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O fazer do cuidador familiar: significados e crenças

El hacer del cuidador familiar: significados y creencias

Family caregiver activity: meanings and beliefs

Resumos

Este estudo de natureza qualitativa tem por objetivo apreender significados e crenças de cuidadores de portadores da Síndrome Metabólica no contexto domiciliar. Utilizou-se o Interacionismo Simbólico como referencial teórico, seguindo-se as recomendações de Bardin (1977) para a análise de conteúdo. Foram utilizadas a entrevista semi-estruturada e a observação livre para a coleta de dados, no período de março a maio de 2005. Os resultados mostraram importante sobrecarga de trabalho dispensada ao familiar pelo cuidador, a qual implica em significante impacto sobre sua saúde física, emocional e social. Conclui-se que as reflexões acerca de pessoas que cuidam continuamente de seus familiares devam ser intensificadas, com vistas a uma melhor preparação das mesmas para o acompanhamento terapêutico domiciliar.

Cuidado; Família; Enfermagem


Este estudio de naturaleza cualitativa tiene por objetivo aprehender significados y creencias de cuidadores de personas portadoras del Síndrome Metabólica en el contexto domiciliar. Utilizó la Interacción Simbólica como referencia teórica, siguiendo las recomendaciones de Bardin (1977) para la análisis del contenido. Habían sido utilizadas la entrevista semi-estructurada y la observación libre para la colecta de datos, en el periodo de marzo a mayo de 2005. Los resultados señalaron importante sobrecarga de trabajo dispensada al familiar por la cuidadora, que implica en significante impacto sobre su salud física, emocional y social. Concluye que las reflexiones a cerca de personas que cuidan continuamente de sus familiares deban ser intensificadas, a la vista de una mejor preparación de las mismas para el acompanãmiento terapéutico domiciliar.

Cuidado; Familia; Enfermería


This qualitative study aims at aprehendind the meanings and beliefs of caregiver of people with methabolic syndrome in the domiciliar context. It used the symbolic interactionism as theoretical referential, following the content analysis approach of Bardin. For data colection the semi-structured interviews and the free observation were used, in the period from march to may, 2005. The results demonstrate important work overload delivered to the relative by the cargiver, which implies in meaningful impact about physical, emotional and social health. It was concluded that reflections about the person who is continously involved with their relatives' care must be intensified, aiming at a better preparation of them to domiciliar therapeutic accompanying

Care; Family; Nursing


PESQUISA

O fazer do cuidador familiar: significados e crenças

Family caregiver activity: meanings and beliefs

El hacer del cuidador familiar: significados y creencias

Ana Larissa Gomes MachadoI; Consuelo Helena Aires de FreitasII; Maria Salete Bessa JorgeIII

IEnfermeira. Mestranda em Cuidados Clínicos em Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Fortaleza, CE. Bolsista FUNCAP. analarissa2001@yahoo.com.br IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE. consueloaires@yahoo.com.br IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular Curso de Mestrado Acadêmico Cuidados Clínicos em Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE. masabejo@uece.com.br

RESUMO

Este estudo de natureza qualitativa tem por objetivo apreender significados e crenças de cuidadores de portadores da Síndrome Metabólica no contexto domiciliar. Utilizou-se o Interacionismo Simbólico como referencial teórico, seguindo-se as recomendações de Bardin (1977) para a análise de conteúdo. Foram utilizadas a entrevista semi-estruturada e a observação livre para a coleta de dados, no período de março a maio de 2005. Os resultados mostraram importante sobrecarga de trabalho dispensada ao familiar pelo cuidador, a qual implica em significante impacto sobre sua saúde física, emocional e social. Conclui-se que as reflexões acerca de pessoas que cuidam continuamente de seus familiares devam ser intensificadas, com vistas a uma melhor preparação das mesmas para o acompanhamento terapêutico domiciliar.

Descritores: Cuidado; Família; Enfermagem.

ABSTRACT

This qualitative study aims at aprehendind the meanings and beliefs of caregiver of people with methabolic syndrome in the domiciliar context. It used the symbolic interactionism as theoretical referential, following the content analysis approach of Bardin. For data colection the semi-structured interviews and the free observation were used, in the period from march to may, 2005. The results demonstrate important work overload delivered to the relative by the cargiver, which implies in meaningful impact about physical, emotional and social health. It was concluded that reflections about the person who is continously involved with their relatives' care must be intensified, aiming at a better preparation of them to domiciliar therapeutic accompanying.

