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Caracterização das internações psiquiátricas para desintoxicação de adolescentes dependentes químicos

Characterization of psychiatric admissions for detoxification of drug addicted adolescents

Caracterización de las admisiones psiquiátricas para desintoxicación de adolescentes adictos a las drogas

Resumos

O objetivo desta pesquisa foi caracterizar as internações de adolescentes hospitalizados para desintoxicação em um hospital público do Oeste do Paraná e correlacionar as variáveis sócio-demográficas com o uso de drogas ilícitas. Trata-se de um estudo retrospectivo a partir de consultas em 81 protocolos de admissão dos adolescentes dependentes químicos internados no período de março de 2007 a abril de 2008. A maioria das internações foi de adolescentes do sexo masculino (79%). As drogas consumidas com maior frequência foram o crack (87,6%) e a maconha (85,2%), sendo que, 79% dos adolescentes usam tais drogas de forma concomitante. Identificaram-se fatores que levam ao consumo abusivo de drogas, como o acesso fácil, abandono escolar, o uso de drogas na família e a falta de motivação para o tratamento.

Adolescente; Saúde mental; Drogas ilícitas; Hospitalização


The purpose of this research was to characterize the profile of adolescents hospitalized for detoxification in a public hospital in the West of Paraná and correlate the socio-demographic variables with the use of street drugs. It is a retrospective study from the consultations in 81 protocols of admission of addicted adolescents hospitalized from March 2007 to April 2008. The largest admission was of male adolescents (79%).The most frequently used drugs by were crack (87.6%), followed by marijuana (85.2%), from these, 79% of these adolescents use these two drugs concomitantly. Most adolescents (55.6%) reported using drugs for more than three years, and 56.8% had already received some type of treatment before admission. Factors that lead to abusive consumption of drugs, such as easy access, leaving school, the use of drugs in the family and lack of motivation for treatment were identified.

Adolescent; Mental health; Street drugs; Hospitalization


El objetivo de esta investigación fue caracterizar las internaciones de adolescentes hospitalizados para desintoxicación en un hospital público del Oeste de Paraná y correlaceonar las variables sociodemográficas con el uso de drogas ilícitas. Se trata de un estudio retrospectivo apartir de consultas en 81 protocolos de admisión de los adolescentes internados en el periodo de marzo de 2007 hasta abril de 2008. La mayoría de las internaciones fue de adolescentes del sexo masculino (79%). Las drogas consumidas con más frecuencia fueron el crack (87,6%) y la marihuana (85,2%), siendo que, 79% de los adolescentes usan tales drogas de forma armônica. Se identificaron fatores que llevan al consumo abusivo de las drogas, como el acceso fácil, abandono escolar, el uso de drogas en la família y la falta de motivaciones para el tratamento.

Adolescente; Salud mental; Drogas ilícitas; Hospitalización


PESQUISA

Caracterização das internações psiquiátricas para desintoxicação de adolescentes dependentes químicos

Characterization of psychiatric admissions for detoxification of drug addicted adolescents

Caracterización de las admisiones psiquiátricas para desintoxicación de adolescentes adictos a las drogas

Mônica Augusta Mombelli; Sônia Silva Marcon; Jaquilene Barreto Costa

Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Enfermagem.Núcleo de Estudo, Pesquisa, Assistência e Apoio à Família. Maringá. PR

Autor correspondente Autor correspondente Sônia Maria Marcon Rua Jailton Saraiva, 526 . Jardim América CEP 87045-300. Maringá, PR E-mail: soniasilva.marcon@gmail.com

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi caracterizar as internações de adolescentes hospitalizados para desintoxicação em um hospital público do Oeste do Paraná e correlacionar as variáveis sócio-demográficas com o uso de drogas ilícitas. Trata-se de um estudo retrospectivo a partir de consultas em 81 protocolos de admissão dos adolescentes dependentes químicos internados no período de março de 2007 a abril de 2008. A maioria das internações foi de adolescentes do sexo masculino (79%). As drogas consumidas com maior frequência foram o crack (87,6%) e a maconha (85,2%), sendo que, 79% dos adolescentes usam tais drogas de forma concomitante. Identificaram-se fatores que levam ao consumo abusivo de drogas, como o acesso fácil, abandono escolar, o uso de drogas na família e a falta de motivação para o tratamento.

