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Meu corpo dependente: representações sociais de pacientes diabéticos

My dependent body: social representations of diabetic patients

Mi cuerpo dependiente: representaciones sociales de pacientes diabéticos

Resumos

Este estudo tem como objetivos: caracterizar as representações sociais de clientes diabéticos sobre o seu corpo após a amputação e analisar a relação dessas representações para o cuidado de si. A pesquisa foi exploratório-qualitativa, com o emprego da Teoria das Representações Sociais e do método de estudo de caso. O cenário foi um hospital na cidade de Belém-Pará, participaram 20 sujeitos. As técnicas de coleta de dados foram: a livre associação de palavras e a observação livre. Após análise emergiram quatro categorias: O corpo saudável saúde expressão do viver bem, O corpo trabalho a perfeição e a beleza no cotidiano, O corpo amputado a limitação ocasionada pela amputação e O corpo amputado e sua relação para o cuidado de si. Torna-se evidente a preocupação em recuperar parte do bem-estar perdido.

Diabetes Mellitus; Amputação; Enfermagem


This study aims at identifying social representations of diabetic clients on your body after the amputation, and analyze the relationship of these representations to the care of themselves. The research was a qualitative, exploratory, with the use of the social representations theory and case study method. The scenario was a hospital in the city of Belém, Pará, 20 subjects participated. The data collection techniques were: a free association of words and watch free. After examining three categories emerged: the healthy body - term health of living well, the body work - the perfection and beauty in daily life, The body amputated - the limitation caused by amputation; and the amputated body and its relation to the care of themselves. It is clear concern to recover the lost welfare.

Diabetes Mellitus; Amputation; Nursing


Este estudio tiene como objetivo: identificar las representaciones sociales de los clientes diabéticos en su cuerpo después de la amputación, y analizar la relación de estas representaciones para el cuidado de sí mismos. La investigación fue un estudio cualitativo, exploratorio, con el uso de la teoría de las representaciones sociales y método de estudio de caso. El escenario fue un hospital en la ciudad de Belém, Pará, 20 sujetos participaron. La técnicas de recolección de datos fueron los siguientes: una asociación libre de palabras y ver gratis. Después de examinar surgido tres categorías: el cuerpo sano - plazo para la salud y de vida, el cuerpo de trabajo - la perfección y la belleza en la vida cotidiana, el cuerpo amputada - la limitación causada por la amputación, y el cuerpo amputado y su relación con el cuidado de sí mismos. Es evidente interés para recuperar la pérdida de bien estar.

Diabetes Mellitus; Amputación; Enfermería


PESQUISA

Meu corpo dependente: representações sociais de pacientes diabéticos

Mi cuerpo dependiente: representaciones sociales de pacientes diabéticos

My dependent body: social representations of diabetic patients

Sílvio Éder Dias da SilvaI, Maria Itayra PadilhaII, Ivaneide Leal Ataíde RodriguesI, Esleane Vilela VaconcelosIII, Lucialba Maria Silva dos SantosI, Ralrizônia Fernandes SouzaI, Vander Monteiro da ConceiçãoI

IUniversidade Federal do Pará. Departamento de Enfermagem. Belém, PA

IIUniversidade Federal de Santa Catarina. Departamento de Enfermagem. Grupo de Estudos da História do Conhecimento da Enfermagem. Florianópolis, SC

IIIHospital Ophir Loyola. Belém, PA

RESUMO

Este estudo tem como objetivos: caracterizar as representações sociais de clientes diabéticos sobre o seu corpo após a amputação e analisar a relação dessas representações para o cuidado de si. A pesquisa foi exploratório-qualitativa, com o emprego da Teoria das Representações Sociais e do método de estudo de caso. O cenário foi um hospital na cidade de Belém-Pará, participaram 20 sujeitos. As técnicas de coleta de dados foram: a livre associação de palavras e a observação livre. Após análise emergiram quatro categorias: O corpo saudável saúde expressão do viver bem, O corpo trabalho a perfeição e a beleza no cotidiano, O corpo amputado a limitação ocasionada pela amputação e O corpo amputado e sua relação para o cuidado de si. Torna-se evidente a preocupação em recuperar parte do bem-estar perdido.

