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A prática das equipes de saúde da família: desafios para a promoção de saúde

La práctica de los equipos de salud de la familia: desafíos para la promoción de salud

Practice of family health teams: challenges for the promotion of health care

Resumos

Este artigo apresenta resultados de estudo que teve como objetivo analisar as ações de promoção da saúde desenvolvidas pelas Equipes de Saúde da Família-ESF. Pesquisa qualitativa realizada em Belo Horizonte e Contagem, Minas Gerais. Os sujeitos foram 28 integrantes de ESF. Os dados foram coletados por meio de entrevista. Os resultados evidenciam uma tendência a operar o conceito de promoção da saúde, associado às atividades de prevenção de doenças. Verifica-se incipiência das ações de educação permanente nos serviços. Conclui-se que as atividades realizadas com enfoque intersetorial são tímidas, comprometendo a consolidação do modelo tecnoassistencial que tem como eixo a promoção da saúde. Percebe-se, a partir da análise das práticas das equipes, que há pouco incentivo ao empoderamento dos sujeitos.

Programa Saúde da Família; Prática profisisonal; Enfermagem


Este artículo presenta los resultados del estudio que tuvo como objetivo analizar las acciones de promoción de la salud desarrolladas por los Equipos de Salud de la Familia-ESF. Investigación cualitativa realizada en Belo Horizonte y Contagem, Minas Gerais. Los sujetos fueron 28 integrantes de ESF. Los datos fueron recogidos por medio de entrevistas. Los resultados evidencian una tendencia en trabajar el concepto de promoción de la salud, asociado a las actividades de prevención de enfermedades. Se nota también la poca objetividad de las acciones de educación permanente en los servicios. Se concluye que las actividades realizadas con enfoque intersectorial son tímidas, comprometiendo la consolidación del nuevo modelo técnico-asistencial que tiene como eje la promoción de la salud. Se percibe, a partir del análisis de las prácticas de los equipos, que hay poco incentivo a la autonomía e iniciativa de los sujetos.

Programa Salud de la Familia; Práctica profesional; Enfermería


This article shows the results of a study which analyzed healthcare actions carried out by Family Health Teams. It is a qualitative research carried out in Belo Horizonte and Contagem, state of Minas Gerais. The subjects were 28 members of the Family Health Team. Data were collected through interviews. The results show a tendency to work a concept of health promotion, associated to disease prevention activities. Permanent education is very elementary is at a very early stage in the health services. We conclude that the activities carried out with a focus on inter-sectoral work are limited, compromising the consolidation of the merely technical healthcare model, which is based on health promotion. It can be seen, based on analysis of the practice of the teams, that there is little incentive to the empowerment of the subjects.

Family Health Program; Professional practice; Nursing


PESQUISA

A prática das equipes de saúde da família: desafios para a promoção de saúde* Correspondência: Natália de Cássia Horta Rua Epaminondas de Moura e Silva, 481. Planalto CEP 31720-580. Belo Horizonte, MG Submissão: 12/08/2008 Aprovação: 30/06/2009 Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), sob processo número 11560 FAPEMIG/EENF/EMI/SUS TECNOASSISTENCIAL.

Practice of family health teams: challenges for the promotion of health care

La práctica de los equipos de salud de la familia: desafíos para la promoción de salud

Natália de Cássia Horta; Roseni Rosângela de Sena; Maria Elizabeth Oliveira Silva; Suelen Rosa de Oliveira; Verônica Amorim Rezende

Universidade Federal de Minas Gerais. Departamento de Enfermagem. Núcleo de Estudos de Ensino e Prática de Enfermagem. Belo Horizonte, MG

Correspondência Correspondência: Natália de Cássia Horta Rua Epaminondas de Moura e Silva, 481. Planalto CEP 31720-580. Belo Horizonte, MG Submissão: 12/08/2008 Aprovação: 30/06/2009 Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), sob processo número 11560 FAPEMIG/EENF/EMI/SUS TECNOASSISTENCIAL.