Descritores: Adolescente; Saúde mental; Drogas ilícitas; Hospitalização.

ABSTRACT

The purpose of this research was to characterize the profile of adolescents hospitalized for detoxification in a public hospital in the West of Paraná and correlate the socio-demographic variables with the use of street drugs. It is a retrospective study from the consultations in 81 protocols of admission of addicted adolescents hospitalized from March 2007 to April 2008. The largest admission was of male adolescents (79%).The most frequently used drugs by were crack (87.6%), followed by marijuana (85.2%), from these, 79% of these adolescents use these two drugs concomitantly. Most adolescents (55.6%) reported using drugs for more than three years, and 56.8% had already received some type of treatment before admission. Factors that lead to abusive consumption of drugs, such as easy access, leaving school, the use of drugs in the family and lack of motivation for treatment were identified.

Key words: Adolescent; Mental health; Street drugs; Hospitalization.

RESUMEN

El objetivo de esta investigación fue caracterizar las internaciones de adolescentes hospitalizados para desintoxicación en un hospital público del Oeste de Paraná y correlaceonar las variables sociodemográficas con el uso de drogas ilícitas. Se trata de un estudio retrospectivo apartir de consultas en 81 protocolos de admisión de los adolescentes internados en el periodo de marzo de 2007 hasta abril de 2008. La mayoría de las internaciones fue de adolescentes del sexo masculino (79%). Las drogas consumidas con más frecuencia fueron el crack (87,6%) y la marihuana (85,2%), siendo que, 79% de los adolescentes usan tales drogas de forma armônica. Se identificaron fatores que llevan al consumo abusivo de las drogas, como el acceso fácil, abandono escolar, el uso de drogas en la família y la falta de motivaciones para el tratamento.

Descriptores: Adolescente; Salud mental; Drogas ilícitas; Hospitalización.

INTRODUÇÃO

O uso abusivo de substâncias psicoativas é, atualmente, um dos mais significativos problemas de saúde pública mundial, tendo em vista a magnitude e a diversidade de aspectos envolvidos(1).

Os fatores de risco para o uso de drogas incluem aspectos culturais, interpessoais, psicológicos e biológicos. Entre eles, a disponibilidade das substâncias, as privações econômicas extremas; o uso de drogas ou atitudes positivas frente às drogas pela família, conflitos familiares graves; baixo aproveitamento escolar, atitude favorável em relação ao uso, início precoce do uso; susceptibilidade herdada ao uso e vulnerabilidade ao efeito de drogas(2).

O início do envolvimento com drogas ocorre principalmente na população de adolescentes e adultos jovens(3-4). Os levantamentos epidemiológicos sobre o consumo de álcool e outras drogas entre os jovens no mundo e no Brasil mostram que é na passagem da infância para a adolescência que se inicia a experimentação e uso abusivo das drogas, tanto as lícitas quanto as drogas de abuso(5).

O termo droga de abuso é atribuído quando a substância ou produto é utilizado pelo sujeito com o objetivo claro de obter deste um efeito psicoativo/recreativo, sem qualquer indicação terapêutica ou orientação médica(1).

Segundo dados do Conselho Regional de Medicina-SP, as drogas ilícitas são usadas por 4,2% da população mundial, sendo que no Brasil estão inclusas as anfetaminas, opiáceos, cocaína, maconha e solventes(6).

No Brasil até o início da década de 1980, os estudos epidemio-lógicos não encontravam taxas de consumo alarmantes entre estudantes. No entanto, levantamentos realizados a partir de 1987 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre as Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (CEBRID) têm documentado uma tendência ao crescimento do consumo nesta população. Esses levantamentos foram realizados entre estudantes de primeiro e segundo grau em dez capitais brasileiras, em amostras de adoles-centes internados e entre meninos de rua. Em 1997, o CEBRID já mostrava uma tendência ao aumento do consumo dos inalantes, da maconha, da cocaína e de crack em determinadas capitais(7).

Uma das abordagens freqüentemente defendida pelos estudiosos e especialistas sobre a questão das drogas, é a da prevenção, a qual tem por objetivo prevenir os problemas associados ao uso das drogas que causam dependência, diminuir a incidência e gravidade evitando seu uso indevido, ou ainda, reduzir tanto quanto possível seu índice(8).

