A construção do conhecimento do graduando de enfermagem: uma abordagem ético-social

Buiding the knowledge of the nursing student: an ethical-social approach

La construción de conocimiento del alumno de graduación en enfermería: un abordaje ético-social

PESQUISA

A construção do conhecimento do graduando de enfermagem: uma abordagem ético-social

Buiding the knowledge of the nursing student: an ethical-social approach

La construción de conocimiento del alumno de graduación en enfermería: un abordaje ético-social

Maria de Fátima Prado Fernandes^I; Genival Fernandes de Freitas^II

^IEnfermeira. Professor Doutor do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, SP

^IIEnfermeiro e Advogado. Professor Doutor do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, SP

^{Endereço para contato}

RESUMO

Os objetivos deste estudo foram conhecer a relação entre a ética e o cuidado de si diante da construção do saber do graduando de enfermagem e identificar quais os valores que norteiam essa construção. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas e analisados de acordo com o referencial da Fenomenologia Social e os depoimentos permitiram desvelar as seguintes categorias com relação aos motivos para: postura do professor na construção do conhecimento do aluno; projeto para ser enfermeiro; relação entre teoria e prática; compromisso com a formação. Motivos porque: construção do conhecimento a partir das experiências vividas e cuidado de si sustentado pela autonomia. O conhecimento teórico e prático dos estudantes de enfermagem foi construído por meio de novos desafios.

Descritores: Ética; Enfermagem; Conhecimento.

ABSTRACT

This study aimed at knowing the relation between ethics and self care facing the construction of knowledge of nursing undergraduate and to identify values that conduct that construction. Data were collected through interviews and analysed under social phenomenological and the interviewee'speeches showed the following categories related to motivation for: lecture'posture in the construction of knowledge of student; project to become nurse; relationship between theory and practice; commitement with professional formation. Motivations because: construction of knowledge based on life experiences and self care supported by autonomy. Theoretial and practical knowledge of nursing undergraduate was built up through of new challenges.

Descriptores: Ethics; Nursing; Knowledge.

RESUMEN

Los objetivos de este estudio fueron conocer la relación entre ética y el cuidado de si frente a la construcción del saber del estudiante de pre-grado de enfermería y identificar los valores que orientam esa construcción. Los datos fueron recoletados por medio de entrevistas y analisados según el referencial de la Fenomenologia Social y las declaraciones permitieron desvelar las seguintes categorias com relación a los motivos para: postura del profesor el la construcción del conocimiento del estudiante; proyecto para ser enfermero; relación entre teoria y práctica; compromiso com la formación professional. Motivos porque: construcción del conocimiento apartir de las experiencias vividas y cuidado de si sostenido el la autonomia. El conocimiento teórico y práctico de los estudiantes de enfermería fue construído por intermedio de nuevos desafios.

Descriptores: Ética; Enfermería; Conocimiento.

1. INTRODUÇÃO

O trabalho de enfermagem é permeado por características racionais que orientam as ações do exercício profissional, enfatizados pela racionalidade instrumental e estratégica⁽¹⁾.O curso de graduação em enfermagem apresenta muito dessas caraterísticas, mas também abarca situações que dão enfoque ao lado emocional; dessa maneira a construção do saber também depende de necessidades não racionais. Sendo assim, é possível trabalhar a reflexão junto aos graduandos de enfermagem na perspectiva dos valores que se manifestam em seu cotidiano, por meio das expectativas que emergem no processo do conhecimento.

Em relação à esfera racional, podemos citar aspectos que permeiam os interesses próprios e podem ajudar o graduando a construir o seu saber. Quanto ao lado emocional, torna-se complexo apontar uma única direção, pois esse aspecto está intrinsecamente associado à esfera biológica e à história de vida de cada pessoa conferida pelas suas experiências.

A motivação para realizar esse estudo surgiu no decorrer da nossa experiência profissional como docentes, por meio de percepções sobre o modo de ser do graduando de enfermagem. Observamos o quanto os valores interferem na construção do saber, tornando-se evidente a relação desses valores com o modo de agir que se reflete na postura do graduando, mediante algumas condições de facilidades ou dificuldades manifestadas diante das maneiras como cada um cuida de si em busca do conhecimento.

É desejável que o graduando escolha os caminhos da busca do saber com responsabilidade. Isso pressupõe a possibilidade de aceitar as diferenças, guiado pelas motivações subjetivas as quais devem ser respeitadas⁽²⁾.

