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Desenvolvimento dos estados de sono na infância

Development of sleep stages in childhood

Desarrollo de los estados de sueño en la infancia

Resumos

Na perspectiva de descrever alguns aspectos da ontogênese e da organização dos estados de sono no primeiro ano de vida, revisou-se na literatura as alterações fisiológicas e comportamentais controladas pelas mudanças que ocorrem durante o sono nessa etapa desenvolvimental. Além disso, com fundamentação na teoria precursora do sono, expõe-se as etapas da diferenciação, a classificação e a organização temporal dos estados de sono, com vistas ao manejo favorável dos eventos ambientais, que afetam a organização do sono infantil.

Fases do sono; Desenvolvimento infantil; Cuidados domiciliares


With the perspective of describing some aspects of the ontogenesis and organization of the sleep stages during the first year of life, a literature review was carried out to assess the physiological and behavioral alterations controlled by changes occurring during sleep at this developmental stage. In addition, based on the sleep preceding theory, the stages of differentiation, classification and time organization of sleep stages are presented, aiming at the favorable management of environmental events that affect the organization of infant sleep.

Sleep stages; Child development; Home care


Con la perspectiva de describir algunos aspectos de la ontogénesis y de la organización de los estados del sueño en el primer año de la vida, fueron revisadas, en la literatura, las alteraciones fisiológicas y comportamentales controladas por los cambios que ocurren durante el sueño en esta etapa del desenvolvimiento. Además de esto, fundamentándose en la teoría precursora del sueño, se exponen las etapas de la diferencia, de la clasificación y de la organización temporal de los estados del sueño, con vistas al manejo favorable de los eventos ambientales, que afectan la organización del sueño infantil.

Fases del sueño; Desenvolvimiento infantil; Cuidados domiciliares


REVISÃO

Desenvolvimento dos estados de sono na infância

Development of sleep stages in childhood

Desarrollo de los estados de sueño en la infancia

Lorena Teresinha Consalter Geib

Doutora em Ciências da Saúde. Professora Titular do Curso de Enfermagem da Universidade de Passo Fundo, RS.Endereço para contato: Rua Tiradentes 400, apto 601 – Centro – 99010-260 – Passo Fundo – RS. lorena@upf.br

RESUMO

Na perspectiva de descrever alguns aspectos da ontogênese e da organização dos estados de sono no primeiro ano de vida, revisou-se na literatura as alterações fisiológicas e comportamentais controladas pelas mudanças que ocorrem durante o sono nessa etapa desenvolvimental. Além disso, com fundamentação na teoria precursora do sono, expõe-se as etapas da diferenciação, a classificação e a organização temporal dos estados de sono, com vistas ao manejo favorável dos eventos ambientais, que afetam a organização do sono infantil.

Descritores: Fases do sono; Desenvolvimento infantil; Cuidados domiciliares.

ABSTRACT

With the perspective of describing some aspects of the ontogenesis and organization of the sleep stages during the first year of life, a literature review was carried out to assess the physiological and behavioral alterations controlled by changes occurring during sleep at this developmental stage. In addition, based on the sleep preceding theory, the stages of differentiation, classification and time organization of sleep stages are presented, aiming at the favorable management of environmental events that affect the organization of infant sleep.

Descriptors: Sleep stages; Child development; Home care.

RESUMEN

Con la perspectiva de describir algunos aspectos de la ontogénesis y de la organización de los estados del sueño en el primer año de la vida, fueron revisadas, en la literatura, las alteraciones fisiológicas y comportamentales controladas por los cambios que ocurren durante el sueño en esta etapa del desenvolvimiento. Además de esto, fundamentándose en la teoría precursora del sueño, se exponen las etapas de la diferencia, de la clasificación y de la organización temporal de los estados del sueño, con vistas al manejo favorable de los eventos ambientales, que afectan la organización del sueño infantil.

Descriptores: Fases del sueño; Desenvolvimiento infantil; Cuidados domiciliares.