Na prática assistencial a atenção aos pacientes usuários de drogas deve ser permeada pela compreensão de que estas pessoas adoeceram e requerem ajuda, não são portadoras de defeito moral e não devem ser rejeitadas ou punidas, nem ao menos julgadas principalmente pelos profissionais de saúde(9).

Neste contexto, as pesquisas sobre o consumo de substâncias psicoativas têm contemplado suas multicausalidades e isto é fundamental para a elaboração de ações preventivas e efetivas no combate ao uso das drogas de abuso, o que poderá refletir no perfil dos indivíduos internados e no número de internações por esta causa.

Diante do exposto definimos como objetivo da presente pesquisa traçar o perfil de adolescentes dependentes químicos para tratamento de desintoxicação na Unidade de Psiquiatria do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP) e correlacionar às variáveis sócio-demográficas com o uso de drogas ilícitas. Acreditamos que conhecer esta associação constitui ferramenta eficaz não só para o entendimento desse fenômeno, mas, sobretudo para propor uma intervenção mais efetiva no que se refere à recuperação e reabilitação do adolescente.

MÉTODOS

Estudo transversal retrospectivo realizado na Unidade de Psiquiatria de um hospital geral, localizado na cidade de Cascavel. Este hospital é referência em alta complexidade e atendimento de urgência e emergência para região Oeste e Sudoeste do Paraná.

A Unidade de Psiquiatria foi criada em março de 2007 e atende crianças e adolescentes dependentes químicos para tratamento de desintoxicação; tem 17 leitos, dos quais sete são destinados para adolescentes do sexo masculino, sete para o sexo feminino e três para crianças. A equipe que atua nesta Unidade é composta por um enfermeiro e três técnicos de enfermagem em cada turno, um psiquiatra, um assistente social e um recreador no período diurno. Outros profissionais como psicólogo e médico também prestam atendimento quando solicitado. O tempo de permanência do adolescente na Unidade é de pelo menos 35 dias, sendo que o internamento é indicado como último recurso de tratamento. Após a alta hospitalar o adolescente é encaminhado ao serviço ambulatorial de referência no tratamento de dependência química do município ou região.

Os dados foram coletados no mês de maio de 2008, a partir de consulta em fontes secundárias, mais especificamente, os prontuários hospitalares. Foram incluídos no estudo todos os adolescentes internados na Unidade no período de março de 2007 (época do início das atividades na Unidade) até abril de 2008. As informações coletados dos prontuários foram de dois tipos: a) variáveis sociodemográficas que incluía sexo, idade, escolaridade, renda familiar, com quem reside e b) variáveis clínicas: data da admissão para internação, tempo de uso da droga, droga usada com mais frequência, tipos de drogas utilizadas, atos infracionais, tratamentos anteriores - reinternações, quem ofereceu a droga pela primeira vez e motivo que começou a usar.

As informações foram registradas diretamente em uma planilha construída exclusivamente para esta pesquisa e armazenadas em um banco de dados do Excel, utilizando-se para análise descritiva o pacote computacional Statistic 8.0 e para cálculo do Teste Exato de Fischer o programa SAS 9.1 (Statistical Analisys System). Foi estabelecido um nível de significância mínimo de 5%.

A partir dessa análise, os dados do perfil sócio-demográfico foram comparados em relação ao uso associado das drogas mais consumidas pelos adolescentes - a maconha e o crack. Os resultados são mostrados em forma de tabela e apresentados em freqüência absoluta e relativa.

O desenvolvimento do estudo ocorreu em conformidade com as diretrizes estabelecidas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional em Saúde e o projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer nº147/2008).

RESULTADOS

Dos 81 adolescentes que passaram por internação na Unidade de Psiquiatria do HUOP no período em estudo, a maioria é do sexo masculino (79%), com idade média de 15,46 anos (desvio-padrão 1,84), sendo que 92,5% dos adolescentes tinham entre 13 e 18 anos. Quanto à escolaridade 80,2% não frequentavam a escola e tinham de um a quatro anos de estudo (45,7%) ou no máximo oito anos (53,1%). A maioria dos adolescentes morava com a família (91,3%) e haviam sido encaminhados para desintoxicação pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS-ad) do município de Cascavel - PR (83,2%) enquanto os demais eram advindos de outros serviços locais (9,5%) (UBS, Pronto Atendimento Continuado, Conselho Tutelar, via ordem judicial) ou de outras regiões (7,3%) (Tabela 1).

