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Processo de formação de enfermeiros líderes

Education process of nurse leaders

Proceso de formación de enfermeros líderes

Resumos

Estudo qualitativo, descritivo e exploratório que teve por objetivo conhecer o papel de uma instituição de ensino superior e hospitalar na formação e educação permanente de enfermeiros-líderes. Foi desenvolvido durante os meses de fevereiro e março de 2008, contando com a participação de onze enfermeiras de um hospital de grande porte da região sul do Rio Grande do Sul. Para coleta dos dados realizou-se entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. Utilizou-se a Análise de Conteúdo para tratamento dos dados, emergindo duas categorias: papel da instituição de ensino superior na formação de enfermeiros-líderes e papel da instituição hospitalar na educação permanente de enfermeiros-líderes. Verifica-se a existência de lacunas relacionadas ao ensino da liderança e ao desenvolvimento dessa competência no âmbito hospitalar.

Enfermagem; Liderança; Educação; Serviços de saúde


Qualitative study, descriptive and exploratory which aimed to ascertain the role of an institution of higher education and hospital training and continuing education of nurse-leaders. Was developed during the months of February and March 2008, with the participation of eleven nurses from a large hospital in the southern region of Rio Grande do Sul. For data collection was carried out semi-structured interviews and focus groups. Using the Content Analysis for the treatment of data, two categories emerged: the role of higher education institution in the training of nurses, leaders and role of the hospital in continuing education of nurses-leaders. There is the existence of gaps related to the teaching of leadership and development of competence in the hospital context.

Nursing; Leadership; Education; Health services


El estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio que tuvo por objetivo conocer el papel de una institución de enseñanza superior y hospitalario en la formación y educación permanente de enfermeros-líderes. Fue desarrollado durante los meses de febrero y marzo de 2008, contando con la participación de once enfermeras de un hospital de grande porte de la región sur del Rio Grande do Sul. Para colecta de los datos se realizó entrevistas semi-estructuradas y grupos focales. Se utilizó el Análisis de Contenido para tratamiento de los datos, emergiendo dos categorías: papel de la institución de enseñanza superior en la formación de enfermeros-líderes y papel de la institución hospitalario en la educación permanente de enfermeros-líderes. Se verifica la existencia de fallas relacionadas a la enseñanza del liderazgo y al desarrollo de esa competencia en el ámbito hospitalario.

Enfermería; Liderazgo; Educación; Servicios de salud


PESQUISA

Processo de formação de enfermeiros líderes

Education process of nurse leaders

Proceso de formación de enfermeros líderes

Simone Coelho AmestoyI; Maria Elisabeth CestariII; Maira Buss ThofehrnIII; Viviane Marten MilbrathIV; Letícia de Lima TrindadeI; Vânia Marli Schubert BackesI

IUniversidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Florianópolis, SC

IIUniversidade Federal do Rio Grande. Escola de Enfermagem. Rio Grande, RS

IIIUniversidade Federal de Pelotas. Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia. Pelotas, RS

IVUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-graduação. Porto Alegre, RS

Autor correspondente Autor correspondente: Simone Coelho Amestoy Rua Deputado Antônio Edu Vieira, 1776, apto 201 CEP 88040-000. Florianópolis, SC E-mail: samestoy@terra.com.br

RESUMO

Estudo qualitativo, descritivo e exploratório que teve por objetivo conhecer o papel de uma instituição de ensino superior e hospitalar na formação e educação permanente de enfermeiros-líderes. Foi desenvolvido durante os meses de fevereiro e março de 2008, contando com a participação de onze enfermeiras de um hospital de grande porte da região sul do Rio Grande do Sul. Para coleta dos dados realizou-se entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. Utilizou-se a Análise de Conteúdo para tratamento dos dados, emergindo duas categorias: papel da instituição de ensino superior na formação de enfermeiros-líderes e papel da instituição hospitalar na educação permanente de enfermeiros-líderes. Verifica-se a existência de lacunas relacionadas ao ensino da liderança e ao desenvolvimento dessa competência no âmbito hospitalar.

Descritores: Enfermagem; Liderança; Educação; Serviços de saúde.

