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Concepções da equipe de saúde da família sobre as visitas domiciliares

Concepciones del equipo de salud de la familia sobre das visitas domiciliarias

Conceptions of the family health team about home visits

Resumos

Entendendo as visitas domiciliares enquanto tecnologia de interação no cuidado à saúde da família, o objetivo foi compreender as concepções da equipe de Saúde da Família sobre as visitas. Utilizou-se abordagem qualitativa e a entrevista semi-estruturada foi o instrumento de coleta de dados. Foram entrevistados dezenove profissionais de duas equipes de Saúde de Família de um município do interior paulista. Os resultados mostraram que as visitas são atividades potenciais para o cuidado à família, mais humano e acolhedor, permitindo o vínculo, laços de confiança e conhecer o usuário no seu ambiente familiar. Apreende-se que as visitas ora são compreendidas como acompanhamento da saúde, ora como fiscalização. Dificuldades existiram como pouco tempo disponível e impotência da equipe frente aos problemas.

Visita domiciliar; Equipe de assistência ao paciente; Formação de conceito; Programa saúde da família


Entendiendo las visitas domiciliarias como tecnología de interacción en el cuidado a la salud de la familia, la finalidad fue comprender las concepciones del equipo de Salud de la Familia sobre las visitas. Se utilizó una aproximación cualitativa y la entrevista semiestructurada fue el instrumento de recolecta de datos. Se entrevistaron a diecinueve profesionales de dos equipos de Salud de la Familia de un municipio del interior paulista. Los resultados mostraron que las visitas son actividades potenciales para el cuidado a la familia, más humano y acogedor, permitiendo el vínculo, lazos de confianza y conocer al usuario en su ambiente familiar. Se aprehende que las visitas ora son comprendidas como acompañamiento de la salud, ora como fiscalización. Dificultades existieron, tales como poco tiempo disponible e impotencia del equipo ante los problemas.

Visita domiciliaria; Grupo de atención al paciente; Formación de concepto; Programa salud de la familia


Connsidering home visits as a technology for interaction in family health care, this study aimed to understand how the Family Health team conceives these visits. A qualitative approach was used and data were collected through semistructured interviews. We interviewed nineteen professionals who belonged to two Family Health teams from an interior city in São Paulo. Results showed that visits are potential activities for more human and welcoming family care, with a view to bonding, confidence relations and getting to know users in the family environment. Visits are sometimes understood as health follow-up and sometimes as surveillance. Difficulties included reduced time availability and the team's impotence to act on problems.

Home visit; Patient care team; Concept formation; Family health program


PESQUISA

Concepciones del equipo de salud de la familia sobre das visitas domiciliarias

Karen Namie SakataI; Maria Cecília Puntel de AlmeidaII; Ariane de Melo AlvarengaIII; Priscila Frederico CracoIV; Maria José Bistafa PereiraV

IEnfermeira e Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP

IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP, Ribeirão Preto, SP. Orientadora. cecilia@eerp.usp.br

IIIEnfermeira

IVDoutora em Enfermagem. Enfermeira da rede pública de saúde da prefeitura da Estância Turística de Batatais, SP

VProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Ribeirão Preto, SP zezebis@eerp.usp.br

RESUMO

Entendendo as visitas domiciliares enquanto tecnologia de interação no cuidado à saúde da família, o objetivo foi compreender as concepções da equipe de Saúde da Família sobre as visitas. Utilizou-se abordagem qualitativa e a entrevista semi-estruturada foi o instrumento de coleta de dados. Foram entrevistados dezenove profissionais de duas equipes de Saúde de Família de um município do interior paulista. Os resultados mostraram que as visitas são atividades potenciais para o cuidado à família, mais humano e acolhedor, permitindo o vínculo, laços de confiança e conhecer o usuário no seu ambiente familiar. Apreende-se que as visitas ora são compreendidas como acompanhamento da saúde, ora como fiscalização. Dificuldades existiram como pouco tempo disponível e impotência da equipe frente aos problemas.

