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Radioterapia: percepção de mulheres com câncer cérvico-uterino

Radioterapia: percepción de mujeres con cáncer cérvico-uterino

Radiotherapy: perception of women with uterine-cervical cancer

Resumos

Realizou-se um estudo qualitaitvo com objetivo de conhecer a percepção das mulheres com câncer cérvico-uterino sobre a radioterapia, descrevendo as alterações físicas e cotidianas sofridas e evidenciando meios de enfrentamento e expectativas em relação ao tratamento. Foram entrevistadas 20 mulheres em um hospital especializado, localizado na cidade de Teresina-PI. Os resultados mostraram que elas percebem a radioterapia como um bom tratamento, apesar do medo diante do desconhecido e das limitações no cotidiano, devido aos efeitos colaterais, que são enfrentados com suporte na religiosidade e no âmbito sócio-familiar, aumentando a expectativa de cura. Revelou-se a importância da orientação a essas mulheres pela equipe multiprofissional, especialmente o Enfermeiro, em todas as fases do tratamento.

Radioterapia; Mulheres; Câncer; Enfermagem


Se realizó un estudio con abordaje cualitativo objetivando conocer la percepción de las mujeres con cáncer cérvico-uterino sobre la radioterapia, describiendo las alteraciones físicas y cotidianas sufridas y evidenciando el medio utilizado para que enfrenten esas adversidades y sus expectativas con relación al tratamiento. Fueron entrevistadas 20 mujeres en un hospital especializado, localizado en la ciudad de Teresina-PI. Los resultados mostraron que ellas perciben la radioterapia como un buen tratamiento, a pesar del miedo delante de lo desconocido y de las limitaciones en el cotidiano, debido a los efectos colaterales, que son enfrentados con base en la religiosidad y en el ámbito socio-familiar, aumentando la expectativa de cura. Se reveló la importancia de la orientación a esas mujeres por el equipo multiprofesional, especialmente el Enfermero, en todas las fases del tratamiento.

Radioterapia; Mujeres; Cáncer; Enfermería


This is a qualitiative study that aimed to know the perception of women with uterine-cervical cancer on the radiotherapy, describing the physical and daily alterations they suffered and evidencing the their coping to face these adversities and their expectations about the treatment. 20 women in a specialized hospital had been interviewed, located in the city of Teresina-PI. The results showed that they perceive the radiotherapy as a good treatment, although the fear ahead of the stranger and the limitations in the daily one, had to the side-effects, that are faced with support in the religious and the social-familiar scope, increasing the cure expectation. The importance of the orientation to these women for the multiprofessional team showed, especially the Nurse, in all the phases of the treatment.

Radiotherapy; Women; Cancer; Nursing


PESQUISA

Radioterapia: percepção de mulheres com câncer cérvico-uterino

Radiotherapy: perception of women with uterine-cervical cancer

Radioterapia: percepción de mujeres con cáncer cérvico-uterino

Lúcia Helena Rios Barbosa de Almeida; Yarla Brena Araújo de Sousa Pereira; Thais Alexandre de Oliveira

Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI

Correspondência Correspondência: Lúcia Helena Rios Barbosa de Almeida Campus Universitário Ministro Petrônio Portella - Bairro Ininga CEP: 64.049-550. Teresina , PI.

RESUMO

Realizou-se um estudo qualitaitvo com objetivo de conhecer a percepção das mulheres com câncer cérvico-uterino sobre a radioterapia, descrevendo as alterações físicas e cotidianas sofridas e evidenciando meios de enfrentamento e expectativas em relação ao tratamento. Foram entrevistadas 20 mulheres em um hospital especializado, localizado na cidade de Teresina-PI. Os resultados mostraram que elas percebem a radioterapia como um bom tratamento, apesar do medo diante do desconhecido e das limitações no cotidiano, devido aos efeitos colaterais, que são enfrentados com suporte na religiosidade e no âmbito sócio-familiar, aumentando a expectativa de cura. Revelou-se a importância da orientação a essas mulheres pela equipe multiprofissional, especialmente o Enfermeiro, em todas as fases do tratamento.

