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Ensino de educação nos cursos de graduação em enfermagem

Teaching of education in undergraduate nursing courses

Enseñanza de educación en los cursos de grado en enfermería

Resumos

O estudo analisou a produção bibliográfica sobre a temática educação em saúde e as repercussões sobre o ensino na graduação em enfermagem. Utilizou-se descritores selecionados nas bases LILACS, PERIENF e BDENF. Classificou-se as referências em quatro categorias: ensino, assistência, produção científica e acadêmica stricto sensu. Os resultados revelaram: a importância da temática educativa na prática social da enfermagem, para o que se evidencia não só a preocupação com a formação do educando, mas inclusive a do docente; apesar do esforço na graduação para o preparo do enfermeiro para as ações educativas, este é avaliado como inadequado; as práticas educativas, tanto em estudos classificados na categoria ensino quanto na assistencial, se mostraram referenciados na abordagem biomédica, com enfoque nos aspectos preventivos.

Educação em saúde; Educação em enfermagem; Ensino superior


This study reviewed the literature on the health education subject and the impact on education in undergraduate nursing. Descriptors were selected in LILACS, PERIENF and BDENF bases. References were classified into four categories: education, care, scientific production and stricto sensu academic production. The results showed: the importance of educational issues in the nursing social practice, for what there is concern with the student and the teacher education; in spite of the effort in the undergraduation to prepare nurses for the educative actions, this is considered insufficient; the educative practices, in both teaching and care categories, are based on the biomedical model, with focus on preventive aspects.

Health education; Education, nursing; Education, higher


Este estudio analizó la producción bibliográfica sobre la temática educación en salud y las repercusiones sobre la enseñanza en graduación en enfermería. Los descriptores utilizados fueron seleccionados en las bases LILACS, PERIENF y BDENF. Las referencias fueron clasificadas en cuatro categorías: enseñanza, asistencia, producción científica y académica stricto sensu. Los resultados revelaron: la importancia de la temática educativa en la práctica social de enfermería, para lo que se evidencia no solo la preocupación con la formación del educando, mas inclusive la del docente; a pesar del esfuerzo en la graduación para la preparación del enfermero para las acciones educativas, ese es evaluado como inadecuado; las prácticas educativas, tanto en estudios de la categoría enseñanza cuanto de la asistencial, se mostraron referenciadas en el abordaje biomédico cuyo enfoque son los aspectos preventivos.

Educación en salud; Educación en enfermería; Educación superior


REVISÃO

Ensino de educação nos cursos de graduação em enfermagem

Teaching of education in undergraduate nursing courses

Enseñanza de educación en los cursos de grado en enfermería

Alva Helena de Almeida; Cássia Baldini Soares

Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. São Paulo, SP

RESUMO

O estudo analisou a produção bibliográfica sobre a temática educação em saúde e as repercussões sobre o ensino na graduação em enfermagem. Utilizou-se descritores selecionados nas bases LILACS, PERIENF e BDENF. Classificou-se as referências em quatro categorias: ensino, assistência, produção científica e acadêmica stricto sensu. Os resultados revelaram: a importância da temática educativa na prática social da enfermagem, para o que se evidencia não só a preocupação com a formação do educando, mas inclusive a do docente; apesar do esforço na graduação para o preparo do enfermeiro para as ações educativas, este é avaliado como inadequado; as práticas educativas, tanto em estudos classificados na categoria ensino quanto na assistencial, se mostraram referenciados na abordagem biomédica, com enfoque nos aspectos preventivos.

Descritores: Educação em saúde; Educação em enfermagem; Ensino superior.

ABSTRACT

This study reviewed the literature on the health education subject and the impact on education in undergraduate nursing. Descriptors were selected in LILACS, PERIENF and BDENF bases. References were classified into four categories: education, care, scientific production and stricto sensu academic production. The results showed: the importance of educational issues in the nursing social practice, for what there is concern with the student and the teacher education; in spite of the effort in the undergraduation to prepare nurses for the educative actions, this is considered insufficient; the educative practices, in both teaching and care categories, are based on the biomedical model, with focus on preventive aspects.

