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Convivendo com o portador de Alzheimer: perspectivas do familiar cuidador

Conviviendo con el portador de Alzheimer: perspectiva del familiar cuidador

Living with the person who has Alzheimer's disease: perspectives of family caregiver

Resumos

O presente estudo teve como objetivo descrever e analisar a convivência com o portador de Alzheimer sob a perspectiva do familiar cuidador. Foi utilizada a abordagem qualitativa. A coleta de dados deu-se através de entrevistas semi-estruturadas, a onze familiares cuidadores de portadores da doença de Alzheimer. Para a análise dos dados utilizou-se o referencial de análise de conteúdo, modalidade temática. Nos resultados os depoimentos obtidos foram categorizados como: a convivência com a sintomatologia e a convivência com as limitações. Considerou-se que a doença de Alzheimer é uma doença familiar e para tanto necessita de uma abordagem singular do enfermeiro que deve assumir seu papel de educador, pesquisador e envolver-se diretamente na assistência prestada.

Doença de Alzheimer; Família; Enfermagem


El presente estudio tuvo como objetivo describir y analizar la convivencia con el portador de Alzheimer bajo la perspectiva del familiar cuidador. Fue usado el abordaje cualitativo, con forma exploratoria y descriptiva. La colecta de datos se dio a través de entrevistas semi-estructuradas, a once familiares cuidadores de portadores de la enfermedad de Alzheimer. Para el análisis de los datos se utilizó el referencial de análisis de contenido, modalidad temática. En los resultados los testimonios obtenidos fueron categorizados como: la convivencia con la sintomatología y la convivencia con las limitaciones. Se consideró que la enfermedad de Alzheimer es una dolencia familiar y para tanto necesita un abordaje singular del enfermero que debe asumir su papel de educador, investigador e involucrarse directamente en la asistencia prestada.

Enfermedad de Alzheimer; Familia; Enfermería


The present study aimed at describing and analyzing the fliving of the patient with Alzheimer's Disease under the perspective of the caregiver relative. It was used a qualitative approach. The data was collected by semi-structured interviews with eleven caregiver relatives of patients with Alzheimer's disease. The data was analyzed by the method of content analysis, thematic modality. In the results, the obtained reports were categorized like: the familiarity with the symptomatology and the familiarity with the limitations. It was considered that the Alzheimer's Disease is a familiar disease and, therefore, it is necessary a singular approach of the nurse who must to assume an educator and researcher role, and must to involve himself directly on the invested assistance.

Alzheimer's disease; Family; Nursing


PESQUISA

Convivendo com o portador de Alzheimer: perspectivas do familiar cuidador

Living with the person who has Alzheimer's disease: perspectives of family caregiver

Conviviendo con el portador de Alzheimer: perspectiva del familiar cuidador

Iara Cristina Carvalho FreitasI; Kelvia Coelho Campos de PaulaII; Juliana Lima SoaresIII; Adriana da Cunha Menezes ParenteIV

IHospital Prontomed. Teresina, PI

IIPrefeitura Municipal de Maranguapi. Maranguapi, CE

IIIHospital de Castelo do Piauí. Castelo do Piauí, PI

IVFaculdade NOVAFAPI. Teresina, PI

Correspondência Correspondência: Adriana da Cunha Menezes Parente Rua Padre Cirilo Chaves, 1877 - apto 802. Ed. Vinícius de Moraes. Bairro Noivos CEP: 64045-310. Teresina PI

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo descrever e analisar a convivência com o portador de Alzheimer sob a perspectiva do familiar cuidador. Foi utilizada a abordagem qualitativa. A coleta de dados deu-se através de entrevistas semi-estruturadas, a onze familiares cuidadores de portadores da doença de Alzheimer. Para a análise dos dados utilizou-se o referencial de análise de conteúdo, modalidade temática. Nos resultados os depoimentos obtidos foram categorizados como: a convivência com a sintomatologia e a convivência com as limitações. Considerou-se que a doença de Alzheimer é uma doença familiar e para tanto necessita de uma abordagem singular do enfermeiro que deve assumir seu papel de educador, pesquisador e envolver-se diretamente na assistência prestada.

Descritores: Doença de Alzheimer; Família; Enfermagem.