Descritores: Radioterapia; Mulheres; Câncer; Enfermagem.

ABSTRACT

This is a qualitiative study that aimed to know the perception of women with uterine-cervical cancer on the radiotherapy, describing the physical and daily alterations they suffered and evidencing the their coping to face these adversities and their expectations about the treatment. 20 women in a specialized hospital had been interviewed, located in the city of Teresina-PI. The results showed that they perceive the radiotherapy as a good treatment, although the fear ahead of the stranger and the limitations in the daily one, had to the side-effects, that are faced with support in the religious and the social-familiar scope, increasing the cure expectation. The importance of the orientation to these women for the multiprofessional team showed, especially the Nurse, in all the phases of the treatment.

Descriptors: Radiotherapy; Women; Cancer; Nursing.

RESUMEN

Se realizó un estudio con abordaje cualitativo objetivando conocer la percepción de las mujeres con cáncer cérvico-uterino sobre la radioterapia, describiendo las alteraciones físicas y cotidianas sufridas y evidenciando el medio utilizado para que enfrenten esas adversidades y sus expectativas con relación al tratamiento. Fueron entrevistadas 20 mujeres en un hospital especializado, localizado en la ciudad de Teresina-PI. Los resultados mostraron que ellas perciben la radioterapia como un buen tratamiento, a pesar del miedo delante de lo desconocido y de las limitaciones en el cotidiano, debido a los efectos colaterales, que son enfrentados con base en la religiosidad y en el ámbito socio-familiar, aumentando la expectativa de cura. Se reveló la importancia de la orientación a esas mujeres por el equipo multiprofesional, especialmente el Enfermero, en todas las fases del tratamiento.

Descriptores: Radioterapia; Mujeres; Cáncer; Enfermería.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O câncer cérvico-uterino é uma doença temida pelas mulheres devido ao significado emocional que o órgão atingido representa, visto que o útero envolve questões inerentes à sexualidade, feminilidade e reprodução. Neste sentido, a percepção que um indivíduo tem sobre o diagnóstico da doença, influenciado por sua cultura, personalidade e ambiente mascara as possibilidades de esperança de cura que as formas de tratamento podem trazer, indicando também a percepção negativa da eficácia terapêutica(1). Essa percepção pode ser considerada como o processo pelo qual o indivíduo entra em contato com a realidade e interage com ela, observando os fenômenos que vão surgindo e fazendo uma compreensão acerca das experiências vividas, arquivando-a na memória como uma cópia e possibilitando recorrência dos fatos para expressar uma opinião(2).

Cerca de 24% dos tumores malignos presentes na mulher correspondem aos órgãos genitais(3). Dentre eles, destaca-se o câncer de colo do útero, como o segundo mais comum entre mulheres no mundo sendo responsável, anualmente, por cerca de aproximadamente 500 mil casos novos e pelo óbito de, aproximadamente, 230 mil mulheres por ano o que caracteriza o câncer cérvico-uterino como um grave problema de saúde pública(4).

Quase metade dos pacientes submetidos a qualquer tratamento oncológico, fará uso da radioterapia em alguma fase evolutiva da sua doença(3). O Ministério da Saúde define radioterapia como método capaz de destruir células tumorais empregando feixe de radiações ionizantes, na qual uma dose pré-calculada de radiação é aplicada, em um determinado tempo, a um volume de tecido que engloba o tumor, buscando erradicar todas as células tumorais, com o menor dano possível às células normais circunvizinhas(5).

Visando destruir o tecido tumoral de modo ainda mais específico, a radioterapia se apresenta em duas diferentes modalidades: a teleterapia, como modalidade que emprega feixes de radiação externamente ao paciente para destruir as células cancerosas na superfície da pele ou mais profundamente no corpo(6) e a braquiterapia, caracterizada como tratamento feito com uso de nuclídeos radioativos onde a fonte de radiação fica a uma curta distância, em contato ou até mesmo implantada na região que deve receber a dose(7). A paciente submetida à braquiterapia de câncer cérvico-uterino é colocada, então, em posição ginecológica onde são introduzidos no canal uretral, a sonda vesical para o planejamento de dose, e no canal vaginal os aplicadores ginecológicos como meios de condução da fonte radioativa nas sessões subseqüentes(8).