Key words: Health education; Education, nursing; Education, higher.

RESUMEN

Este estudio analizó la producción bibliográfica sobre la temática educación en salud y las repercusiones sobre la enseñanza en graduación en enfermería. Los descriptores utilizados fueron seleccionados en las bases LILACS, PERIENF y BDENF. Las referencias fueron clasificadas en cuatro categorías: enseñanza, asistencia, producción científica y académica stricto sensu. Los resultados revelaron: la importancia de la temática educativa en la práctica social de enfermería, para lo que se evidencia no solo la preocupación con la formación del educando, mas inclusive la del docente; a pesar del esfuerzo en la graduación para la preparación del enfermero para las acciones educativas, ese es evaluado como inadecuado; las prácticas educativas, tanto en estudios de la categoría enseñanza cuanto de la asistencial, se mostraron referenciadas en el abordaje biomédico cuyo enfoque son los aspectos preventivos.

Descriptores: Educación en salud; Educación en enfermería; Educación superior.

INTRODUÇÃO

O processo de mobilização de vários setores sociais brasileiros em torno da saúde, iniciado no final da década de 70 com a abertura política, ecoou em outros setores da sociedade civil empenhados na luta por direitos humanos. Conformado como um movimento ampliado de manifestação da sociedade, estendeu-se ao longo do período de redemocratização do Brasil, impactando os trabalhos de elaboração da nova Constituição Brasileira.

Assim fecundada, a Constituição Cidadã passou a reconhecer a saúde na condição de um direito universal e dever do Estado, consagrando-a na institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS).

Desde o inicio da década de 90, no entanto, a operacionalização do SUS, bem como de outras políticas sociais públicas, tem enfrentado os ataques de uma política hegemônica aderente ao projeto global do neoliberalismo. Esse projeto fundamenta-se na desigualdade, valor vital para a concorrência, e opõe-se radicalmente à universalidade, incentivando políticas sociais focalizadas para os que não podem acessar o mercado e a compra da saúde como mercadoria para aqueles que podem pagar(1).

Instala-se uma contradição entre o ideário que fundamentou o SUS e os encaminhamentos da reforma do Estado brasileiro, com os órgãos governamentais orientando a organização das práticas em saúde, por vezes, no sentido da universalidade, por vezes, no sentido de uma equidade limitada a políticas compensatórias nos bolsões de pobreza(1).

Um dos maiores desafios para a consecução do direito à saúde vem sendo enfrentado pelo setor educacional comprometido com os direitos humanos: formar trabalhadores de saúde capacitados a compreender e responder às necessidades de saúde dos diferentes grupos sociais.

Por um lado, a formação geral dos profissionais da saúde, tomando por referência os perfis epidemiológicos da população, impunha a necessidade de introduzir nos currículos a concepção de integralidade, rompendo com a formação assentada no modelo clínico. Por outro lado, o discurso de formação para o SUS foi atravessado pelo contexto da universalização excludente, de limitação de direitos, de racionalização de custos e benefícios, o que pode indicar não mais a atenção integral, mas a restrição a ações de saúde primária(2).

Na área da enfermagem, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) - desde o seu surgimento, tomou para si a responsabilidade de defender o interesse das enfermeiras frente às características do ensino dos profissionais da área, nos diferentes níveis. Nas duas últimas décadas em particular, esse esforço resultou na mobilização de representantes das instituições de ensino, gestores dos serviços de saúde, alunos, organismos sindicais e especialistas de enfermagem, em seminários regionais, nacionais e até mesmo em audiência pública, afim de deliberar sobre uma proposta de mudança curricular comprometida com a realidade social do país. A proposta formulada pelo coletivo assegurou as bases de um projeto político para a enfermagem, ainda que no percurso algumas modificações tenham ocorrido, e em particular, a área de ensino tenha sido suprimida(3).

Dessa forma, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de graduação em enfermagem contemplam, na essência, a proposta encaminhada no início dos anos 90, e representam o contexto de embates entre o cenário interno - necessidade de consolidação do SUS - e o externo - a imposição dos organismos internacionais de financiamento -, com certa tendência a incorporar o discurso da formação para o mercado globalizado(2).