ABSTRACT

Qualitative study, descriptive and exploratory which aimed to ascertain the role of an institution of higher education and hospital training and continuing education of nurse-leaders. Was developed during the months of February and March 2008, with the participation of eleven nurses from a large hospital in the southern region of Rio Grande do Sul. For data collection was carried out semi-structured interviews and focus groups. Using the Content Analysis for the treatment of data, two categories emerged: the role of higher education institution in the training of nurses, leaders and role of the hospital in continuing education of nurses-leaders. There is the existence of gaps related to the teaching of leadership and development of competence in the hospital context.

Key words: Nursing; Leadership; Education; Health services.

RESUMEN

El estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio que tuvo por objetivo conocer el papel de una institución de enseñanza superior y hospitalario en la formación y educación permanente de enfermeros-líderes. Fue desarrollado durante los meses de febrero y marzo de 2008, contando con la participación de once enfermeras de un hospital de grande porte de la región sur del Rio Grande do Sul. Para colecta de los datos se realizó entrevistas semi-estructuradas y grupos focales. Se utilizó el Análisis de Contenido para tratamiento de los datos, emergiendo dos categorías: papel de la institución de enseñanza superior en la formación de enfermeros-líderes y papel de la institución hospitalario en la educación permanente de enfermeros-líderes. Se verifica la existencia de fallas relacionadas a la enseñanza del liderazgo y al desarrollo de esa competencia en el ámbito hospitalario.

Descriptores: Enfermería; Liderazgo; Educación; Servicios de salud.

INTRODUÇÃO

O processo de formação de enfermagem sofreu várias modificações ao longo dos anos, resultantes de mudanças ocorridas nos diversos contextos históricos. Em decorrência disso, o perfil dos enfermeiros também apresentou significativas transformações(1).

Em 2001 foram instituídas as novas Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Enfermagem baseadas em competências. Tais diretrizes definem a formação de enfermeiros generalistas, humanos, críticos e reflexivos, capazes de aprender a aprender e que atendam as necessidades da população de acordo com os princípios que norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS)(2).

Diante dessa conjuntura, enfatiza-se que o conceito de competência é central nas propostas de reformas curriculares em distintos níveis e modalidades de ensino de diferentes países. Já no Brasil, este conceito constitui-se na referência para diretrizes curriculares oficiais e para avaliação de sistemas escolares(3). Conforme Perrenoud, sociólogo suíço que vem desenvolvendo pesquisas sobre a temática, competência consiste na capacidade de agir de forma eficaz frente a um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles(4). A competência emerge como uma maneira de repensar as interações estabelecidas entre as pessoas e seus saberes, bem como entre as organizações e suas demandas frente aos processos de trabalho(5).

Dentre as competências instituídas nas Diretrizes Curriculares, necessárias para o exercício da enfermagem, destaca-se: a atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, administração e gerenciamento, educação permanente e liderança, competência a qual se dará ênfase no estudo em questão(2).

A liderança representa o processo de influenciar as pessoas a atuar de modo ético-profissional, exigindo a construção de laços de confiança, a fim de que se possa trabalhar em conjunto, com o intuito de alcançar objetivos em comum(6). No processo de trabalho da enfermagem, a liderança representa um instrumento gerencial indispensável, pois se encontra tangenciando a rede das relações humanas do enfermeiro ao coordenar uma equipe de trabalho, além de contribuir na tomada de decisões e no enfrentamento de conflitos(7).

A competência para liderar, assim como as outras, devem ser desenvolvidas nas Instituições de Ensino Superior (IES) e aprimoradas ao longo da vida profissional e, portanto as escolas e instituições hospitalares têm cada uma um papel fundamental nesse processo, a primeira na formação e a segunda na educação contínua do profissional, conforme reconhecido e preconizado pela Política Nacional de Educação Permanente(2).

Convém informar que o presente artigo é um recorte da dissertação de mestrado, cuja temática abordada foi a liderança como instrumento no processo de trabalho da enfermagem(7). Acredita-se que o impacto causado pelos depoimentos das participantes justifica a elaboração do mesmo, o qual teve por objetivo conhecer o papel de uma instituição de ensino superior e de uma instituição hospitalar na formação e educação permanente de enfermeiros-líderes.