Todos apresentavam um diagnóstico inicial para internação decorrente do uso abusivo e crônico de múltiplas substâncias psicoativas. Antes da atual internação na Unidade de Psiquiatria em estudo, mais da metade (56,8%) já havia sido submetido a algum tipo de tratamento. Dentre os quais, os adolescentes apresentavam histórico de internação hospitalar (12,1%), internação em instituições não-governamentais (23,4%) e assistência ambulatorial (21,3%). Em nível ambulatorial mantiveram acom-panhamento, por exemplo, em CAPs-ad.

No que se refere ao tipo de droga utilizada, observou-se que 6,4% dos adolescentes internados usavam apenas drogas lícitas (álcool); 13,6% uma única droga ilícita, e a maioria (80%) consumiam dois ou três tipos de drogas ilícitas. É interessante observar que nenhum adolescente fazia uso isolado do álcool ou do cigarro, sendo que em 45,7% dos casos estas drogas estavam juntas e em 83,8% além de uma destas drogas lícitas os adolescentes também faziam o uso da maconha e/ou do crack.

Nos registros referentes às informações prestadas pela família por ocasião da internação, constata-se que antes do crack, todos os adolescentes já consumiam outras drogas, incluindo as lícitas como o álcool e o cigarro. De forma geral, observou-se um padrão no comportamento dos adolescentes, marcado pelo escalonamento no uso de substâncias químicas, iniciando-se pelas mais leves (cigarro, álcool) e migrando para as mais pesadas, a exemplo do crack. Assim, o início da trajetória no mundo das drogas, normal-mente, se deu com o cigarro e o álcool, sendo a maconha a primeira droga ilícita a ser consumida. A cocaína e os sedativos foram usados, no início, apenas de forma esporádica por alguns adolescentes.

Ainda durante o preenchimento do protocolo, 55,6% dos familiares informaram que algum membro da família fazia uso de álcool e/ou outras drogas e 87,6% dos adolescentes informaram que possuíam amigos que também faziam uso de drogas.

A maior parte dos adolescentes (55,6%) referiu usar drogas há mais de três anos. A droga utilizada com maior frequência pelos adolescentes de ambos os sexos foi o crack (87,6%), seguida da maconha (85,2%). É interessante observar que a maioria dos jovens (79,0%) usava o crack associado à maconha, não havendo diferenças no padrão de uso de acordo com a idade, uma vez que grande parte dos adolescentes, independente da idade, já fazia uso de crack associado a outras substâncias.

No grupo de adolescentes que faz uso associado da maconha e crack observa-se predominância do sexo masculino (82,8% contra 17,2% do sexo feminino), aumento de consumo à medida que aumenta a faixa etária (7,8%; 42,2% e 50,0% respectivamente), elevado percentual de adolescentes que moram com os pais (81,2%) e que haviam interrompido os estudos (84,3%), sendo que 46,0% tinham de um a quatro anos e 54,0% de cinco a oito anos de escolaridade. No momento da internação mais da metade deles (53,1%) fez referência ao fato de outros membros da família fazerem uso de drogas lícitas ou ilícitas. Muito embora o estudo tenha apresentado proporções significativas na correlação das variáveis nenhuma delas alcançou significância estatística, ou seja, p>0,05.

Verificou-se, também, que todos os adolescentes que faziam o uso associado da maconha e crack referiram prática de atos ilícitos, desde pequenos furtos até homicídios, sendo que mais da metade deles (56,8%) já haviam sido presos. Os atos ilícitos mais frequentes foram roubos à casas, compact disc (CD), pequenos furtos (46%) e homicídios (7,1%).

No período dos 12 meses em estudo, 22 jovens (27,1%) passaram por reinternação, sendo que um deles foi reinternado cinco vezes. No total, ocorreram 15 fugas da internação hospitalar, sete desses adolescentes retornaram para reinternação. O tempo entre uma internação e outra variou de um a dez meses. Períodos mais curtos foram observados entre os jovens que haviam fugido, com uma média de 143 dias, do que entre aqueles que haviam recebido alta, cuja média foi de 152 dias. As variáveis sexo, fuga e tempo de uso da droga não se mostraram associadas a reinternação.