RESUMO

Este artigo apresenta resultados de estudo que teve como objetivo analisar as ações de promoção da saúde desenvolvidas pelas Equipes de Saúde da Família-ESF. Pesquisa qualitativa realizada em Belo Horizonte e Contagem, Minas Gerais. Os sujeitos foram 28 integrantes de ESF. Os dados foram coletados por meio de entrevista. Os resultados evidenciam uma tendência a operar o conceito de promoção da saúde, associado às atividades de prevenção de doenças. Verifica-se incipiência das ações de educação permanente nos serviços. Conclui-se que as atividades realizadas com enfoque intersetorial são tímidas, comprometendo a consolidação do modelo tecnoassistencial que tem como eixo a promoção da saúde. Percebe-se, a partir da análise das práticas das equipes, que há pouco incentivo ao empoderamento dos sujeitos.

Descritores: Programa Saúde da Família; Prática profisisonal; Enfermagem.

ABSTRACT

This article shows the results of a study which analyzed healthcare actions carried out by Family Health Teams. It is a qualitative research carried out in Belo Horizonte and Contagem, state of Minas Gerais. The subjects were 28 members of the Family Health Team. Data were collected through interviews. The results show a tendency to work a concept of health promotion, associated to disease prevention activities. Permanent education is very elementary is at a very early stage in the health services. We conclude that the activities carried out with a focus on inter-sectoral work are limited, compromising the consolidation of the merely technical healthcare model, which is based on health promotion. It can be seen, based on analysis of the practice of the teams, that there is little incentive to the empowerment of the subjects.

Descriptors: Family Health Program; Professional practice; Nursing.

RESUMEN

Este artículo presenta los resultados del estudio que tuvo como objetivo analizar las acciones de promoción de la salud desarrolladas por los Equipos de Salud de la Familia-ESF. Investigación cualitativa realizada en Belo Horizonte y Contagem, Minas Gerais. Los sujetos fueron 28 integrantes de ESF. Los datos fueron recogidos por medio de entrevistas. Los resultados evidencian una tendencia en trabajar el concepto de promoción de la salud, asociado a las actividades de prevención de enfermedades. Se nota también la poca objetividad de las acciones de educación permanente en los servicios. Se concluye que las actividades realizadas con enfoque intersectorial son tímidas, comprometiendo la consolidación del nuevo modelo técnico-asistencial que tiene como eje la promoción de la salud. Se percibe, a partir del análisis de las prácticas de los equipos, que hay poco incentivo a la autonomía e iniciativa de los sujetos.

Descriptores: Programa Salud de la Familia; Práctica profesional; Enfermería.

INTRODUÇÃO

As políticas de saúde sempre refletem o contexto histórico-social, em conformidade com os modelos econômico e político vigentes. No Brasil, isso se reflete no predomínio das ações curativas e hospitalares, dependentes de insumos tecnológicos que, além de não resolver os problemas de saúde, resultam na constante elevação dos custos médico-assistenciais.

A partir da segunda metade da década de 70, surgiram propostas alternativas para o enfrentamento dos problemas no setor saúde, sustentadas no movimento da Reforma Sanitária como parte da luta pela democracia e pela conquista de direitos sociais no país.

Esse movimento influenciou a criação do Sistema Único de Saúde - SUS, regulamentado pela Constituição Brasileira de 1988 e definido como um processo de reordenamento dos serviços e das ações de saúde. A consolidação do SUS pressupõe o cumprimento dos princípios constitucionais de universalidade, integralidade e equidade, tendo como diretrizes operacionais a descentralização dos serviços de saúde, com gestão única em cada esfera de governo e a criação de mecanismos de participação popular e de controle social(1).

As estratégias do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF), implantados, respectivamente, em 1991 e 1994, orientaram a atenção básica e contribuíram para a operacionalização do SUS, estabelecendo novas práticas na oferta dos serviços de saúde. Para Mendes(2), o PSF apresenta-se como uma alternativa para superar o modelo hegemônico, marcado pelo paradigma flexneriano.