Descriptors: Care; Family; Nursing.

RESUMEN

Este estudio de naturaleza cualitativa tiene por objetivo aprehender significados y creencias de cuidadores de personas portadoras del Síndrome Metabólica en el contexto domiciliar. Utilizó la Interacción Simbólica como referencia teórica, siguiendo las recomendaciones de Bardin (1977) para la análisis del contenido. Habían sido utilizadas la entrevista semi-estructurada y la observación libre para la colecta de datos, en el periodo de marzo a mayo de 2005. Los resultados señalaron importante sobrecarga de trabajo dispensada al familiar por la cuidadora, que implica en significante impacto sobre su salud física, emocional y social. Concluye que las reflexiones a cerca de personas que cuidan continuamente de sus familiares deban ser intensificadas, a la vista de una mejor preparación de las mismas para el acompanãmiento terapéutico domiciliar.

Descriptores: Cuidado; Familia; Enfermería.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo aborda o cuidado que a família assume no domicílio, nas situações de ter em casa membro familiar dependente de cuidados para o atendimento de suas necessidades básicas, além de procedimentos terapêuticos para a manutenção de sua saúde.

O despertar para a investigação surgiu durante experiências vivenciadas em estágio da rede hospitalar e ambulatorial, ao perceber o despreparo que familiares apresentavam em situações de (des)hospitalização de seus entes.

O estudo enfatiza a importância de considerar o sujeito que cuida, com vistas a contribuir com o avanço do conhecimento na área do cuidado familiar no domicílio. Essa temática, em virtude de sua importância, tem sido discutida por profissionais dos diversos níveis de atenção em saúde, a fim de que sejam elaboradas estratégias de suporte ao cuidado das pessoas no contexto domiciliar.

Em estudos desenvolvidos acerca de significados atribuídos pelos enfermeiros ao cuidado realizado no contexto hospitalar, verifica-se que o cuidado ao paciente é uma área específica da enfermagem e se observa a importância da busca pela autonomia da profissão, nas diversas dimensões do cuidado, inclusive, no preparo da família para a alta hospitalar(1).

A família aponta, então, como o alvo das ações educativas da enfermagem, uma vez que constitui o elo entre o paciente e o serviço de saúde e assume os cuidados de saúde de seus membros no domicílio.

A família pode ser entendida como um grupo que constitui um campo de relações entre pessoas que compartilham significados de suas experiências existenciais(2). É marcada por transformações, mas, ao menos em tese, não se afasta dos papéis socialmente atribuídos a ela, como a provisão de cuidado informal para seus membros(3).

O cuidado domiciliário, por sua vez, é entendido como aquele desenvolvido tanto com pacientes quanto com familiares, no contexto de suas residências, visando o acompanhamento, o tratamento e a reabilitação de indivíduos, em resposta às suas necessidades e as de seus familiares(4). Esse cuidado também é identificado como um serviço no qual são desenvolvidas ações de saúde na residência do cliente por equipe multiprofissional(5).

Quanto ao cuidador informal ou familiar, diz-se tratar de alguém da família ou afim, sem formação na área da saúde, que está cuidando de um ente familiar(6). Essa é a definição de cuidador adotada neste estudo. O termo pode ainda ser definido como pessoa da comunidade que foi adquirindo experiência, cuidando de pessoas doentes e fez desse cuidado uma profissão informal(7). Esse cuidador, dependendo da intensidade com que presta cuidados, pode ser o responsável direto pelo ente familiar cuidado, sendo denominado cuidador principal, ou ainda receber auxílio financeiro para a execução de atividades de uma segunda pessoa, sendo assim denominado cuidador secundário(8).

Os cuidadores informais desempenham atividades de caráter assistencial, sem contar necessariamente com um preparo técnico e/ou emocional para exercê-las. A partir dessa reflexão, o presente estudo questionou quais as dificuldades vivenciadas pelo cuidador familiar no tocante ao cuidado de indivíduos portadores de enfermidades reunidas no quadro da Síndrome Metabólica (SM), a saber: dislipidemia, diabetes mellitus do tipo 2 ou intolerância à glicose, hipertensão arterial e excesso de peso ou obesidade(9).