São exigências desse mercado: trabalhadores muito qualificados, com autonomia para tomada de decisões, competentes para rapidamente incorporar tecnologias, e responsabilizar-se por dar respostas aos problemas dos mais diferentes processos de produção.

A lacuna deixada pela exclusão da temática educativa foi apontada no relatório final do 6º Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem (SENADEn)(4) em 2002, e citada por autores, observando contudo, maior destaque para a carência da formação pedagógica do enfermeiro frente ao processo de profissionalização da equipe, ainda que tenha sido reconhecida a importância da dimensão educativa no trabalho deste profissional, em qualquer campo de atuação(3-5). A formação pedagógica com vistas à educação profissional dos trabalhadores de nível médio tornou-se objeto exclusivo dos cursos de Licenciatura. Já o preparo para as práticas educativas parece estar implícito no perfil profissional proposto, assim denominado enfermeiro promotor da saúde integral(6).

Mas do que se trata essa prática educativa? As valiosas contribuições de Melo e Merhy(7,8) referem-se a essa prática explicitando uma relação entre o Estado - representado pelos profissionais do setor saúde, e a sociedade civil, caracterizada como hierárquica, subordinada aos interesses políticos e econômicos da classe dominante e normatizadora do comportamento da população dominada.

Em cada período histórico as práticas educativas receberam diferentes denominações, segundo o enfoque que as caracterizavam. Inicialmente, educação sanitária quando as ações visavam a aplicação de normas e atitudes para a mudança de comportamento dos cidadãos. Posteriormente, como educação para a saúde, quando as ações objetivavam um estado a ser alcançado depois de educado e, finalmente, educação em saúde - momento em que referenciais da educação passaram a ser utilizados para se obter saúde.

Em recente publicação do Ministério da Saúde, educação e saúde foi definida como um campo de conhecimentos e de práticas do setor saúde que resulta da relação entre as disciplinas das ciências sociais, das ciências da saúde e da educação(9).

Para Stotz(10), em contribuição nessa mesma publicação ministerial, educação e saúde é, do ponto de vista dominante, uma área de saber técnico, voltada para "instrumentalizar" o controle dos doentes pelos serviços e a prevenção de doenças pelas pessoas. Segundo a sua própria publicação em 1993, o enfoque educativo predominante nos serviços de saúde é o preventivo que lida com "fatores de risco" comportamentais, cuja abordagem exige o repasse de informações por meio da consulta e ou em grupos.

A partir da instituição do Programa Saúde da Família (PSF), em 1994, além do preventivismo, dois outros enfoques começam a ser desenvolvidos: o chamado enfoque da escolha informada e o enfoque de desenvolvimento pessoal, que, em linhas gerais, visam aumentar as potencialidades dos indivíduos(10).

De um modo geral, os dois enfoques pressupõem indivíduos livres e em condições de realizar a "eleição informada". Tais enfoques baseiam-se na assunção da responsabilidade individual sobre a ação e no aperfeiçoamento do homem por meio da educação. Para o autor este tipo de enfoque de educação e saúde contribui para que o governo transfira para os indivíduos a responsabilidade por problemas cuja determinação se encontra nas relações sociais, isto é, na própria estrutura da sociedade(10).

Alternativamente a estes, o enfoque radical parte da consideração de que as condições e a estrutura social são as causas dos problemas de saúde. Seus defensores, herdeiros da medicina social, se colocam na perspectiva educativa orientada para a transformação das condições geradoras de doenças. A educação sanitária é vista então, como uma atividade cujo intuito é o de facilitar a luta política pela saúde e, neste caso, envolve a responsabilização do Estado, superando assim posturas que culpabilizam a vitima(10).

A educação popular e saúde é outro enfoque que, ao lutar contra a medicalização dos problemas humanos, aparece relacionada ao desenvolvimento da consciência. A participação de profissionais de saúde nas experiências de educação popular, a partir dos anos 70, trouxe para o setor saúde uma cultura de relação com as classes populares que representou uma ruptura com a tradição autoritária e normatizadora da educação em saúde(11).