Os conflitos éticos são agravados pelas divergências apresentadas no cotidiano, em relação aos princípios, valores e crenças expressas de diferentes modos e muitos desses conflitos são constituídos durante a formação em função da diversidade e das muitas possibilidades oriundas do percurso da construção do conhecimento.

Nessa trajetória observa-se que nem toda experiência gera automaticamente aprendizagens⁽³⁾, enquanto saberes oriundos das pesquisas e práticas sociais, denominadas como saberes da ação. O conhecimento da prática do cuidar perpassa pela reflexão, a fim de constituir saberes de forma consciente. Dessa maneira, é preciso fazer um caminho reflexivo considerando que voltar-se para si mesmo significa conhecer-se, buscar o conhecimento verdadeiro⁽⁴⁾. Desse modo, o homem volta-se para si pautado em princípios e valores éticos que nortearão suas condutas e tomadas de decisões⁽⁵⁾.

Alguns valores podem ser considerados pelo graduando de enfermagem como centro de interesse, pólo de atração, termo de participação e limite apropriáveis. Todos esses pontos se convergem para a consciência, aproximando a qualificação objetiva associada a uma aceitação subjetiva ou intersubjetiva⁽⁶⁾. Os valores fundamentam-se não somente na necessidade, mas também na vontade e na liberdade de escolha.

As mudanças delineiam o projeto de vida, o qual é estruturado pelos valores e estes são, em parte, abstrações desejáveis pelos indivíduos, mas também produto de uma cultura e organização social ⁽⁷⁾. Nesse sentido, o graduando de enfermagem toma consciência do valor do conhecimento, das possibilidades que a escola lhe oferece para desenvolver suas futuras aptidões profissionais.

É certo que para desenvolver essas características, o graduando de enfermagem manifesta valores, motivações e expectativas, considerando o conhecimento de si mesmo, suas potencialidades e autonomia. Todos esses aspectos envolvem a responsabilidade como elemento imprescindível para o desenvolvimento cognitivo, emocional, afetivo e humano.

Diante destas premissas, perguntamo-nos: Construir o conhecimento é algo natural para o aluno? Como os valores interferem na construção do saber a partir das vivências construídas pelos alunos ao longo da graduação? O modo do aluno construir seu conhecimento interfere no cuidado de si mesmo?

Esta pesquisa teve como objetivos: conhecer a relação entre a ética e o cuidado de si diante da construção do saber do graduando de enfermagem e identificar quais os valores que norteiam essa construção. Acreditamos que a compreensão da dimensão valorativa do cuidado propicia a relação professor-aluno e a aquisição de novos conhecimentos.

2. ABORDAGEM TEÓRICO-FILOSÓFICA NO CONTEXTO DO ESTUDO

Buscando ampliar a nossa compreensão como o graduando de enfermagem constrói o conhecimento a partir de sua vivência nas relações sociais, optamos pela Fenomenologia Social de Alfred Schütz, por compreendermos que esse referencial nos possibilitaria desvelar o fenômeno estudado: os significados atribuídos pelos graduandos de enfermagem ao processo de construção do saber com base nos valores e no cuidado de si mesmos como pessoas.

A Fenomenologia Sociológica se volta não para os atos singulares, os comportamentos individuais, fechados numa consciência de si, mas para a compreensão do que constitui um determinado grupo social, o qual vive uma situação típica⁽⁸⁾.

A intersubjetividade se revela na reciprocidade de motivos e perspectivas. Assim, a ação de um indivíduo provoca a reação do outro, face a uma dada situação, em que um vivencia a situação comum na perspectiva do outro e vice-versa. Isto constitui um relacionamento de nós. Este, por sua vez, expressa-se na consciência mútua da outra pessoa através de cada pessoa e constitui uma participação geralmente simpática nas vidas uma da outra, mesmo que só por um determinado período de tempo. Este relacionamento do nós surge da captação da existência da outra pessoa em interações face a face⁽⁹⁾.

Outro conceito fundamental na teoria de Schütz refere-se à ação humana, a qual pode ser puramente interior (pensamento) ou exteriorizada pelos movimentos corporais, modificando algo no mundo. A conduta humana é enfocada a partir de um projeto que o homem se propõe realizar^(10,11).