ABSTRACT

The present study aimed at describing and analyzing the fliving of the patient with Alzheimer's Disease under the perspective of the caregiver relative. It was used a qualitative approach. The data was collected by semi-structured interviews with eleven caregiver relatives of patients with Alzheimer's disease. The data was analyzed by the method of content analysis, thematic modality. In the results, the obtained reports were categorized like: the familiarity with the symptomatology and the familiarity with the limitations. It was considered that the Alzheimer's Disease is a familiar disease and, therefore, it is necessary a singular approach of the nurse who must to assume an educator and researcher role, and must to involve himself directly on the invested assistance.

Descriptors: Alzheimer's disease; Family; Nursing.

RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivo describir y analizar la convivencia con el portador de Alzheimer bajo la perspectiva del familiar cuidador. Fue usado el abordaje cualitativo, con forma exploratoria y descriptiva. La colecta de datos se dio a través de entrevistas semi-estructuradas, a once familiares cuidadores de portadores de la enfermedad de Alzheimer. Para el análisis de los datos se utilizó el referencial de análisis de contenido, modalidad temática. En los resultados los testimonios obtenidos fueron categorizados como: la convivencia con la sintomatología y la convivencia con las limitaciones. Se consideró que la enfermedad de Alzheimer es una dolencia familiar y para tanto necesita un abordaje singular del enfermero que debe asumir su papel de educador, investigador e involucrarse directamente en la asistencia prestada.

Descriptores: Enfermedad de Alzheimer; Familia; Enfermería.

INTRODUÇÃO

O conceito de idoso possui dois alicerces: um biológico e outro instrumental. O conceito biológico envolve a velhice, precisamente a senilidade e é demarcado através da diminuição gradativa de determinadas características físicas, utilizando o critério de idade para referir-se ao termo idoso. Assim, o conceito biológico de idoso, ratificado pelo estatuto do idoso(¹), refere-se às pessoas com idade maior ou igual a 60 anos. Portanto, o envelhecimento corresponde a um processo no qual ocorre mudanças que estão ligadas ao tempo, iniciando-se no nascimento e tendo continuidade por toda vida(2).

O conceito instrumental de idoso envolve aspectos de caráter social, isto é, distingue a situação do indivíduo considerando a família, o mercado de trabalho e outras esferas da vida social(3). Desse modo, ao se abordar os dois conceitos referentes ao idoso, pode-se afirmar que o momento demográfico pelo qual passa o Brasil, com o aumento da longevidade, as baixas taxas de fecundidade e uma urbanização acelerada, ocorrem fatores que geram um aumento da população idosa, comparado a outras faixas etárias. Fatores estes que se uniram a "alta fecundidade prevalente no passado, comparado ao atual, e da redução da mortalidade"(3), gerando o fenômeno chamado envelhecimento.

As peculiaridades no processo de envelhecimento nos países do Terceiro Mundo são: de um lado, o fato de o envelhecimento estar se dando, sem que haja uma real melhoria na qualidade de vida de uma grande parcela dessas populações, e de outro, a rapidez com que esse envelhecimento está acontecendo(4), culminando com uma falta de políticas públicas eficientes e eficazes para a resolução de problemas que atingem esse grupo e que necessita de uma maior atenção pelo próprio declínio funcional que a velhice acarreta.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em projeções estatísticas traz os seguintes dados: entre 1950 e 2025, a população de idosos no Brasil crescerá em dezesseis vezes, o que segundo o órgão supracitado, colocará o País como a sexta população de idosos do mundo(5).

Os problemas trazidos com esse processo, no que diz respeito à saúde, são, na maioria dos casos, aumentos dos custos com doenças infecciosas, nutricionais e crônicas que requerem cuidados continuados(4). Dentre os problemas crônicos tem-se os neuropsiquiátricos onde se destaca a demência, que se caracteriza por uma diminuição das funções cognitivas intelectuais podendo incluir perdas de memória, da abstração do raciocínio, do senso crítico e da linguagem(6,7). Nos quadros demênciais ocorre manutenção da consciência e severidade suficiente para interferir nas funções sociais e ocupacionais do individuo, neste ponto é crucial diferenciar as perdas do envelhecimento normal e os "déficits" ocasionados pela demência.

A doença de Alzheimer é o tipo mais comum de demência, sendo que dos pacientes com demência existem em torno de 50 a 60% com a doença de Alzheimer(8), que se caracteriza por degeneração cerebral primária de etiologia desconhecida, com aspectos neuropatológicos e neuroquímicos característicos(9). Acomete 1% ou pouco mais de 6%, da população a partir dos 65 anos, e atinge valores de prevalência superior a 50% em indivíduos com 95 anos ou mais(10). Em projeções tem-se dados de que oito milhões de pessoas, serão acometidas por essa doença no ano 2040 o que trará um impacto econômico consideravelmente elevado(11).