1. INTRODUÇÃO

A imensa vulnerabilidade a que estão expostos os lactentes no processo de maturação exige um meio ambiente capaz de proporcionar as condições biológicas e sociais indispensáveis a sua sobrevivência saudável. Entre essas condições está o sono. A maturação dos estados de sono e vigília inicia na vida fetal e presume-se que seja biologicamente determinada(1). Nos primeiros anos de vida processam-se as mudanças na organização temporal e na estrutura do sono(2). O ritmo ultradiano comanda, nessa etapa do desenvolvimento, as grandes funções de base, que são o sono e a alimentação. Embora o ritmo ultradiano do sono seja endógeno e provavelmente independente do ritmo alimentar(3) observa-se que essas duas funções alternam-se entre si e com episódios de choro nas primeiras semanas de vida, interrompendo os ciclos de sono dos pais e desencadeando a preocupação com o estabelecimento dos hábitos de dormir. Nessas circunstâncias, o sono ocupa um papel de destaque não só por envolver a vida noturna da criança, mas por sua importância no desenvolvimento infantil(4). A compreensão da maturação do ciclo sono-vigília contribui para o fomento de práticas salutares(4), necessárias ao bem-estar e ao desenvolvimento infantil saudável.

O sono é definido como um estado cerebral ativo que consiste de dois estados diferentes e quantitativamente mensuráveis, os quais envolvem mecanismos bioquímicos(5) e modificações dos processos fisiológicos, acompanhadas por mudanças eletroencefalográficas características e por imobilidade postural imediatamente reversíveis por estimulação externa(6,7). É, portanto, uma interação complexa de processos fisiológicos e comportamentais(8).

O desenvolvimento dos estados de sono e vigília inicia na vida fetal e continua no período pós-natal em estreita vinculação com a maturação do Sistema Nervoso Central (SNC).

O sono REM caracteriza-se por aumento dos níveis metabólicos e do consumo de energia cerebral; ocorre atonia muscular e os mecanismos homeostáticos tendem a reduzir a temperatura corporal e a manter a respiração relativamente irresponsiva às variações de CO2 sanguíneo(9). A duração do sono REM pode depender da quantidade de energia disponível(10).

O sono NREM caracteriza-se pela diminuição do metabolismo basal e da temperatura corporal, condições que favorecem a síntese protéica e o reabastecimento de reservas energéticas para preparar o organismo para as fases subseqüentes do sono REM e do despertar; também promovem o reparo celular, substituindo as enzimas alteradas por radicais livres por outras recém-sintetizadas. As freqüências respiratórias e cardíacas tendem à regularidade(11).

As alterações fisiológicas nessa etapa desenvolvimental são controladas pelas mudanças que ocorrem durante o sono no sistema nervoso autônomo - simpático e parassimpático - e envolvem os sistemas respiratório, cardiovascular, digestório e genitourináio, além das significativas alterações na secreção endócrina e na termorregulação(12). No sistema respiratório observa-se diminuição da freqüência respiratória no sono NREM e respiração irregular no sono REM, sendo comum a ocorrência de poucas e breves apnéias. No sistema cardiovascular, as principais alterações ocorrem na freqüência e ritmo cardíacos, débito cardíaco, resistência vascular periférica, pressão arterial e circulação sistêmica. No sistema digestório ocorre supressão da deglutição e do fluxo salivar, com aumento do contato da mucosa com o ácido gástrico refluído, o que pode favorecer a patogênese do refluxo gastroesofágico(13).

A termorregulação e o sono são processos independentes, apesar da estreita relação existente entre eles(14). A temperatura corporal começa a diminuir no início do sono, com a maior queda durante o terceiro ciclo(15). A maior parte da secreção neuroendócrina depende do relógio biológico interno, localizado no núcleo supraquiasmático, e do sono. O hormônio do crescimento, a prolactina, o hormônio estimulante da tireóide (TSH) e a renina são relacionados ao sono. Distúrbios do sono poderão ocasionar distúrbios nas funções endócrinas(12).

A semelhança entre os padrões comportamentais e eletroencefalográficos permitiu o desenvolvimento das teorias da ontogênese do sono descritas em seqüência.

