Acessibilidade / Reportar erro

A relevância da Rede de Apoio ao estomizado

La relevancia de la Red de Apoyo a el ostomizado

The importance of the Support Network for the stomized patient

Resumos

O estudo teve como objetivo conhecer o apoio social utilizado pelas pessoas estomizadas, bem como os seus benefícios para o enfrentamento das mudanças ocorridas no novo modo de vida. O referencial metodológico foi a história oral de vida tópica. Foram realizadas dez entrevistas semi-estruturadas com portadores de estomia intestinal definitiva. Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, especificamente, a temática, de onde emergiram três importantes redes de apoio, as crenças religiosas e espirituais, a família e a Associação dos Ostomizados. Essas redes funcionam como suportes para minimizar o sofrimento das pessoas estomizadas. Os profissionais de saúde devem valorizar essas redes de apoio a fim de trabalhar a melhoria da qualidade de vida dos estomizados.

Ostomia; Religião; Família


El estudio tuvo como objetivo conocer el apoyo social utilizado por las personas ostomizadas, asi como sus beneficios para el enfrentamiento de los cambios ocurridos en el nuevo modo de vida. La referencia de metodología usada fue la historia oral de vida tópica. Fueron realizadas diez entrevistas semiestruturadas con portadores de ostomía intestinal definitiva. Fue utilizada la técnica de análisis de contenido, en especial la temática, donde emergieron tres importantes redes de apoyo: las creencias religiosas y espirituales, la familia y la asociación de los ostomizados. Los profisionales de la salud deben valorar las redes de apoyo a fin de trabajar la mejoría de la calidad de vida de los ostomizados.

Ostomía; Religión; Familia


The purpose of the study was to learn about the social support stomized patients turn to, as well as their benefits in facing the changes a new way of life incur in. The methodological reference was oral history of topic lives. Ten half-structured interviews have been conducted with subjects with definitive intestinal ostomy. It was used the technique of content analysis, which provided us with three important supporting networks: religious and spiritual beliefs, family and the Ostomy Association. Those networks worked as pillars that minimized the suffering of stomized patients. Health care professionals must value those supporting networks so as to enhance the lives of stomized patients.

Ostomy; Religion; Family


PESQUISA

A relevância da rede de apoio ao estomizado

The importance of the support network for the stomized patient

La relevancia de la red de apoyo a el ostomizado

Ana Lúcia da SilvaI; Helena Eri ShimizuII

IEnfermeira Estomatoterapeuta. Mestre em Enfermagem. Universidade de Brasília, DF. analucia@unb.br

IIDoutor em Enfermagem. Orientadora. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, DF

RESUMO

O estudo teve como objetivo conhecer o apoio social utilizado pelas pessoas estomizadas, bem como os seus benefícios para o enfrentamento das mudanças ocorridas no novo modo de vida. O referencial metodológico foi a história oral de vida tópica. Foram realizadas dez entrevistas semi-estruturadas com portadores de estomia intestinal definitiva. Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, especificamente, a temática, de onde emergiram três importantes redes de apoio, as crenças religiosas e espirituais, a família e a Associação dos Ostomizados. Essas redes funcionam como suportes para minimizar o sofrimento das pessoas estomizadas. Os profissionais de saúde devem valorizar essas redes de apoio a fim de trabalhar a melhoria da qualidade de vida dos estomizados.

Descritores: Ostomia; Religião; Família.

ABSTRACT

The purpose of the study was to learn about the social support stomized patients turn to, as well as their benefits in facing the changes a new way of life incur in. The methodological reference was oral history of topic lives. Ten half-structured interviews have been conducted with subjects with definitive intestinal ostomy. It was used the technique of content analysis, which provided us with three important supporting networks: religious and spiritual beliefs, family and the Ostomy Association. Those networks worked as pillars that minimized the suffering of stomized patients. Health care professionals must value those supporting networks so as to enhance the lives of stomized patients.

Descriptors: Ostomy; Religion; Family.

RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo conocer el apoyo social utilizado por las personas ostomizadas, asi como sus beneficios para el enfrentamiento de los cambios ocurridos en el nuevo modo de vida. La referencia de metodología usada fue la historia oral de vida tópica. Fueron realizadas diez entrevistas semiestruturadas con portadores de ostomía intestinal definitiva. Fue utilizada la técnica de análisis de contenido, en especial la temática, donde emergieron tres importantes redes de apoyo: las creencias religiosas y espirituales, la familia y la asociación de los ostomizados. Los profisionales de la salud deben valorar las redes de apoyo a fin de trabajar la mejoría de la calidad de vida de los ostomizados.

Descriptores: Ostomía; Religión; Familia.

1. INTRODUÇÃO

A realização de uma estomia intestinal, uma abertura artificial confeccionada cirurgicamente no abdome para eliminação de fezes, decorrentes de neoplasias malignas, má formação congênita, doenças inflamatórias e traumas, causa inúmeros transtornos à pessoa estomizada.

A perda do controle esfincteriano, com eliminação involuntária das fezes leva a necessidade de conviver com um equipamento coletor aderido ao abdome, o que os expõe a vivência de diversos constrangimentos sociais. Dentre eles, destaca-se o barulho, a transpiração e os ruídos emitidos pela saída de gases. Além disso, se o equipamento coletor apresentar qualquer falha na qualidade e segurança, ocorre o extravasamento de fezes pelo corpo. O temor de sujar roupas e de eliminar flatus, com odores considerados desagradáveis em público é predominante entre os estomizados(1).

Os estomizados, sobretudo devido à alteração da imagem corporal e da auto-imagem, guardam o sentimento de medo, solidão e impotência. Eles costumam evitar locais públicos e o convívio social. Acredita-se que a falta de informação para o seu autocuidado e o estigma constituem-se nas causas mais freqüentes para esse tipo de comportamento social. Goffman usou o termo estigma para referir a um atributo depreciativo, como deformidade física(2). Assim, a pessoa que considera seu corpo imperfeito, torna-se um estigmatizado. O portador de estomia intestinal tende a ser estigmatizado, por julgar-se diferente, ou seja, por não apresentar as características e os atributos considerados normais pela sociedade.

Além desses fatores, percebe-se também que os estomizados têm dificuldade em reintegrar ao trabalho. Geralmente aqueles que possuem vínculo empregatício preferem aposentar-se e se afastar em definitivo. Os desempregados têm dificuldades de encontrar trabalho.

Na nossa experiência vimos que ocorrem mudanças bruscas e profundas no modo de vida das pessoas portadoras de estomia, que causam desorganização emocional intensa, conseqüentemente, vivência de grandes períodos de sofrimento, o que exige a busca de algumas estratégias para enfrentar essa nova condição.

Comumente, em função das limitações impostas pela estomia, eles ficam obrigados a passar a maior parte do tempo em casa e ociosos. Como conseqüência, perde o prazer de viver e vivenciam sentimentos de medo, angústia, solidão, dentre outros.

Diante disso, acreditamos que uma rede de apoio social seja de suma importância para as pessoas estomizadas. Ademais, conhecer o apoio social acionado por essas pessoas pode oferecer subsídios aos profissionais de saúde para que possam incluí-los no plano, individual e coletivo, de assistência especializada.

Apoio social constitui-se em um processo de interação entre pessoas ou grupos, onde estabelecem vínculo de auxílio mútuo e oferecem apoio afetivo ou material (3). É também caracterizado como qualquer atividade que permita, num espaço de tempo, compartilhar vivencia com familiares, amigos, grupos religiosos, entre outros grupos(3). Tem um efeito direto sobre o bem estar, fomenta a saúde, sobretudo, a melhoria dos aspectos psicoemocionais. Nesse sentido, sabe-se que promove a adaptação dos indivíduos, quando estes são confrontados com situações difíceis, impostas pelas doenças.

O apoio social pode ser de três tipos: emocional, material e educacional(3). O emocional está relacionado aos sentimentos de estima, de pertencimento e de confiança, estimula a pessoa a expressar seus medos, angústias, dores, ansiedades e tristezas. O material ou instrumental representa qualquer ajuda direta ou oferta de algum tipo de serviço que propicie auxílio material e financeiro. O educacional ou informativo enfoca vários temas de interesse do grupo. Possibilita a troca de informação entre as pessoas para que sintam-se mais seguras(3).