O motivo para consiste em um estado de coisas - o objetivo que se pretende alcançar com a ação; ou seja, a orientação para a ação futura e motivo porque está relacionado às vivências passadas, com conhecimentos disponíveis⁽¹²⁾.

Passamos, a seguir, a discorrer sobre a metodologia percorrida para consecução deste estudo.

3. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

A metodologia qualitativa possibilita que se obtenha um significado mais profundo dos fenômenos de dimensões pessoais, como os valores que permeiam o estado de projetar-se para o futuro na formação acadêmica⁽¹³⁾.

A escolha do método depende do objeto de estudo e do sujeito questionador, pois antes de tudo é uma postura diante do mundo. Existe uma abertura para compreensão da vivência a partir do outro^(11).

3.1 Região de inquérito

Concebida neste estudo como o mundo vivido dos alunos que vivenciam a construção do conhecimento no curso de graduação em enfermagem.

3.2 Sujeitos do estudo

Para realizar esse estudo consideramos que os sujeitos desta pesquisa fossem os graduandos de enfermagem do segundo, terceiro e quarto anos, por se aproximarem da construção do saber mais específico na área de enfermagem, conjugando a teoria e a prática, uma vez que no primeiro ano a sua inserção nos estabelecimentos de saúde ainda é muito incipiente.

O número de alunos considerados como sujeitos participantes foi determinado no decorrer das entrevistas em função de seus conteúdos, encerrando as entrevistas a partir do momento que os discursos se mostraram suficientes para responder às nossas inquietações que constituem o nosso objeto da pesquisa. Os sujeitos da pesquisa constituíram-se de 6 graduandos de enfermagem, sendo dois alunos do 2.º ano, dois do 3.º e dois do 4.º ano de uma instituição de ensino superior, de natureza jurídica pública, localizada no Município de São Paulo.

Definimos, como critérios de inclusão na pesquisa, que os sujeitos tivessem vivenciado momentos em campo estágio nas instituições de saúde e que fossem graduandos de enfermagem de diferentes anos da graduação, cursando disciplinas a partir do 3⁰ semestre.

3.3 Procedimentos

A coleta de dados foi realizada por meio de depoimentos, mediante entrevista semi-estruturada. Os sujeitos participaram deste trabalho voluntariamente, em momentos fora da atividade acadêmica e em locais escolhidos por eles. Após receberem todas as informações relativas à pesquisa, incluindo o sigilo, assinaram a autorização de sua participação e posterior divulgação do trabalho. Para tanto, todas as entrevistas foram transcritas na íntegra pelos pesquisadores.

3.4 Questões norteadoras

Visando introduzir a temática aos sujeitos do estudo, colocamos as seguintes questões: Quais são os valores que ajudam você a construir o conhecimento em enfermagem? Fale-me como você busca seu conhecimento. Como você se cuida como estudante de enfermagem?

3.5 Aspectos éticos

Foram assegurados os princípios éticos que norteiam a pesquisa, de acordo com a Resolução n.196/96 sobre as Diretrizes e Normas da Pesquisa em Seres Humanos (Conselho Nacional de Saúde, 1996), obteve-se o parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição-alvo do estudo.

Os sujeitos foram informados sobre os objetivos da pesquisa em linguagem simples e acessível ao seu nível de compreensão. Garantido o anonimato das informações, provenientes dos depoimentos, bem como o direito do sujeito retirar-se da pesquisa em qualquer fase, se assim desejasse. Esclarecido a cada sujeito que esta pesquisa não teria relação com o processo de avaliação acadêmica. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido, compreendido e assinado voluntariamente por cada sujeito.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A organização e a categorização dos resultados, obtidas no presente estudo, possibilitaram a construção da tipologia do vivido, seguindo os modelos propostos por pesquisadores em Enfermagem que utilizaram a Fenomenologia Social⁽¹⁴⁾. Para tanto, foram percorridos os seguintes passos: a) leitura dos depoimentos para apreender a vivência motivada dos sujeitos; b) identificação das categorias concretas que abrangiam os atos dos sujeitos em relação à construção do conhecimento na condição de graduandos de enfermagem; c) agrupamentos das unidades de significado, isto é, de aspectos da ação frente ao fenômeno da construção do conhecimento dos sujeitos; d) estabelecimento dos significados do ato social de atuar frente à construção do conhecimento, a partir do típico dos discursos dos sujeitos para alcançar a tipologia do vivido. e) análise compreensiva dos depoimentos.