Descritores: Diabetes Mellitus; Amputação; Enfermagem.

ABSTRACT

This study aims at identifying social representations of diabetic clients on your body after the amputation, and analyze the relationship of these representations to the care of themselves. The research was a qualitative, exploratory, with the use of the social representations theory and case study method. The scenario was a hospital in the city of Belém, Pará, 20 subjects participated. The data collection techniques were: a free association of words and watch free. After examining three categories emerged: the healthy body - term health of living well, the body work - the perfection and beauty in daily life, The body amputated - the limitation caused by amputation; and the amputated body and its relation to the care of themselves. It is clear concern to recover the lost welfare.

Key words: Diabetes Mellitus; Amputation; Nursing.

RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo: identificar las representaciones sociales de los clientes diabéticos en su cuerpo después de la amputación, y analizar la relación de estas representaciones para el cuidado de sí mismos. La investigación fue un estudio cualitativo, exploratorio, con el uso de la teoría de las representaciones sociales y método de estudio de caso. El escenario fue un hospital en la ciudad de Belém, Pará, 20 sujetos participaron. La técnicas de recolección de datos fueron los siguientes: una asociación libre de palabras y ver gratis. Después de examinar surgido tres categorías: el cuerpo sano - plazo para la salud y de vida, el cuerpo de trabajo - la perfección y la belleza en la vida cotidiana, el cuerpo amputada - la limitación causada por la amputación, y el cuerpo amputado y su relación con el cuidado de sí mismos. Es evidente interés para recuperar la pérdida de bien estar.

Descriptores: Diabetes Mellitus; Amputación; Enfermería.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta pesquisa tem como objeto de estudo as representações sociais de clientes diabéticos sobre o seu corpo após cirurgias de amputação e suas implicações para o cuidado de si. O interesse pelo tema emergiu durante aulas práticas realizadas no Hospital Universitário da Universidade Federal do Pará (UFPA). Neste momento tivemos a oportunidade de ter contato com os mais variados tipos de patologias, dentre estas o Diabetes Mellitus. A referida doença é responsável por várias complicações orgânicas aos seus portadores, a que nos chamou a atenção foi o pé diabético, fator responsável pelas amputações nos pacientes. Ao serem realizados os cuidados de enfermagem a pacientes em pós-operatório tardio de cirurgia de amputação, percebeu-se que os mesmos se mostravam emocionalmente abalados, visivelmente tristes e com grandes dúvidas a respeito de como seria a sua vida a partir do momento em que seu corpo estava alterado, gerando um sentimento de tristeza e desesperança.

A amputação é uma cirurgia ortopédica de caráter reconstrutor, pois tem a finalidade de melhorar a qualidade de vida do paciente, sendo indicada para eliminar sintomas e facilitar o aprimoramento da função(1). Ressalte-se que este procedimento cirúrgico é adequado para atender pacientes vítimas de traumatismo, doença vascular, complicações da diabetes, infecções e neoplasias, e este é o objetivo médico, reduzir a morbidade e trazer de volta o bom funcionamento do organismo antes afetado em decorrência de tais complicações(2).

Evidencia-se que as amputações são cirurgias que tem como prioridade tratar a causa que compromete a vida do paciente. Porém, empiricamente, para os mesmos, estas são percebidas como mutiladoras e modificadoras do seu cotidiano. Destaca-se que a parte extirpada do corpo de uma pessoa altera sua percepção de si, ou seja, sua auto-imagem e por seguinte sua auto-estima. Pois este passa a se representar como portador de um corpo modificado, alterado mutilado(3).

O termo amputação possui vários significados dentre os quais: "mutilação, cortar parte do corpo; destruir parcialmente; desfigurar-se; deformar-se; decepar algum membro ou parte do próprio corpo"(4). A partir do exposto ressalta-se a necessidade do emprego da referida terminologia no objeto deste estudo, pois para as pesquisas que empregam a Teoria das Representações Sociais, torna-se necessário o uso do termo adequado para captação dos seus significados pelo pesquisador durante o estudo.