O objetivo do estudo é conhecer o apoio social utilizado pelo estomizado, bem como o seu funcionamento e os benefícios trazidos por ele para o enfrentamento das mudanças ocorridas no seu novo modo de vida.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo, que utiliza técnica de História Oral, especificamente, a história de vida tópica que permite aprofundar a análise de uma etapa ou setor da vida pessoal(4).

O estudo foi realizado no Serviço Ambulatorial de Enfermagem em Estomaterapia (SAEE) do Hospital Universitário de Brasília (HUB), unidade da Universidade de Brasília (UnB) que tem como objetivo desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde CEP/FS da Universidade de Brasília e todos os colaboradores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que esclarecia sobre os objetivos do estudo, o método de coleta de dados e, por fim, o sigilo das identidades pessoais. Posteriormente, com consentimento dos colaboradores, firmado por escrito, utilizou-se o seu pré-nome.

É necessário destacar que foi estabelecido que o convívio com a estomia, no mínimo por um ano, para ser capaz de relatar sobre as mudanças no modo de vida provocadas por esse tipo de tratamento. Isto porque, a partir de um ano após a cirurgia, se orientado satisfatoriamente, o paciente supera grande parte das dificuldades cotidianas(5).

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora, utilizando-se um roteiro de entrevista semi-estruturado com algumas questões que visavam a estimular a narração da história de vida dos colaboradores, sobretudo após a realização da estomia.

Participaram do estudo dez pacientes estomizados portadores de estomia intestinal definitiva por mais de um ano, usuários do SAEE, adultos de ambos os sexos, alfabetizados e que apresentassem condições físicas e emocionais para participarem do estudo. Percebemos que essa quantidade de entrevistas era suficiente, pois os depoimentos mostraram a saturação ou exaustão de dados acerca das mudanças ocorridas no universo das pessoas estomizadas, ou seja, foi constatada a repetição de conteúdos semelhantes, expressos por vários sujeitos.

Dos procedimentos de análise dos dados, a gravação da entrevista foi ouvida diversas vezes, para apreender o significado do relato. Depois, procedeu-se às transcrições, na íntegra.

Após a transcrição, o passo seguinte foi a textualização. Nessa fase, foram supridas as perguntas de modo que o texto passasse a ser dominantemente do narrador como figura única.

Na última fase, realizou-se a transcriação. Procurou-se recriar o texto em sua plenitude e abrangência. Nesta etapa, o autor pode interferir no texto refazendo-o várias vezes, desde que obedecidos os acertos prévios com o colaborador que os legitima no momento da conferência(6).

Por fim, os textos trabalhados pelo pesquisador foram entregues aos colaboradores da pesquisa para serem aprovados. Neste momento foram realizados os ajustes e/ou correções solicitadas pelos colaboradores do estudo.

Posteriormente, para apreensão do significado da mudança no modo de vida de todos os colaboradores deste estudo, optamos por utilizar a técnica de análise de conteúdo, especificamente, a análise temática.

Assim, foram selecionadas as palavras chaves ou frases índices de cada entrevista e interpretadas pelo pesquisador para melhor compreensão do seu significado. Esses procedimentos foram utilizados em todas as entrevistas.

3. RESULTADOS

Da análise dos depoimentos dos colaboradores, emergiram três importantes redes de apoio: as crenças religiosas e espirituais, a família e a Associação dos Ostomizados.

3.1 As Crenças Religiosas e Espirituais

Sabe-se que, geralmente, as pessoas possuem crenças, opiniões que são adotadas com convicção. Essas crenças podem tanto ajudar como dificultar no processo de enfrentamento das dificuldades advindas das conseqüências das doenças(7).

As crenças religiosas têm auxiliado as pessoas estomizadas, sobretudo, dando-lhes força nos momentos de dificuldades vivenciadas em situações de ser estomizado.