A concepção que sustenta o PSF propõe uma "nova visão" de construção social da saúde e dos processos de intervenção nas ações e políticas de promoção, prevenção, reabilitação e recuperação.

O PSF propõe práticas de atuação no ambiente e no estilo de vida, otimizando o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, elegendo a família e o seu espaço social como núcleo básico de abordagem. As práticas do PSF têm, como alicerce, o princípio de integralidade, respondendo além das demandas, adequando-se às ofertas de cuidado aos sujeitos, de modo a identificar o contexto no qual se dá o encontro desses sujeitos com as ESF(3).

Considerando a saúde como produção social de múltiplos condicionantes, a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos em sua produção se torna indispensável para conquistar melhorias na qualidade de vida. Partindo desse pressuposto, a assistência humanizada exige a criação de uma rede de diálogos entre o profissional e o usuário em que ambos tenham espaço de atuação(4). Dessa forma, o PSF serve de base à organização do cuidado individual e coletivo, constituindo uma rede SUS fora do ambiente hospitalar, ou seja, com extensão ao domicílio e à comunidade(5).

As ações de promoção da saúde tornam-se essenciais para a concretude da proposta do PSF como uma estratégia de reforma do modelo assistencial vigente. Apromoção da saúde pode representar um modo articulado de operar as políticas e as tecnologias desenvolvidas no Sistema de Saúde brasileiro. Isso contribui para a construção de ações que respondem às necessidades sociais de saúde (5). A promoção da saúde é então considerada, como campo essencial da saúde coletiva e como estratégia para atender aos princípios do SUS(6).

Para Buss(7), a promoção da saúde pressupõe o reconhecimento da saúde como direito de cidadania, expresso em melhores condições de vida, serviços mais resolutivos e ações integrais, com foco na intersetorialidade e no estímulo à organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social.

Dessa maneira, a promoção da saúde realiza-se na articulação entre o sujeito e o coletivo, entre o público e o privado. Na relação entre Estado e sociedade, na clínica e na política, entre o setor sanitário e outros setores, visando romper a excessiva fragmentação na abordagem do processo saúde-doença e reduzir a vulnerabilidade e os danos que nela se produzem(5).

A promoção da saúde considerada como eficaz é aquela que conduz a mudanças nos determinantes da saúde. Esses determinantes incluem tanto fatores que estão sob o controle das pessoas como condutas individuais, estilos de vida, utilização dos serviços de saúde, quanto aqueles, externos, relativos às condições sociais, econômicas e ambientais, assim como a prestação de serviços(8).

Vê-se então a necessidade do protagonismo das pessoas e de que elas se tornem "empoderadas", isto é, que desenvolvam a habilidade e o poder de atuar em benefício da própria qualidade de vida, enquanto sujeitos e/ou comunidades ativas(9). Nesse sentido, o conceito de empoderamento tem merecido destaque no campo da saúde pública por ser considerado como estratégia de fomento à saúde(6).

A efetividade de uma intervenção de promoção da saúde é reconhecida quando seus resultados são favoráveis ou exitosos, em condições de vida real com sustentabilidade.

Bogus(10) considera que a análise dessas intervenções, no PSF, é relevante na avaliação do Programa como um todo. Além disso, a avaliação dessas ações leva a intervenções que promovem a saúde. A identificação da concepção das ações de promoção da saúde, nas atividades do PSF, pode contribuir para se avaliar se o modeloestá ou não sendo implementado(11).

Desse modo, a realização desta pesquisa justifica-se pela implantação do Programa Saúde da Família no Brasil, desde 1994, como forma de mudança do modelo assistencial, alicerçada nos princípios de acesso, territorialização, acolhimento, humanização e criação de vínculo, inscrevendo a intersetorialidade como campo de saber e prática e que suscita a necessidade de repensar as ações de saúde sob a égide de um novo paradigma.