Descritores: Visita domiciliar; Equipe de assistência ao paciente/ética; Formação de conceito/ética; Programa saúde da família.

ABSTRACT

Connsidering home visits as a technology for interaction in family health care, this study aimed to understand how the Family Health team conceives these visits. A qualitative approach was used and data were collected through semistructured interviews. We interviewed nineteen professionals who belonged to two Family Health teams from an interior city in São Paulo. Results showed that visits are potential activities for more human and welcoming family care, with a view to bonding, confidence relations and getting to know users in the family environment. Visits are sometimes understood as health follow-up and sometimes as surveillance. Difficulties included reduced time availability and the team's impotence to act on problems.

Descriptors: Home visit; Patient care team/ethics; Concept formation/ethics; Family health program.

RESUMEN

Entendiendo las visitas domiciliarias como tecnología de interacción en el cuidado a la salud de la familia, la finalidad fue comprender las concepciones del equipo de Salud de la Familia sobre las visitas. Se utilizó una aproximación cualitativa y la entrevista semiestructurada fue el instrumento de recolecta de datos. Se entrevistaron a diecinueve profesionales de dos equipos de Salud de la Familia de un municipio del interior paulista. Los resultados mostraron que las visitas son actividades potenciales para el cuidado a la familia, más humano y acogedor, permitiendo el vínculo, lazos de confianza y conocer al usuario en su ambiente familiar. Se aprehende que las visitas ora son comprendidas como acompañamiento de la salud, ora como fiscalización. Dificultades existieron, tales como poco tiempo disponible e impotencia del equipo ante los problemas.

Descriptores: Visita domiciliaria; Grupo de atención al paciente/ética; Formación de concepto/ética; Programa salud de la familia.

1. INTRODUÇÃO

As visitas domiciliares são o objeto de estudo deste trabalho e são aqui entendidas como tecnologia no cuidado à saúde da família. O termo tecnologia, antes de tudo, não deve ser abordado na conceituação em que o "simples" aparece como oposição ao "complexo", demonstrando um entendimento parcial quanto ao seu significado. Tecnologia não é apenas um "conjunto de instrumentos materiais do trabalho" mas também um "conjunto de saberes e instrumentos que expressa, nos processos de produção de serviços, a rede de relações sociais em que seus agentes articulam sua prática em uma totalidade social"(1 : 32).

Assim, tecnologia envolve as relações estabelecidas entre os homens e os objetos sobre os quais trabalham, relações cuja adequação não se estabelece por referência à capacidade produtiva ou à eficácia útil dos instrumentos, mas com respeito às relações sociais de produção, organizados conforme as quais os homens então modificam a natureza e a história(1:).

Nesta direção, mas ampliando a concepção, a tecnologia pode ser compreendida como: tecnologia dura, leve-dura e leve. As tecnologias duras são representadas pelas máquinas e equipamentos. As tecnologias leve-duras correspondem aos saberes estruturados e estão vinculadas a idéia de um certo saber fazer e um ir fazendo. As tecnologias leves são as produtoras de relações de interação, aquelas que se dão nos espaços de intercessão entre profissionais e usuários; como é o caso do acolhimento, do vínculo e da autonomização com responsabilização(2). O cuidado à saúde da família não pode prescindir dos elementos das tecnologias leves, pois são eles que favorecem uma comunicação dialógica e a integralidade do cuidado.

A Estratégia de Saúde da Família, adotada oficialmente pelo Ministério da Saúde a partir de 1994 e que tem por objetivo reorganizar a prática assistencial de saúde até então centrada na doença e com ênfase nas ações curativas individuais e de forma fragmentada, inclui as visitas domiciliares entre as atividades atribuídas à equipe de Saúde da Família(3). As visitas são as atividades externas à unidade mais realizadas pelas equipes, principalmente pelo agente comunitário de saúde (ACS), e compreendem uma possibilidade de incorporação das tecnologias leves no cuidado. Ser o ACS o profissional que mais realiza visitas domiciliares é justificado pelo fato de ser ele o responsável pela integração entre a equipe de saúde e a população(4).

