INTRODUÇÃO
O fenômeno mundial do envelhecimento revela que os longevos, identificados como as pessoas com idade maior ou igual a 80 anos, estão avançando rapidamente em números, sobretudo nos países em desenvolvimento(1). Os 14 milhões de longevos identificados no século XX em 2050 passarão a mais de 400 milhões em todo o mundo. A maior prevalência está relacionada ao sexo, sendo que, para cada grupo de 100 mulheres longevas, há 61 homens de mesma faixa etária(1).
Em Goiânia (GO), os longevos já atingiram 7,9% da população idosa(2). A heterogeneidade da população idosa é diretamente influenciada pelo declínio da mortalidade nas idades avançadas, sexo, estado civil, região geográfica e acessibilidade das pessoas às condições sociais e econômicas. A longevidade da humanidade deve ser vista como um triunfo do desenvolvimento e uma das maiores conquistas da humanidade(3-4).
As oportunidades infindáveis quanto a esse triunfo do desenvolvimento estão relacionadas à adoção de novas políticas, estratégias e leis sobre o desenvolvimento devido às características diversas, como idade, sexo, etnia, educação, renda e saúde(1). Dentre as estratégias, a promoção da saúde e os comportamentos saudáveis em todas as idades são necessários para reduzir, prevenir e delongar o aparecimento de doenças crônicas, pela menor exposição aos comportamentos de risco ao longo da vida(4).
Os desafios relacionam-se em reconhecer que o envelhecimento populacional é uma realidade mundial, sendo necessárias transformações na sociedade em que essa pessoa está inserida, garantia de renda, acesso a atendimento de saúde com qualidade e ambientes que estimulem e facilitem o convívio de pessoas com incapacidades funcionais, ou seja, sua habitação(1), sobretudo, em conhecer esse estrato populacional em relação às condições sociodemográficas e de saúde, à capacidade funcional e à Funcionalidade Familiar (FF).
Essa evolução silenciosa na demografia intergeracional da família tem proporcionado o convívio do idoso com maior número de gerações e em menor quantidade de entes por geração. Tal convívio se faz oportunidade para transformações estruturais no contexto familiar, com contribuições e atribuições vinculadas aos diferentes atores.
As formas de agrupamento familiar vêm se modificando desde 1960, sendo esculpidas por características sociais (individualismo e consumo imediato de objetos materiais, entre outros), alterando as relações intrafamiliais(5-6).
A investigação da dinâmica familiar explora e visualiza se há harmonia ou desarmonia nas relações familiares, sob a ótica do idoso em idade avançada, em relação ao cuidado recebido de sua família, como um fator estressor ou protetor(7). Aspectos subjetivos, como se adaptar às novas realidades frente às situações de estresse, compartilhar decisões e responsabilidades de maneira a manter seus membros protegidos e alimentados, apoiar novas ideias e direções, interagir emocionalmente no contexto familiar e ter tempo compartilhado, podem ser avaliados antes da intervenção familiar.
Um teste de screening é o Adaptation, Partnership, Growth, Affection and Resolve (APGAR) de Família que, por meio de cinco questões, analisa os seguintes domínios: adaptação, companheirismo, desenvolvimento, afetividade e capacidade resolutiva(7-8). Altos escores, resultantes da soma dos domínios, revelam a capacidade da família de se adaptar às novas situações e gerenciar conflitos, com vistas à FF, enquanto que baixos escores revelam um ambiente com baixa capacidade de adaptação à nova situação, requerendo intervenção precoce(9).
Desse modo, no âmbito da atenção à saúde de pessoas com 80 anos ou mais, o instrumento APGAR pode ser um forte aliado na avaliação das relações familiares e detecção de fatores de risco que merecem intervenção. Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores associados à FF dos longevos não institucionalizados residentes em Goiânia (GO), Brasil.
MÉTODOS
Estudo epidemiológico, de base populacional, com delineamento transversal por meio de entrevistas domiciliares com pessoas idosas, realizado em uma capital do Centro-Oeste brasileiro, que contava com mais de um milhão de habitantes. Destes, 7,9% eram longevos.