DISCUSSÃO

As características sociodemográficas destes adolescentes referentes ao sexo, média de idade para consumo e rendimento escolar foram semelhantes às descritas em estudos anteriores(8,10). O predomínio do sexo masculino nesta pesquisa confirma a maioria de estudos a respeito do consumo de drogas, nos quais frequentemente aparecem predominâncias da população masculina.

A distribuição diferencial do consumo de drogas entre os sexos é explicada por meio do controle social, já que os grupos culturais transmitem, a partir de suas crenças e expectativas, os papéis femininos e masculinos dentro da coletividade. Sendo assim, os estereótipos sexuais indicam limites de comportamento dentro dos quais devem ser identificadas as exigências particulares para os papéis sexuais(8).

Quanto à idade dos adolescentes pesquisados os resultados apontam que o consumo das substâncias psicoativas cresceu tendenciosamente de acordo com a faixa etária. No Brasil, um inquérito nacional realizado pelo CEBRID nas 108 maiores cidades do país com uma amostra de 7.939 entrevistados, identificou que o consumo de drogas foi significativamente maior na faixa etária de 35 anos ou mais. Os dados deste levantamento também revelam 20,3% dos adolescentes de 12 à 17 anos de idade já fizeram uso de droga na vida(11).

Outro Levantamento realizado pelo CEBRID em 27 capitais brasileiras sobre o consumo de drogas psicotrópicas com 5.191 estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino mostra que a partir dos 16 anos se observam as maiores porcentagens de usuários, porém eles estão presentes de forma expressiva na faixa etária de 10 a 12 anos, com 9,6% dos usuários(12). É importante atentar para o fato de que alguns estudos demonstram que a experiência com substâncias psicoativas vem ocorrendo em idades cada vez mais precoce(4).

A adolescência evidencia-se como uma das faixas etárias cuja incidência de usuários de drogas é alta e crescente. Trata-se de uma etapa de vida marcada por importantes e profundas transformações, as quais produzem desequilíbrios e instabilidades extremas(8). O adolescente não aceita orientações, pois está testando a possibilidade de ser adulto e ter o poder e controle sobre si mesmo; logo ao entrar em contato com as drogas neste período da vida acaba expondo-se a maiores riscos(5).

Quanto à escolaridade os resultados evidenciaram que grande parte dos adolescentes havia abandonado os estudos. Pesquisas têm apontado que uma das principais consequências do uso de drogas durante a adolescência é a queda do rendimento escolar. Os jovens deixam de freqüentar as aulas, e conseqüentemente abandonam a escola. Em um estudo realizado com usuários e ex-usuários de crack com mais de 18 anos, constatou-se que mais da metade deles, havia interrompido os estudos no primeiro grau(4).

Outro estudo realizado com adolescentes, de 15 a 18 anos de idade, em Pelotas-RS observou que o consumo de drogas ilícitas esteve intimamente associado a prejuízo no desempenho escolar e na permanência na escola(13).

Vale ressaltar que quanto ao rendimento e abandono escolar por partes dos adolescentes, a questão não é inerente apenas aos usuários de drogas, sugerindo a existência de outros fatores, que requerem estudos mais direcionados. No levantamento realizado pelo CEBRID com estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino, observou-se que a média de defasagem escolar foi de 45,9% para as 27 capitais em estudo, independen-temente do fato de os entrevistados já terem ou não feito uso de drogas na vida, exceto tabaco e álcool(12).

Quanto ao início do uso de drogas ilícitas mais da metade dos adolescentes informaram que a iniciação se deu, na maioria das vezes, a partir da convivência com amigos.

Embora algumas pesquisas(14-15) apontem a família como um fator protetor para o uso de drogas estes dados não são corroborados com os resultados encontrados nesse estudo; considerando o padrão familiar disfuncional, o uso de álcool e outras drogas pelos pais como sendo um fator de risco importante para o início do consumo destas substancias por adolescentes(4), é de se supor que a família dos adolescentes em estudo influenciou o início do consumo de álcool e cigarro, uma vez que 55,6% dos familiares mencionaram que algum membro da família fazia uso de álcool e/ou outras drogas.