MÉTODO

Tratou-se de um estudo qualitativo o qual foi realizado durante os meses de fevereiro e março de 2008, em um hospital de grande porte, que presta assistência pelo SUS, convênios e particulares, localizado na região sul do Rio Grande do Sul. Participaram da pesquisa onze enfermeiras, com idade entre 23 e 39 anos; sete especialistas e uma mestranda; com tempo de experiência profissional variando de 1 ano e 3 meses a 15 anos, e tempo de trabalho na instituição entre 1 e 15 anos. Dentre as participantes, destaca-se que dez são egressas de uma mesma universidade federal situada na região em questão.

Para a coleta dos dados, fez-se uso de entrevistas semi-estruturadas e grupo focal. As entrevistas semi-estruturadas aconteceram em uma sala reservada, na instituição hospitalar do estudo. O conteúdo das gravações foi transcrito logo após a sua realização. Quanto ao grupo focal, foram realizados três encontros tendo aproximadamente uma hora de duração. No primeiro, o processo de trabalho da enfermagem constituiu-se no tema central. Já no segundo grupo apresentou-se os dados obtidos no primeiro encontro, abriu-se espaço para discussão e, posteriormente, verificou-se a existência de dúvidas sobre o tema, a fim de saná-las. No último encontro, os dados foram validados pelas participantes. Convém informar que as discussões no grupo foram gravadas e transcritas na íntegra, assim como as entrevistas.

Optou-se pela utilização da Análise de Conteúdo(8) como técnica para tratamento dos dados, por ser entendida como um meio de expressão do sujeito, no qual o analista visa categorizar as palavras ou frases, que aparecem com mais frequência no texto e após infere uma expressão que possa representá-los de forma adequada. Nesse sentido, as transcrições foram lidas repetidas vezes e, a partir desta leitura foram estabelecidas duas categorias: instituição de ensino superior na formação de enfermeiros-líderes e instituição hospitalar na formação permanente de enfermeiros-líderes.

Para o desenvolvimento do estudo foram respeitados os procedimentos éticos exigidos pela Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde; com aprovação pelo Comitê de Ética da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, sob o protocolo nº 29/2007. Dessa forma, todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Acredita-se que a formação do enfermeiro é permeada por diversas habilidades e competências, as quais vão sendo construídas ao longo do processo de formação acadêmica que inclui uma multiplicidade de conhecimentos e práticas, bem como a associação da teoria e prática, ou seja, a práxis em saúde. Esse contexto exige que a postura dos educadores e outros profissionais com quem os estudantes interagem, ao longo das vivências acadêmicas, os estimulem a desenvolver as competências necessárias para tornarem-se lideres.

Pensando nisso, resgataram-se as duas categorias que emergiram dos depoimentos das enfermeiras participantes da pesquisa, a fim de identificar o papel de uma instituição de ensino superior e de uma instituição hospitalar na formação e educação permanente de enfermeiros-líderes. Essas categorias manifestaram-se tanto na entrevista quanto durante os grupos focais.

Papel da Instituição de Ensino Superior na formação de enfermeiros-líderes

A maioria das participantes declarou seu descontentamento sobre o papel das instituições de ensino superior na formação de enfermeiros-líderes, que pode ser evidenciado nos seguintes depoimentos:

A gente chega ao mercado de trabalho e é engolido por ele. Na faculdade não te preparam, tu és praticamente jogado aos leões, eles te ensinam a fazer escala e algumas teorias da administração que pouco se usa, mas liderança mesmo quase não é desenvolvida. (E11)

Eu não sinto que a faculdade tenha me ajudado porque quando eu tive que assumir uma unidade eu estava sozinha, era só eu. Até no estágio que era eu e a enfermeira da instituição era complicado, eu ficava sempre esperando que alguém me dissesse o que fazer. (E10)

Um estudo a respeito do ensino de enfermagem revelou que a formação tem priorizado o aprendizado de procedimentos técnicos. Verifica-se também que os conteúdos teóricos têm sido apresentados na forma de aulas exaustivas sem a devida relevância do seu significado real e, desarticulados entre si, não oferecendo o retorno desejado ao aluno(9). Este tipo de ensino pode explicar, pelo menos em parte a dificuldade no exercício da liderança, tendo em vista que o mesmo, quando descontextualizado da prática e da realidade laboral, não instrumentaliza o futuro profissional para ser líder da equipe, uma vez que a liderança exige tomada de decisão a partir do vivido.