O tratamento radical para as complicações do pé diabético, é a amputação, cujas seqüelas incluiriam alterações dos hábitos de vida, e principalmente da imagem corporal, o que implica, entre outras coisas, em estigmas sociais. A sociedade capitalista em que vivemos compreende o corpo perfeito como uma máquina fundamental para geração do lucro, esta concepção preconizada pelo modelo cartesiano, contribuindo para que o indivíduo detentor de um corpo amputado perceba-se como um ser inútil, pois não possui mais o corpo idealizado pelo mundo globalizado(3).

Considerando esse contexto percebeu-se a necessidade de um estudo que evidencie o conhecimento consensual de portadores de amputação sobre o seu corpo alterado. Pensamos que desvelar essas representações sociais irá possibilitar aos enfermeiros, e demais profissionais da saúde, um conhecimento sobre o universo psicossocial que envolve o ser humano que é submetido a amputação. E a partir desse estudo prestar um cuidado de enfermagem mais humanizado, pois estes irão considerar o individuo como um todo, e não apenas um corpo mutilado. Desta forma, favorecendo tanto a aceitação como potencializando a recuperação em seu tratamento hospitalar.

OBJETIVOS

Caracterizar as representações sociais de clientes diabéticos sobre o seu corpo após a amputação; e Analisar a relação dessas representações sociais para o cuidado de si.

METODOLOGIA

Tratou-se de pesquisa de abordagem qualitativa com o emprego do método de estudo de caso. O suporte teórico foi o da Teoria das Representações Sociais, que é definida como o conhecimento que os indivíduos possuem sobre determinado assunto e partindo deste constroem suas práticas cotidianas, dividindo-as com o grupo a que eles pertencem(5).

As representações sociais procuram entender a relação indivíduo-sociedade, como esses sujeitos sociais constroem seu conhecimento a partir de sua "inscrição" sócio-cultural e como a sociedade se dá a conhecer e construir esse conhecimento com os indivíduos, ou seja, como interagem sujeitos e sociedade para construir a realidade(6).

As representações sociais são percebidas como entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através da fala, um gesto, um encontro em nosso universo cotidiano. Os comportamento sociais, conhecimentos e também a comunicação sofrem intervenções destas representações(7). Portanto, as representações sociais são constituídas de idéias, imagens, concepções e visões de mundo que os grupos sociais possuem sobre a realidade, podendo se manifestar em condutas chegando a ser inclusive institucionalizada(5).

O estudo foi desenvolvido em um hospital Universitário no município de Belém do Pará, onde é realizada um grande número de cirurgias de amputação, este hospital predomina na quantidade de cirurgias desta natureza sobre os demais hospitais da cidade de Belém, e mostra um elevado índice de amputações em decorrência de complicações do diabetes.

O estudo constou de uma população de 20 indivíduos. Os critérios de inclusão foram: ser diabético, ter sido submetido à amputação de parte do corpo; ter pelo menos três meses de pós-operatório, pois dessa forma integraram o estudo pacientes que se encontram relativamente ou totalmente familiarizados com esta nova realidade. Como critério de exclusão ficou estabelecido à recusa verbal do sujeito em fazer parte da pesquisa.

Quanto ao aspecto ético, o projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), sob o protocolo nº 2120/08 tendo sido aprovado na reunião do referido Comitê de 11/09/2008, por estar de acordo com a Resolução 196/96 e suas complementadores do Conselho Nacional de Saúde / Ministério da Saúde do Brasil. Para preservar o anonimato das depoentes, empregamos o sistema alfanumérico para identificação dos seus relatos.

A coleta de dados foi composta por três técnicas, sendo a primeira a livre associação de palavras, seguida pela elaboração dos mapas cognitivos e a observação livre, que ocorre durante as duas fases anteriores. Esta seqüência será empregada para evitar que as demais fases influenciem a espontaneidade das informações captadas.