Contudo, a mulher acometida pelo câncer cérvico-uterino e submetida ao tratamento radioterápico necessita, pela própria ação da radiação nos tecidos, de um intervalo entre as aplicações, de modo que os tecidos sadios adjacentes tenham possibilidade de recuperação. Entretanto, mesmo com reparação tecidual, alguns efeitos colaterais no organismo podem ser observados, o que acontece conforme os parâmetros de técnica e dosagem de radiação. Destacam-se as radiodermites, pela hipersensibilidade dos tecidos(9) e alterações como: diarréia, disúria, amenorréia com aparecimento de sintomas de menopausa, sangramento durante a relação sexual e dispareunia, por ressecamento e diminuição da flexibilidade vaginal, além de retite, com dor e dificuldade de evacuar(8).

Dessa forma, a radioterapia pode desencadear alterações consideráveis e desafiadoras ao bem-estar físico e emocional da paciente, compreendendo desde a alimentação, higiene, esterilidade, sono, repouso e eliminações fisiológicas à rotina de trabalho e relações social e familiar. Assim, a percepção e o significado dessas alterações quando negativos podem seguir-se de dificuldades no desejo de adaptação e/ou melhoria das condições de saúde, exigindo, portanto, um acompanhamento de qualidade pela equipe integrante do processo terapêutico.

Observando as mudanças ocorridas no cotidiano das mulheres submetidas à radioterapia, bem como as alterações psicológicas decorrentes dessas mudanças, que podem refletir na expectativa de cura, despertou-nos interesse em aprofundar nossos conhecimentos na área de oncologia, especialmente, conhecer como as mulheres com câncer cérvico-uterino percebem esse tratamento.

METODOLOGIA

Trata-se de um de abordagem qualitativa realizado no setor de radioterapia de uma instituição filantrópica de grande porte, referência para tratamento do câncer, localizado na cidade de Teresina-PI, que recebe pessoas de ambos os sexos e em diferentes faixas etárias que fizeram ou que ainda estão em tratamento para algum tipo de câncer.

Utilizou-se como critério para seleção dos sujeitos, a admissão para radioterapia do câncer de colo de útero, com realização de pelo menos três sessões do tratamento, visando à possibilidade de obter depoimentos mais fidedignos a cerca da terapia utilizada pois, nesse caso, as mulheres já adquiriram maior conhecimento para relatar com mais clareza as mudanças físicas e cotidianas advindas, bem como formas de enfrentamento e perspectiva de cura após o tratamento.

A autorização para o início do estudo ocorreu após a aprovação do projeto pelo Centro de Pesquisa da instituição em questão, seguida da aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Piauí. O estudo obedeceu a Resolução 196/96, que regulamenta as normas e diretrizes envolvendo pesquisa com seres humanos(10). As mulheres eram identificadas na recepção e convidadas a participar do estudo. Aquelas que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, garantindo o anonimato e confidencialidade dos depoimentos.

O período de coleta dos depoimentos aconteceu de setembro a outubro de 2007, período em que o fluxo de pacientes em tratamento radioterápico foi satisfatório, facilitando assim, o rápido andamento da pesquisa. Para produção dos dados, foi utilizada a entrevista com um roteiro semi-estruturado como instrumento. O número de mulheres entrevistados foi definido mediante a saturação das respostas. Seguindo esse princípio, foram entrevistadas 20 mulheres de 24 a 72 anos de idade e que estavam realizando radioterapia. No que se refere ao tratamento realizado no setor de radioterapia, 5 mulheres estavam entre a 3ª e 10ª sessão de teleterapia; 6 entre a 11ª e 20ª; e 9 acima da 20ª sessão. Em braquiterapia, 4 mulheres ainda não haviam realizado; 9 estavam entre a 1ª e 3ª sessão; e 7 estavam na última sessão ou já haviam concluído o tratamento.