Depreende-se dos depoimentos prestados, que a religião é o apoio espiritual buscado com maior freqüência pelas pessoas estomizadas. Esse serve de referência para as concepções gerais, embasa os significados da experiência intelectual, emocional e moral, tanto para o indivíduo como para o grupo(8,9). Além disso, proporciona sustentação para a esperança e para o enfrentamento de situações adversas e conflitantes.

Os sujeitos mencionaram que buscam ajuda em um ser superior para lhes dar força e esperança para enfrentar as situações difíceis. Geralmente, eles recorreram ao apoio de Deus em diversos momentos pelos quais têm passado, após receberem a notícia da necessidade da estomia.

Notou-se que as pessoas estomizadas costumam recorrer a Deus em momentos de sofrimento intenso e de desespero. Percebeu-se, ainda, que nesses momentos, elas costumam utilizar diversos artifícios: pedir, barganhar, negociar, entre outros.

"Quando fiquei sabendo que ia ser estomizado, fiquei chocado mesmo. Senti uma reação muito triste, e até pedi a Deus a morte" (Airton).

No depoimento abaixo, pode ser observado que Deus é colocado como o orientador do cirurgião. Alguns diagnósticos costumam exercer uma pressão muito grande sobre o paciente, portanto ele precisa ter fé religiosa para ter maior confiança no médico(10).

Quero dizer aos que precisam fazer esta operação, que não é bicho de sete cabeças. Tem que ter fé em Deus, porque todos dependem Dele. É Ele quem vai guiar nossos passos e quem nos dá a vida. O médico, guiado por Deus, vai desmontar a gente, como fui desmontado, igual a carro velho. Não botou peça nenhuma só remendou as que tinham. Tirou os podres, jogou fora e deixou as boas (Valdemar).

A fé religiosa, quando aliada à ciência, pode ajudar o paciente a sentir mais confiança no médico e mais esperança em relação ao tratamento da doença(11). Nessa perspectiva, a religião é incompleta sem a medicina e vice-versa, como conseqüência não há caminho para a vida sem elas(10).

Alguns sujeitos acreditam que Deus foi o responsável pela superação da doença e deixa que Ele decida o seu futuro, como mostra o depoimento:

Não sei o que vai ser daqui pra frente, só Deus é que sabe. Acredito que estou viva, contando esta história porque Ele tem uma obra em minha vida. E creio que foi isso que fez com que eu ficasse boa. Passei seis meses em cima da cama, andei de bengala durante trêsanos e meio, devido a essa cirurgia, mas estou aqui, contando minhahistória(Carmelita).

A segurança de poder confiar em Deus advém da possibilidade de ter superado momentos difíceis anteriormente vivenciados. Certamente, esse tipo de sentimento é muito importante para as pessoas que convivem com doenças que podem levar à morte a qualquer momento.

Para o futuro só quero que Deus me dê muita saúde. Mais saúde, mais vida e paz dentro da minha casa. Porque, de que adianta ter carro do ano, apartamento, muito dinheiro no banco e estar numa cadeira de rodas, colchão d'água? Nossa riqueza é saúde e paz. Pra mim é. Sou feliz, graças a Deus (Francisca).

A morte é muito temida pelas pessoas estomizadas, principalmente quando apresentam complicações como sangramento, dor, entre outras. A crença religiosa ajuda a afastar esse sentimento.

Há que se mencionar, entretanto, que fé religiosa pode também influenciar negativamente na recuperação do paciente, principalmente quando, por exemplo, atribuem a Deus toda responsabilidade sobre seu futuro, deixando de realizar o tratamento ou de se cuidar e lutar pela vida.

E há aqueles que acreditam em um Deus punitivo, no destino e na incapacidade de conseguir superar determinado obstáculo. Portanto, além da crença, outro recurso pessoal importante a ser utilizado pela pessoa estomizada é o compromisso, pois esse ajuda no enfrentamento das dificuldades encontradas no cotidiano.

Outra forma de ajuda permitida pelo envolvimento com a religiosidade, identificada nos depoimentos dos colaboradores, foi a possibilidade de ajudar ao próximo. Desta forma, eles costumam se dedicar a atividades sociais com essa função. Realizar tais atividades melhora a auto-estima, pois lhes conferem sensação de utilidade.