Paradoxalmente, os investimentos na infra-estrutura e nas políticas públicas que permitiram a criação e a implantação do PSF não evoluíram no mesmo ritmo da expansão quantitativa de Equipes de Saúde da Família. Considera-se que o PSF vem contribuindo na ampliação do acesso aos serviços básicos de saúde, mas que se faz necessário enfrentar os desafios contemporâneos que essa estratégia coloca no cotidiano das práticas em saúde(12).

Além disso, é necessária uma reflexão sobre a formação dos profissionais de saúde que não se adequou ao perfil exigido para a conversão das práticas gerenciais e assistenciais, em especial, aquelas com foco na saúde pública(13). Também em decorrência disso, a implementação do Programa de Saúde da Família, enquanto estratégia de conversão do modelo assistencial, é um desafio para os diversos atores do processo.

OBJETIVOS

Este estudo faz parte da pesquisa "Promoção da Saúde: estratégia política, assistencial, educacional e gerencial para a construção do modelo tecnoassistencial em saúde", desenvolvida pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e Pratica de Enfermagem (NUPEPE) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.

A pesquisa está estruturada em quatro subprojetos: As políticas públicas de promoção da saúde - da gestão do Sistema à articulação intersetorial; Concepções de promoção da saúde na Equipe de Saúde da Família; Abordagem da promoção da saúde na formação do enfermeiro e Promoção da saúde - a construção dos sujeitos em diferentes territórios sociais.

No estudo, apresentam-se os resultados parciais do sub-projeto "Concepções de promoção da saúde na Equipe de Saúde da Família" que tem como objetivo geral analisar as práticas de promoção da saúde realizadas por Equipes de Saúde da Família e, como objetivos específicos, identificar as ações de promoção da saúde desenvolvidas pelas ESF; Conhecer a concepção de promoção da saúde predominante entre os membros da ESF; Identificar a existência de ações intersetoriais desenvolvidas pelas Equipes de Saúde da Família.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo com método qualitativo orientado pela concepção teórico-filosófica da dialética e fundamentado na metodologia da Teoria de Intervenção Práxica de Enfermagem em Saúde Coletiva - TIPESC, sistematizada por Egry(14). As questões éticas foram observadas em todas as etapas da pesquisa, atendendo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Ética, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.

Os cenários da pesquisa foram Unidades de Saúde da Família dos municípios de Belo Horizonte e Contagem. Esses Municípios contam com disponibilidade de serviços públicos de saúde com gestão plena do SUS.

A rede municipal de saúde de Belo Horizonte está organizada em nove Distritos Sanitários, definidos por recortes geográfico, populacional e administrativo. Conta com cento e quarenta e dois Centros de Saúde, seis Unidades de Pronto Atendimento (UPA), seis Postos de Assistência Médica (PAM) e mais de quarenta Hospitais conveniados.

O Programa de Saúde da Família, denominado BH Vida: Saúde Integral foi implantado, em Belo Horizonte, em 2002. Inicialmente, foram credenciadas cento e sessenta e nove Equipes de Saúde da Família - ESF, tendo por base os Centros de Saúde dos nove distritos sanitários da cidade. Atualmente quinhentas e nove Equipes estão em atividade, atendendo a quase 1,5 milhão de pessoas(15).

Contagem tem sua rede de saúde composta de oitenta e sete Equipes de Saúde da Família, oito Unidades de Referência para as Equipes de Saúde da Família, dezessete Centros de Saúde, três Unidades de Atendimento de Urgência, um Hospital municipal, uma Maternidade municipal e uma Clínica de Especialidades. Essas Unidades contam com serviços de apoio diagnóstico e estão localizadas em sete Distritos Sanitários.

A implantação do PSF ocorreu em 1999, priorizando o atendimento às áreas de baixos indicadores sócio-econômicos. Apesar da existência de oitenta e sete ESF, ainda existem duas redes paralelas de atenção básica. Sendo assim, o Município conta com três Distritos Sanitários que possuem ESF e Centros de Saúde e quatro totalmente cobertos pelo Programa(16).