A livre associação de palavras consiste em fornecer estímulos, que podem ser de origem verbal (quando usa palavras, expressões, idéias, frases ou provérbios) ou não-verbal (emprega figuras ou fotografias). Este, ainda inclui como sendo estímulo, material de vídeo e material sonoro(8). Após o estímulo deixa-se o sujeito falar livremente sobre tais estímulos de forma espontânea e menos controlada, associando suas idéias às palavras que lhe foram dadas. Esta técnica permite captar as representações sociais de formas espontânea, livres de contaminação por parte do pesquisador, ou seja, a emergência de representações sociais(8).

Optou-se pela aplicação da técnica de análise de conteúdo temático, pois favorece desvendar os núcleos de significados que articulam um diálogo cuja apresentação seja ressaltante ao objetivo analítico apontado. Ou seja, a técnica conta a freqüência com que os relatos de uma entrevista se repetem de acordo com o que se queira explorar no estudo(9). Esta modalidade favorece a captação dos núcleos de significados que compõem uma comunicação, tornando-se evidentes por sua freqüência aumentada, que favorece a emergência de sentidos relevantes para contextualização da realidade estudada(10).

No primeiro momento realizou-se a pré-analise que consiste na organização do material coletado, para posterior aplicação da leitura flutuante. Nesta etapa retomam-se os objetivos iniciais reformulando-os ou operacionalizando-os diante do material coletado(10). Após esta etapa, ocorreu a exploração do material e o tratamento dos resultados, onde os dados brutos foram transformados. Assim os dados são codificados com o objetivo de alcançar núcleos para compreensão do texto(10). A partir destas etapas foram estabelecidas as seguintes unidades temáticas: O corpo saudável saúde expressão do viver bem, O corpo trabalho a perfeição e a beleza no cotidiano, O corpo amputado a limitação ocasionada pela amputação e O corpo amputado e sua relação para o cuidado de si.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O corpo saudável saúde expressão de viver bem

Nesta categoria observou-se que os depoentes, vincularam suas cognições sociais sobre o corpo à saúde, relacionando diretamente o corpo completo, integro com o ato de estar saudável para se viver bem, como se pode verificar na caracterização impressa e em alguns relatos transcritos abaixo:

[...] se você tem um corpo saudável, prática exercícios e vive melhor. (D10)

[...] Todo mundo gosta de viver bem e pra viver bem precisa ter um corpo saudável. (D7)

A associação do corpo saudável com o viver bem abrange das mais simples às mais complexas ações. Os sujeitos atrelam a saúde a práticas cotidianas e as suas vivências evidenciando o seu conhecimento empírico acerca do corpo. Este conhecimento é dividido com o grupo aos quais estes indivíduos pertencem. Cada sociedade ou grupo social detém formas específicas de construir e lidar com o conhecimento sobre o corpo, não deixando o saber biomédico de contribuir ao longo do tempo na difusão deste(5).

A teoria das Representações Sociais revela dois tipos de pensamentos: o reificado e o consensual. O primeiro pertence ao saber científico, enquanto que o segundo é encontrado no saber do senso comum, esses saberes não tem superioridade entre si, visto que se completam e se valorizam dependendo da situação com a qual servem(11).

No universo social dos depoentes a saúde é concebida como ter liberdade, independência, capacidade de desenvolver atividades cotidianas bem como estar disposto a realizá-las. O individuo capaz de realizar suas atividades diárias, torna-se independente contribuindo desse modo para sua auto-realização(12).

[...] O corpo com saúde, estando bem, deixa independente para fazer o que quiser [...] (D11)

As crenças sobre a saúde representam idéias e convicções de um grupo social que podem estar baseadas em informações factuais, bem como no senso comum ou mitos e ainda relacionados a expectativa de vida, podendo influenciar no comportamento de saúde de maneira positiva ou negativa(13). Os sujeitos ao se reportarem aos seus corpos no sentido da saúde como liberdade e independência evidenciaram a importância de um corpo saudável para sua autonomia, poder escolher aonde se deseja ir, fazendo-se presente no meio social.