4.1 Motivos para a ação dos graduandos face à construção do conhecimento

Os depoimentos dos sujeitos desta pesquisa possibilitaram o desvelamento dos motivos para a ação face à construção do conhecimento, a partir da percepção da ética e do cuidado de si mesmo manifestados na cotidianeidade.

4.1.1 Postura do professor na construção do conhecimento do aluno

Os sujeitos participantes do estudo revelaram que receberam influências benéficas de professores, que os incentivaram a buscar o conhecimento de forma mais consciente e responsável, como se pode observar nas falas:

O que me ajudou a construir o meu conhecimento, em primeiro lugar foi minha família, que sempre me incentivou a estar estudando e a crescer, sempre me apoiou. Alguns professores foram importantes na minha formação, me ajudaram a buscar o que preciso adquirir (E6).

Eu aprendo aquilo que gosto, o que tem a ver com o meu interesse (...) os professores estão ali para conversar e nos ajudar (...) Os valores que me motivaram a construir o conhecimento de enfermagem foi ter contato com os professores que me incentivaram, eles falavam de um jeito que me estimulava a fazer o curso (...)(E4).

Um dia vou conseguir conversar desse modo com os pacientes (....) (E1).

(...) por exemplo, a parte ética, de postura profissional ou como pessoa, como a gente pode ser melhor, agir da melhor maneira para a sociedade(E3).

4.1.2 Projeto para ser enfermeiro

As pessoas aprendem por si mesmas ao longo da vida, pois do conhecimento não surge um novo conhecimento, é apenas um conhecimento. Sempre há a sensação de que algo está começando e acontecendo com a aprendizagem. Por isso, a preocupação de adquirir habilidades e habilidades, de renovar sempre de novo a competência não é suficiente, pois o mais importante nesse contexto é saber pensar ⁽¹⁵⁾. Alguns depoimentos revelaram essa preocupação na ótica dos sujeitos participantes:

Tenho claro até agora que a enfermagem tem um papel muito amplo na assistência ao paciente, consegue visualizar o paciente num contexto muito maior do que a da doença, essa é a minha filosofia[...]isso faz com que determine as minhas escolhas[...]. O mais importante é a qualidade, não ficaria numa instituição que não se preocupa com a qualidade da assis

tência, o paciente não é uma mercadoria e temos muito a oferecer(E5)

O conhecimento é algo que busco não só para a minha formação profissional mas como pessoa, trago isso como característica facilitadora (E5)

(...) tentando imaginar que eu vou fazer aquilo um dia. Me imaginando numa situação daquela, que um dia posso estar com o paciente e qual vai ser a minha reação (...) Não sei onde quero trabalhar, mas isso me motiva a estudar mais (...). Sempre tive vontade de aprender a cuidar, sei que vou cuidar porque gosto (E1)

4.1.3 Relação entre a teoria e a prática

O sucesso da aprendizagem depende de estar presente em situações reais de vida e também de se utilizar de experiências reais para aprender. É desejável que o graduando de enfermagem tenha consciência que as relações humanas são importantes em qualquer situação de aprendizagem. Desse modo, é preciso que o graduando de enfermagem adquira capacidade de adaptar suas atitudes pessoais, seus interesses e até mesmo mudar padrões de vida face às novas situações. Com isto, ter disponibilidade e motivação para construir o seu espaço de aprendizagem, como um processo ativo e voltado para a ação humana e social. Algumas falas refletiram esse processo:

Percebo que a prática me dá mais prazer para ir atrás do conhecimento, me motiva mais ver uma situação prática e tem que fazer sentido para a minha vida. (E4)

(...) Os estágios são importantes, quando a gente começa a juntar o que vimos nas aulas com a prática, aí a gente busca o conhecimento, mas não somente no livro, se tenho dúvida busco conversar com um professor, que entende mais sobre o assunto e discutir com pessoas que conhecem o assunto, como enfermeiros ou médicos. Mas preciso ter um conhecimento antes, uma noção antes, ter base para saber o que perguntar e discutir (E6)

(...) quando vou para os estágios é aí que consigo identificar as minhas lacunas de conhecimento e o quanto me falta de conhecimento ali; o quanto preciso melhorar na técnica ali...a gente tem a certeza que aprendeu ou não quando aplica o conhecimento na prática (E5).