Na primeira fase deste estudo, foram feitas entrevistas com os membros das ESF, escolhidas por sorteio realizado de maneira a obter-se uma Equipe de cada Distrito Sanitário. Os sujeitos da pesquisa foram sorteados entre os membros dessas Equipes, tendo como critério de inclusão a participação de um profissional de nível superior (médico ou enfermeiro), um de nível médio (auxiliar de enfermagem) e um sem formação específica (agente comunitário de saúde) de cada Equipe. O total de respondentes foi de 28 profissionais, sendo 3 médicos, 7 enfermeiros, 9 auxiliares de enfermagem e 9 agentes comunitários de saúde.

As questões propostas no roteiro abrangem a formação profissional do participante, o tempo de trabalho e a capacitação direcionada ao PSF, além de conceitos e práticas de promoção à saúde. A realização das entrevistas se deu até a saturação dos dados.

Os dados foram codificados por letras e números referentes à formação profissional e ao Município, com vistas a facilitar a apresentação no texto e a garantir o anonimato dos entrevistados. Os Municípios foram codificados em Município A e Município B. Para os profissionais, utilizaram-se as letras S para os de formação superior, T para os de nível médio e A para os profissionais sem formação específica. Os Centros de Saúde foram numerados de 1 a 5 em cada Município.

Na segunda fase da pesquisa, seria feita a verificação in loco das experiências identificadas como de promoção da saúde, considerando-se os avanços das práticas relacionadas às ações de promoção da saúde que contribuem para se conhecer o processo de trabalho das ESF, as relações que estabelecem com setores da área de abrangência, os processos criativos e inventivos, os resultados e as projeções sobre o trabalho no campo da promoção da saúde. Essa fase não ocorreu porque as experiências descritas pelos sujeitos não trazem inovações para a promoção da saúde.

Para a análise dos dados empíricos, seguiram-se as orientações de Minayo(17) para Análise de Discurso. Foram realizadas leituras exaustivas dos discursos buscando-se apreender as idéias centrais, ou seja, as estruturas de significados apresentadas nas falas dos participantes. O agrupamento das idéias centrais deu origem a uma rede de significados relacionados com os processos desencadeadores das práticas de promoção e os resultados dessas ações percebidos pela Equipe de Saúde. Foram construídas três categorias: Concepções das ESF sobre promoção à saúde; O PSF na prática; O processo de trabalho das Equipes de Saúde da Família. Essas categorias são discutidas, neste artigo, pela ótica dos desafios para a promoção da saúde.

A etapa final da análise consistiu na interpretação das categorias empíricas, dialogando com os autores consultados, com a experiência e o conhecimento das pesquisadoras, num movimento dialético, para a análise dos desafios à promoção da saúde no Programa Saúde da Família.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos discursos dos profissionais das ESF revela um conceito impreciso de promoção da saúde, que se relaciona diretamente a um conceito restrito de saúde, centrado basicamente na ausência de doenças. Permite afirmar que promoção da saúde é reconhecida como prevenção de agravos, operacionalizada, principalmente, no cumprimento de ações específicas ligadas aos protocolos oficiais do Ministério da Saúde e nas atividades que visam mudanças de comportamento.

Reforçando tais idéias, vê-se em Ronzani e Silva(18) que o PSF não pode ser sinônimo de prevenção de agravos uma vez que, se tomada a prevenção apenas como uma maneira estrita de se evitarem doenças, pode-se ter um "serviço de atendimento a pessoas saudáveis" intitulado PSF com ações que reforçam um modelo higienista no cotidiano, com um discurso e práticas de prevenção e promoção da saúde que reiteram as ações curativas.

Poucos foram os entrevistados que a conceituam como algo abrangente que envolve questões referentes à cidadania e ao auto-cuidado em busca de qualidade de vida. O que pode ser percebido nas falas:

"...Promoção da saúde a gente não vê a doença...vê a saúde no sentido global. Cê vê qualidade de vida, vê o bem estar, o promover bem estar, qualidade de vida..." (ASC1).