Percebe-se no último depoimento que a enfermeira critica sua formação acadêmica, no entanto, o mesmo também permite antever seu papel enquanto educanda. Ao analisar essa fala construiu-se o seguinte questionamento: Por que a participante E10 ficava sempre esperando que alguém dissesse o que fazer? Acredita-se que ao longo do curso as acadêmicas assumem ou são levadas a assumir uma postura mais passiva esperando que os professores ou ainda, outros profissionais como enfermeiras e médicos digam o que deve ser feito. Dessa forma, quando se formam evidenciam a sensação de "estar sozinhas" gerando insegurança, além de dificultar o gerenciamento das ações de enfermagem e comprometer sua liderança perante a equipe. Mediante o exposto, a prevalência de um ensino autocrático, que mascara o processo dialógico e o pensamento crítico e reflexivo, pode corroborar com a ocorrência de tal situação.

Outro aspecto emergido nas discussões é o processo de ensino-aprendizado formal da liderança na Instituição de Ensino Superior, na qual 10 das 11 participantes realizaram a graduação em Enfermagem. Ao analisar o projeto pedagógico da Faculdade de Enfermagem em questão, pode-se identificar que o ensino formal da liderança é limitado aos últimos semestres da graduação, estando associado à disciplina de Administração.

[...] a gente chega totalmente despreparado. O tempo que o curso prepara é muito pouco, porque é só no penúltimo semestre que começam a trabalhar isso contigo. (E10)

De repente a gente só se preocupa em ser um bom técnico. Não me preocupava em exercer a liderança. (E5)

Na percepção das enfermeiras, o graduando tem sua formação voltada para o aprendizado das atividades técnicas e, somente próximo ao término do curso, é-lhe apresentado o real papel que irá desempenhar nos serviços de saúde, em especial nas instituições hospitalares.

Pode-se afirmar que os depoimentos acima, apresentam resquícios do início da institucionalização da enfermagem. Com a instrumentalização da clínica, o saber anátomo-fisiológico passa a enfocar como objeto de trabalho, dos profissionais da saúde, a recuperação e cura do corpo. E o agente que histórica e socialmente preside esse processo é o médico. Devido à complexidade do conhecimento e a ampliação da infra-estrutura das instituições hospitalares, outros trabalhadores agregaram-se a este profissional. Por intermédio da impregnação da cura como resultado do processo de trabalho, o saber da enfermagem desloca-se do cuidado e passa a centrar-se na execução de tarefas e procedimentos técnicos perdendo parte de sua identidade(10).

Durante a graduação, contata-se que alguns estudantes preocupam-se, excessivamente, em realizar atividades técnicas. Assim, é possível visualizar o tecnicismo na formação, a desvalorização de aspectos gerenciais, como a liderança, que muitas vezes, é lembrada quando o enfermeiro já está inserido na prática profissional e necessita solucionar conflitos, além de coordenar uma equipe, que em geral, é constituída por profissionais com mais idade e experiência.

Diante disso, a liderança desponta enquanto competência profissional, considerada por alguns autores da enfermagem como um fenômeno de influência grupal, no qual é imprescindível agregar esforços individuais, para atingir os objetivos compartilhados pelo grupo(7,11).

Cabe destacar que o aprendizado da enfermagem, ainda hoje, está associado às atividades de natureza técnica, o que acaba influenciando o cuidado prestado pelos profissionais. Por conseguinte, este cuidado é realizado, na maioria das vezes, de forma mecânica, norteado por tarefas que obedecem rigidamente normas e prescrições(12).

Ainda identifica-se a desarticulação, do ponto de vista das participantes do estudo, entre o ensino da enfermagem oferecido pela universidade, da qual as enfermeiras participantes são egressas e as exigências do mercado de trabalho.

Eu acho que a faculdade te formou para uma coisa e a realidade te mostrou outra. Primeiro tu sai da universidade achando que tu és um líder, que tu vai chegar na unidade e vão te respeitar, mas te criam um mundo utópico, que não existe. (E4)

A formação se refere a um conceito, que compreende educação como instituição em uma dada sociedade, ou seja, é o sistema educacional formal, público e privado, constituído pelas escolas e universidades regulamentadas por órgãos federais e estaduais(13).