A atenção às famílias e à comunidade é o objetivo central da visita domiciliar, sendo entendidas, famílias e comunidade, como entidades influenciadoras no processo de adoecer dos indivíduos os quais são regidos pelas relações com o meio e com as pessoas. E nesse caso o "sair para comunidade" precisa ter impacto na maneira de atuação dos profissionais, questionando seus conceitos acerca do modo de vivência e sobrevivência das famílias(5).

Em estudo feito em uma unidade de Saúde da Família no município de Ribeirão Preto com a equipe de enfermagem e os ACSs sobre o trabalho realizado fora da unidade, constatou-se que aproximadamente 89% das atividades externas observadas foram visitas domiciliares. Durante as visitas, houve predomínio dos aspectos biológicos na abordagem do processo de saúde e doença das famílias restringindo-se a aspectos padronizados para cada situação, tais como, hipertensão arterial, diabetes melitus e acompanhamento de crianças menores de 2 anos(6).

Em outro estudo sobre assistência domiciliar verificou-se que esta não modifica apenas a maneira de trabalhar, somando mais uma tarefa aos serviços de saúde tão saturados, mas tem potencialidades para sensibilizar o modo de agir e pensar dos profissionais. A prática de prestar assistência nos domicílios, nos lares, nos locais de vivência e trabalho das pessoas, favorece uma aproximação da realidade que é complexa e dinâmica, possibilitando, portanto, uma reflexão e revisão da própria atitude dos profissionais na busca de transformações do cuidado(7).

Os profissionais de saúde são sujeitos importantes nos processos de mudança do sistema quando se tornam atores sociais com vontade de transformações e responsabilizados com a vida do outro e são capazes de provocar mudanças nos espaços micropolíticos de atuação8. Assim, o presente trabalho tem por objetivos compreender as concepções das equipes de Saúde da Família sobre as visitas domiciliares, identificar quais os profissionais que as realizam, interpretar a contribuição destas para o cuidado à saúde dos usuários e das famílias e identificar suas potencialidades e dificuldades.

2. METODOLOGIA

A pesquisa situa-se no âmbito da saúde coletiva e é de natureza qualitativa, porque sua investigação se faz em torno das concepções dos profissionais de saúde sobre a atividade de visitas domiciliares na Estratégia da Saúde da Família. E concepção traz em sua própria definição toda uma subjetividade humana. A pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis(9).

O estudo foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da rede municipal de saúde e em um Núcleo de Saúde da Família (NSF) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ambos da rede básica de saúde de Ribeirão Preto, município com 504.923 habitantes, localizado a Nordeste do Estado de São Paulo e a 313 km de distância da capital(10,11). A UBS era mista, ou seja, além dos profissionais da unidade, havia três equipes de Saúde da Família. Nesta unidade foram entrevistados dez profissionais de uma das equipes de Saúde da Família, sendo que dois eram da equipe de Saúde Bucal de referência desta equipe. Incluímos o Núcleo de Saúde da Família por ser também local de ensino e contar com a presença de corpo docente e discente. Nesta unidade, foram entrevistados nove profissionais da equipe de Saúde da Família existente, sendo um da equipe de Saúde Bucal de referência. Na tabela 1, observa-se a distribuição do número de entrevistas de acordo com o profissional.

A maioria das entrevistas foi com os ACS (dez entrevistas) e, entre os outros profissionais, a distribuição foi uniforme (uma ou duas entrevistas). Essa ocorrência é justificada, porque os ACSs são os profissionais em maior número nas equipes de Saúde da Família.

Só foram entrevistados os profissionais que aceitaram participar e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Previamente o roteiro da entrevista foi testado com cinco profissionais de uma UBS e cinco de um NSF, locais diferentes do campo de investigação. Assegurados pelas questões éticas, dois profissionais se abstiveram de participar, sendo um profissional da equipe da UBS e o outro da equipe do NSF.