Sou uma pessoa religiosa. Faço muito o bem, ajudo muito quem precisa, porque todos nós temos que fazer alguma coisa por alguém. Pensar no próximo, amar a todos e perdoar, principalmente perdoar, porque se não perdoarmos, não somos ninguém. É por meio do perdão que a gente se cura de todas as mazelas do corpo, do espírito e da alma. Tem gente que não sabe perdoar (Carmelita).

A prática de ajudar outras pessoas permite aos pacientes deixarem de lado as preocupações excessivas com a doença, proporcionando-lhes inclusive momentos de prazer(10).

Em suma, foi possível apreender dos depoimentos dos colaboradores que a crença religiosa ocupa um importante espaço na vida das pessoas estomizadas, têm lhes ajudado a se conformar, a enfrentar, a superar o sofrimento e encontrar um novo sentido para a vida, quando em situação de dificuldade frente à doença.

Nesse sentido a religião provê um vislumbre de luz, quando as circunstâncias dizem que não há nenhuma luz, provê um propósito e uma direção quando tudo, neste mundo, se mostra sem sentido. A religião propicia conforto, quando não há ninguém para confortar(10).

Dessa forma, é importante que os profissionais da saúde compreendam essas necessidades, para que possam ajudar as pessoas estomizadas a minimizar o sofrimento. Ademais, esses profissionais precisam ser capacitados para perceber e compreender diferentes tipos de crenças religiosas para desenvolver cuidados espirituais adequados(11). Destaca ainda que, para a enfermagem, é essencial ter uma visão abrangente de espiritualidade, possuir um certo nível de maturidade e habilidade para ser aberto, quando as crenças do outro diferem da sua. Para tanto, é necessário que os profissionais fiquem mais próximos dos pacientes, para que o cuidado seja integral e abranja, não somente o corpo, mas também a mente e o espírito.

3.2 A família como apoio

Foi constatado que a família constitui-se importante rede de apoio à pessoa estomizada. Assim, as reações dos familiares têm papel preponderante no processo de reabilitação da pessoa estomizada, podendo minimizar ou maximizar as conseqüências advindas da estomia (5).

A maioria dos colaboradores afirmou que tiveram apoio dos familiares, conforme ilustra o depoimento:

"Minha família me encorajou muito, por isso tenho força para enfrentar as dificuldades. A religião em primeiro lugar, depois a gente pensa na família" (Regina).

O apoio dos familiares é especialmente importante nos primeiros períodos após a estomia, pois a pessoa vivencia momentos de intensa desordem emocional, além de ter de re-aprender a cuidar de si.

"No início tive apoio dos meus familiares. Não posso dizer que não. Atualmente estamos um pouco desligados" (Valdemar).

A família pode procurar compreender as reações dos portadores de estomia, tais como: revolta, angústia, insegurança, entre outros, demonstrando apoiar o momento de dificuldade vivenciado.

A família é vista como a instituição que cuida do portador de estomia na desordem física e emocional, pois assume a proteção do indivíduo acalentando-o, confortando-o e ajudando-o, todos envolvidos pelo vínculo da afetividade(9).

"Tenho muito apoio da minha família. Sou muito paparicada. Às vezes até digo, gente, não estou morta. Tenho esse negócio assim, mas não estou morta. Estou viva muito saudável" (Rita).

Porém, é também comum encontrar familiares que não apresentam sensibilidade para compreender o momento difícil vivenciado pela pessoa estomizada. Um dos colaboradores conta que foi estigmatizado pela própria família, como mostra este depoimento:

"Fui rejeitada pela própria família. A companheira do meu irmão disse que não me queria junto deles porque quem tinha colostomia não poderia ficar em apartamento" (Nair).

Geralmente a reação inicial dos familiares diante da doença e do tratamento é de estranheza, quando expressam, não raramente, adjetivos como esquisito, estranho, mas aos poucos vão superando, acostumando e aceitando com maior tranqüilidade(9).