Conscientes da importância do assunto, as Sociedades Brasileiras de Hipertensão (SBH), de Cardiologia (SBC), de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), de Diabetes (SBD) e para o Estudo sobre a Obesidade (ABESO), juntaram esforços para elaborar a I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica, em agosto de 2004(10).

Esse documento aborda de forma conjunta os fatores de risco para a SM, de maneira que seja utilizado por todos os profissionais da área de saúde, uma vez que vem crescendo sua importância do ponto de vista epidemiológico, respondendo pelo aumento da mortalidade cardiovascular.

Tendo em vista a importância da família no cuidado a portadores da Síndrome, este estudo traz à tona as dificuldades vivenciadas nesse processo de cuidar, a partir de relatos de cuidadores informais. Pretende-se, então, destacar as ações, os valores e as crenças dos sujeitos que cuidam no contexto domiciliar, enfatizando a sua interação com o ser que recebe os cuidados.

No Brasil, o Programa Saúde da Família (PSF), como estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde e que promove o cuidado direto à família, tem como um de seus propósitos identificar os problemas de saúde na família e estabelecer ações em nível local que previnam a instalação de problemas de saúde, através do conhecimento da comunidade(11).

Dessa forma, o PSF aponta para a participação da família nos cuidados à saúde, oferecendo, portanto, oportunidades para os enfermeiros desempenharem cuidados diversificados e originados a partir da escuta da população sobre os seus problemas prioritários.

O objetivo deste estudo, então, consistiu em identificar os significados atribuídos pelos cuidadores familiares de portadores da Síndrome Metabólica às suas ações de cuidado, no contexto domiciliar.

2. METODOLOGIA

Para a realização desta pesquisa, considerando a natureza do tema, optou-se por uma metodologia qualitativa, com a utilização dos procedimentos de organização dos dados, a Análise de Conteúdo Temática, recomendada por Bardin (12).

Para o tratamento qualitativo dos dados, optou-se pelo referencial teórico do Interacionismo Simbólico, que busca o significado que o mundo tem para cada indivíduo e a influência de tal fato na tomada de decisões e em suas atitudes(13). Em pesquisas de Enfermagem, observamos que a aplicação da teoria interacionista tanto no ensino e prática, busca ampliar conhecimentos na construção de ações e estratégias voltadas para um relacionamento interativo e humanizado entre as pessoas(14).

Justifica-se tal afirmativa lembrando que o estudo desenvolveu-se no domicílio e, portanto, buscou-se a família, que tem um papel essencial na promoção da saúde de seus membros, e que, para isso, lança mão de estratégias e de meios de sobrevivência construídos a partir dos significados e das crenças inerentes a cada núcleo familiar.

Foram sujeitos da pesquisa 06 (seis) cuidadores informais ou familiares, selecionados após o conhecimento dos programas assistenciais desenvolvidos em uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBASF) localizada no município de Fortaleza-CE, investigados entre os meses de março a maio de 2005 e identificados de acordo com a ordem das entrevistas, a saber: S1, S2....S6.

Os cuidadores entrevistados revelaram-se como filhas e esposas, com idades compreendidas entre 48 (quarenta e oito) e 67 (sessenta e sete anos), cuja principal atividade de vida é cuidar de seus familiares enfermos. Três cuidadoras residiam com o membro familiar cuidado e não desenvolveram seu próprio núcleo familiar, portanto, seus mundos de vida estavam diretamente relacionados à satisfação das necessidades e ao seguimento do tratamento do familiar.

A coleta de dados foi mediada por entrevista semi-estruturada, realizada no domicílio, a partir das seguintes questões norteadoras: Fale sobre a sua experiência como cuidador e quais as atividades que desempenha como cuidador? A escolha da entrevista semi-estruturada deu-se pelo fato dessa técnica permitir abertura para que a pessoa entrevistada sinta-se mais à vontade para expressar melhor seus sentimentos e seu discurso(15).