Percebeu-se que a saúde é responsável pelo bem-estar e felicidade, segundo os depoentes, proporcionando aos seus corpos certo conforto e alegria em viver bem. Estes atribuem à saúde toda a sua qualidade de vida.

[...] Saúde está acima de tudo, ninguém faz nada se não tiver saúde. Saúde traz felicidade pro corpo da gente [...] (D1)

O bem-estar é muito mais que ausência de sensação dolorosa, é composto de completa harmonia entre o corpo e a mente, o bem viver visto plenamente, pois este ultrapassa os aspectos físicos relacionando-se intimamente com o emocional do ser(14). Cabe ressaltar-se que a felicidade, como aspecto afetivo de uma representação social, busca o coletivo compreendendo uma busca incessante pela plenitude. A qualidade de vida torna-se essencial para o ser em sua existência humana(15).

Depreendeu-se que a saúde tem significativa importância na vida e nos hábitos dos sujeitos estudados, suas representações acerca do corpo partem da premisse de saúde, bem-estar, viver bem para se ter um corpo saudável. Todas essas atribuições são vivenciadas e compartilhadas diariamente entre os indivíduos, onde há uma inter-relação sujeito-sociedade, gerando conhecimentos e valores arraigados na formação de cada pessoa(7).

O corpo trabalho a perfeição e a beleza no cotidiano

O homem não está imerso num vazio, mas antes, inserido no contexto determinado não apenas no caráter biológico. Este entende seu corpo como um signo relevante configurando-se no contexto sócio-cultural, logo participa intimamente na formação de seus conceitos, ou seja, suas representações(12).

A estrutura biológica promove ao corpo a capacidade dos sentidos e do pensamento, a cultura organiza, norteia, sobressai, oculta e modifica características que detêm fundamentação biológica, concebendo identidade a tais sentidos e pensamentos, "gerando" um novo corpo. A construção sócio-cultural do corpo é que proporciona a sua adaptação ao meio no qual vive(12). O corpo é uma categoria passível de análise cultural pelos diversificados usos que as sociedades fazem dos corpos dos indivíduos(16).

O conceito de homem útil passou a ser consolidado a partir dos novos valores de trabalho, do rendimento e do progresso, que na sociedade recém-construída resulta em produção capitalista. O homem é tão mais útil quanto melhor for sua força de trabalho e consequentemente maior for a sua produção. Neste sentido a educação do corpo reflete hábitos e condutas que se aproximam do ideal capitalista(17). Durante o processo de coleta dos dados pode-se observar a ancoragem das representações sociais dos clientes acerca do corpo, relacionando-os ao trabalho:

[...] Eu uso o corpo pra trabalhar, sou vendedor, sempre trabalhei desde cedo, por que eu era forte e tinha muita saúde [...] (D2)

A concepção das representações sociais como forma de conhecimento, nos leva a esfera cognitiva, e os fenômenos sociais remete entende-las partindo do contexto de produção, ou seja, este conhecimento está "mergulhado" em um contexto social que circula e se transforma(17). Os processos constitutivos das representações sociais procuram explicitar as determinações sociais das representações decorrentes da posição ocupada pelos diferentes atores sociais, para que o indivíduo possa dar sentido a sua experiência social(18).

Na estrutura social imposta pelo capital, o processo de dominação exploratória da força de trabalho está fortemente consolidado. Ao longo desse processo o homem visado como força de trabalho cede ao capitalismo o uso de seu corpo(17). Essa representação social do corpo como fonte de trabalho indica o processo de expropriação da força de trabalho humana como um forte aliado na política de dominação.

Quanto maior a intensidade de utilização do corpo, mais a representação mecanicista deste se exprime na idéia de força. O corpo forte aproxima-se da idéia de um "corpo-máquina", mesmo não aplicando de forma direta o intelecto na atividade laborativa, a força muscular é investida no rendimento do trabalho. Um corpo forte, jovem e sadio é apto para produção capitalista, pois é o ideário dessa representação. O corpo economicamente rentável e sendo útil é o que reflete tal modelo, logo a saúde é um bem imprescindível ao trabalho(17).