A coleta de dados foi realizada no período de quatro meses, março a julho de 2006. Utilizou-se a técnica de entrevista semi-estruturada baseada em um roteiro abordando as seguintes questões norteadoras: situações em que as visitas são realizadas e quais profissionais as realizam; as contribuições, o planejamento, as dificuldades e as facilidades para a realização das mesmas e a avaliação da equipe acerca das visitas. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, tomando-se o cuidado de garantir o anonimato dos profissionais.

Aspectos Éticos

Os aspectos éticos deste trabalho foram baseados na Resolução número 196, de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos12. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e a realização da pesquisa nas unidades de saúde foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde e pelos gerentes e coordenadores dessas unidades. Após as autorizações e antes do início da coleta de dados, a pesquisadora apresentou o projeto aos profissionais de saúde das equipes de Saúde da Família com a finalidade de dar conhecimento sobre o conteúdo do mesmo e solicitar a colaboração dos profissionais.

Análise dos Dados

No presente estudo foi utilizada a técnica de análise temática:

Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado. Ou seja, tradicionalmente, a análise temática se encaminha para a contagem de freqüência das unidades de significação como definitórias do caráter do discurso. Ou, ao contrário, qualitativamente a presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso(13).

Após leitura exaustiva do material coletado, foram agrupadas as temáticas com mesmo núcleo de sentido, levando-se em consideração as concepções mais freqüentes, bem como as significações e os valores acerca das visitas domiciliares contidos nas falas dos profissionais.

Na interpretação dos dados emergiram seis categorias empíricas centrais: quais são os profissionais que realizam as visitas domiciliares; a visita domiciliar ora sendo entendida como acompanhamento, ora como "vistoria" e "fiscalização"; o tempo cronológico como fator limitante e o tempo emocional como facilitador de vínculos; a visita domiciliar como oportunidade de conhecer o usuário no seu ambiente e na família; os aspectos positivos e negativos da presença da universidade nos serviços de saúde e as dificuldades que envolvem as visitas domiciliares.

Os fragmentos selecionados das falas dos profissionais foram aqueles mais significativos para a discussão de cada categoria empírica.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Quais são os profissionais que realizam as visitas domiciliares?

Os profissionais que compõem a equipe de Saúde da Família e a equipe de Saúde Bucal são: agente comunitário de saúde, enfermeiro, médico, auxiliar e técnico de enfermagem, cirurgião dentista, técnico em higiene dental e auxiliar de consultório odontológico(4). Entre os profissionais entrevistados, os que realizam a visita domiciliar são: enfermeira, técnica e auxiliar de enfermagem, ACS, médico, odontólogo e auxiliar de consultório odontológico. O ACS é identificado como o profissional que realiza as visitas domiciliares com maior freqüência, ou seja, diariamente, porque realizar o cuidado nos domicílios é uma atribuição comum a todos os profissionais, porém "desenvolver atividades de promoção da saúde, de prevenção das doenças e de agravos, e vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares [...]" é uma atribuição específica do ACS(4).

Mesmo o ACS realizando visitas quase que diárias, os relatos desses profissionais evidenciaram que nem sempre é possível visitar todas as famílias cadastradas em um mês. Isso acontece, porque o ACS está também inserido em outras atividades além das visitas e porque o tempo dedicado às visitas é reduzido. Essas dificuldades são também apresentadas pelos outros profissionais e serão discutidas no item mais adiante sobre o tempo.