Objetivando a fidedignidade dos depoimentos, as falas das entrevistadas foram registradas por meio de um gravador e transcritas na íntegra. Após a leitura dos depoimentos, foi realizada a seleção das temáticas que apareceram mais destacadas. A sistematização e operacionalização dos depoimentos seguiu a proposta de análise de conteúdo sob enfoque temático de Bardin(11), que possibilitou o mapeamento dos conteúdos que eram convergentes e comuns, formando núcleos temáticos com finalidade de favorecer discussão sobre a percepção das mulheres com câncer cérvico-uterino acerca do tratamento radioterápico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Representações Negativas e Positivas do Procedimento Radioterápico

O diagnóstico de câncer acarreta grande impacto emocional, pois acumula um misto de sensações potencializadas com a radioterapia, um tratamento ainda desconhecido e temido, por envolver a utilização de feixes de radiação ionizantes causadores de terríveis efeitos adversos quando não utilizados de forma correta. Os relatos das mulheres portadoras de câncer cérvico-uterino demonstraram que a fase de indicação terapêutica trouxe à tona questões de como seria a radioterapia:

...Ai meu Deus, será o que vai ser o tratamento, que eu não sabia mesmo o que era... Eu fiquei meio assustada... (D1, 47 anos).

Porém, o medo não se restringiu apenas como seria o tratamento, mas também manifestaram esse sentimento quando entraram na sala de terapia e se depararam com os equipamentos:

... Quando eles me deitaram na mesa que eu vi um monte de coisa perto de mim, eu pensei: Senhor tenha misericórdia! Se essas coisas quebrarem, como é que eu posso escapar? Aí eu fiquei com medo... (D5, 64 anos).

O medo, constantemente presente nas falas das mulheres entrevistadas, relaciona-se com o sentimento de inquietação frente a um perigo real ou fictício, desencadeado a partir de uma situação concreta e maléfica, mas que sob orientações corretas ou esclarecedoras sobre a causa da aflição, a sensação de medo, apreensão e nervosismo pode imediatamente dar lugar à sensação de alívio e bem-estar(12).

Além de perceberem a radioterapia como um tratamento temeroso, as mulheres portadoras de câncer cérvico-uterino também vêem a terapia como constrangedora, especialmente quando submetidas à braquiterapia:

... Eu nunca soube o que era isso não [radioterapia], nunca nem tinha mostrado meu corpo para doutor porque eu tinha medo, assim ter que mostrar suas 'coisas' para o doutor... Eu ficava com vergonha, mas agora não tenho mais vergonha de nada; quero é minha saúde... (D4, 63 anos).

A vergonha sentida durante o tratamento radioterápico manifesta-se pelo fato dessas mulheres terem que expor seu corpo a exames e contato do profissional com locais considerados íntimos, erógenos e a posição ginecológica, na braquiterapia, intensifica a sensação de desconforto, pelo fato de não terem se despido dessa forma em momento algum. A cada exposição de seu corpo, vergonha e pudor se aglutinam, mas isso pode ser justificado pelo tabu do sexo, proveniente da educação recebida, bem como da falta de informação, além da negação de ser julgado fora dos padrões estabelecidos pela sociedade como adequados(12).

O sentimento de vergonha advém da ansiedade das mulheres como desejo em conhecer mais sobre o tratamento, os aparelhos utilizados e os efeitos adversos. Por isso, cabe ao enfermeiro indicar e fornecer as orientações necessárias ao conhecimento, prevenção e controle dos efeitos que possam surgir e durante a consulta de enfermagem, as pacientes têm a possibilidade de se sentirem mais valorizadas, proporcionando uma relação mais próxima e individual com este profissional estabelecendo um clima de informalidade e flexibilidade(8). Assim, a consulta é vista não como um simples procedimento técnico, mas como um rico relacionamento interpessoal(13).