A parte prática me ajudou muito além dos estágios aqui na escola, fazer estágio extra curricular; fiz estágio voluntário em hospital, um trabalho em Rondônia lá com os indígenas, porque foi um estágio bastante diferente, isso quebrou muitos padrões (...). Quando tem alguém doente na família vou atrás das coisas, procuro pesquisar sobre o assunto (E4).

A experiência facilita muito e me ajuda a relacionar as coisas. Tudo que aprendi, vou usando toda hora (...). Tenho que ir atrás e ver como funciona, será que consigo, posso fazer? Tento organizar o que vejo na prática na minha cabeça, mas de forma mais natural possível (E1).

4.1.4 Compromisso com a formação

Os discursos revelaram que os graduandos de enfermagem apresentam um compromisso articulado com a construção do conhecimento que dá sentido para a sua vida profissional futura. Essa atitude é desvelada em algumas falas:

Tenho uma visão mais ampla das coisas. A enfermagem abriu muito o meu horizonte, pois me sinto mais motivada para continuar estudando. Penso fazer uma pós graduação, sinto necessidade de buscar mais conhecimento, não só na minha área, mas também em outras áreas (E6)

Aprendi a buscar as coisas não pelas conseqüências que elas possam ter, mas sim por uma busca maior da essência; tudo tem um sentido, um aprendizado (E5).

(...) o que me ajudou muito a buscar o conhecimento foi a humildade, por saber que não vou ver tudo sobre a área da saúde. Gosto de ler sobre coisas que estão perto de mim (E4)

(...) procuro estudar em pequenos grupos, escolho estudar com pessoas interessadas, isso é muito bom (...) Escolho as pessoas que quero estudar, aí estou protegendo a minha formação. Gosto de estudar com pessoas responsáveis (...)(E3).

4.2 Motivos porque da ação dos graduandos face à construção do conhecimento.

Os depoimentos dos sujeitos desta pesquisa possibilitaram o desvelamento dos motivos porque do processo de construção do conhecimento, a partir das suas vivências e dos saberes adquiridos ao longo do percurso acadêmico.

4.2.1 Construção do conhecimento a partir das experiências vividas

As relações do graduando de enfermagem com colegas, professores e profissionais da área de saúde trouxeram um enriquecimento ímpar, propiciando trocas de informações e reflexões de como aplicar os conhecimentos no contexto da prática de enfermagem. Esse pressuposto pode ser observado em algumas falas:

Na escola, a gente tem professores que gente se espelha. Tem professores que conseguem passar para a gente mais do que o conhecimento técnico, passam coisas que têm a ver com a profissão, mas também coisas que te acrescentam enquanto pessoa, te ensina a lidar com as situações não só como profissional, mas como pessoa que tem outros valores. Então, eu vejo que esse ponto também me ajudou a construir o conhecimento, além do técnico que é algo que a gente leva para o resto da vida(E5).

(...) foi muito importante fazer a Licenciatura junto com a graduação e entrar em contato com outras áreas (...) Isso muda a visão da gente também aqui na graduação, sedimenta e amplia o conhecimento, a gente passa ter visão

do professor e isso é muito importante para buscar o conhecimento (E6).

Muitos dos valores que carrego hoje para ser profissional, eu levo isso como aprendizado; me ensinaram a ser mais do que profissional (...) Isso reforça mais a idéia da importância de buscar o sentido das coisas(E5).

(...) quero que o professor fale o máximo possível, isso me ajuda muito, gosto de ouvir as experiências, pois isso me facilita muito para aprender. Tento absorver tudo que o professor fala, as expressões, modo como ele fala. Sabe, o conhecimento e as experiências têm que servir para algo, não podem ficar guardadas, pois são muito ricas (E1)

4.2.2. O cuidado de si sustentado pela autonomia

O graduando de enfermagem, a partir da reflexão sobre os valores e significados que irão sustentar suas ações, deve assumir propósitos claros para construir um saber prático e operar esse conhecimento vinculado a um contexto ético, social e político. Para desenvolver sua autonomia, ele pauta-se em um processo contínuo de descobertas, criando novos espaços de participação em tomadas de decisão, o que requer compreensão e valorização do cuidar de si, abarcando o lado pessoal e profissional, na interação com a coletividade. Esse valor pode ser observado nas falas:

A gente acaba assumindo muitas coisas para fazer ao mesmo tempo, não quer deixar de lado várias coisas que a gente acha ser importante[...] Talvez se fizesse menos coisas faria melhor ao invés de estar fazendo muitas coisas as mesmo tempo, acabamos não dando conta de fazer ou absorver todo o conhecimento (E6).