5.2 Visitas domiciliares: acompanhamento ou "vistoria"/ "fiscalização"?

A partir das falas dos profissionais, percebe-se uma ambigüidade na compreensão do significado das visitas domiciliares, quando são identificadas ora como espaço que promove acompanhamento ora como espaço de fiscalização e vistorias. O acompanhamento se faz presente como uma prática para reorganizar o trabalho em saúde. A ação de acompanhamento traz a idéia de se considerar a realidade e as necessidades locais, bem como, a participação popular(14). A narrativa abaixo evidencia a visita como uma possibilidade desse acompanhamento:

a gente dá preferência pras visitas às gestantes, que elas têm que fazer esse acompanhamento mensal. Crianças menores de dois anos, diabético, hipertenso. E... a família pode ser vermelha (classificação de alto risco) por causa de um fato social mesmo, às vezes, droga, desemprego. Então, a gente procura tá sempre, assim... acompanhando de perto essas famílias pra poder ver se teve alguma alteração (entrevista nº 7, NSF).

Por outro lado, a visita foi também entendida como uma forma de fiscalização e vistoria, podendo, às vezes, significar intromissão na vida das pessoas; limitar a privacidade, a liberdade e a autonomia e distanciar os sujeitos profissionais de saúde dos usuários(15).

eles (equipe de controle de vetores) estavam querendo uma fiscalização, né? Então, a gente ia fiscalizar [...]. Nós faríamos esse trabalho de tá vistoriando mesmo. Olhando vaso, olhando ralo [...] (entrevista nº 1, NSF).

O controle é outra questão muito evidenciada nas falas dos profissionais, merecendo aqui algumas considerações. O controle pode ser interpretado tanto como positivo se associado à idéia do acompanhamento, quanto negativo se associado à idéia da vistoria e da fiscalização. Na perspectiva positiva, o controle das situações de saúde pode ser relativo à longitudinalidade, ou seja, uma relação duradoura ao longo do tempo entre profissionais de saúde e usuários, facilitando o reconhecimento e o acompanhamento de várias situações de saúde(16).

A gente vai dar preferência aos hipertensos e diabéticos, [...]. Ou em crianças menores de um ano, né? A gente tem que fazer um controle de vacina, de peso, ver como é que tá o desenvolvimento. E gestantes (entrevista nº 3, UBS).

E cobra algumas coisas, né? Cobra vacina. Ela às vezes por si mesma ela já tá cobrando vacina, ela já cobra é... se tá passando no GO (entrevista nº 9, UBS).

A gente chega... [...]. É bom, que a gente pega a situação como ela é, né? Então, ninguém vai maquiar a situação, né? Pra receber a gente (entrevista nº 8, NSF).

Na perspectiva negativa, o controle diz respeito à necessidade de se registrar, preencher fichas ou fazer relatórios, podendo a visita ser utilizada somente para a obtenção das informações mais técnicas, distanciando-se do objetivo da vigilância à saúde e restringindo-se ao controle dos aspectos biológicos da doença

Por exemplo, de hipertenso e diabético eu já sei de cor (falando sobre a ficha de acompanhamento), porque a gente tem que responder se a pessoa é.... assim... se ela faz dieta, se ela usa medicação, quer dizer, se ela faz exercício físico, qual que é a última pressão, a última medição de pressão qual que foi, é... a última consulta dela. No diabético são as mesmas perguntas só que na hora da pressão você muda, e aí é se a pessoa usa insulina ou não. E o resto das perguntas são as mesmas (entrevista nº 5, NSF).

Tem dengue (falando da ficha de acompanhamento) e tem que mandar pra lá, pro controle é... todo mês. No mês de janeiro, quantas famílias cada microárea fez, quanto contou, quanto não encontrou, quanto encontrou de larva, criadouro. Para um controle, né? [...] Um controle mesmo, né? (entrevista nº 1, NSF).