As pacientes passaram por situações difíceis durante o processo terapêutico, ocasião em que se separaram de seu meio social para submeterem-se a procedimentos que, geralmente, consistem em medidas agressivas, dolorosas e invasivas, como é o caso da braquiterapia, uma das modalidades da radioterapia. Na percepção destas mulheres, a principal dificuldade encontrada relacionava-se a dor:

...É ruim demais [a braquiterapia]... mas tem que fazer... fazer o quê. Porque dói e incomoda... Já pensou aquilo dali [os aparelhos] dentro da gente?... (D3, 64 anos).

Na braquiterapia, a sensação dolorosa durante a colocação dos aplicadores é uma das queixas mais freqüentes entre as mulheres, sendo necessária, então, antes do procedimento a administração de antiespasmódicos e analgésicos(8).

Apesar dos sentimentos que abalam as emoções, as mulheres com câncer de colo uterino relataram quão satisfeitas estão com o tratamento, principalmente porque os sintomas ocasionados pela doença diminuíram:

... Eu acho que é [a radioterapia] um tratamento bom, não tenho o que dizer, estou me sentindo bem, graças a Deus. Porque do jeito que eu cheguei aqui, perdendo sangue, não tinha coragem... Isso fugiu de mim, minha filha; eu não estou sangrando, me alimento bem... para mim, estou bem... (D5, 66 anos).

No decorrer da radioterapia, com a minimização dos sintomas, a mulher entende que está melhor. Constrói-se uma nova relação com seu corpo e consigo mesma. Assim ela passa a sentir que sua doença está sob controle o que a torna mais confiante em relação ao tratamento e conseqüentemente à cura:

... Eu acho bom [o tratamento], né? Porque antigamente a gente pegava uma doença dessa [câncer] e não tinha cura. E hoje em dia tem... é só a pessoa fazer direitinho que tem cura... (D3, 64 anos).

A Radioterapia como Limitadora de Ações

O tratamento radioterápico em seu decorrer é percebido ainda como limitador de ações das mulheres no tocante as atuações cotidianas, relacionamento sexual e atividades sócio-econômicas.

Apesar dos avanços ocorridos para melhoria do tratamento do câncer, os efeitos adversos da radioterapia ainda são manifestados, principalmente na pele que se caracterizam por radiodermatites e varia de um leve eritema e prurido, descamação seca ou úmida à necrose tecidual(14):

...Essa quentura é que me mata... arde demais; quando vou fazer xixi chego a tremer de dor e não consigo ... (D18, 38 anos).

... A radioterapia deixa a gente com muitos sintomas. Do lado das marcações arde muito, fica a pele sensível, agora eu já estou usando jeans, antes só usava vestido bem solto ás vezes sem calcinha porque não agüentava de tão quente... (D13, 24 anos).

Assim, podemos observar que a radioterapia também acarreta mudanças físicas, que são responsáveis por aumentar o sofrimento e gerar danos afetivos e emocionais. Não é possível medir o sofrimento dessas mulheres, o que se sabe é que as experiências emocionais vividas influenciam em todo o processo terapêutico.

No entanto, as alterações das atividades rotineiras e a restrição de muitas delas ocasionadas pelo tratamento demonstraram outra dimensão do sofrimento vivido pelas pacientes entrevistadas:

... Na minha casa eu fazia tudo enquanto. Agora eu não estou fazendo mais nada porque disse que era para gente não levantar uma palha. Como é que a gente vai viver sem trabalhar?... (D1, 47 anos).

Neste sentido, as limitações impostas pelo tratamento modificaram a rotina dessas mulheres, uma vez que as exclui do papel social que desempenham. O fato de não poderem desempenhar suas atividades domésticas causa profundo sentimento de impotência aumentando suas inseguranças e ameaçando a sua integridade:

... Minhas roupas eu não lavo, porque o médico pediu para eu não fazer esforço nenhum. É chato, principalmente para mim que sou dona de casa tenho filhos, marido para cuidar... Mas Deus dá um jeito... (D15, 54 anos).