Estudo(4) realizado sobre a seqüência de drogas consumidas por usuários de crack demonstra que dentre os 31 entrevistados, 28 afirmaram envolvimento sério de um ou mais membro da família com pelo menos uma droga. Cinco relataram envolvimento de familiares com mais de três drogas. A droga mais citada foi o álcool, seguida pelo cigarro. Quanto à influência dos amigos, verificou estes tiveram um papel importante; visto a importância do grupo para o adolescente.

A aceitação da droga por parte do adolescente quando oferecido pelos amigos é uma forma de se inserir no grupo e também não decepcionar aquele que lhe oferece, garantindo em troca seu "respeito e aceitação" no grupo. Somente a partir do uso frequente e da instalação da dependência é que se faz presente o desejo de usar a droga e de sentir seus efeitos, e nesta fase, os amigos já não tem tanta influência(2).

O padrão de comportamento do uso da droga presente em ambos os sexos, com uso inicial de drogas lícitas, migrando para o uso de drogas ilícitas é coerente com o que tem sido identificado na literatura. É possível identificar que o início precoce do uso de drogas lícitas, como álcool e cigarro aumentam a probabilidade de envolvimento sério com uma ou mais drogas ilícitas(16).

Usuários regulares de drogas ilícitas iniciam pelo álcool e tabaco, comportamento similar entre usuários, porém a preferência para o uso de uma ou outra droga, não pode ser considerada como fator determinante da posterior sequência. Sugere-se que desta forma que intervenções para se minimizar o uso das substâncias lícitas e ilícitas caminhem juntas aos esforços de adiar o primeiro uso das substâncias lícitas(8).

De forma geral, foi possível identificar elementos comuns entre os adolescentes do estudo em relação ao uso de drogas: a iniciação precoce; o uso associado e concomitante de várias drogas de abuso; a evasão escolar e o envolvimento com atos ilícitos, a exemplo de roubos e assaltos, confirmando uma tendência observada em outros estudos(8).

Com base nos resultados desse estudo pode-se supor que o uso de drogas de abuso provoca um rompimento na vida do adolescente, afastando-o de suas atividades diárias como escola, lazer, atividades com a família, além de provocar outras intercorrências indesejáveis como crises familiares, violência, criminalidade, internações e reinternações hospitalares frequentes, com poucas perspectivas de recuperação.

Esses dados são corroborados com um estudo(17) que comparou adolescentes que não usam maconha com os que usam e constataram que estes últimos têm problemas relativos a sintomas de dependência, entrada em emergência de hospitais, evasão escolar, problemas comportamentais, problemas com a justiça por infração à lei e desenvolvimento de alguma patologia psíquica.

É difícil determinar com precisão o nexo causal entre drogas e atos violentos, o status legal das drogas e as complicações envolvendo tráfico e leis que o reprimem, as influências do meio e as características individuais dos usuários, a prevalência e as correlações precisas entre violência e uso de drogas(18). No entanto, dentre aos problemas associados ao consumo abusivo de drogas, destaca-se também a presença de comportamentos anti-sociais, nesse estudo observou-se que a maioria dos adolescentes envolveu-se em vários atos ilícitos para obter a droga, levando-os a permanecerem detidos por até 60 dias, dependendo do motivo da prisão.

Os dados do presente estudo não mostraram associação entre sexo e o uso associado de maconha e crack e isto é coerente com resultados de um estudo realizado com 105 adolescentes de 10 a 17 anos em tratamento, com o objetivo de investigar diferenças no padrão de uso de drogas entre adolescentes do sexo feminino e masculino, em que foi constatada ausência de diferenças significativas para idade do inicio do uso da droga, procura por atendimento, substâncias usadas e atos ilegais. Contudo, os adolescentes do sexo masculino apresentaram maiores problemas com a polícia e atraso escolar(19).

Estudo(20) realizado em Brasília, mostra que entre os fatores associados do consumo de drogas e atos infracionais estão os seguintes comportamentos: - os adolescentes cometem delito para usar drogas; - o delito é percebido como decorrente dos efeitos das drogas; - usam as drogas para cometer delito, devido às representações sociais e crenças de seus efeitos e usam a droga como justificativa do ato infracional.