5.3 O tempo cronológico é fator limitante e o tempo emocional é facilitador de vínculos?

O tempo, de acordo com as narrativas dos profissionais, é uma característica fortemente marcante nas visitas. Foi aqui interpretado de duas maneiras: o tempo cronológico que corresponde à duração das visitas e a articulação desta com o cumprimento de outras atividades e funções, e o tempo emocional que considera as "tecnologias leves" no espaço de cuidado à saúde no domicílio. As narrativas a seguir evidenciam o tempo cronológico como um fator negativo e como uma dificuldade enfrentada, já que esse tempo é reduzido e nem sempre pode ser dedicado à realização de visitas. Ele é muito atrelado ao cumprimento de outras tarefas e à necessidade de se cumprir metas quantitativas determinadas para as visitas mensais:

A enfermeira, no caso, a enfermeira ao invés dela ficar disponível para a equipe, ela tem que ficar disponível pro posto e pra a equipe, entendeu? No fim não dá certo uma coisa, não dá certo outra. Né? O médico também idem, as auxiliares de enfermagem, o dentista (entrevista nº 1, UBS).

As dificuldades são assim, muitas, né? É... eu acho que a principal é: você não desenvolver um trabalho só para o Programa de Saúde da Família, porque se você tem uma demanda de visita e você tem um período muito pequeno pra desenvolver essa atividade, tá? É um dificultador, é um problema (entrevista nº 7, UBS).

Aqui a gente faz de tudo um pouco, né? A gente faz acolhimento; a gente atende o telefone; tem relatório pra gente tá fazendo; preenche ficha de hipertensos, diabéticos, de crianças menores de dois anos, ham... agora tem o da dengue também que a gente preenche, [.] e geralmente tem coisas que a gente tá participando que são reuniões, é receber aluno... então assim... é, fica difícil. Mas desde... até coar café, eu faço café também, lá na cozinha. Precisou... a gente ajuda (entrevista nº 2, NSF).

Por outro lado, o tempo emocional aparece como fator positivo, ou seja, como forma de promover um cuidado mais voltado para as singularidades de cada família, conformando um cuidado que produza acolhimento e vínculo:

E eu já percebo também que na segunda, terceira visita a pessoa já vai quebrando isso, entendeu? [...] Devagarzinho você vai criando um vínculo de confiança ali [...]. A pessoa se abre com você e, e... confia, né? (entrevista nº 5, NSF).

A visita aparece como uma ferramenta de aproximação entre profissionais e usuários, sendo um "espaço interseçor", no qual estão instituídas subjetividades em uma assistência incorporada pela tecnologia leve(2). Conforme o tempo emocional, nas visitas "mais demoradas", identificadas como aquelas que são feitas para famílias que apresentam "problema em casa" ou aquelas realizadas para "pessoas de idade que ficam sozinhas", o espaço da visita é utilizado como um momento para "conversar" e "ouvir":

[...] tem uma senhorinha na minha área. Quando eu vou lá, coitada, ela quer mais companhia, ela não deixa eu sair, fica conversando, conversando, e me segura lá, né? Ela fica muito só (entrevista nº 2, UBS).

Aquelas mais demoradas, às vezes, sentam, conversam, te contam, né? [...] E aí, a gente vai vendo que aquela pressão que tá alta, não tinha porquê, né? Problema em casa. Essas são mais demoradas. Têm pessoas de idade que ficam sozinhas, então esperam a gente. (entrevista nº 1, NSF).

A visita surge também como um mecanismo de criação de vínculo, sendo este representado pelos profissionais como um estado de "respeito" e de "confiança" conquistado por eles em relação aos usuários e construído por meio da "convivência" e do "contato" constante, permitido mais por um tempo emocional do que por um tempo cronológico:

Acho que vínculo é você ter um respeito pelo paciente e ele ter um respeito, e você tá aberto pra tá, assim, atendendo esse paciente quando ele precisar (entrevista nº 10, UBS).

Eu acho que o vínculo ele traduz muito a confiança que existe entre o usuário e o profissional, né? Porque isso tem que ser recíproco, né? É do dia-a-dia, deste contato, né? Então, eu acho que a convivência, o contato, é... a troca de informações, a troca de compreensões, né? (entrevista nº 9, NSF).