2. ONTOGÊNESE DO SONO NA INFÂNCIA

2.1 Teoria precursora do sono

Esta teoria se fundamenta em estudos experimentais iniciais sobre a ontogênese do sono em mamíferos(9). Esses estudos possibilitaram diferenciar o desenvolvimento de dois estados e estabelecer que o sono ativo é relativamente importante e totalmente independente do estado de sono quieto. O mecanismo responsável pelo sono ativo seria preestabelecido ao nascimento, ao passo que o sono quieto seria pouco desenvolvido, acreditando-se ser governado por mecanismos adquiridos durante a maturação pós-natal (9). Desde então, muitos outros estudos foram realizados(10). Em 1966, foi descrita a hipótese ontogenética dos estados do sono(16), evidenciando que, em seres humanos, o sono do recém-nascido diferia do sono do adulto nos seguintes aspectos: 1) maior proporção de sono REM; 2) adormecer em sono REM; 3) menor duração no ciclo REM-NREM e 4) maior tempo total de sono em 24 horas. Os autores atribuíram à imaturidade do sistema nervoso central a incapacidade para inibir os centros do sono REM, o que explicaria a sua significativa proporção e rápido decréscimo nos primeiros meses de vida e, também, o aparecimento de uma forma indiferenciada de sono ativo em fetos e recém-nascidos pré-termos com menos de trinta semanas de idade gestacional. Uma segunda hipótese formulada pelos autores postulava que o crescimento e a maturação do SNC dependiam da estimulação endógena do sono REM. Dessa forma, a necessidade de sono REM diminuía gradativamente até a completa maturação do sistema nervoso, quando sua proporção atingia o padrão do sono do adulto(17). Outros estudos(18) apóiam essa hipótese, como aquele realizado sobre a organização do sono de 15 crianças normais seguidas aos 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses de idade, durante as 24 horas do dia, que evidenciou um decréscimo progressivo no sono REM, especialmente entre os três e seis meses e no período diurno. Esse efeito da idade e do ciclo circadiano na ontogênese do sono reforçou a hipótese de que a maturação do sono reflete as mudanças neurofisiológicas e desenvolvimentais nas estruturas do SNC(19).

Postula-se que o aumento da ativação no SNC e autonômico durante o sono REM seria fundamental em recém-nascidos para que pudessem processar informação no estado de vigília(20). Essa atividade neural intensa surgiria precocemente durante o sono paradoxal para estabilizar as conexões neurais geneticamente programadas, responsáveis pelos comportamentos instintivos(21) e pelo desenvolvimento adequado do cérebro(11).

A teoria precursora do sono pressupõe, portanto, que as fases REM e NREM decorram de estados de sono homólogos, porém imaturos. Essas formas imaturas evoluiriam no curso do desenvolvimento pós-natal para os padrões típicos do sono adulto(22).

Os aspectos comportamentais do sono evidenciaram que o sistema oculomotor humano está desenvolvido antes do nascimento. A presença de movimentos oculares rápidos foi demonstrada durante o sono de prematuros com 28 semanas de idade gestacional(23), sendo detectável em torno da 18ª a 20ª semana de idade pós-menstrual, com decréscimo em sua duração por volta da 32ª a 40ª semana(24). Por volta da 37ª semana de idade gestacional há concordância entre os movimentos rápidos dos olhos e o traçado eletroencefalográfico específico(25). Em torno da 36ª semana de gestação os episódios REM e NREM evidenciam estados comportamentais idênticos àqueles percebidos no recém-nascido. A organização desses estados comportamentais no feto é idêntica àquela encontrada no recém-nascido pré-termo de mesma idade gestacional (24).

As bases centrais da teoria precursora do sono podem ser sintetizadas nos seguintes aspectos (17):

- as primeiras etapas da diferenciação dos estados de sono dependem do grau de maturação central;

- as características do sono ativo (REM) são as primeiras a aparecer durante a ontogênese do sono, ao passo que o sistema de despertar é o último sistema a amadurecer;

- em várias espécies caracterizadas por maior maturidade cerebral ao nascer, os parâmetros dos estados REM e NREM nos primeiros dias de vida pós-natal podem assemelhar-se aos parâmetros da vida fetal;

- nos seres humanos, segundo dados recentes, os estados comportamentais diferenciados estão presentes desde o terceiro trimestre da gestação e assemelham-se aos de recém-nascidos da mesma idade gestacional;

- nas crianças nascidas prematuramente, clinicamente estabilizadas e sem comprometimento neurológico, a diferenciação dos estados de sono ativo e quieto é observada a partir da 27ª semana de idade gestacional.

2.2 Teoria pré-sono

Essa teoria foi proposta recentemente(26) como uma visão alternativa na ontogênese do sono. Os autores postulam que todos os mamíferos, incluindo o homem, exibem um período de atividade fetal neural e motora dissociada e espontânea, chamado de "pré-sono", que, progressivamente, organiza-se em estados diferenciados de sono durante o desenvolvimento perinatal e visivelmente se assemelha ao sono REM, mas é fundamentalmente diferente do estado de sono eletrograficamente definido. Assim, o comportamento de sono ativo e o comportamento de sono quieto não seriam formas primitivas de sono REM e NREM, mas uma extensão do pré-sono para o período pós-natal. O sono REM, provavelmente, não estaria presente ao nascer, mas surgiria em torno da segunda semana de vida.

Esses achados são preliminares e aguardam confirmação de futuras investigações a respeito da sua validade explicativa sobre a ontogênese do sono. Em vista disso, este trabalho apoiar-se-á nos fundamentos da teoria precursora do sono.

