ser aprendido no dia-a-dia, por meio de ensinamentos, de vivências e de ajuda. No seu aspecto mais amplo, a maternidade deve ser reconhecida como um processo construído ao longo da vida da mulher, que já se inicia na infância com as brincadeiras de boneca e que se intensifica durante a gestação, ganhando aspectos reais com o nascimento do filho(9,11).

Constatou-se, por meio da literatura, que as categorias apresentadas ou seja, o típico da vivência das puérperas que possuem convênio saúde mostrou-se da mesma forma para as mulheres que não possuem convênio saúde(1, 4, 9, 11). No entanto, na categoria Referindo satisfação quanto ao atendimento pós-parto o relato típico da vivência das mulheres que possuem convênio saúde mostrou-se diferente das mulheres que não possuem convênio saúde.

As mulheres, sujeitos desta pesquisa, em seus depoimentos verbalizaram que receberam atendimento pós-parto de rotina. Percebe-se por meio dos relatos que este atendimento resumiu-se a uma consulta ao obstetra e a uma consulta ao pediatra, no entanto, consideraram que a assistência foi satisfatória.

O fato da mulher já possuir um vínculo com o profissional da área da saúde, certamente contribui para vivenciar este período de forma mais tranqüila pois, caso necessite, tem facilidade de acesso à assistência e sabe que pode contar com a mesma. As puérperas verbalizaram que a assistência recebida no período pós-parto, apesar de ser de rotina, foi satisfatória. Muitas delas disseram que esta superou suas expectativas. Talvez, por este motivo, referiram satisfação em relação ao atendimento pós-parto:

...foi melhor do que eu esperava ... eu já fui no pediatra e no obstetra, foram consultas de rotina, e eu achei que foram muito boas, dentro do que eu esperava... (Roberta)

...revendo agora tudo o que aconteceu, vejo que tive muitos privilégios por estar sendo atendida em um hospital particular e de ter uma cobertura de um convênio médico. Seria difícil pagar um serviço desses e foi tão bom ser atendida na hora, e pelo meu médico que me acompanhou durante toda a gravidez... o fato de ter um convênio me trouxe muita segurança... tive toda a assistência e continuo tendo, tudo pelo meu convênio e sem problemas... (Simone)

... eu tenho uma segurança total, se eu não tivesse o convênio eu não sei como seria, eu não tenho do que reclamar... (Júlia)

As verbalizações acima mencionadas mostram a importância do vínculo profissionalcliente, pois este proporciona liberdade à mulher e permite um importante canal de expressão. Estar bem informada contribui substancialmente para a resolução de dúvidas, e pode minimizar o sentimento de insegurança, angústia e anseios, vivenciados nesta fase da vida da mulher.

O atendimento de quase todas as necessidades humanas básicas da cliente depende, em várias circunstâncias, do processo de comunicação que ocorre entre ela e o profissional de saúde (13).

As categorias apresentadas permitiram descrever o tipo vivido isto é, o vivido do comportamento social que se mostrou como algo que tipifica, de forma convergente, nas intenções das próprias mulheres como uma estrutura vivenciada única,que pode ser transmitida pela comunicação e pela linguagem significativa presente na relação interpessoal.

Assim, o tipo vivido "mulher que vivência o puerpério, que possui convênio saúde e é atendida em instituição privada" ficou constituído como sendo aquela que: assume responsabilidade pelo bebê, sente-se sobrecarregada, limitada e vulnerável, refere-se à maternidade como algo único, mágico e percebe a assistência recebida neste período, apesar de ser de rotina, satisfatória pelo fato de confiar e poder contar com ajuda profissional.

5. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Acredita-se que este estudo buscou respostas fundamentadas em uma metodologia que permitiu refletir sobre o cuidado da puérpera que não tem possibilidade de possuir convênio saúde, desenvolvendo uma atitude crítica a respeito da assistência prestada no atendimento às necessidades dessa clientela, com viabilidade de reverter em ação os conhecimentos apreendidos.

Certamente a mulher sentir-se-á mais fortalecida se a assistência no período pós-parto não se resumir apenas em uma consulta de rotina. Frente a tantas vulnerabilidades vividas, a mulher necessita de ajuda dos profissionais da área da saúde, pois o cuidado necessita ter continuidade após o parto. A assistência deve, também, englobar os aspectos biológicos, físicos e emocionais, pois estes profissionais certamente poderão ajudá-las a escolher mecanismos adaptativos e defensivos para superar essa crise.

As mulheres usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) não têm possibilidade de continuidade de assistência no período gravídico puerperal. Na maioria das vezes não é o mesmo profissional que a atende no pré-natal, no parto e no puerpério. Este fato gera ansiedade, expectativas e insegurança.

Vale lembrar que todas as mulheres, independente do plano de saúde, têm o direito a uma assistência digna e respeitosa. Devem receber informações sobre o cuidado sugerido, seus riscos e benefícios alternativos e devem ter o direito de tomar decisões e formular seus desejos.

Da mesma forma, o profissional de saúde tem o dever de apoiar e também assistir este momento que é, sem dúvida, de grande importância na vida da mulher e de seus familiares.

A assistência de qualidade é um direito de todo cliente e, por outro lado é um dever dos profissionais da área da saúde. Não se pode negligenciar, nem os direitos das usuárias dos serviços e nem o dever de uma assistência digna, que possa viabilizar o atendimento humanizado e eficiente nas ações de saúde, de acordo com as necessidades da clientela assistida. Não se pode perder de vista que o objeto da atuação do profissional é uma pessoa, com sentimentos e emoções que independem da possibilidade de possuir ou não convênio saúde.

Para finalizar estas considerações deve-se acrescentar que o puerpério é um momento de extrema importância na vida da mulher, é um ritual de passagem que deve ser vivido de forma positiva. Acredita-se também que o enfermeiro obstetra está em uma posição privilegiada, no que se refere ao atendimento à mulher que vivencia o período puerperal, pois pode incorporar toda a ciência de que for capaz e implementar assistência humanizada, considerando os direitos das mulheres a uma maternidade segura e prazerosa.

É necessário introduzir no ensino de graduação conceitos relacionados a outros aspectos que vão além do biológico, como a questão da subjetividade, da cultura, família, dentre outros, pois estes conceitos possibilitarão novas formas de vivenciar experiências concretas para a conscientização da própria bagagem cultural e a constatação de similaridade e diferenças existentes entre os diversos grupos culturais, valendo salientar, ainda, a necessidade do fortalecimento das diretrizes do SUS que contempla, entre outros, o acesso universal e eqüitativo a serviços de saúde de qualidade.

Submissão: 12/06/2006

Aprovação: 24/10/2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Aceito
    24 Out 2006
  • Recebido
    12 Jun 2006
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