5.4 Visita domiciliar: oportunidade de conhecer o usuário no seu ambiente e na sua família

A visita é também entendida como uma oportunidade de compreender melhor o modo de vida do usuário; conhecer o ambiente e as relações intrafamiliares; abordar questões que vão além da doença física e que contemplem também os problemas sociais e emocionais; proporcionando, assim, orientações mais voltadas para as reais necessidades de saúde do usuário, e buscando singularidades na forma de se cuidar:

Eu acho assim, que você poder tá trabalhando melhor quando você vê a realidade da casa, quando você vê a realidade daquela família [...] (entrevista nº 6, UBS).

Então eu acho que é muito importante a gente tá indo lá e assim pra analisar esse meio ambiente mesmo que ele vive, quem é o vizinho dele, qual assim... que apoio rede social que ele tem, como que, com quem que ele pode contar (entrevista nº 10, UBS).

Como ele vive, o ambiente dele [...]. Você vê tudo. Não vê só a... né? Uma máscara. Porque, às vezes, a pessoa vem no posto, ela bota a melhor roupa, ela toma banho, né? [...] tem muita gente que vem no posto e não fuma, você vai na casa da pessoa, a primeira coisa que a pessoa faz é acender um cigarro. Né? (entrevista nº 4, NSF).

5.5 A presença da universidade nos serviços de saúde

A universidade se faz presente nas unidades de saúde nos campo de estágio para alunos universitários, os quais acompanham as atividades desenvolvidas pela equipe multiprofissional, entre elas as visitas.

O NSF recebe mais alunos que a UBS, pois é um local de ensino e além da presença de docentes e discentes, há também residentes médicos. Para os profissionais a participação dos alunos universitários durante as visitas domiciliares ora é identificada como positiva ora como negativa.

Têm casos que eles criam vínculo também com o paciente, né? Despertam pra certas coisas que, às vezes a gente não percebe. Eu não tenho nada, acho bom (entrevista nº 3, NSF).

Tem alunos e tem alunos, né? Tem aqueles que tem perfil de PSF, que tem interesse em conhecer, tem uns que vem fazer turismo, né? [...] Os que se interessam e os desinteressados. (entrevista nº 6, NSF).

A UBS possui um quadro reduzido de docentes e discentes e os profissionais ressentem a ausência dos mesmos. Portanto, os relatos estavam mais voltados para a pouca presença da universidade, sendo que consideram que seria bom ter a maior participação de alunos universitários para auxiliarem os profissionais em suas atividades, além de contribuírem com conhecimentos novos para o trabalho da unidade.

Ai, eu acho um ponto positivo tanto assim pra gente que eles vêm é... querem saber mais sobre o nosso trabalho também [...]. E eu acho que é um jeito certo mesmo, porque no futuro serão eles que estarão aí, trabalhando, [...] é bom pra eles, porque eles já vão estar preparados para no futuro estarem lidando com essas pessoas, né? (entrevista nº 5, UBS).

Muito bom. Inclusive pra vocês também verem um tipo de atendimento fora do, do ambiente universitário, do hospitalar, né? [...] Diferenciado (entrevista nº 8, UBS).

A inserção da universidade nos serviços vai ao encontro com a Política Nacional Permanente de Educação na Saúde que propõe articulação entre as instituições de ensino e o sistema de saúde, por meio da gestão, da atenção em saúde e do controle social(17). Mesmo que dificuldades sejam evidenciadas nesse processo, é importante que a formação dos profissionais esteja vinculada às unidades de saúde, assim, o ensino estará mais próximo da realidade dos serviços, dos profissionais e dos usuários. Espera-se valorizar os atributos da atenção primária em saúde para a formação de profissionais mais voltados para a realidade de saúde do país.

5.6 As dificuldades envolvendo as visitas domiciliares

Além da falta de tempo, outras dificuldades são também apontadas pelos profissionais para a realização das visitas. A medida em que a visita proporciona uma aproximação com a realidade e o modo de viver das famílias, permite também um maior envolvimento dos profissionais, deixando-os mais suscetíveis e gerando, às vezes, sentimentos de frustração e impotência frente a determinadas situações:

Então, eu vou até onde ela deixa, que ela não deixa muito (risos)... [...] E às vezes, e às vezes acontece de ter esses casos. Tem, aí, você volta assim frustrada, porque você não consegue ainda... mas, depois passa (risos) (entrevistados nº 3, UBS).