A esse respeito, as mulheres desenvolvem na família um papel de cuidadora de seus membros, no entanto, por circunstâncias do tratamento, ocorre uma inversão de papéis e ela necessita adaptar-se a sua nova condição, pois, normalmente passa a ser cuidada(13).

Durante as entrevistas as mulheres mencionaram também, mudanças ocorridas em suas atividades sexuais, deixando claro que havia uma compreensão por parte de seus companheiros:

...Ele [marido] entende, graças a Deus. Ele disse para mim que me achou com saúde e vai ficar comigo na doença e na saúde, que não vai me abandonar... (D06, 36 anos).

A atividade sexual é um importante fator que condiciona a qualidade de vida, podendo ser sinônimo de alegrias e tristezas. Durante o tratamento, essa prática não é recomendada, a fim de que traumatismos locais sejam evitados e por questões de higiene. Então, percebe-se nestes relatos que as pacientes mostraram-se bem cientes de tal condição e sentiram-se seguras para enfrentar a radioterapia, principalmente por receberem apoio de seus companheiros(8).

Ainda em relação à atividade sexual, algumas mulheres, porém, revelaram a incompreensão de seus companheiros diante das limitações impostas pelo tratamento radioterápico:

... Eu estou até pensando, porque meu marido é um tipo de homem assim muito grosseiro. Eu não sei nem se ele vai querer ficar comigo; ainda vou conversar com ele... ele não entende a mulher sobre relação; eu mesmo sangrando era de qualquer jeito ele queria. Eu já disse para ele que com um tratamento desse não vai poder tão cedo. Ele não vai entender. Eu acho que é por isso que ele já esta agoniado com vontade que eu vá embora... (D14, 47 anos).

Em relação à fase terapêutica, a presença do parceiro sexual é altamente importante, no que se refere à criação de um ambiente saudável para que a mulher possa sentir-se novamente integrada no contexto familiar. Por isso, é necessário que o parceiro esteja apto a oferecer afeto, assim a paciente se sentirá acolhida e compreendida pelo mesmo.

Outra mudança ocorrida no cotidiano das mulheres com câncer cérvico-uterino submetidas à radioterapia refere-se a distância, ou seja, algumas pacientes são procedentes de outros estados e tiveram que sair de suas casas para virem se tratar. As entrevistas revelaram que o tratamento trouxe sofrimento para essas mulheres e este se relaciona à saudade que sentem de casa e de seus familiares:

... Tudo é bom porque está fazendo a saúde da gente, mas tudo é difícil porque longe da casa da gente, longe dos filhos da gente... A doença mata, mas a saudade ainda mata mais... (D4, 63 anos).

Nos períodos de tratamento, essas mulheres permanecem por um tempo prolongado longe de seu ambiente familiar, de seus objetos pessoais e de seus amigos. Passam a habitar em local que pode lhes apresentar hostil, estranho, agressivo e onde vivenciam situações em que o desconforto e a dor física e emocional tornam-se muito intensos, seja pela doença ou pelos procedimentos a que são submetidas. Além de toda ansiedade e estresse gerados com o tratamento, as mulheres passam por grandes conflitos, visto o sentimento de culpa pela ausência no lar e falta de atendimento às necessidades do companheiro e filhos, reforçando o que foi exposto nos depoimentos(15).

Não obstante o sentimento de saudade, o deslocamento diário ao hospital e os limites impostos pelo tratamento radioterápico foram também fatores bastante difíceis, devido às condições sócio-econômicas ou por dependerem de acompanhantes, já que a maioria das pacientes em estudo é procedente de outros estados:

... O problema é que para vir para cá é muito dispendioso, porque a gente tem que pagar... O bom é quem tem alguém aqui e vai para casa da pessoa, pelo menos não paga hotel. Fica para quem não tem; só aperta um pouco, mas a gente toma emprestado, fica devendo, mas é isso aí: Deus ajuda e tudo se resolve... (D3, 64 anos).