Fez-se o uso do gravador para o registro das entrevistas, após o consentimento do entrevistado. Utilizou-se ainda a observação livre como técnica de coleta de dados e um instrumento contendo questões acerca dos dados de identificação do cuidador, sua relação (parentesco, laços de amizade) com o membro da família alvo de seus cuidados, como está ocorrendo o acompanhamento da enfermidade apresentada e quais as alterações ocorridas na vida do cuidador após a descoberta da patologia.

A leitura exaustiva dos depoimentos dos sujeitos permitiu a organização dos dados obtidos e a escolha de unidades de registro (temas), o que permitiu a tentativa de interpretação das ações dos cuidadores, do ponto de vista de suas crenças e significados.

Quanto aos aspectos ético-legais, antes de iniciada a coleta dos dados, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade, sendo obedecidas as determinações da Portaria 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que discorre sobre os preceitos para o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos.

Do mesmo modo, as pessoas estudadas foram convidadas a participar do estudo de forma espontânea, sendo garantido a elas o direito de ausentar-se da pesquisa, desde que assim desejassem, além da garantia do sigilo de suas identidades. Para a utilização de gravador nas entrevistas, foi solicitada a anuência das pessoas investigadas, não havendo recusa quanto à sua utilização por nenhuma delas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A interpretação dos dados à luz do Interacionismo Simbólico permitiu o conhecimento dos significados e ações do cuidador informal ou familiar diante de sua vivência enquanto cuidador de portadores da Síndrome Metabólica. Foi possível identificar dois fenômenos: percebendo-se cuidadora e dificuldades estruturais vivenciadas no cuidado. Os mesmos serão descritos segundo as representações, ou seja, segundo os modos de pensar que emergiram dos relatos das cuidadoras acerca de sua vivência.

3.1 Percebendo-se Cuidadora

É um fenômeno que retrata os significados que a função de cuidador tem para quem a executa. Trata-se da percepção de como a cuidadora vê-se ou sente-se cuidando de um ente familiar enfermo. Esse fenômeno é formado pelas seguintes categorias: significando a experiência de cuidar (A), desenvolvendo mecanismos de enfrentamento (B) e o des (preparo) para o cuidado (C).

3.2 Dificuldades estruturais vivenciadas no cuidado

Constitui-se como o segundo fenômeno da experiência do cuidador acerca de sua vivência no cuidado. Apresenta elementos que se mostram para a cuidadora como dificuldades na execução de suas atividades de cuidado. Desdobra-se em duas categorias: dificuldades financeiras para o cuidado (D), necessidades emocionais da cuidadora (E).

As categorias serão apresentadas de maneira a representar o conteúdo do discurso dos sujeitos da pesquisa, intercalando discussões originadas a partir de literatura específica acerca da teoria interacionista.

A) Significando a experiência de cuidar

Essa categoria mostra que as cuidadoras atribuem um caráter caritativo e até religioso, se considerarmos suas citações relacionadas à fé, ao seu cuidado. Existe a crença na existência de uma entidade superior que proverá vida ao seu familiar e forças ao cuidador em suas atividades.

Tais afirmações são possíveis quando a participante do estudo revela:

... me considero né, vivo pedindo a Deus que Deus me dê essa força toda, pra mim tá cuidando até o dia que Deus permitir, no dia que Deus num quiser, quiser levar ele, tenho que me conformar... (S5)

Percebe-se, então, a ação de cuidar influenciada pela crença, pelo significado que determinada entidade religiosa tem para a vida da cuidadora. Esse significado, tal como afirmado por Blumer(16) em suas premissas, surge da interação social estabelecida ao longo do tempo pelos atores sociais, ou seja, pelas cuidadoras com seus companheiros (família, amigos, conhecidos).