Minha família toda me amparou. Meu marido não quis nunca saber que jeito foi. Meu filho também não quis ver. Ninguém quis olhar. Nunca mostrei pra ninguém. Só um irmão sabe. Não mostro pra ninguém. Só minha filha, meu filho, meu marido, meu irmão é que sabem. Tem um irmão que eu nunca contei, porque ele é muito linguarudo. Pensa que essa doença pega (Francisca).

Além do estigma, parece que os familiares são permeados por sentimentos de piedade, devido à perda da integridade física da pessoa que estimam muito. Como conseqüência, há familiares que costumam adquirir postura superprotetora e mantêm a pessoa estomizada dependente e incapaz para exercer qualquer tipo de atividade, como mostra o depoimento:

"Meus filhos não querem que eu faça nada, mas não tenho natureza de ficar parado. Fui criado na roça no trabalho pesado e se ficar quieto acho ruim" (Airton).

É comum também os familiares adotarem atitudes compatíveis com tratamento de crianças, o que contribui para dificultar o desenvolvimento da autonomia e até mesmo da recuperação da auto-estima.

Mas a gente percebe que fica sendo mais mimada, mesmo que a gente faça qualquer coisa ninguém vai brigar, fica aquela coisa meio de criança, então está todo mundo do seu lado, qualquer coisinha que acontece todos estão próximo (Noêmia).

Os depoimentos evidenciam que a família desenvolve um papel fundamental no processo de recuperação do paciente, bem como na aceitação de sua condição, quando esta demonstra sentimento de fé e esperança, criando mecanismos de união e força entre seus integrantes.

Destaca-se "a família como elemento importante em todo o processo da vida, antes e depois da estomia, por facilitar a integração da experiência da doença na biografia dos portadores"(9). Cabe salientar, que neste momento, o papel da família é o de dar suporte uns aos outros, desenvolvendo o senso de unidade e equilíbrio, pois também encontra-se fragilizada, necessitando de ajuda.

É possível abstrair dos depoimentos que os familiares necessitam da atenção dos profissionais da saúde para que possam apoiar adequadamente as pessoas estomizadas. Nessa perspectiva de compreensão, a família precisa ser preparada pelo enfermeiro, uma vez que estará auxiliando o estomizado diretamente no seu cuidado físico e emocional. Trata-se do preparo para o autocuidado, que deve ocorrer desde o início do tratamento.

3.3 A Associação dos Ostomizados

A Associação dos Ostomizados ocupa um lugar importante na vida das pessoas estomizadas. Ela representa um espaço onde os estomizados buscam diversos tipos de recursos, tanto recursos materiais, como de informações técnicas para o autocuidado.

As pessoas estigmatizadas costumam valorizar as associações e as atividades lá desenvolvidas, porque lhes oferecem a oportunidade de convivência grupal(2). Nesse sentido, verificou-se que a associação é vista pelos colaboradores como um lugar seguro e comum a todos, tendo influência positiva na reabilitação, pois eles se sentem bem ao se relacionarem uns com outros. Na associação existe a possibilidade de diálogo entre os estomizados. Eles conversam a respeito de diversos assuntos, como vida familiar e social. Esse diálogo pode contribuir para amenizar o isolamento a que estão propensos. Vale ressaltar que nesse ambiente há uma identificação com seus pares, melhorando sua autoconfiança e auto-estima.

Depois que fiquei estomizado, tenho evitado estar próximo de outras pessoas. Praticamente, só estou convivendo com meus familiares e o pessoal da associação. Fico em casa tentando me adaptar, buscando uma solução para que mais tarde eu venha a ter uma vida normal, tranqüila (Advar).

Na associação, "o contato com outros estomizados que vivenciaram situações semelhantes, e que já se encontram em fase mais adiantada do processo de reabilitação, certamente contribui para minimizar a tendência do estomizado ao isolamento social"(12).

No início precisamos de apoio e orientação. Os estomizados formam uma família. Acho que são meus irmãos mais próximos. Acho até que mais próximo que minha irmã caçula, pois não me abro com ela o que falo com os estomizados, porque eles abraçam assim bem forte. A gente conversa abertamente. Sou feliz por fazer parte da associação (Nair).