Os fatores sócio-econômicos interferem no processo terapêutico, visto que alguns pacientes podem desistir do tratamento por condições inadequadas de locomoção e transporte bem como agravar a doença por condições sanitárias inadequadas. Assim, dependendo da intensidade dessas limitações, a radioterapia pode alterar negativamente a compreensão dessas mulheres quanto à eficácia do tratamento na busca pela cura e/ ou melhoria da qualidade de vida(16).

A Necessidade de Apoio

Independentemente das formas de enfrentamento a que recorreram as mulheres com câncer de colo de útero submetidas à radioterapia, elas buscaram fazer ou acreditar em algo ou alguém para que pudessem sobreviver aos possíveis contratempos advindos com o tratamento afirmando enfrentar as dificuldades com fé em Deus e apoio dos familiares, bem como dos profissionais envolvidos. E, partindo da crença em uma força sobrenatural, o apego à religiosidade constituiu um aspecto importante extraído das entrevistas, nas quais as mulheres compreendem a radioterapia como modalidade terapêutica que necessita de amparo humano e espiritual como auxílio no enfrentamento das adversidades que possam surgir. Nesse contexto, a fé adquiriu a função de estabelecer um pacto com a vida, de conseguir um aliado na luta contra a doença:

... Na hora que eu estava em cima daquela cama com aquelas máquinas em cima de mim eu pensei; meu Deus, eu nunca pensei na minha vida ficar sozinha com esse monte de coisa fria. Mas na mesma hora eu pensei em Deus e aí chegou aquela coragem. E aí terminou e eu não me queimei nem nada... (D12, 50 anos).

A declaração revelou a ênfase na religiosidade em todas as fases do tratamento como modo de enfrentá-lo. Isso acontece pelo menos em parte, com o recurso de rituais, orações, peregrinações, promessas, dentre outros, atribuindo a força e motivação para um novo sentido às aflições ao significado e relevância do sagrado, o que pode refletir em respostas fisiológicas positivas(17). A fé surge como grande colaboradora nas formas de enfrentamento, uma estratégia que lida com as incertezas e supera as situações de crise(18).

Durante todo o enfrentar terapêutico e da doença, a percepção adquirida pelas mulheres com câncer de colo de útero sobre a radioterapia refletiu diretamente em suas expectativas ao fim do tratamento. Podemos observar na fala que se segue o elemento fé também como manifestação marcante de esperança de cura, aliada à confiança de total recuperação, embora presente ainda a incerteza:

...Eu espero a saúde. Tô com tanta fé em Deus, em mim, em vocês e no trabalho que estão fazendo... E a Virgem Maria há de me ajudar e a todos... (D7, 63 anos).

Por outro lado, a confiança que a mulher manifesta frente ao tratamento oncológico pôde ser percebida também a partir do apoio da família e daqueles de sua convivência, no auxílio do enfrentamento da realidade ou como suporte no desvio dos problemas encontrados:

... Quando os meninos [filhos] vêem que eu estou triste eles ficam comigo, me animam; as meninas da pensão são excelentes também, ficam animando a gente lá. Lá eu não fico triste porque elas não deixam... (D8, 40 anos).

Toda a família deve estar ciente da necessidade de apoio que deve proporcionar ao doente com câncer, uma vez que o enfrentamento poderá se tornar mais seguro e tranqüilo, conduzindo essa pessoa a um tratamento e cuidado que possa promover se não a cura, mas um conforto ao longo de sua caminhada(19).

Seja como for, a presença da família é imprescindível, visto que sua disposição em cuidar, mostra à pessoa com câncer que ela não está sozinha no confronto com as dificuldades e necessidades, pois a unidade familiar representa um espaço social no qual seus membros interagem e ao depararem com problemas de saúde, reagem com apoio mútuo e busca conjunta de soluções(20).