Hoje vou muito atrás das coisas e ter participado em projetos de pesquisa me ajudou bastante. Participei do projeto na área da saúde coletiva, de projetos de extensão, da liga de diabetes, também de oficinas de cidadania e saúde(E6).

Quando penso hoje no conhecimento de enfermagem também penso no conhecimento que adquiri e que me impulsiona a prosseguir nessa busca(E5).

Percebi que tinha adquirido o conhecimento e não só retido a informação, quando comecei a agir diferente, utilizar as técnicas, tanto na parte mais técnica e mecânica, mas também na conduta, na hora de falar com o paciente e interagir com ele. Nas entrevistas com paciente, quando as conversas fluíam normalmente eu percebia que já havia adquirido o conhecimento(E2).

Busco o conhecimento através de atividades extra faculdade, em cursos, em ligas, estágio voluntário que são oportunidades que a gente tem para se aprofundar. A maior parte do tempo eu aprendo lendo e estudando. As aulas nos sinalizam o que é importante do que precisa ser prioridade. Precisamos de tudo e temos que nos dedicar e irmos atrás. Para mim é nesse momento que absorvo o conhecimento; mais e mais ainda, quando aplico esse conhecimento(E5).

A escolha tem um significado mais do que consciente, pois o que é conhecido não basta para entender o porquê algo acontece. As pessoas fazem escolhas a partir de recursos internos, como: intuição, aptidão, conhecimento, percepção e habilidade diante da realidade que se encontra. As escolhas mudam, pois as pessoas também mudam, sendo assim jamais estão completas, há um caminho permanente a ser percorrido ⁽¹⁶⁾.

4.3. Construção do Tipo Vivido

Na perspectiva da fenomenologia social, os tipos vividos idealizados são esquemas interpretativos do mundo social, que fazem parte de nossa bagagem de conhecimento acerca do mundo e têm valor de significação, sempre retomando elementos deles na relação interpessoal⁽¹⁷⁾.

Com base nas categorias emergentes dos discursos dos sujeitos participantes, pudemos construir o tipo vivido em relação às suas vivências face à construção do saber na prática do cuidar dos graduados de enfermagem. O estudo apontou que há um tipo vivido comum, o que é compreensível porque esses sujeitos estão inseridos em um mesmo grupo social e têm vivenciado com similaridade os motivos para e porque da construção do conhecimento e da atitude de cuidar-se, com base em um mesmo contexto de significados para as suas vivências.

Desse modo, os graduandos de enfermagem projetaram ser enfermeiro em um futuro próximo, tendo como referência a postura do professor, buscando relacionar a teoria com a prática, comprometendo-se com a construção do processo de saber e com às mudanças vinculadas às relações sociais. Sendo assim, as ações do graduando de enfermagem deram-se a partir de experiências vividas, por meio de um agir ético fundamentado na construção da autonomia.

4.4 Análise Compreensiva

Os graduandos de enfermagem revelaram a importância da atitude de compromisso e responsabilidade dos professores para com eles em todas as fases do aprendizado. A confiança depositada no professor levou-os a uma aproximação maior, criando laços de fortalecimento para alcançar propósitos significativos em relação às possibilidades de aquisição e desenvolvimento de habilidades na construção do conhecimento.

Os valores transmitidos pelos professores e relacionados à postura ética influenciaram o aluno a construir o seu saber na prática do cuidar, mediante os exemplos vivos que deles receberam sobre a dimensão do cuidado na construção do conhecimento. Esses valores contribuíram para a idealização do projeto-ser enfermeiro, para os graduandos de enfermagem, tendo em vista a importância do compromisso com essa construção e o desenvolvimento profissional e ético.

Os sujeitos revelaram uma preocupação em tornar concreto na realidade o que apreenderam da teoria e das suas vivências, ampliando seus horizontes de possibilidades na busca do saber. Em conformidade com esse processo de construção, os professores devem repensar a forma como estão trabalhando o espaço de autonomia dos seus alunos, respeitando-os em sua trajetória de aprendizagem.

Os graduandos de enfermagem, ao longo de sua formação acadêmica, buscaram o conhecimento para sedimentar a prática do cuidar fundada em valores pessoais e grupais. Assim sendo, diante das situações presentes no cotidiano da prática de enfermagem, eles tornaram-se mais críticos e reflexivos, a partir de novos parâmetros passaram a melhor compreender o cenário da enfermagem e da saúde.