A educação popular e (em) saúde é, na opinião de Vasconcelos(11), um movimento social de profissionais, técnicos e pesquisadores empenhados no diálogo entre o conhecimento técnico-científico e o conhecimento oriundo das experiências e lutas da população pela saúde. O adjetivo popular refere-se à perspectiva política com a qual se trabalha junto à população, o que significa colocar-se a serviço dos interesses dos oprimidos.

Tecidas estas considerações, explicita-se que o interesse deste estudo é o de verificar, como a abordagem da temática educação em saúde tem sido realizada na literatura técnica específica, de forma a repercutir no ensino de graduação em enfermagem e, conseqüentemente, no perfil de formação do enfermeiro.

METODOLOGIA

Adotou-se os descritores em ciências da saúde (DeCs) educação em saúde and enfermagem; educação em saúde and educação em enfermagem; educação em enfermagem and educação superior; educação em saúde and ensino superior na base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - LILACS - e, respectivamente, os descritores educação em enfermagem and educação em saúde na base de Dados da Enfermagem - BDENF . Também se utilizou os descritores educação em saúde or educação para a saúde and educação superior, na base PERIENF, da biblioteca Wanda de Aguiar Horta da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

Aplicou-se os descritores para a identificação dos estudos, obtendo-se 266 trabalhos já excluídas as repetições e determinando-se como corte o mês de agosto de 2006. Diante desse universo estabeleceu-se a leitura dos títulos como primeiro critério de identificação dos trabalhos. No segundo momento, realizou-se a leitura dos resumos. Observa-se que a base PERIENF não exibe os resumos dos trabalhos, obrigando a consulta aos periódicos, toda vez que ficou constatado este interesse. A seqüência dessas estratégias, interpretação dos títulos e leitura dos resumos, resultou na exclusão da maioria dos estudos, que fugiam muito ao escopo desta revisão.

Há de se reconhecer, contudo, a possibilidade de ter ocorrido equívocos na exclusão dos estudos, pois tanto a leitura dos títulos como a dos resumos pode ter sido, em alguns casos, insuficiente para explicitar aspectos mais significativos do conteúdo integral do trabalho em apreço.

Na base LILACS identificou-se o maior número de estudos, no entanto, a maioria deles, abordou a educação em saúde segundo uma prática voltada para a formação profissional, atendendo a políticas educacionais, tendências, inovações e avaliações curriculares.

A base BDENF contribuiu com o menor número de estudos. Na base PERIENF obteve-se a maior quantidade de estudos específicos, que revelou a educação em saúde segundo uma prática relacional entre sujeitos ou grupos, visando os cuidados com a saúde. No entanto, a ênfase na abordagem desses trabalhos foi atribuída às experiências dos grupos segundo as fases do ciclo de vida, aos problemas ou patologias específicas ou ao experimento de diferentes estratégias ou técnicas, aspectos esses que não contribuíram para o retrato do objeto desenhado, motivando também a sua exclusão.

Assim, obteve-se um subgrupo mais específico de estudos, inicialmente assim constituído: 12 artigos, cinco dissertações de mestrado e uma tese de doutorado. Das produções acadêmicas, uma dissertação e a tese foram incluídas mediante a publicação do estudo no formato de artigo. Um artigo foi identificado por meio das referências de um deles; um segundo foi localizado ao acessar uma publicação retrospectiva da Revista da Associação Brasileira de Enfermagem e um terceiro artigo foi localizado a partir do acesso à edição temática da Revista Texto & Contexto. O subgrupo final compreendeu então: 17 artigos e quatro dissertações, conforme exposto no Quadro 1. Com exceção de uma dissertação, analisou-se o texto integral de todos os demais estudos desse subgrupo.


A leitura possibilitou identificar como a temática educação em saúde - na concepção de prática entre sujeitos e mediadora dos cuidados com a saúde - tem sido abordada na literatura de enfermagem e ainda quais as implicações que essa prática tem provocado, particularmente no ensino, mas também nos demais âmbitos de atuação profissional.

RESULTADOS

Agrupou-se os estudos em quatro categorias conforme abordassem o ensino, a assistência, a produção científica e a produção científica stricto sensu.