Observou-se na pesquisa que a maioria das pessoas são trabalhadores autônomos. O conceito de trabalhador autônomo é a pessoa física que presta serviços habitualmente por conta própria a uma ou a mais pessoas, assumindo os riscos da sua atividade; não é subordinado, não tem patrão, não tem horário de trabalho fixo, portanto, não tem direito a verbas trabalhistas (décimo terceiro, férias, uma folga paga), apenas a direitos previdenciários(4). Portanto, a amputação do membro afetará o trabalho desenvolvido por essas pessoas, logo acarretará danos na fonte de renda própria e ou familiar, modificando conceitos socio-culturais desse grupo a partir de seus corpos alterados.

Dentre as veiculações dos indivíduos deste estudo, emergiu também a perfeição cognitada ao corpo, visto que um corpo perfeito é bem visto pela sociedade. A perfeição é tida pelos participantes da pesquisa como ser completo, com todos os membros e as partes que os compõem, assim como belo e forte.

[...] Perfeito porque ele é inteiro, não tem nenhum pedaço faltando. Ele tem tudo pra funcionra bem. Um corpo perfeito faz tudo, é forte e bonito [...] (D8)

Perfeição derivada do latim perfectione, caracteriza um ser ou objeto que reúne todas as qualidades e não tem nenhum defeito. Designa uma circunstância que não possa ser melhorada ainda mais, ou seja, perfeito é algo completo, um manancial de ações potenciais. Por outro lado, a perfeição é uma condição que não é alcançada, mas deve ser necessariamente almejada(20).

Imagens do corpo circulam nos meios de comunicação em massa, ditam como ser, como representar sobre nós mesmos. Tais aspectos culturais acerca do corpo perfeito tiveram sua origem na Grécia Antiga, sendo tradição de longa data tomar as esculturas gregas como ideal de corpo, principalmente masculino(21).

A beleza também foi ressaltada nas representações do corpo dentre os depoentes, evidenciando um corpo normal e sadio. A imagem corporal sofre influencia do aspecto sócio-cultural. Portanto o sentido de beleza corporal está vinculada a padrões elevados e aqueles que possuem algum tipo de "deficiência" são considerados fora desse padrão e por isso muitas vezes inúteis. Um corpo belo é admirado, almejado, enquanto que um corpo que possui limitações e desprezado pela sociedade e até mesmo para quem o possui(22).

[...] O corpo normal tem beleza natural, porque é um corpo sadio, dá gosto de se ver, é bonito né [...] (D9)

A beleza pode ser compreendida como estruturas constituidas de perfeições harmônicas, que ocasionam admiração(4). A beleza é um conceito social, e frequentemente é resultado da intersecção de diversos fatores bilógicos, sociais, climáticos, ambientais e histórico(22). Assim os sujeitos relacionaram seus corpos, antes da cirurgia de amputação ao trabalho, perfeição e beleza, evidenciando o enquadramento desses conceitos nos padrões da sociedade na qual esses sujeitos pertencem, pois um corpo capaz de produzir renda por meio da força laboral é útil para o consumismo desse meio social, o corpo perfeito e belo (inteiro/completo e com formas bem definidas) produz uma imagem agradável e bem aceita.

O corpo amputado a limitação ocasionada pela amputação

Marcado pela falta de um membro ou parte dele, as pessoas submetidas à amputação trazem consigo sinais que as identificam como sendo diferentes, freqüentemente sendo vistas como imperfeitos e incapazes. A amputação causa uma mudança permanente na aparência e auto-imagem do indivíduo. Quando a "deficiência" do corpo é decorrente de alguma patologia o impacto causado pela intervenção cirúrgica (amputação) no paciente é significativo, pois este enfrenta dificuldades em virtude de alterações da imagem corporal as quais provocam mudanças psicológicas, sociais, afetivas e econômicas.