"Cê pegar o sujeito como um todo...ele como um todo. A parte emocional, a parte física, a parte social..." (AAC3).

Observa-se, portanto, que o conceito de promoção da saúde dominante, no seio das ESF, associa-se a um modelo médico-centrado, curativista, individual e fragmentado, que tem como principal objetivo prolongar a vida dos sujeitos e evitar seu adoecimento, mesmo que isso não represente melhoria da qualidade de vida e da saúde da população.

Evidencia-se, nos discursos, uma tendência em operar o conceito de promoção da saúde associado às atividades de prevenção de doenças, tais como, grupos operativos dirigidos a patologias específicas, como hipertensão, diabetes, desnutrição, dentre outras. Percebe-se essa evidência no fragmento a seguir:

"... promoção à saúde é prevenção, prevenção de doenças para promover a saúde... Então o que eu entendo hoje de promoção da saúde é isso, tá fazendo uma prevenção da doença ou de suas complicações" (BSC8).

A análise das entrevistas sugere uma visão estanque das ações de promoção, prevenção e tratamento como se não pudessem ser articuladas. Os discursos apontam para uma relação de gradação na qual se tem a cura e a reabilitação dos agravos, seguidas da prevenção de doenças para somente então alcançar-se a "etapa" da promoção da saúde.

Campos(19) destaca que, apesar das especificidades e ritmos próprios, clínica e promoção precisam andar juntas uma vez que a promoção da saúde não pode buscar sua potência longe da clínica e sim no intermediário, interrogando os graus de produção de saúde que são efetivamente impulsionados por nossas práticas. Pela ótica dos sujeitos da pesquisa, a promoção da saúde não poderia coexistir com a doença no processo cotidiano do agir em saúde, como exemplificado pela fala:

"Tratamento é de manhã! Aí à tarde é mais demanda espontânea. [...] promoção da saúde realmente às vezes é uma conversa, mais uma conversa, mas assim... trabalho de promoção a gente não tá desenvolvendo..." (ASC 1).

No que se refere às práticas das ESF, percebe-se que são ações programáticas direcionadas para as fases do ciclo de vida e propostas pelo Ministério da Saúde, sendo que as possíveis ações de promoção da saúde fazem parte dessa agenda. A prática das equipes, pautada em protocolos fechados, impede que os profissionais tenham a idéia de linha do cuidado e que vejam os usuários de forma integral, agindo como cumpridores de normas na relação com o usuário dos serviços.

Quando questionados em relação ao desenvolvimento de atividades de promoção da saúde por sua ESF, os sujeitos reconhecem que ações realizadas no PSF são capazes de promover a saúde dos usuários, embora avaliem essas experiências como ainda incipientes frente às possibilidades. Entretanto, destacam métodos tradicionais como grupos operativos, puericultura e visitas domiciliares como as atividades de promoção da saúde desenvolvidas nas Equipes. Percebe-se, que utilizam, como estratégia, o modelo de educação para a saúde que fica evidente quando os profissionais descrevem suas condutas exemplificando com as palestras educativas, a transmissão de informações aos usuários em função de uma mudança em seu comportamento. Alves(20) descreve essa estratégia como sendo aquela que toma os usuários como carentes de informação e utiliza informações verticalizadas que ditam comportamentos a serem adotados para a manutenção da saúde. Segundo o autor, estabelece-se, assim, uma relação assimétrica entre profissional e usuário, uma relação que está longe do conceito e da necessidade de educação em saúde com um modelo dialógico.

Percebe-se, na descrição metodológica das atividades educativas, que essas se caracterizam por ações reiterativas e tradicionais, ou seja, o sujeito reproduz múltiplas tarefas de caráter instrumental e pouco inovadoras. Desse modo, os encontros não têm como objetivo o empoderamento das pessoas nem a discussão sobre o cuidado com a saúde e o exercício da cidadania. Remetem mais à resolução de interesses postos pelos profissionais das Equipes, justificados pela demanda exagerada nas Unidades. Há, por vezes, uma culpabilização dos usuários por não haver maiores resultados.