Exato. É impotente ou, então, é uma situação assim tão extrema, né? Que, que mexe muito com a gente, né? Deixa a gente um, um, um... mal, né? (entrevista nº 9, NSF).

A atuação da equipe de Saúde da Família voltada para os cuidados com as famílias e a comunidade causa certa dificuldade em separar a vida profissional da vida pessoal dos profissionais que residem na área de abrangência. Dificuldade esta evidenciada entre os usuários e entre os próprios profissionais, em especial entre os ACSs, os quais tem como requisito para o exercício da profissão "morar na área da comunidade onde atuar"(18).

E, às vezes, eu ouço, né? Passarem (na reunião de discussão de famílias) uma família que até é meu vizinho, amigo meu [...]. Eu sinto certa dificuldade, assim... de passar também, a minha família pro Núcleo [...] É, tem coisas que eu não gosto, que eu não gostaria de saber, entendeu? (entrevista nº 1, NSF).

Agora, dificuldade é quando você tá fora do seu horário, seu expediente de trabalho e você tem que dar ouvido pra alguém que te pede ou vai ao seu domicílio fora de hora, final de semana, você encontra na padaria, no supermercado, eles misturam, né? (entrevista nº 6, NSF).

6. CONCLUSÕES

A concepção que os profissionais das equipes de Saúde da Família têm sobre as visitas domiciliares, evidencia que as mesmas são atividades potenciais para se utilizar tecnologias leves e proporcionar novos modos de se cuidar na saúde: mais humanos e acolhedores, envolvendo afetividade e laços de confiança entre os profissionais, os usuários, a família e a comunidade.

Todos os profissionais da equipe de Saúde da Família estão realizando as visitas domiciliares, porém os ACSs são aqueles que as realizam com maior freqüência, seja no NSF seja na UBS. Essas atividades, além de serem entendidas como uma oportunidade de conhecer o usuário no seu ambiente e na sua família; proporcionam o acompanhamento das famílias e dos usuários, o controle positivo das situações de saúde e a longitudinalidade do cuidado. No entanto, em certos momentos, as visitas podem significar um controle negativo sobre a vida das pessoas, voltando-se mais para a fiscalização, a vistoria e os registros de aspectos somente biológicos da saúde e da doença.

O tempo para a realização das visitas é sempre identificado como insatisfatório e pouco utilizado para essa finalidade, uma vez que, é dedicado também para o cumprimento de outras tarefas. Por outro lado, o tempo emocional possibilita que a visita seja uma ferramenta de aproximação entre profissionais e usuários, um espaço de escuta e de conversa e um momento de acolhimento e de criação de vínculo, considerando as singularidades de cada família. O vínculo surge como um estado de respeito e confiança construído pela convivência e pelo contato constante entre profissionais e usuários.

A presença da universidade nos serviços de saúde possui um componente positivo e outro negativo. Positivo quando os alunos universitários compartilham conhecimentos e auxiliam no funcionamento da unidade e, negativo quando os alunos são desinteressados e descomprometidos com o serviço de saúde.

Entre as dificuldades apresentadas pelos profissionais, além do pouco tempo para a realização das visitas, estão os sentimentos de frustração e impotência frente a determinadas situações vividas pelas famílias e a própria dificuldade em separar a vida profissional da vida pessoal.

Submissão: 03/04/2007

Aprovação: 13/10/2007

Trabalho resultante de projeto de Iniciação Científica, orientado pela segunda autora e financiado pelo CNPq.

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  • Concepções da equipe de saúde da família sobre as visitas domiciliares

    Conceptions of the family health team about home visits
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      13 Out 2007
    • Recebido
      03 Abr 2007
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