O tratamento desta enfermidade objetiva a lenta evolução da doença, uma vez que não se conhece a cura. Deste modo, a doença de Alzheimer causa profundas alterações no dia-a-dia das famílias, além de trazer um abalo e sobrecarga emocional a todo núcleo, sendo por isso, considerada uma doença familiar, deste modo se impõe à necessidade de se programarem medidas de apoio, tanto para o doente como para seus familiares(12,13).

Assim, o cotidiano do núcleo familiar tem uma profunda mudança nos hábitos, pois acompanhar a progressiva involução (intelectual, afetiva e mais tarde física) de uma pessoa que se conviveu por vários anos e que se tem algum afeto é, muitas vezes, permeado por sentimentos diversos, oriundos de quem acompanha o processo, dentre eles pode-se citar o abatimento, desespero, depressão, pena, sobrecarga física e emocional, dentre tantos outros. Portanto há, em meio a esse "amontoado" de emoções, uma família que precisa ser tão assistida quanto o próprio doente, a qual passada a fase inicial da doença não mais tem noção das suas perdas, sendo a família nesse ponto a provedora de todos os cuidados de que necessita.

Deste modo, a temática aqui bordada é de suma relevância por se tratar de um problema que vem atingindo um número crescente de famílias, as quais necessitam de apoio, para conseguirem cuidar de forma adequada de seus familiares, sem descuidar de seu próprio bem-estar; tendo em vista que a assistência à saúde de pessoas idosas com doenças que exigem longos períodos de tratamento e que contribuem para sua fragilização, acarreta para os profissionais de saúde, especialmente para os enfermeiros, a necessidade de uma assistência que inclua a família no planejamento das ações do cuidado, com isso garantem-se a preservação dos valores familiares e a valorização da casa como principal local de cuidados informais em saúde(14).

Assim, o presente estudo tem como objetivo: descrever e analisar a convivência com o portador de Alzheimer na perspectiva do familiar cuidador.

METODOLOGIA

O estudo em questão faz uso de uma abordagem qualitativa, que se encontra em um nível de realidade que não pode ser mensurado ou quantificado, propiciando a resposta de indagações singulares, conceito este que vem ao encontro do objetivo dessa pesquisa(15).

Este tipo de pesquisa realiza descrições precisas da situação e deseja descobrir as relações existentes entre os elementos componentes da mesma, tendo como base a análise, o registro e a observação de fatos ou fenômenos sem manipulá-los, buscando conhecer as diversas situações e relações que ocorrem na vida social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexas(16).

A coleta de dados deu-se no ano de 2007, com familiares cuidadores de portadores de Alzheimer, alguns indicados por profissionais médicos que atendem este tipo de paciente e outros vinculados a Associação Brasileira de Alzheimer e Doenças Similares (ABRAZ), seção Piauí.

Foram entrevistados onze familiares cuidadores, sendo dez mulheres e um homem, com faixas etárias variadas. O número de sujeitos seguiu os pressupostos da pesquisa qualitativa onde, foram considerados os significados e a singularidade para a saturação dos dados.

Os dados foram coletados após aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade NOVAFAPI, obedecendo aos critérios da Resolução 196/96. Tendo sido proferida aos entrevistados leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada, norteada pelo seguinte questionamento: fale sobre a convivência com seu familiar acometido pela doença de Alzheimer.

Os relatos foram gravados em fita cassete e analisados tendo como referencial para a análise dos dados a análise de conteúdo(17), especificamente a técnica de análise temática, que tradicionalmente caracteriza-se como, definitória do estudo referente à freqüência das unidades de significação e, de forma qualitativa denota modelos de comportamentos e valores de referência presentes no estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos depoimentos, dos sujeitos, e da exploração do material os discursos foram categorizados em: A convivência com a sintomatologia, tendo como subcategorias: a doença e as emoções do cuidador e a Convivência com as limitações, subcategorizada em limitações do paciente e limitações do familiar cuidador.

A Convivência com a Sintomatologia

Muitos familiares cuidadores que lidam diariamente com a doença de Alzheimer - por não terem conhecimento sobre a doença ou por muitas vezes não aceitarem que seu familiar foi acometido por tal patologia - tornam-se deprimidos, angustiados, ao verem seus familiares, pai e mãe em sua maioria, com esta doença incurável e debilitante. Desta forma, são geradas, por parte do cuidador, sentimentos e conflitos diários, vivenciados à medida que ocorre a progressão da patologia. E, estes foram aqui subcategorizados em: a doença e as emoções do cuidador.