A publicação mais antiga, de 1968, discute a importância da educação sanitária no currículo de uma escola de enfermagem, reconhecendo-a como parte do cuidado total dispensado aos pacientes, e, imprescindível para formação de profissionais capacitados à prestação de bons cuidados de enfermagem. A educação sanitária na perspectiva da integração, deveria fazer parte de cada disciplina e seus aspectos seriam focalizados também na prática. Para tanto, a autora considerou a necessidade de um corpo docente capaz de reconhecer e usar todas as oportunidades de ensino que levam a desenvolver no estudante a habilidade de cuidar.

O segundo estudo, de 1972, da mesma autora, reforça o entendimento de que o ensino de conhecimentos e habilidades que visam preparar o estudante de enfermagem para atividades educativas é de capital importância para melhorar a qualidade da assistência de enfermagem. Conclui a autora que a metodologia de educação para a saúde e as técnicas da comunicação educativa são aspectos que não podem deixar de ser ensinados num curso de enfermagem, e, é importante ministrar esses conhecimentos logo no início do curso para que o aluno tenha oportunidade de colocá-los em prática.

Em outro estudo, de 2002, cujo objetivo era identificar através da visão do discente, maneiras de desenvolver ações de educação em saúde para o paciente hospitalizado, revelam as autoras que os alunos percebem a importância da educação para a saúde, e acreditam que o professor é fundamental para ajudá-los nesta função. Julgam as docentes que no processo de cuidar do paciente hospitalizado, as ações de educação em saúde deveriam estar presentes em todas as atividades discentes e docentes, e ainda, ser necessário rever e realizar uma análise crítica em relação às propostas das disciplinas que compõem o currículo da Instituição pesquisada.

O estudo mais recente, de 2006, realizado por mestrandas que se ocuparam em analisar os planos de ensino das disciplinas de um curso de enfermagem, evidenciou que na graduação, os alunos têm pouco ou nenhum contato com a reflexão teórica e a discussão sobre os modelos de educação em saúde, ainda que seja direcionada uma atenção grande aos aspectos técnico-científicos dos processos saúde-doença e às teorias de cuidado. Para as autoras, o estudo confirmou a idéia inicial de que o tema educação em saúde é tratado de forma incipiente, necessitando de revisão mais aprofundada dos conteúdos, e adequada reflexão no que tange ao papel da Universidade - no contexto das diretrizes curriculares, de contribuir para a formação voltada para o desenvolvimento social.

Retrocedendo ao final da década de 80, um estudo aponta ser função das Universidades fazer a integração das ações preventivas e curativas desde o início da formação acadêmica. Os alunos, sujeitos da pesquisa, atestaram a importância da realização da palestra a partir da disciplina de Fundamentos de Enfermagem, tornando-a parte da metodologia da disciplina, visando à formação educadora do aluno de enfermagem como agente na promoção da saúde da clientela.

Em contrapartida, um trabalho recente de 2005, que também envolveu graduandos, constatou que durante as atividades práticas nas unidades de saúde, as ações educativas desenvolvidas pelos acadêmicos possuíam uma abordagem metodológica estritamente tradicional, subordinada ao modelo biomédico, cuja técnica de escolha são as palestras pautadas nos fatores de risco e nas teorias de prevenção. Consideraram as autoras a necessidade de discussão acerca da metodologia a ser empregada no aprendizado teórico-prático dos acadêmicos numa atividade educativa, de forma a favorecer a formação de uma consciência crítica voltada à transformação da realidade social.

Os estudos convergem para o entendimento da função educativa como própria da prática profissional da enfermagem e indispensável para a formação de profissionais capacitados para a prestação do cuidado assistencial integral. O primeiro estudo argumenta sobre a importância do ensino da temática educativa como objeto teórico e prático de várias disciplinas, numa perspectiva, à época, de integração curricular. Também se observa uma preocupação com o preparo dos docentes para o ensino dessa temática, além da atenção à escolha de metodologias que possam superar a abordagem biomédica, preventiva, para favorecer a formação de uma consciência crítica dos profissionais, com vistas ao desenvolvimento social.