3. DESENVOLVIMENTO DOS ESTADOS DE SONO NA INFÂNCIA

2.1 Organização estrutural

O desenvolvimento da estrutura do sono foi fundamentado na diferença entre os traçados eletroencefalográficos e nas características comportamentais observadas entre recém-nascidos e adultos, tornando necessário o estadiamento dos estados de consciência da criança nos primeiros meses de vida pós-natal. Inicialmente, com base no eletroencefalograma (EEG), foram estabelecidos os estados de sono ativo e sono quieto, aos quais foi acrescido, com auxílio da polissonografia, o estado de sono transicional, de modo a classificarem-se os estados de consciência na infância, de acordo com a maturação neurológica, da seguinte forma:

a) De zero a seis meses(6;27): vigília (calma ou agitada); sono ativo; sono quieto; sono indeterminado ou transicional.

b) De seis a doze meses(28,29): acordado; sono NREM; sono REM; tempo de movimento ou movimento de despertar.

A vigília no período neonatal é mais bem reconhecida pelos padrões comportamentais do que pelos registros eletroencefalográficos. Esse estado pode ser dividido nas seguintes fases, cada uma delas com comportamentos específicos (6): a) choro acompanhado de intensa atividade motora difusa, vocalização, vermelhidão; contração facial e olhos abertos ou firmemente fechados; b) vigília ativa (alerta ativo) caracterizada por movimentos de tronco, membros e pescoço, que ocorrem em ritmo especial, aproximadamente a cada um a dois minutos; vocalização sem choro e olhos abertos, luminosos e brilhantes; c) vigília quieta (inatividade alerta) estado de relativa inatividade, olhos abertos e relaxamento facial.

O sono ativo (REM) é definido, como vimos anteriormente, por padrões respiratórios e cardíacos irregulares, acompanhados de olhos fechados e movimentos oculares rápidos mais bem evidenciados a partir da 32ªsemana de idade gestacional; movimentos corporais; tônus muscular reduzido; manifestações comportamentais, tais como choro, sorriso ou gemido e EEG contínuo; enquanto que o sono quieto (NREM) caracteriza-se por padrões respiratórios e cardíacos regulares associados a olhos fechados com movimentos oculares lentos; movimentos corporais ausentes ou com estremecimentos ocasionais, que se tornam raros após o período neonatal e EEG descontínuo ou alternante(6). O sono é classificado como indeterminado quando não preenche os critérios de sono ativo ou quieto, ou seja, quando essas fases se apresentam desorganizadas(30). Ocorre geralmente quando a criança está adormecendo ou acordando e se faz acompanhar de movimentos de lábios e sobrancelhas, olhar apático e pálpebras que pendem. Os olhos podem girar para cima antes de se fechar(31).

O desenvolvimento das estruturas do sono nos primeiros seis meses de vida reflete-se nas mudanças de tempo de sono em cada estado. Assim, o neonato adormece em sono REM, ocupando nesse estado em torno de 50% a 60% do tempo de sono no recém-nascido a termo e 80 90% no pré-termo(6). Nos primeiros meses de vida, o sono ativo diminui progressivamente, atingindo a proporção de 34% aos três meses e 31% aos seis meses, paralelamente ao aumento do sono quieto de cerca de 49% aos três meses para 55% aos seis meses(17). À medida que os estados de sono tornam-se mais organizados, diminui a proporção de sono indeterminado, que aos três meses gira em torno de 25%. Aproximadamente nessa idade passa a predominar o sono NREM(30). Em torno dos nove meses, desaparece o adormecer em estado REM.

O predomínio do sono REM na infância tem sido atribuído ao seu papel de facilitar o processamento das informações e a maturação cerebral; por outro lado, a menor quantidade de sono NREM poderia resultar do fato de os lactentes gastarem muito mais tempo nesse estado de sono durante as sonecas diurnas, o que afetaria a estrutura de sono nesta etapa do desenvolvimento(21).

Em torno do sexto mês de vida, o sono quieto assemelha-se aos padrões do sono NREM do adulto.

Os estados de sono podem ser classificados exclusivamente por padrões comportamentais, sem a adoção dos critérios eletroencefalográficos. A classificação mais utilizada é a Prechtl e O'Brien(31), desenvolvida para recém-nascidos a termo, que estabelece cinco estados: a) estado 1: olhos fechados, respiração regular, ausência de movimentos; b) estado 2: olhos fechados, respiração irregular, ausência de movimentos amplos; c) estado 3: olhos abertos, ausência de movimentos amplos; d) estado 4: olhos abertos, movimentos amplos, sem choro; e) estado 5: olhos abertos ou fechados, choro.