A Doença

Os distúrbios de memória, embora sejam os principais sintomas apresentados pelo portador de Alzheimer, não ocorrem isoladamente. Em sua maioria, o portador dessa doença encontra-se com duas ou mais áreas cognitivas debilitadas, tais como: a linguagem, com uma característica diminuição da fluência verbal; a função visuo-espacial, em que o indivíduo encontra-se com uma desorientação geográfica, marcante nas fases mais avançadas da doença; e uma exacerbação de sua personalidade mostrando-se apático, desinteressado, com desapego, inibido, desconfiado, agressivo, depressivo e paranóico(13), como pode ser visto através das falas abaixo:

[...] porque o portador de Alzheimer nas primeiras fases eles caem, eles se machucam, tudo é escondido, coisa de risco, tesoura, faca, prato, cadeira aqui, não ficou uma que ele não rebolasse na gente, as crises assim de loucura, de loucura que não tem remédio (D8).

Era muito difícil porque se chegava alguém aqui em casa ela dizia que a gente não tava dando as coisas pra ela, dizia que eu tava roubando ela e tava faltando às coisas pra ela, eu dava as coisas acabava de dar e ela não, não me deram não [...] (D9).

À medida que a doença progride, ocorrem regressões acentuadas do indivíduo, que já não se torna capaz de realizar atividades diárias simples, mostrando um acentuado grau de dependência por parte de quem cuida, assim a sintomatologia apresentada é como um furacão que invade o núcleo familiar diminuindo todas as certezas anteriores e levando a uma necessidade de reorganização(18).

[...] é igual a uma criança, ela se suja toda, sabe? Fica com a boca toda suja, suja a roupa, derrama comida no chão... (D11).

É porque a criança... ela assim... você vai ensinando e eles vão aprendendo, eles não, eles não aprendem mais nada, eles estão voltando pra trás, não tem como[...] (D1).

Hoje ela já não consegue tomar banho sozinha, comer, tem que dar o remédio dela [...] (D2).

Considera-se que os familiares cuidadores quando informados sobre a doença e sua evolução, possivelmente tem a convivência facilitada, pois poderão, mesmo que minimamente, preparar-se e reorganizar-se para as mudanças. Assim, o papel do enfermeiro torna-se imprescindível no que tange o acompanhamento a este núcleo.

As Emoções do Cuidador

Na doença de Alzheimer, assim como nas demais demências, o indivíduo acometido apresenta perdas progressivas e irreversíveis assim como diversas mudanças gerando muitas vezes situações inusitadas na convivência com o doente. Este fato pode levar ao florecimento de emoções, que "são sentimentos que se expressam em impulsos e em uma vasta gama de intensidade, gerando idéias, condutas, ações e reações"(19). Assim, neste estudo usou-se a palavra emoções como sinônima de sentimentos gerados na convivência com um portador de Alzheimer, as quais foram expressas de várias maneiras, dentre discursos e linguagem corporal.

Conforme ocorre à mudança das fases da doença, as perdas vão se tornando cada vez mais reais e palpáveis ocorrendo uma inversão de papéis, isto é, o familiar cuidador passa a viver a vida do portador, sobrevindo com isso sentimentos de raiva, tristeza, angústia, medo, culpa e depressão. Isso ocorre, mesmo diante dos esclarecimentos sobre as mudanças decorrentes da doença(20).

[...] a gente sente né, principalmente ao dizer que Alzheimer é uma doença que não tem retorno [...] (D4).

É você ver uma pessoa que tinha uma estrutura, que procurou se estruturar a vida toda e de repente, aquela estrutura tá se desmontando aos poucos [...] (D5).

O médico disse que ela ia esquecer de todo mundo, não ia mais se lembrar de ninguém, mas você presenciar essas perdas é doloroso. Acho que eu nunca aceitei a doença da minha mãe. Eu ficava irritada, porque é como você perder a pessoa em vida [...] (D10).

Assim, pode-se constatar a gama de emoções geradas por essa convivência que apresenta os mais diversos matizes e trazem consigo inúmeras reações e adaptações que vão sendo aceitas progres-sivamente. Portanto, os cuidadores necessitam de tempo suficiente para reorganizar-se física e emocionalmente, para então se adaptar ao novo cenário desenhado pela doença para sua vida.