Destaca-se um desafio vivenciado no PSF pelos profissionais no cotidiano que é o de conciliar as necessidades de saúde e as orientações capazes de produzir impactos sobre a saúde da população de forma dialógica e interativa, considerando-se os usuários como sujeitos e participantes do planejamento em saúde(18).

Observa-se ainda que esses grupos funcionam como um espaço "racionalizador" do trabalho, uma vez que os entrevistados ressaltam a sobrecarga de trabalho como importante fator que inviabiliza a concretude da proposta do PSF como uma estratégia de reforma do modelo tecnoassistencial.

Algumas experiências mostram tentativas de inovação das práticas em saúde, como atividades de yoga, grupos de artesanato e trabalhos manuais. Mas são experiências pontuais, realizadas de maneira não sistematizada.

Nota-se que o PSF traz propostas inovadoras na compreensão do processo saúde-doença e no foco em práticas de promoção da saúde e prevenção de agravos. Porém, no cotidiano das Equipes, a implementação dessas ações fica limitada pelo atendimento à excessiva demanda espontânea nas Unidades e pela freqüente falta de recursos humanos nesses serviços. Dessa forma, percebe-se que a promoção da saúde é considerada, pelos profissionais, como algo separado da clínica havendo poucos pontos de encontro entre as duas.

"...a atividade interna do Centro de Saúde prende a gente mais que as atividades do PSF. Então, se tira um funcionário do setor para fazer PSF, para fazer visita, depois dá confusão porque no Posto pode faltar..."(ATC3).

"...esse grupo é muito bom, diminui até a demanda de consulta no Posto...no grupo mesmo a gente vai vendo o que precisa ser passado ao médico... então evita que ele tenha que vir aqui depois pra consulta..." (ATC4).

Os entrevistados ressaltam também a necessidade de ações de educação permanente para possibilitar a implementação de atividades efetivas junto à comunidade. Porém assumem que a educação permanente em serviço, muitas vezes, associa-se às reuniões de equipe para repasse de orientações administrativas e assistenciais e como espaço para as capacitações em saúde. Além disso, afirmam que as iniciativas de treinamento desenvolvidas até o momento ocorrem de forma pontual, desarticulada e fragmentada, apesar de reconhecerem a sua importância e desejarem uma reflexão do fazer cotidiano. Outro ponto abordado refere-se ao fato de as ações de capacitação profissional, quando realizadas, serem dirigidas, na maioria das vezes, somente aos profissionais de nível superior.

Evidencia-se, ainda, a deficiência de ações de capacitação profissional, constituindo-se como entrave à consolidação de um novo modelo tecnoassistencial que tenha como eixo central a promoção da saúde. Além disso, percebe-se a necessidade de se estabelecerem redes sociais de apoio com a abertura de canais de comunicação entre o setor da saúde e os setores social, político, econômico e ambiental para que se concretize uma sustentabilidade das ações de promoção da saúde.

Quando questionados em relação à intersetorialidade, os sujeitos afirmam que as articulações intersetoriais ainda estão centradas em referência e contra-referência dos usuários com tímidas experiências de construções de projetos conjuntos entre os possíveis setores.