A categoria assistência

Os trabalhos relacionados a essa categoria constituem a maioria das produções deste século e mostram-se convergentes ao explicitar a prevalência do trabalho educativo dentre as ações de saúde. Discute o primeiro, de 2003, que o processo educativo é predominante na prática em saúde, tanto como instrumento de transformação individual como coletiva; para o segundo estudo, de 2005, a educação em saúde surge como um saber utilizado no trabalho diário dos enfermeiros da rede de serviços públicos de saúde do Município pesquisado.

Para as autoras do estudo que envolveu enfermeiras de Unidades Saúde da Família (UBASF) do município de Fortaleza, a intencionalidade das ações observadas explicitava um enfoque restrito, com pouca possibilidade de integrar aspectos de promoção da saúde, pois as ações predominantes eram de caráter individual - focadas na mudança de comportamento.

Tais considerações mostram semelhança às do estudo publicado em 2003, cujos sujeitos foram os profissionais da equipe saúde da família (ESF) da região sul do país, para os quais, de uma maneira geral, a prática das ações revelou um modo tradicional de perceber a educação em saúde, e a palestra é mencionada como atividade símbolo dessa atuação.

Para as autoras,a educação em saúde constitui um instrumento fundamental na construção histórica da assistência integral requerida pela reforma sanitária. As peculiaridades desse trabalho demandam compreensão, reflexão a respeito da nossa cultura imediatista e uma capacitação específica que não é inerente à nossa formação técnica em geral, aspecto este que deve ser repensado nos currículos da área.

A última pesquisa desta categoria, de 2004, que envolveu enfermeiros de uma comunidade rural do extremo sul do país revelou que apesar do empenho e determinação no sentido do preparo de enfermeiros para atuar com a educação, não tem havido uma formação adequada para a necessidade sentida.

Contatou-se afinidade entre os estudos classificados nas categorias ensino e assistencial, uma vez que no conjunto, ainda que a educação em saúde seja um saber utilizado no trabalho diário das enfermeiras, constata-se um preparo inadequado na graduação e uma prática educativa restrita a um enfoque mais tradicional relacionado aos "fatores de risco".

A produção científica

Os estudos selecionados nesta categoria visaram verificar, respectivamente, o espaço que o tema Educação em Enfermagem ocupou enquanto objeto de investigação no total das divulgações veiculadas pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn); o tipo de ensino realizado pelas enfermeiras na saúde coletiva; as temáticas sobre educação veiculadas pela Revista da ABEn - REBEn - e o interesse dos enfermeiros para o desenvolvimento das ações educativas enquanto estratégia de cuidado através do levantamento de dissertações e teses.

Dos anos 40 até a década de 80, a Educação em Enfermagem foi uma das áreas de investigação relevante na produção científica dos enfermeiros, representando cerca de 20% dos trabalhos apresentados nos Congressos Brasileiros. Para a revisão bibliográfica realizada entre 1972 e 1988, as atividades educativas realizadas na saúde coletiva, podem ser consideradas como educação não formal, isto é - ocorrem em outros espaços institucionais como os serviços de saúde.

Conforme levantamento realizado na REBEn,no período de 1990 a 2001, a Educação para a Saúde confirma ser uma das atividades mais utilizadas no dia-a-dia do enfermeiro, seja no âmbito da formação profissional, com 37,50% dos estudos voltados para o ensino de Graduação, seja no desenvolvimento de suas atividades profissionais, relativas à educação para o cuidado. Por fim, o levantamento de dissertações e teses publicadas entre 1979 e 1999, reiterou o interesse e a preocupação das enfermeiras com as questões da educação em saúde na produção do conhecimento.

Os artigos publicados pela REBEn, voltados para o ensino na Graduação, foram motivados pelo esforço da área de Enfermagem em atender às modificações curriculares na década de 90. Já os estudos que abordam a 'Educação para a Saúde', expressam, segundo os autores, o reconhecimento da função educativa como inerente à profissão, além de responderem à motivação exercida pela implementação da política pública de saúde, em consonância com os seus princípios e diretrizes.