Neste estudo, a não-adesão ao tratamento por parte dos adolescentes e a falta de suporte familiar para dar continuidade ao tratamento foram alguns dos agravantes para a interrupção e por vezes a falta de resolutividade do tratamento, além de fatores ligados ao paciente, como ser adolescente, falta de motivação, atitudes e crenças em relação ao tratamento. Estas informações são corrobo-radas com o estudo(21) realizado sobre a opinião de profissionais da saúde quanto às dificuldades de adesão ao tratamento de dependentes químicos adolescentes e, de acordo com estes profissionais o papel da família foi percebido como determinante do uso de substâncias e do prognóstico com tratamento além da adolescência ser vista como um período de conflitos internos e interpessoais.

Um estudo(22) realizado com estudantes do ensino médio das escolas do município de Palhoça-SC, com o objetivo de conhecer a prevalência do uso de drogas, constatou que o álcool (91,9%) e o tabaco (42,5%) foram as drogas mais utilizadas pelos estudantes. Com relação à procura de algum tipo de serviço de saúde devido ao uso de drogas os dados mostraram que 1,0% deles já haviam procurado atendimento em grupo de auto-ajuda, mas 0,7%, não continuou o tratamento. A procura de um serviço de emergência foi citada por 0,9% dos pesquisados e, finalmente sobre a necessidade de internação apenas 0,2% informaram que já estiveram internados.

Apesar de não dispormos de definições claras quanto à forma ou determinação no desenvolvimento de dependências de aspectos ligados à família, escola, grupos de companheiros, condição sócio-econômica e outros fatores ambientais, ou seja, se estes fatores encontram-se a gênese deste desenvolvimento ou dentre as conseqüências e custos do abuso de drogas, os achados deste estudo mais uma vez confirmam que estes fatores são indiscutivelmente associados.

CONCLUSÃO

A despeito de algumas limitações do estudo, como por exemplo o fato dos dados terem sido coletados em um único hospital geral e portanto as conclusões se restringirem a uma população específica de adolescentes internados neste hospital; a não consideração das variáveis protetoras, as quais têm um papel importante sobre o uso de drogas e recaídas e, por fim, a origem secundária dos dados, que pode estar sujeita a falhas nas anotações e ausência de informações; consideramos que os resultados encontrados são relevantes à medida em que apontam características importantes relacionadas com o uso e o abuso de drogas e ainda suscita a necessidade de abordagem do fenômeno com outros recortes metodológicos, ainda que no mesmo ou em outros cenários.

Sem dúvida, a identificação dos fatores que levam ao consumo abusivo, ou seja, o acesso fácil, o abandono escolar, o uso de drogas na família, a falta de motivação para o tratamento, podem contribuir para a formulação de estratégias com vistas à prevenção do consumo, recaídas e intervenções com chance de sucesso, na medida em que caracterizam àqueles adolescentes mais vulneráveis e as situações que contribuem para a não adesão ao tratamento e o seu consequente fracasso.

Contudo, não se pode deixar de considerar que é ampla a variedade de problemas associados ao uso de drogas, principalmente, por se tratar de uma condição clínica multifatorial, que tem produzido problemas sociais e de saúde em todo mundo, envolvendo características biopsicossociais e, sobretudo por sua crescente prevalência.

Desta forma, acredita-se que as informações disponibilizadas a partir da realização do presente estudo, poderão subsidiar a atuação dos profissionais de saúde e em especial do enfermeiro junto a outros jovens que enfrentam a mesma problemática. O enfermeiro, que tem como foco de seu trabalho o cuidado nos diferentes ciclos da vida, tem um compromisso intransferível com a assistência destes jovens, pois é o profissional mais disponível, - aqui entendido como disposto a acolher os que procuram alguma forma de assistência/apoio na porta de entrada do sistema de saúde-, e também é o que está mais presente nos serviços hospitalares.

Os resultados encontrados, portanto, possibilitarão aos profissionais, abordar e discutir esta temática e consequentemente intervir de forma mais eficaz em diferentes cenários, resultando em uma assistência mais próxima da realidade e necessidades de jovens em situações de uso e abuso de drogas, uma assistência para além das questões individuais, pois conforme mostra os dados, muitas vezes o início e a permanência do uso de drogas de abuso ocorre dentro de casa, ou seja no seio familiar.

Submissão: 10/07/2009 Aprovação: 19/06/2010

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  • Autor correspondente
    Sônia Maria Marcon
    Rua Jailton Saraiva, 526 . Jardim América
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      10 Jul 2009
    • Aceito
      19 Jun 2010
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