Independentemente do critério de classificação adotado, o conhecimento dos estados de sono é muito importante, não só porque a eles estão relacionados muitos outros parâmetros fisiológicos, mas também porque muitas anormalidades do período neonatal ocorrem, primariamente, no sono ativo (eventos respiratórios), ou no sono quieto (anormalidades no EEG)(17).

3.2 Organização temporal

Assim como a maturação cerebral afeta a organização estrutural do sono, os eventos ambientais afetam a sua organização temporal, que é influenciada por ritmos endógenos, geneticamente determinados(32), coordenados pelo marcapasso circadiano. Dois processos biorrítmicos definem o ciclo sono-vigília: o ritmo circadiano e o ritmo ultradiano. O primeiro é tido como a alteração cíclica dos estados de sono e vigília num ciclo de 24 horas de claro-escuro e o segundo, como a distribuição dos estados de sono durante o período de sono(15).

O sistema circadiano é amplamente controlado pelo núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo anterior, ao passo que a indução e a manutenção da vigília e dos sonos quieto e ativo, assim como o momento de sua ocorrência, resultam de interações complexas entre múltiplos sistemas de regulação do sono e vigília, os quais estão extensamente distribuídos no cérebro, do córtex cerebral até a medula (2). Nesse sistema, as fases REM e NREM alternam-se ciclicamente influenciadas pelos zeitgebers, termo alemão que designa os marcadores de tempo, dos quais o mais conhecido deles é o ciclo claro-escuro. Entretanto, o sono infantil sofre a influência de outros zeitgebers como mudanças na temperatura e ruídos ambientais, rotinas de interação social e sinais de funcionamento orgânico, como fome, dor e secreção hormonal(30). O marcador circadiano, provavelmente, já está ativo nos últimos meses da vida fetal. Evidências de ritmo circadiano de cerca de 25 horas na temperatura corporal e no ciclo atividade repouso foram obtidas em prematuros de 28 a 34 semanas de idade gestacional(33).

O ritmo ultradiano é responsável pela recorrência periódica dos estados de sono ativo/REM e quieto/NREM. Nos neonatos os ciclos de sono e vigília mantêm um padrão polifásico, com alternância a cada três a quatro horas.

O ritmo circadiano de 25 horas emerge nas primeiras semanas de vida, com maior duração de sono noturno por volta de um mês e um período de vigília começando nas primeiras horas do anoitecer. Entre um e três meses de idade, há uma progressiva maturação no sistema circadiano, com ritmos dia-noite na atividade e na secreção hormonal(34).

A emergência do ciclo circadiano parece crucial na ontogênese da estrutura do sono e na consolidação do sono noturno(17). Essa consolidação - definida como um sono contínuo da meia noite às 5 horas - é atingida pela maioria dos lactentes entre três e seis meses, embora tenha sido demonstrado que, em torno de 50% dessas crianças, que já haviam consolidado com sucesso o sono noturno, começaram a apresentar despertares noturnos em torno dos nove meses(17). Entre um e dois anos de idade, essa proporção é de 20 a 40%(35).

A partir dos seis meses, há uma diminuição progressiva de sono diurno paralelamente à reorganização do sono noturno. As sestas diminuem de três a quatro para duas aos 12 meses, desaparecendo totalmente entre os dois e sete anos de vida(17).

Essa reorganização, caracterizada por períodos mais longos de sono noturno com aumento de sono quieto na primeira parte da noite, possivelmente seja responsável pela melhora das funções biológicas e psicológicas do sono durante o desenvolvimento(36).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento dos estados de sono e vigília está intimamente vinculado à maturação do SNC. No curso dessa maturação ocorre um decréscimo gradativo de sono ativo e do sono diurno, especialmente entre os três e seis meses, paralelamente à consolidação do sono noturno, que assume um padrão semelhante ao do sono do adulto. Essa reorganização circadiana apresenta-se sincronizada com os fatores ambientais, que poderão ser controlados pelos cuidadores para oportunizar a melhora das funções biológicas e psicológicas do sono durante o processo de desenvolvimento infantil. Além disso, muitos parâmetros fisiológicos e anormalidades respiratórias e cardíacas estão relacionados com os estados de sono infantil, o que torna importante o seu conhecimento pelos enfermeiros e cuidadores domiciliares.

Submissão: 28/09/2006

Aprovação: 21/01/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2006
  • Aceito
    21 Jan 2007
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