Os sujeitos destacam a importância dos estomizados participarem das reuniões, pois adquirem conhecimentos por meio das informações transmitidas pelos profissionais e estudantes da área da saúde.

"Levo uma vida tranqüila. E com o apoio da Associação dos Ostomizados e da enfermeira que nos ajuda, me sinto muito feliz" (Carmelita).

Mas sou feliz por ter escapado. Apesar desse equipamento coletor, estou contando vitória. Tem anos que freqüento as reuniões. É a coisa mais difícil eu perder uma reunião porque é importante pra nós mesmos que somos operados. Lá recebemos orientações da enfermeira e dos estudantes (Francisca)

Na Associação é desenvolvido um trabalho de cunho social. Tem também, a função de integrar seus participantes num só contexto em busca de melhoria de assistência e informação sobre o uso de materiais, oportunizando a eles novos conhecimentos.

As reuniões ocorrem regularmente a cada mês. Além da participação dos estomizados e seus familiares, há a participação de: enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas e estudantes dos cursos de graduação em enfermagem. Esses encontros são previamente programados com festividades nas datas comemorativas dia das mães, dos pais, aniversários, e festas de fim de ano. São realizadas apresentações técnicas atendendo solicitações dos associados, quanto aos temas abordados, ou seja, são, na maioria das vezes, atinentes ao estomizado. Além disso, duas vezes por semana, existe um atendimento realizado por representante da associação que visa a apoiar as necessidades dos associados e dos novos estomizados.

Na nossa experiência verificamos que os profissionais também se beneficiam com a convivência na associação, pois ocorre troca de experiência e conhecimentos, que permite a cada um deles construir sua história e alicerçar sua posição na sociedade.

A Associação dos Ostomizados é considerada um local ideal para se prestar solidariedade, onde a pessoa tem oportunidade de ajudar aos outros que estão chegando. Propõe a apoiar os que precisam, por entender que é difícil para todos a aceitação de início, levando palavras de esperança.

Quando me vi nesta situação de estomizada decidi trabalhar pelo estomizado. Agora preciso trabalhar para ajudar as pessoas, pelo menos favorecer aos estomizados para que tenham uma qualidade de vida. Eles têm que entender que o mundo não acabou aqui (Regina).

A pessoa estomizada, melhor do que ninguém, sabe das dificuldades pela quais passa o recém operado. Por isso, faz questão de contribuir para minimizar este sofrimento inicial, a falta de aceitação e habilidade no manuseio do equipamento. Para tanto, é preciso oferecer apoio um ao outro.

Outro dia a médica me chamou pra conversar com um senhor, que estava sentindo rejeitado. Fui e mostrei minha colostomia, conversei bastante, ajudei trocar o equipamento coletor dele. Chorou igual a uma criança. Disse que era mais velha que ele e tinha uma habilidade muito grande. Disse a ele que isto vai aprendendo devagar..Comentei que continuo trabalhando, ajudando os outros na medida do possível. Temos que aceitar as coisas senão ficamos deprimidos (Nair).

No depoimento abaixo, pode ser verificado que a possibilidade de convivência entre eles favoreceu a criação de um forte sentimento de pertença à associação, com melhora do grau de sociabilidade.

Acho que Deus tem um plano para cada um. Tenho um compromisso com a associação. É um local que podemos conversar e confidenciar. Pode se confiar naquelas pessoas, pois passam a mesma situação que eu passo, mesmo sendo um homem ou um mocinho (Regina).

Como resultado dessa convivência, os associados sentem orgulho em exibir a camiseta da associação que, de certa forma, simboliza a capacidade de organização das pessoas estomizadas, como mostra o depoimento:

"Gosto daquela camisa da associação que fala da estomia. Com a camisa fica fácil pra todo mundo saber, não precisa dizer nada. Meu marido não gosta que saio com ele, vestida assim" (Rita).