A Convivência com as Limitações

As doenças crônico-degenerativas trazem consigo limitações, que se configuram com "ato ou efeito de limitar; fixação, restrição"(21). Neste estudo as limitações foram compreendidas como a impos-sibilidade de realizar tarefas, antes feitas com esmero, além das conseqüências trazidas pós-perda de habilidades.

A convivência com as limitações se materializou em diversas formas de expressões presentes nas entrevistas coletadas, o que fez desse achado uma categoria a ser discutida. È importante ressaltar que as limitações aqui citadas se dão no âmbito do paciente e do familiar cuidador e, portanto foram subcategorizadas como: limitações do paciente e limitações do familiar cuidador.

Limitações do Paciente

Dentre os achados que são relevantes para discussão nesta subcategoria têm-se as dificuldades pós-doença, que são situações em que o paciente com Alzheimer não é mais capaz de realizar atividades para sua sobrevivência, necessitando de um cuidador presente em muitos momentos, mesmo para o desempenho de tarefas, vistas anteriormente, como sendo simples de executar:

[...] não sabe mais escovar os dentes, não sabe mais tomar banho [...]. porque tem dia que ela amanhece um pouco agressiva, tem dia que as vezes ela quer lhe bater, você tem que ta ali se ela vai fazer um lanche, você tem que ta ali do lado, pra ver como é que ela come [...]. e você de vez em quando tem que olhar porque ela pode fazer ali mesmo, ela faz no chão sabe, aí você tem que dar banho essas coisas assim (D1).

[...] ela não consegue é... memorizar... as contas dela do mês. Ela confunde as contas, às vezes até paga duas vezes (D7).

[...] aqui em casa a gente tinha que banhar, dar comida, remédio porque ela já estava na maior dependência (D10).

Essas dificuldades após a doença se mostram relativamente amplas, pois vão desde as dificuldades com os cuidados essenciais até as mudanças que a doença provoca no doente, permeadas por diversas agruras para a convivência com essa pessoa.

A convivência com um paciente demenciado traz uma realidade que implica em muitas perdas desde a autonomia do corpo ao afastamento do eu para o individuo(18). Alguns sujeitos expressam essa dificuldade que perpassa a questão física:

[...] ela é muito calada, mas atualmente ela tem ficado muito imprevisível, fica querendo ir embora, só fala nisso, ela ta começando a ficar agitada, e só quem conseguia acalmar ela era meu pai, às vezes ele pega ela no meio da estrada (D2).

Porque é uma pessoa que... é ela nem vira criança, eu acho que é pior que criança, que eu costumo dizer que meu neto dá menos trabalho. Porque ela não pede pra fazer xixi, ela não pede pra fazer cocô, você tem que ter muito cuidado [...] (D9).

Tem dia pela manhã que ela não quer levantar, aí a gente com muito trabalho levanta ela, leva ela pro banheiro pra banhar, escovar os dentes e atualmente ela não quer mais sair pra passear, fica só em casa parada [...] (D4)

Além da angústia, diversos sentimentos são gerados por essa convivência, que emergem de forma rápida e mutável, pois ao tempo em que o cuidador se vê imbuído de raiva, pela teimosia do doente, surge-lhe a pena por ter um familiar acometido por uma doença progressiva. Esta situação dificulta a elucidação dos mesmos, os quais fluem naturalmente no cotidiano, pois as mudanças trazidas pela doença são significativas e impactantes(20).

Limitações do Familiar Cuidador

Outra conjuntura que merece destaque nesse estudo é o desgaste do cuidador, amplamente citado nas entrevistas realizadas. Ficou constatado que conviver com pacientes acometidos por Alzheimer é também ser atingido de forma contundente, uma vez que o cuidador se torna o mantenedor de todas as adaptações que a doença trouxe consigo:

É uma dependência total que ela tem e isso é muito difícil pra mim, porque eu sou só e tenho que fazer tudo sabe? [...] Ela não faz nada sozinha, entendeu e me irrita muito, assim porque ela me chama demais, ela me absorve demais, entendeu? [...] (D11).

[...] a gente faz tanto que estressa, a gente fica assim estressado, acaba de falar uma coisa e a pessoa já tá fazendo errado de novo, é insuportável (D1).

[...] então conviver com essa doença é muito desgastante principalmente pra quem cuida porque não pode sair nem ter momentos de lazer porque tem que ta olhando direto. Só sabe realmente o que é cuidar de uma pessoa com Alzheimer quem realmente convive (D6).