Os entrevistados consideram que as ações intersetoriais, quando ocorrem, se dão de maneira esporádica e se traduzem em parcerias com escolas, igrejas, creches, Conselho Tutelar e ONG´s. Percebe-se que a intersetorialidade, apesar de não ocorrer de forma efetiva, é apontada como o reconhecimento de que o setor de saúde, sozinho, não é capaz de implementar práticas efetivas de promoção da saúde , uma vez que envolvem o lazer, a cultura e , a educação, entre outros. Como possibilidades para a implementação de novas práticas sugerem ações alternativas e criativas construídas com a comunidade mas que não resultem na não seja a criação de grupos que objetivam "dar conta da demanda".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu concluir que os profissionais atuantes na rede básica de saúde encontram-se frente a desafios que dificultam a consolidação do novo modelo tecnoassistencial em saúde. A excessiva demanda espontânea e o insuficiente número de profissionais apontados pelos entrevistados, aliados a uma prática curativista hegemônica, configuram-se como um desafio para a realização de ações de promoção da saúde. A reflexão dos entrevistados indica que a oferta de serviços é estruturada em torno de "pacotes fechados", destinados à cura, à prevenção de agravos ou à promoção da saúde, com pouca articulação entre eles. Tais ações funcionam como o fornecimento ao usuário de uma "cesta básica" da saúde que muitas vezes não dá conta das necessidades de saúde da população. Os usuários que não se enquadram na oferta programada pelo serviço estão à parte das possibilidades assistenciais das Equipes.

Os profissionais, muitas vezes, justificam a dificuldade de concretização das práticas de promoção da saúde pela sobrecarga de trabalho voltado ao plano terapêutico, pela demanda excessiva e até mesmo pela resistência dos usuários.

Há uma rotina sistematizada para a execução de tarefas dos profissionais com o intuito de atender a demanda dos usuários e suas necessidades imediatas. Isso faz com que eles se concentrem nas práticas assistenciais com baixo potencial de inovação no serviço que se traduzam em atividades promotoras de saúde.

Os depoimentos permitem inferir que, no cotidiano das Equipes de Saúde da Família, o usuário não é visto como um co-partícipe do processo de produção do cuidado. Para que seja atendido, é necessário que se enquadre em uma das ofertas do "cardápio" posto e, sendo assim, o usuário traz normalmente uma queixa direcionada ao profissional médico.

Nota-se a necessidade premente de reflexões capazes de propiciar a implementação de práticas de promoção da saúde no cotidiano dos serviços de saúde, de forma conjunta, envolvendo os diversos atores e setores implicados. Assim, seria possível colocar o usuário como central no cuidado com a saúde e as práticas dos profissionais como forma de agregar e construir recursos para o cuidado com a saúde, de forma autônoma e responsável. Nesse ponto, a participação social, a voz dada ao usuário se tornaria fundamental. O profissional sairia de seu espaço de poder e passaria a negociar com os usuários-protagonistas e co-responsáveis por sua saúde.

Conclui-se que, para se praticar promoção da saúde é necessário uma desconstrução do modelo assistencial vigente, devido às dificuldades oriundas da rotina e da configuração do serviço.

Assim, faz-se necessária uma reflexão para que a produção do conhecimento em saúde extrapole a racionalidade do discurso que enfoca somente a prevenção e a cura das doenças. Para isso, é importante que se reveja a lógica da formação dos profissionais de saúde, buscando-se romper essa dicotomia marcada pelo pouco enfoque dado ao tema da promoção da saúde e à aproximação entre os serviços de saúde e a população.

A participação efetiva dos usuários e da população são o eixo do estabelecimento de práticas emancipatórias, com ênfase na autonomia e no diálogo profissional-usuário. Com isso, pode-se agir sobre os determinantes do processo saúde-doença que interferem em seu adoecer e em seu ser saudável.

*Trabalho apresentado ao 59º Congresso Brasileiro de Enfermagem/Brasília, em dezembro de 2007. Classificado em 1º lugar no Prêmio Laís Netto dos Reis.

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  • Correspondência:
    Natália de Cássia Horta
    Rua Epaminondas de Moura e Silva, 481. Planalto
    CEP 31720-580. Belo Horizonte, MG
    Submissão: 12/08/2008
    Aprovação: 30/06/2009
    Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), sob processo número 11560 FAPEMIG/EENF/EMI/SUS TECNOASSISTENCIAL.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      30 Jun 2009
    • Recebido
      12 Ago 2008
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