Para os sujeitos pesquisados a amputação é percebida como mutilação, o corpo passa a ser denominado mutilado, aos pedaços. Essa representação foi mencionada por cinco (25%) depoentes

[...] Meu corpo está mutilado, eu me sinto triste, é muito ruim ver meu corpo assim [...] (D19)

A mutilação é o ato de extirpar algum membro ou parte(s) do corpo de forma abrupta(4). Enquanto que amputação é a perda de um membro, ou parte dele, caracterizado pela perda ou comprometimento do osso, do feixe neurovascular, do tecido muscular, das funções do membro e das sensações distais, refletindo sobre a imagem corporal e o desempenho funcional(22). Logo a amputação reflete de maneira negativa na auto-imagem desse grupo social, levando a um processo "doloroso" de readaptação na sociedade.

O processo de construção do conhecimento do sujeito, essencialmente passa pelo corpo, uma vez que nossa existência é corporal. A subjetividade é construída no corpo pelos seus prazeres e sofrimentos, suas qualidades e eficiências, seus defeitos, do que ele foi, está deixando de ser e de como se gostaria que fosse(13). A amputação gera sentimentos de tristeza, vergonha de si mesmo, culpa por estar com o corpo alterado, o desejar algo perdido, faz com que este grupo social se sintam segregados do meio em que vivem, por já não serem detentores de um corpo perfeito, iguais aos outros membros dessa sociedade.

Outro aspecto que os sujeitos vincularam aos seus corpos após terem passado por cirurgias de amputação foi à limitação pela qual sofrem por já não serem detentores de um corpo "completo", por isso muitos são dependentes de outras pessoas e até mesmo de artefatos para sua locomoção.

[...] Hoje sou dependente de amigos e familiares para andar, sair, fazer minhas coisas e ainda tenho outras complicações [...] (D11)

A imagem que o indivíduo amputado passa a ter de si é de uma pessoa "deficiente", incapaz, muitas vezes se tornando um incômodo para a família e as pessoas próximas a ele. Depender de alguém até para a mais simples das atividades gera um sentimento de inutilidade, tristeza e até mesmo rejeição do próprio corpo.

A doença foi outro ponto ressaltado dentre os depoentes, pois estes ao verem seus corpos hoje mencionaram esta como causa da amputação sofrida. Para muitos a doença é vista como a ausência da saúde, agora perdida. O corpo doente foi mencionado por sete (35%) depoentes:

[...] De um tempo pra cá não tive mais saúde, é só no hospital e em casa, quase não consigo sair pra outro lugar, às vezes sinto muita dor [...] (D20)

As representações sociais dos depoentes em relação ao corpo amputado vinculando este à doença demonstram certa angústia e isolamento social, pois estes indivíduos perderam sua qualidade de vida juntamente com a saúde. As representações de saúde e doença sempre estiveram vinculadas pela inter-relação entre os corpos humanos e as coisas que os cercam. Sentimentos de culpa, medos e superstições estão indissoluvelmente ligados às expressões de doenças, às epidemias, à dor, ao sofrimento, ao desgaste físico e mental e a visão de deteriorização dos corpos(23).

A doença pertence não só a história superficial dos progressos científicos e tecnologias como também a história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às instituições, às representações, e às mentalidades(23).

A condição do ser humano é corporal, pois é seu corpo que o individualiza estabelecendo a fronteira da sua identidade pessoal. O ser humano não existe senão por meio de suas formas corporais que o inserem no mundo, toda modificação de sua forma faz com que outra definição de sua humanidade seja construída. Subtrair uma parte desse homem, como no caso de uma amputação, afeta simbolicamente o vínculo social desse indivíduo(13).

O corpo amputado e sua relação para o cuidado de si

O cuidar é a essência da humanidade, pois se faz presente desde seus primórdios, inicialmente identificados na atitude da mãe em cuidar de seus filhos e de outras pessoas dependentes (idosos, feridos, doentes). A proteção materna foi a primeira manifestação do ser humano no cuidado ao seu semelhante, fato retratado na época do nomadismo (período em os homens realizavam mudança territorial, como medida de sobrevivência) onde as crianças eram sacrificadas por dificultar a migração das tribos, porém muitas dessas crianças eram protegidas por suas mães(24).