No contexto atual, almeja-se a formação de enfermeiros capazes de atender as necessidades dos indivíduos e coletividades. Para tanto, torna-se essencial repensar as desarmonias existentes entre o ensino e às exigências do atual mercado de trabalho, sem olvidar que esse último, está engajado a um modelo econômico e social, competitivo, individualizado e alienante. Conforme o exposto, não há dúvidas de que a responsabilidade das Instituições de Ensino Superior é formar líderes, críticos, reflexivos, politizados capazes de atuar de forma coerente, a fim de criar e recriar sua realidade.

A educação tem sido reforçada como um instrumento capaz de conduzir à formação de indivíduos que irão compor a "nova" sociedade, ainda em construção. Sociedade está que demandaria e revalorizaria o desenvolvimento de uma cultura geral, na qual ensinar e aprender seriam processos que acompanhariam cada sujeito ao longo da vida; que aproximaria a escola da empresa; que transformaria as relações de trabalho e que interferiria diretamente na objetividade e na subjetividade do sujeito-trabalhador, a fim de responsabilizá-los por suas ações, bem como pelo desenvolvimento ou não de suas potencialidades(14).

Outro fator que, na percepção das participantes da pesquisa, dificulta o aprendizado da liderança é o distanciamento dos docentes da prática assistencial.

Na universidade têm professores que já estão fora da prática há muito tempo e criam um mundo para ti que não existe. (E4)

[...] as professoras vivem baseadas em situações que elas pescam durante os estágios, mas experiência de liderança dentro da equipe, poucas ali têm para passar. (E11)

Na contemporaneidade, o docente necessita assumir efetivamente uma posição diante dos desafios postos ao ser humano para o enfrentamento de uma nova era, cujas tendências exigem, do profissional do futuro, o perfil de uma pessoa capaz de investir no seu autoconhecimento, que seja ágil e criativo na resolução de problemas, que tenha conhecimento variado e com habilidades nas relações humanas(15).

A reflexão sobre como desenvolver o ensino-aprendizagem da liderança é imprescindível para a formação de enfermeiros com esta competência. Assim, as participantes consideram a experiência como um aspecto facilitador para o ensino da liderança que permite enriquecer os momentos de aprendizagem e, por consequência, aproximar as aulas teóricas da realidade, tornando-as mais atraentes para os estudantes. Além disso, a liderança pode ser trabalhada na graduação desde os semestres iniciais, tangenciando cada disciplina, porque indiferente da área de atuação, o enfermeiro irá executar ações gerenciais, que se tornarão mais acessíveis aos profissionais que dominam essa competência.

Para tanto, se faz necessário que os docentes conheçam a trajetória de vida do aluno, pois alguns poderão ter características que facilitem o exercício da liderança, enquanto outros necessitarão de mais estímulos para desenvolvê-la. Sendo assim, a formação dos enfermeiros precisa semear a crítica, a reflexão, a autonomia e, consequentemente, a capacidade de liderar.

Papel da Instituição Hospitalar na educação permanente de enfermeiros-líderes

A segunda categoria refere-se à contribuição da instituição hospitalar para o desenvolvimento da capacidade de liderança. Parte-se do pressuposto que a liderança é uma competência, pelo menos teoricamente, conhecida pelos enfermeiros. Seu aprendizado, contudo, não pode restringir-se à conclusão do ensino superior devendo ser aprimorado no dia-a-dia. Os depoimentos a seguir, exemplificam a conduta da instituição hospitalar relacionada ao desenvolvimento da liderança no ambiente de trabalho.