Outra forma de enfrentamento das adversidades advindas com a radioterapia seria o apoio profissional:

... Quando está faltando tudo, a gente tem que botar muita fé e esperança. Então nós também botamos fé nos médicos, nas enfermeiras e todos aqueles que nos acompanham e dão força para nós que precisamos... (D9, 59 anos).

A ajuda profissional consiste na abertura de espaço para verbalização de fonte de problemas, fornecimento de informações e esclarecimento de percepções, dentre outros(21). O enfermeiro pode ajudar na escolha do melhor recurso e trabalhar no aprimoramento deste com o paciente, a fim de que ele possa adquirir confiança e enfrentar os problemas de frente.

A força que impulsiona a esperança da cura para a doença por meio da fé, auxílio família/ amigos e confiança são elementos facilmente encontrados nas falas das mulheres participantes que depositam a fé em Deus, bem como credibilidade nos profissionais envolvidos no tratamento para a cura plena e a retomada de suas atividades corriqueiras:

...Eu espero só coisa boa, minha saúde; que os médicos digam: 'minha filha, você está curada'... Ah, vai ser uma benção; vou fazer muita coisa boa ainda [risos]... (D8, 40 anos).

Entretanto, a consciência de suas limitações com a radioterapia levou as mulheres a repensar sobre a doença e as mudanças que ela acarretará em suas vidas

... Eu espero que no final disso tudo, depois que eu terminar minha dieta e cumprir tudo certinho, eu continue a minha vida do lar, fazendo tudo que eu fazia antes... Mas acho que vai ser muito difícil, nunca mais a pessoa volta a ser a mesma, porque eu era muito de andar com meu marido, trabalhar com ele e ajudar, agora não vou poder mais, porque não pode fazer muito esforço... (D13, 24 anos).

A desistência das atividades diárias ou a simples lucidez de suas limitações representa um processo vivenciado com dificuldade por muitas mulheres, levando à sentimentos de inutilidade. A vulnerabilidade por meio de dúvidas, evidenciada no depoimento, dá suporte à recorrência da doença e os profissionais de saúde, dentre eles os enfermeiros, devem ter o compromisso de monitorar essas incertezas, abrindo espaço para que essas mulheres não vejam o câncer como o fim e sim, o começo de uma nova vida(18).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste estudo foi possível compreender que a percepção relacionada ao tratamento do câncer de colo do útero tem representações diferenciadas para cada mulher que o vivencia. Observamos que mesmo com todo o avanço tecnológico na otimização do tratamento de câncer em radioterapia, as mulheres percebem o tratamento como gerador de sentimentos conflitantes, visto que embora represente temor, desconforto físico e psicológico e restrições, tem apresentado resultados positivos, alcançados ainda por apoio espiritual e sócio-familiar.

Dessa forma, torna-se fundamental o detalhamento pelos profissionais envolvidos, em especial o Enfermeiro, sobre a radioterapia, seus efeitos, como e quais são os procedimentos e quais as medidas a serem tomadas. Isto deve acontecer antes, durante e após a terapia, para que a paciente sinta segurança quanto ao processo terapêutico e para expor suas dúvidas, crenças e sugestões. Deve-se levar em conta também a fragilidade e intimidade da mulher, respeitando o momento de cada uma, como único a cada dia, e demonstrando interesse constante em ajudá-la e apóia-la não somente enquanto mulher, mas enquanto ser humano.

Ao finalizarmos o estudo, depreendemos que, para prestar uma assistência cuidadosa a estas mulheres, faz-se necessário procurar entender seus sentimentos e situações vivenciadas por elas, ajudando-as a ressaltar os benefícios do tratamento com radiação e buscar o bem-estar durante sua realização, vislumbrando maneiras concretas do cuidar.

Submissão: 13/03/2008

Aprovação: 31/07/2008

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  • Correspondência:

    Lúcia Helena Rios Barbosa de Almeida
    Campus Universitário Ministro Petrônio Portella - Bairro Ininga
    CEP: 64.049-550. Teresina , PI.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2008
    • Recebido
      13 Mar 2008
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