Nesse sentido, percebe-se que a associação pode ajudar o grupo a se empoderar, conseqüentemente auxilia-lo na construção da sua identidade, bem como para encaminhar as reinvindicações das necessidades específicas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi constatado que apoio social é extremamente importante e significativo para a reabilitação da pessoa estomizada, pois norteiam as decisões a respeito da doença e do tratamento, amparando-os no enfrentamento da doença.

Os sujeitos evidenciaram que as crenças religiosas e espirituais os têm auxiliado, sobretudo, dando-lhes força nos momentos de maior dificuldade vivenciados na situação de ser estomizado.

A família apresenta-se como suporte concreto, ou seja, aquela que os tem amparado em todas as fases da doença e que ainda contribui para dar-lhes sentido à luta pela vida. A família também desenvolve um papel fundamental, ao assumir o cuidado da desordem física e emocional, alem de oferecer proteção, conforto e afeto.

A associação dos estomizados ocupa um lugar importante, por representar um espaço onde se buscam diversos tipos de recursos, tanto materiais como de informação e de interação social.

Por fim, a associação dos estomizados surge como um espaço compartilhado entre os iguais, onde podem colocar mais livremente suas angústias e sentimentos e serem compreendidos por seus pares.

Conclui-se que os apoios buscados funcionam como importante suporte para minimizar o sofrimento, portanto os profissionais de saúde devem estimular o seu uso pelas pessoas estomizadas a fim de trabalhar a melhoria da sua qualidade de vida. Alem disso, devem valorizar os apoios sociais e estimular os pacientes a manifestarem sua sensibilidade para que juntos encontrem estratégias que facilitem a compreensão e o enfrentamento do momento vivido.

Submissão: 04/12/2006

Aprovação: 03/04/2007

Trabalho extraído da dissertação de mestrado "Silva AL. O significado da mudança no modo de vida da pessoa com estomia intestinal definitiva" apresentada à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília.

  • 1. Furlani R, Ceolim MF. Conviver com um ostoma definitivo: modificações relatadas pelo ostomizado. Rev Bras Enferm 2002; 55(5): 586-91.
  • 2. Goffman E. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4Ş ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 1988.
  • 3. Pietrukowicz MCLC. Apoio social e religião: uma forma de enfrentamento dos problemas de saúde (dissertação). Rio de Janeiro (RJ): Fundação Osvaldo Cruz; 2001.
  • 4. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP): Abrasco; 1996.
  • 5. Silva R, Teixeira R. Aspectos psico-sociais do paciente estomizado. In: Crema E, Silva R. Estomas: uma abordagem interdisciplinar. Uberaba (MG): Pinti; 1997. p.193-204.
  • 6. Meihy JCSB. Manual de história oral. São Paulo (SP): Loyola; 2000.
  • 7. Petuco VM. A bolsa ou a morte: estratégias de enfrentamento utilizadas pelos ostomizados de Passo Fundo/RS (dissertação). São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 1998.
  • 8. Gutierrez BAO. O processo de morrer no cotidiano do trabalho dos profissionais de enfermagem de Unidade de Terapia Intensiva (tese). São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2003.
  • 9. Maruyama SAT. A experiência da colostomia por câncer como ruptura biográfica na visão dos portadores, familiares e profissionais de saúde: um estudo etnográfico (tese). Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2004.
  • 10. Teixeira JJV. O significado da fé religiosa na vida do paciente idoso com câncer e na rotina médica: os olhares do sujeito coletivo. In: Lefévre F, Lefévre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa: desdobramentos. Caxias do Sul (RS): EDUCS, 2003. p. 61-75.
  • 11. Soares MS. Um grito de dor ou uma canção de amor?: espiritualidade na realidade de clientes com HIV/AIDS (dissertação). João Pessoa (PB) : Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba; 2003.
  • 12. Cesaretti IUR, Santos VLCG, Filipin MJ, Lima SRS, Ribeiro AM. A enfermagem e o processo de cuidar de estomizados. In: Crema E, Silva R. Estomas: uma abordagem interdisciplinar. Uberaba (MG): Pinti, 1997. p. 125-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Aceito
    03 Abr 2007
  • Recebido
    04 Dez 2006
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br