Observa-se que a amputação ocasionou mudanças na imagem corporal. O cuidar de si negligenciado antes da cirurgia, tornou-se mais presente e primordial na vida desses indivíduos:

[...] Eu mesmo acabei com o meu corpo, não ligava pro que eu tenho, comia tudo o que me dava vontade, andava descalço. Hoje você vê no que deu. Agora, depois de tudo que aconteceu comigo, estou mais cuidadoso. (D8)

A limitação funcional e a restrição de práticas diárias por uma deficiência ou por doenças crônicos degenerativas não devem ser obstáculos para a realização do cuidado de si em sua totalidade. No entanto, bem mais do que antes os indivíduos necessitam cuidar de si, valorizar o seu corpo, pois a falta desse cuidado certamente levará há mais amputações e drásticas conseqüências para o mesmo. Logo o cuidar de si passa a ser visto como fundamental para os indivíduos quando estes estão doentes, limitados e por isso tornam-se dependentes. Pois quando estão saudáveis ou relativamente bem não se importam com seus corpos, deixando de lado o constante ato do cuidar de si. Este ato se dá por meio de simples ações que promovam a saúde e o bem-estar.

O ato de planejar o cuidado de si não deve ser entendido somente levando-se em conta as prescrições médicas, pois o saber científico não é o único responsável pela transmissão de como as pessoas devem se cuidar. A própria subjetividade do indivíduo se imprime no cuidado de si, logo o sujeito decide a respeito desse cuidado precisando conhecer e saber o que se passa com ele(25).

Neste contexto ficou claro que as representações sociais que fazem de seu corpo levou os sujeitos a perceberem a necessidade de conservarem a saúde de seus corpos, passando o cuidado de si a fazer parte da vida desses indivíduos, pois estes perceberam a importância de suas ações frente a medidas preventivas e mantenedoras de um corpo saudável tão almejado no meio social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa tratou por conhecer as representações sociais de clientes diabéticos sobre o seu corpo após cirurgias de amputação e suas implicações para o cuidado de si. Percebeu-se a necessidade de entender como essas representações são formuladas pelos sujeitos, buscando caracterizá-las. Os conceitos da Teoria das Representações Sociais foram empregados neste estudo para que atuassem na facilitação da construção da realidade social e no contexto psicossocial que o objeto de estudo está inserido por meio do sujeito.

A representação que os sujeitos possuem de seus corpos agora é de incapazes, inúteis, pois já não são produtivos como antes, não podendo ser encaixados no universo social imaginado por eles. Estes indivíduos se tornaram dependentes de familiares, amigos e pessoas próximas a eles, assim como também de objetos (muletas, cadeira de rodas) para sua locomoção. Esta dependência gerou nos depoentes: tristeza, angústia e sofrimento, por já não poderem desenvolver suas atividades diárias, por não terem lazer do modo como desejam. O corpo amputado produz uma auto-imagem negativa, uma rejeição do corpo que já não pode trabalhar para ter o seu próprio sustento e também de suas famílias, pois muitos dos sujeitos entrevistados dependem somente de renda própria.

No cuidado de si percebeu-se que os indivíduos ao estarem saudáveis não se importam com seu corpo, pois tudo funciona perfeitamente. Porém depois de passarem pela doença e as complicações dessa começaram a valorizar o ato de cuidar de si. Torna-se evidente nos depoimentos a preocupação, com a saúde, em recuperar parte do bem-estar perdido ou pelo menos manter o corpo como está para não sofrerem com mais amputações e declínio da auto-imagem.

Submissão: 15/06/2009

Aprovação: 25/04/2010

AUTOR CORRESPONDENTE Sílvio Éder Dias da Silva. Universidade Federal do Pará. Praça Camilo Salgado, No. 1 Bairro Umarizal. CEP 66050-060. Belém, PA. E-mail: silvioeder2003@yahoo.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2009
  • Aceito
    25 Abr 2010
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