B) Desenvolvendo Mecanismos de Enfrentamento

Segunda categoria do fenômeno percebendo-se cuidadora retrata os mecanismos elaborados pelas cuidadoras que auxiliam na compreensão e, às vezes, na aceitação de sua condição. Para aqueles que estudam o psiquismo humano, a pessoa "deforma" ou suprime a realidade para evitar a percepção de um acontecimento que pode ser algo constrangedor, doloroso e desorganizador(17). Nesse caso, a "dor" e o "sofrimento" iniciais do processo de cuidar são "substituídos" pela "aceitação" ou "conformação" diante de uma situação delicada e, por vezes, dolorosa que é o cuidar. Para ilustrar tais situações, destacam-se os seguintes relatos:

... às vez eu choro né, aí alivio, às vez eu procuro (...) asim conversar com uma pessoa (...) num saio porque acho muito ruim deixar ele... (S2)

... ele acha ruim quando eu digo alguma coisa, ora a gente não pode suportar tudo na vida da gente sem dizer alguma coisa não, que é aí que a gente fica deprimida, parece que a gente dizendo alguma coisa, a gente desabafa, né? Coloca pra fora aquilo que a gente tá sentindo e melhora um pouco ... (S3)

Nesse caso, o mecanismo utilizado é a verbalização ou exteriorização do sofrimento ou daquilo que incomoda. Quando tolhida em sua fala pela pessoa cuidada, a cuidadora mostrou-se irritada, pois para ela essa foi a forma que encontrou para enfrentar sua condição. Acreditamos que o "choro" e a "voz" exteriorizam sentimentos e são formas de desabafo, as quais promovem sensação de alívio, claramente observada nos depoimentos.

Para as autoras do trabalho, a designação divina da função de cuidador também é utilizada pelas participantes como mecanismo de enfrentamento, na tentativa de minorar o sofrimento ou de obter forças para enfrentá-lo. O depoimento seguinte ilustra a afirmação:

... sei lá, talvez fosse como se tivesse sido determinado por Deus que a partir dali meu plano era aquele, não era o que eu tinha sonhado, eu tive um sonho, mas Deus tinha outros planos pra mim, então eu comecei a entender por esse lado né, e fui aos poucos aceitando (...) eu sei que a minha missão é esta... (S5,S6).

C) Des (preparo) para o cuidado

Destaca-se nessa categoria a falta de preparo emocional da cuidadora, ou mesmo sua insegurança para cuidar, denunciados quando a participante revela:

...de início, eu enfrentei assim uma barra muito pesada até pelo fato assim deu nem querer aceitar, né, ver assim aquele sofrimento dela (...) eu ia ter que assumir uma nova tarefa na minha vida, tinha horas que eu me achava é ... despreparada, insegura pra aquilo ali (...) eu achei assim que ela pudesse sentir alguma coisa que eu não estivesse à altura para resolver. (S6)

Observa-se, portanto, que há a necessidade de um maior acompanhamento pelas equipes de saúde aos cuidadores familiares. A insegurança advinda do vivenciar sentimentos novos e dolorosos envolvidos no cuidado, exige um preparo emocional e, por vezes, técnico dos cuidadores. O saber fazer necessita de preparo, de treinamento e nem sempre os cuidadores recebem essa atenção.

Importante salientar que a carga emocional envolvida no cuidado merece destaque. A formação de grupos de apoio ao cuidador poderia ser estimulada, pois certamente representaria o fortalecimento emocional do sujeito que cuida, com repercussões positivas no cuidado prestado pelo mesmo.

Reportamo-nos agora às duas categorias do segundo fenômeno identificado. A primeira delas corresponde às dificuldades financeiras que o cuidador e sua família enfrentam para o abastecimento da casa com alimentos e ainda para a aquisição de medicamentos.

D) Dificuldades financeiras para o cuidado

As participantes mostraram grande preocupação no tocante ao aumento dos custos oriundos do tratamento de seus familiares. Destacaram os gastos com a alimentação e com a medicação como os mais significativos, relatados a seguir:

... é a situação financeira, a maioria (familiares) não mostra (dinheiro), tá entendendo? (...) a medicação, muitas vezes no posto num tem, aí eu tem que comprar a medicação dela. (S4).

...Tem que ter uma fruta, um alimento assim, um alimento confortável e eu num posso, porque eu num sou aposentada e não tem idade ainda, só ele que recebe este salário, quando recebe, já é pra mais de mil coisa... (S5).

Apesar da situação econômica difícil vivenciada pelas cuidadoras, elas desenvolvem a ação, ou seja, baseadas no significado que tomar a medicação e alimentar-se bem tem para elas, as cuidadoras agem em busca de sanar as dificuldades, procurando a medicação no posto ou fazendo escolhas ao gastar os recursos de que dispõem, optando pela compra de alimentos considerados saudáveis por elas. Demonstram, portanto, que sua atitude é determinada pelo significado que os fenômenos, a alimentação e a medicação, representam para elas e sua contribuição para o bem-estar da pessoa cuidada.