Esse desgaste acontece à medida que a doença evolui e a necessidade de cuidados aumenta, contribuindo para aumentar a sobrecarga dos cuidadores e conseqüentemente o aumento do grau das dificuldades percebidas por eles (14). Isso é percebido facilmente nas falas abaixo:

[...] Na fase moderada é a mais complicada, então assim te deixa no limite mesmo, né? Você tem ... aí é onde você percebe as áreas que atinge na sua vida, que é o teu físico, o teu emocional, o teu social, o teu financeiro não é fácil [...] (D5).

Nos últimos dias eram seis pessoas cuidando dela e a gente não dava conta, tava todo mundo cansado, todo mundo estressado[...] (D9).

Quanto ao exposto acima, a mudança no sistema familiar causa crises e pode trazer rupturas, pois o ritmo de vida da família é atropelado pela doença e a adaptação a essa nova situação não se faz imediatamente(22). Além disso, muitas vezes o cuidador encontra enorme dificuldade para obter apoio na divisão dos afazeres, o que pode levar a uma crise, e na maioria das vezes, a uma desestruturação familiar(14).

Às vezes alguns problemas de família atrapalha e ela fica nervosa porque os irmãos brigam e ela nem sabe que é por causa do problema dela porque se soubesse ia ficar muito triste (D3).

O difícil é porque se eu fosse, assim uma pessoa solteira, mas eu tenho um filho de seis anos e um de nove anos, tenho meu marido e tenho que dar atenção tanto pra minha família como pra ela e ninguém me ajuda todo mundo só cobra[...]Os filhos quando os pais chegam nessa idade pensam que eles não servem mais pra nada, não sei, eu to falando pela minha família, mas pelo menos meus irmãos não vem aqui nem visitar ela [...] (D1).

[...] o momento mais difícil foi pros filhos entenderem... o ser humano é tão incompreensivo... é porque eles têm um amor, o amor deles é assim de chegar, de abraçar, beijar, ta tudo bonitinho, limpinho, aí pra chegar ver ele caído, sagrando aí o amor acaba entra a agressão (D8)

Assim, analisando os relatos trazidos pelos sujeitos, pode-se inferir que a convivência com o portador de Alzheimer, na sua maioria, vem carregada de situações estressantes, desgastantes e muitas vezes adoecedoras para o cuidador.

Em muitas passagens ficou iminente o pedido de socorro dessas pessoas, as quais, em gestos singelos, revelam a grandiosidade da existência humana. Tal panorama gera a reflexão da necessidade de uma rede social que possa proporcionar suporte à tão solitária tarefa que é a de cuidar de um familiar com Alzheimer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo permitiu conhecer parte do cotidiano das pessoas que convivem com um familiar acometido pela Doença de Alzheimer e, pode-se perceber que os sentimentos gerados por essa convivência são dos mais diferentes matizes, estando presente em seus discursos emoções, doenças, dificuldades, desgaste, mas, sobretudo dedicação.

Na maioria das vezes, a linha tênue de divisão entre a vida do paciente e a do cuidador desaparece, pois o cuidador passa a experimentar a vida de seu familiar doente intensamente, a fim de que nada lhe falte.

Torna-se urgente à atenção a essas pessoas que cuidam de seus familiares, pois, se não se tratar à família de forma ímpar, teremos dois pacientes: o idoso com Alzheimer e seu cuidador. Conviver com um familiar doente é abdicar de muitos pontos em sua vida em prol do outro, o que leva a um risco substancial de adoecimento pessoal e familiar, haja visto que conflitos são gerados nessa convivência, evidenciando a pungente necessidade de profissionais capacitados para lidar com famílias e não apenas com o paciente.

Pois, nesse contexto temos uma clientela que o sistema de saúde ainda não detectou como sujeito de suas ações: o cuidador do paciente com Alzheimer. Sendo realizado atendimentos isolados, por alguns profissionais, em associações, que muitas vezes não conseguem atingir um contingente de pessoas mais abrangente. Desta forma, o profissional enfermeiro pode contribuir para que as ações em saúde se tornem resolutivas e permanentes não sendo apenas tratadas como questões passageiras, incluindo dentro da estratégia de atenção à saúde vigente, um programa capaz de suprir as necessidades desse núcleo familiar.

Submissão: 13/03/2008

Aprovação: 31/07/2008

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  • Correspondência:

    Adriana da Cunha Menezes Parente
    Rua Padre Cirilo Chaves, 1877 - apto 802. Ed. Vinícius de Moraes. Bairro Noivos
    CEP: 64045-310. Teresina PI
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2008
    • Recebido
      13 Mar 2008
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