[...] não tem motivação para a gente estudar, fazer algum curso, para crescer profissionalmente. Não tem liberação do horário para estudar, e quando conseguimos algum título continuamos no mesmo lugar no hospital, a gente nunca vai crescer .(E3)

Quando eu fui admitida eu tive a cobrança da chefia de enfermagem de ser uma líder e exercer a liderança, mas ao mesmo tempo a instituição nunca deu palestras, cursos de aperfeiçoamento, reuniões em relação a este tema específico. (E5)

[..] não vejo a instituição estimular a capacitação da liderança. Acho que tinha que ter mais reuniões, capacitações, trazer as pessoas para falar sobre o assunto, estimular a liderança. Na instituição eles não negam que tu faças cursos, que tu te especializes, mas ao mesmo tempo não tem liberação de horário [...] eu tenho vontade de estudar, mas me acomodo porque tenho que repor as horas, também não tem incentivo financeiro e nem a liberação do trabalho, isso me desmotiva. (E8)

Identifica-se nos depoimentos acima a presença de certa contradição, pois mesmo criticando o ensino teórico da graduação, resultado apresentado na primeira categoria, as participantes solicitam da instituição hospitalar à implantação de estratégias de aperfeiçoamento, também teóricas, como palestras e cursos de capacitação. Diante dessa circunstância, a educação permanente desponta como uma proposta que visa problematizar a prática, disponibilizar soluções adequadas às características dos locais e trabalhadores, não se limitando a uma formação pontual. De acordo com os resultados obtidos, acredita-se que essa proposta carece diferir do processo ensino-aprendizagem oferecido pela instituição de ensino superior, pois o mesmo tem sido criticado pelas participantes do estudo, devendo sua replicação ser evitada na prática profissional.

Por outro lado, poucos enfermeiros, descrevem a instituição como um ambiente onde há possibilidade de crescimento profissional, em virtude das experiências oferecidas em seu cotidiano.

Eu acho que a universidade até dá uma base, mas tu vai aprender mesmo como ser um líder dependendo do meio que tu te insere. (E2)

A instituição acaba ajudando no teu dia-a-dia, com a cobrança. (E9)

Através da análise destes depoimentos, aprender na prática da enfermeira E2 parece estar associado apenas em vivenciar a profissão numa idéia de ensino-aprendizagem individual. Já no segundo depoimento, aprender está ligado à cobrança, o que é típico do ensino tradicional e que vem sendo, constantemente, criticado. Mais uma vez, verifica-se a existência de contradições no posicionamento das participantes, as quais almejam mudanças tanto na formação acadêmica como profissional, que estão ainda alicerçadas ao modelo educacional clássico.

A fim de colaborar com a resolução desta problemática, destaca-se a educação permanente como uma estratégia que pode ser utilizada no ambiente de trabalho. A educação permanente é compreendida como um processo educativo, que possibilita o surgimento de um espaço para pensar e fazer no trabalho. Também pode ser compreendida como uma ação que possibilita ao indivíduo maior capacidade de atuar dentro do mundo do trabalho, como ser que constrói e destrói sua realidade, norteado por valores políticos, culturais e éticos(16-17).

A educação dos trabalhadores é fator essencial para o desenvolvimento da sociedade que vive em constantes transformações. No mundo do trabalho, a possibilidade de educação permanente deve contemplar a incorporação de novas tecnologias, e a própria pressão social deve desencadear processos que assegurem a cidadania. Dessa forma, a educação permanente em saúde requer um contínuo de ações de trabalho-aprendizagem que ocorre em um espaço de trabalho/produção/educação em saúde, que parte de uma situação existente, geralmente uma situação-problema, e se dirige a superá-la, a mudá-la, a transformá-la em uma situação diferente e desejada(17).

Neste cenário, as instituições hospitalares são entendidas como locais propícios para o desenvolvimento profissional, as quais são consideradas sistemas complexos que absorvem grande parte dos profissionais da saúde e disponibilizam empregos para diversos trabalhadores que atuam na administração, higienização, manutenção entre outras áreas que se fazem necessárias(18). Entretanto, o processo de trabalho dos profissionais de enfermagem desenvolvido em tais instituições é, comumente, executado de forma fragmentada, o que intensifica a lacuna existente entre as ações realizadas pelos profissionais de enfermagem, acarretando na compartimentalização da pessoa a ser cuidada. Contribuindo para que o cuidado, tarefa profissional da enfermagem, seja alvo de críticas relacionadas à forma mecanicista e burocratizada como é desenvolvido, sofrendo, em contrapartida, questionamentos sobre os recursos e instrumentais utilizados para a sua consecução, os quais permanecem interligados a paradigmas tradicionais, que acabam ferindo o viver humano, em sua subjetividade e complexidade(19).