E) Necessidades emocionais da cuidadora

Essa categoria apresentou-se em manifestações de grande emotividade das participantes do estudo. Demonstraram o quanto desejavam o pronto restabelecimento de seu ente familiar, mesmo que para alcançar tal intento tivessem que sacrificar suas próprias vidas, o convívio com seus familiares e seus momentos de lazer.

Foram reveladas as "privações" às quais o cuidado submete a cuidadora e a necessidade dessas mulheres de "sentir-se bem emocionalmente". As participantes revelam tais situações em seus depoimentos:

... eu deixei tudo que eu tinha pra trás pra tomar conta dela (...) perdi muitas oportunidades na minha vida (...) e isso eu num me arrependo nunca, porque mais adiante eu vou ganhar, né... (S4)

.... e eu vejo assim também que pra gente cuidar duma pessoa como (...) no estado dela é preciso que a gente abdique de muitas coisas. O próprio cuidado dos filhos, que às vez eu deixo de lado, é o próprio lazer

(...) a gente se priva de muitas coisas.... (S6)

Observa-se no primeiro depoimento a crença da cuidadora orientando sua ação. Acredita que se privar de determinados benefícios para cuidar da mãe irá lhe trazer boas recompensas, deixando clara a intencionalidade do ato humano, embora sua elaboração dê-se mentalmente e fuja, às vezes, ao seu nível de consciência.

Pontua-se, ainda, que os sentimentos de "privação" ou de "anulação" do lazer, da liberdade de ir e vir, de estar na presença dos filhos ou ainda a desistência dos sonhos ou dos planos de vida são expressos de forma clara nos depoimentos e revelam situações de sofrimento que interferem na qualidade do cuidado prestado sobremaneira, uma vez que podem provocar alterações no estado do humor de quem cuida, assim como na sua forma de encarar a vida e seus desafios diários.

4. CONSIDERAÇÕES FINAI S

O estudo possibilitou não apenas compreender a experiência interacionista de cuidadores informais com seus familiares cuidados, segundo suas perspectivas, mas ainda propor estratégias para a ação da enfermagem no domicílio, uma vez conhecidas as necessidades e os significados dos indivíduos que assumem o cuidado nesse contexto.

Sugerimos que as equipes de saúde dêem uma atenção especial aos cuidadores familiares informais, pois estes podem colaborar tanto para o avanço quanto para o retrocesso no cuidado domiciliar e necessitam de preparo técnico e emocional para isso. A formação de grupos de apoio aos cuidadores deve ser estimulada, pois acredita-se que, uma vez em grupo, o familiar cuidador será capaz de reconhecer-se no outro, fazer questionamentos a si próprio e buscar respondê-los a partir da interação com o grupo.

A corrente teórica estudada, o Interacionismo Simbólico, corrobora a idéia da socialização como método natural na construção de valores e de crenças, que, de forma sublime, norteiam as ações de qualquer pessoa.

Aos enfermeiros, recomendamos que revejam o seu papel no cuidado à família quando este se reveste de uma falsa autoridade, distanciando-o da essência de sua profissão, o cuidado ao paciente, estendido à sua família. É preciso rememorar a necessidade gregária de todo ser humano, de sentir-se amparado por alguém, pois essa é uma necessidade também de quem cuida.

Por fazer-se presente no domicílio, a enfermagem deve avaliar a dinâmica familiar, com uma atitude de respeito e de valorização das características peculiares a cada família, buscando reconhecer e acompanhar o membro responsável pelo cuidado. Entendendo e pondo em prática o conceito de que saúde não é um estado, mas um processo multidimensional que envolve sistemas biológicos, sociais, culturais, e ambientais, o enfermeiro será capaz de auxiliar o sujeito que cuida em seus problemas cotidianos, independente da esfera de cuidado em que esteja inserido.

Submissão: 28/12/2006Aprovação: 04/08/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Aceito
    04 Ago 2007
  • Recebido
    28 Dez 2006
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