Ao delinearem o projeto de vida profissional, os graduandos de enfermagem foram propulsionados a desenvolverem a autonomia e a interação com outras esferas do saber, ampliando o respeito na relação com os seus pares.

Essa análise compreensiva, tendo por base a fenomenologia social, possibilitou-nos compreender que o estoque de conhecimentos adquiridos pelos graduandos de enfermagem, ajudou-os a interpretar o mundo e suas experiências, incluindo suas vivências e contradições, bem como a enfrentarem os conflitos internos, abrindo espaços para cuidarem-se de si mesmos, na condição de que a busca do conhecimento só faz sentido ao ser utilizado com consciência e responsabilidade em prol da coletividade socia¹⁰⁾.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Construir o saber é algo natural para o aluno em relação à busca do conhecimento, a partir de atitude natural. Isso ocorre porque o graduando reconhece o que está entorno de si e da sua práxis acadêmica e social. É a sua intencionalidade que o orienta a construir a própria bagagem de conhecimento. Os graduandos revelaram que existem escolhas sobre o modo de efetivar a construção do conhecimento, por meio do diálogo com o professor e exercitando a autonomia.

O compromisso dos graduandos de enfermagem na aquisição de conhecimentos deve ter como propósito às ações educativas e de saúde, repercutindo na prática do cuidar e na própria formação ética, política e social. A busca constante do conhecimento possibilita que o graduando de enfermagem encontre novos sentidos para enfrentar os desafios do cotidiano, de forma consciente e comprometida com as mudanças vinculadas ao contexto da saúde.

Submissão: 21/07/2006

Aprovação: 17/12/2006

• 1. Paskulin LMG. O saber e o fazer como processo educativo para a enfermeira. In: Meyer DE, Waldow VR, Lopes MJL. Marcas da diversidade: saberes e fazeres de enfermagem contemporânea. Porto Alegre (RS): ARTMED; 1998. p. 171-82.
• 2. Passos ES. Tendências da ética profissional na modernidade. Rev Bras Enferm 1993;46(1):56-62.
• 3. Perrenoud P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre (RS): Artes Médicas Sul; 2000.
• 4. Chauí M. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo (SP): Editora Moderna; 1995.
• 5. Fernandes MFP. Conflitos éticos da enfermeira: uma abordagem heideggeriana (tese). São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 1998.
• 6. Moutsopoulos EA. Fundamento ontológico e fundamento existencial dos valores, abordagem fenomenológica preliminar. Rev Reflexão 1993;57:193-7.
• 7. De Domenico EBL. Projetos de formandos em enfermagem: representações do vir a ser profissional (dissertação). São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 1999.
• 8. Capalbo C. Metodologia das ciências sociais: a fenomenologia de Alfred Schütz. Londrina (PR): UEL; 1998.
• 9. Schütz A. Fenomenologia del mondo social. Buenos Aires (ARG): Paidos; 1972.
• 10. Wagner HR. Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schütz. Rio de Janeiro (RJ): Zahar; 1979.
• 11. Schütz A. El problema de la realidad social. Buenos Aires (ARG): Amorrortu; 1974.
• 12. Schütz A. Estudios sobre teoria social. Buenos Aires (ARG): Amorrortu; 1974.
• 13. Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo (SP): Moraes; 1989.
• 14. Josgrilberg RS. O método fenomenológico e as ciências humanas. In: Castro DSP. Fenomenologia e análise do existir. São Paulo (SP): Universidade Metodista de São Paulo/ Sobraphe; 2000. p. 75-93.
• 15. Demo P. Conhecer& Aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre (RS): Artmed; 2000.
• 16. Fernandes MFP, Freitas GF. Fundamentos da ética. In: Ética e bioética: desafios para a enfermagem e saúde. Oguisso T, Zoboli LCPE, organizadores. Baueri (SP): Manole; 2006.
• 17. Campoy MA, Merighi MAB, Stefanelli MC. O ensino de enfermagem em saúde mental e psiquiátrica: visão do professor e do aluno na perspectiva da fenomenologia social. Rev Latino-am enfermagem 2005; 13(2):165-72.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Mar 2008
• Data do Fascículo
  Fev 2007

Histórico

• Recebido
  21 Jul 2006
• Aceito
  17 Dez 2006