Por estes motivos, emerge a educação permanente como uma estratégia capaz de amenizar as condições atuais do trabalho nas instituições hospitalares, através do distanciamento desse modelo institucional que aliena os profissionais e transforma o trabalho em uma carga pesada e sofrida, substituindo-se por um local promotor de satisfação, desenvolvimento e capacitação pessoal. A adoção da educação permanente poderá contribuir positivamente para a modificação das condições de trabalho enfrentadas pelos profissionais da saúde, em especial os da enfermagem(20).

Neste sentido, reforça-se a idéia de que a educação permanente tem por objetivo qualificar e promover qualidade de vida aos trabalhadores e, por conseguinte, oferecer uma assistência que atenda as reais necessidades da população. Sob esta ótica, deve-se ter claro que a responsabilidade pela formação profissional não recai exclusivamente nas unidades de ensino, pois, também necessita da participação das instituições onde são desenvolvidas as atividades práticas.

Salienta-se a importância do papel do enfermeiro como promotor de sua formação e qualidade de vida no trabalho. Nesse sentido, os enfermeiros necessitam considerar que o exercício da crítica não compete somente aos outros, mas fundamentalmente a si próprio, ao modo como tem norteado sua formação, bem como resgatado sua responsabilidade frente à busca de melhor qualificação profissional. Somente pode ser líder de uma equipe, a pessoa que promove seu autoconhecimento, traça metas e estratégias para seu crescimento pessoal e profissional, bem como de seus colaboradores, visando fortalecer as potencialidades do grupo e superar suas fragilidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do estudo foi possível conhecer na percepção das participantes, o papel de uma instituição de ensino superior e de uma instituição hospitalar na formação do enfermeiro-líder. Os depoimentos das enfermeiras expressam a existência de lacunas no processo de ensino-aprendizado da liderança durante sua graduação, lacunas estas evidenciadas pelo pouco tempo demandado ao ensino de tal competência e distanciamento dos docentes da prática assistencial.

Também se identificou o descontentamento das participantes no que tange o desenvolvimento permanente da liderança na instituição hospitalar, estando vinculado ao escasso incentivo destinado à participação das enfermeiras, principalmente, em cursos de pós-graduação. Contudo, apesar das várias queixas atribuídas ao sistema educativo percebe-se que é para esse mesmo sistema que as participantes gostariam de retornar, mediante sua inclusão em cursos de aperfeiçoamento profissional, capacitações e palestras.

Ainda, constatou-se que as enfermeiras estão pouco instrumentalizadas para exercer a liderança enquanto competência profissional. Mediante o exposto, cabe aos docentes sensibilizarem-se para a importância do ensino formal da liderança ao longo do curso de graduação, bem como, instigarem os discentes para a importância da liderança no seu processo de trabalho e para as facilidades que a mesma proporcionará ao enfermeiro-líder durante o gerenciamento da unidade e da equipe.

O estudo possibilitou a reflexão sobre a temática em pauta, no entanto, a discussão não se dá por encerrada, pois ainda existem questões que precisam ser exploradas. Todavia, o mesmo reforça a responsabilidade das instituições de ensino superior e hospitalares frente à formação e o desenvolvimento permanente de enfermeiros-líderes, pois além de potencializar as ações cuidativas, a liderança poderá auxiliar o enfermeiro na construção de uma ambiente de trabalho satisfatório, por meio do estabelecimento de vínculos profissionais saudáveis e de processos dialógicos entre o enfermeiro e os demais os integrantes da equipe de enfermagem.

Assim, poder-se-á disponibilizar ao mercado de trabalho enfermeiros-líderes críticos, reflexivos, criativos, éticos, os quais sejam capazes de aprender a aprender, de colaborar com a autonomia e co-responsabilização de seus colaboradores na tomada de decisões, no planejamento e na implementação das práticas assistenciais, com intuito de atender as demandas sociais.

Submissão: 02/04/2009 Aprovação: 12/09/2010

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  • Autor correspondente:
    Simone Coelho Amestoy
    Rua Deputado Antônio Edu Vieira, 1776, apto 201
    CEP 88040-000. Florianópolis, SC
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      12 Set 2010
    • Recebido
      02 Abr 2009
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