A produção acadêmica stricto sensu

A primeira pesquisa desse grupo definiu como questão norteadora de que forma os enfermeiros vêm desenvolvendo o ensino de práticas educativas à saúde, nos cursos de graduação em enfermagem. A segunda buscou ouvir profissionais a respeito das suas percepções do ser-educador-enfermeiro. O terceiro estudo investigou, à luz das contribuições de Foucault, o discurso das enfermeiras sobre educação em saúde em artigos publicado pela REBEn. O quarto estudo discutiu as relações estabelecidas entre os sujeitos na relação educativa; o quinto buscou elaborar e implementar um marco conceitual e processo de enfermagem assistencial através da educação em saúde, enquanto o último estudo na particularidade de um ensaio teórico, preocupou-se em conhecer o objeto do processo de trabalho "educar".

A autora da primeira pesquisa, concluída em 1983, reconheceu haver consenso no discurso dos docentes entrevistados quanto à importância do ensino de práticas educativas em saúde, ainda que inexistissem projetos que apoiassem essa percepção na Instituição pesquisada. No estudo de 2000, os enfermeiros assistenciais investigados apesar de reconhecerem que a mera transmissão do conhecimento configurava-se como insuficiente e inapropriado para o objetivo de educar, reiteravam a velha forma no fazer diário. Ressaltou a pesquisadora, a necessidade de capacitação para desempenhar o papel de educador, o que a remeteu a repensar o ensino de graduação em enfermagem.

No estudo publicado a partir dos artigos da REBEn do período de 1978 a 1988, foi possível identificar nas falas das enfermeiras, estratégias que perpetuam o discurso dominante, fortalecendo atitudes autoritárias e descontextualizadas. Tais práticas guardam coerência com as relações estabelecidas entre os sujeitos da ação educativa, relações estas, que segundo a pesquisa de mestrado de 1992, reforçam a aprendizagem da dependência, que busca submeter os indivíduos num jogo de dominação.

Considerou outra pesquisadora em sua dissertação também de 1992, que a educação em saúde pode ser um dos instrumentos utilizados pelo profissional da área da saúde a contribuir para a construção de uma consciência crítica no sujeito individual e coletivo, elemento chave para a participação, co-responsabilidade e autodeterminação das comunidades. E finalmente, para uma terceira pesquisa de 1992, a finalidade do processo de trabalho educação em saúde é a práxis crítico-criativa, ou seja, aquela que ultrapassa o cotidiano e torna-o criador, espontâneo e reflexivo.

CONCLUSÃO

O conjunto dos estudos reitera a importância da temática educação em saúde na prática social da enfermagem, compreendendo o ensino, a pesquisa e a assistência. A prática profissional que se revelou impregnada de ações educativas dialogou de diferentes maneiras com o ensino, ora para apontá-lo como inadequado para as demandas educativas identificadas, ora para explicitar o entendimento quanto à necessária articulação entre a teoria e a prática, entre as ações preventivas e as curativas, em todos os momentos da formação acadêmica. Contudo, alguns estudos dessa amostra tanto da categoria ensino, quanto da assistência, reforçam a prática educativa restrita à abordagem biomédica, focada nos aspectos preventivos.

Estudos do campo do ensino e da pesquisa acadêmica explicitam não só a preocupação com a formação do educando para o adequado desempenho das práticas educativas, assim como ressaltam a formação do docente para assegurar a ambos a função educadora comprometida com o desenvolvimento social - a 'práxis crítico-criativa'. Na amostra, há estudos que apontam a educação em saúde como instrumento fundamental para a assistência integral e a função educativa como indissociável à prática de enfermagem. No entanto, se evidencia que a compreensão das peculiaridades do processo educativo exige uma capacitação específica que não é inerente à formação técnica do enfermeiro, enfatizando assim, a necessidade de se repensar o ensino de graduação em enfermagem, e neste caso em particular, de verificar como tal ensino vem respondendo ao cenário de mudanças.

Submissão: 10/08/2008

Aprovação: 15/12/2009

AUTOR CORRESPONDENTE: Cássia Baildini Soares. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419. Cerqueira César. São Paulo, SP. CEP 05403-000

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Fev 2010

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2008
  • Aceito
    15 Dez 2009
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