A população de estudo constitui-se de idosos residentes em área urbana oriundas da amostra probabilística da pesquisa matriz, do banco de dados da Rede de Vigilância à Saúde do Idoso (REVISI). O cálculo amostral considerou os seguintes parâmetros: frequência esperada de 30% para todos os objetivos do inquérito, nível de significância de 5%, precisão absoluta de 5,0%, efeito de delineamento de 1,8. A amostra representativa foi de 934 idosos.
O processo de amostragem foi probabilístico por conglomerados, em múltiplos estágios. No primeiro estágio, foram sorteados 56 setores censitários, entre os 912 setores do município estritamente urbanos. O segundo estágio foi constituído por sorteio do quarteirão, esquina e domicílio a ser visitado.
A amostra atendeu os critérios de elegibilidade: (1) idade igual ou superior a 80 anos; (2) residência na área urbana de Goiânia; (3) morador do domicílio visitado; e (4) ter respondido todas as cinco questões acerca do APGAR de Família. Foram excluídos idosos que estivessem no domicílio sorteado, mas que não residissem nele, além dos questionários respondidos por cuidadores e/ou familiares, resultando em 131 indivíduos.
Após o teste piloto, iniciou-se a coleta de dados por entrevistadores treinados, no período de dezembro de 2009 e abril de 2010. Foi solicitada autorização do idoso por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, em espaço reservado, aplicou-se o questionário semiestruturado, contendo caracterização socioeconômica e demográfica, informações sobre o cuidador, condições de saúde e dor autorreferidas, quedas, hospitalização no último ano e acesso a serviços de saúde. A avaliação da capacidade funcional foi mensurada pelas escalas de Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD), Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD) e a avaliação cognitiva por meio do Miniexame do Estado Mental (MEEM). A dinâmica familiar, sob a ótica do idoso, foi mensurada pelo índice APGAR de Família.
A escala de ABVD afere a independência no desempenho de atividades relacionadas ao autocuidado(10). Essa variável de exposição foi escalonada em independência total, dependência parcial e totalmente dependente. As atividades que avaliam o idoso no ambiente e entorno, por meio da AIVD, foram escalonadas em 9 a 27 pontos, em que 9 se refere à dependência total e 27, a independência no desempenho dessas atividades(11).
O MEEM foi aplicado para verificar a função cognitiva, tendo sido escolhido por ser usado em estudos populacionais nos diversos cenários de prática(12). Para as notas de corte, consideraram-se os anos de escolaridade, a saber: 20 pontos para analfabetos; 25 pontos para 1 a 4 anos de estudo; 26 pontos para 5 a 8 anos; 28 pontos para 9 a 11 anos; e 29 pontos para mais de 11 anos. Esse teste não substitui a avaliação neuropsicológica nos sujeitos com baixos escores, necessitando que a investigação de perdas funcionais seja verticalizada(12-13).
Para avaliar a dinâmica familiar, aplicou-se o APGAR de Família(8). O acrônimo APGAR deriva das palavras Adaptation (Adaptação), Partnership (Companherismo), Growth (Desenvolvimento), Affection (Afetividade) e Resolve (Capacidade resolutiva). Aos cinco domínios são atribuídos valores de zero, 1 e 2 pontos. Zero para a opção “nunca”, 1 para “algumas vezes” e 2 “para sempre”. A soma total dos escores oscila em uma escala de zero a dez pontos, em que: de zero a 4, a indicação é de elevada disfunção familiar (EDF); de 5 a 6, de moderada disfunção familiar (MDF); e de 7 a 10, de boa FF (BFF)(8,13). Em outros termos, a FF é expressa por escores ≥7 e a Disfuncionalidade Familiar (DF) por escores <7 pontos(8,13).
Nesse sentido, as variáveis de exposição foram características socioeconômicas, demográficas, condições de saúde autorreferidas, capacidade funcional e cognitiva. A BFF foi a variável desfecho.
Os dados foram digitados no programa Excel for Windows®2003-2007 após dupla conferência. A análise dos dados foi obtida por medidas de frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão no software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows® versão 20.0. Para análise de associação univariada entre a BFF dos longevos e variáveis de exposição, utilizaram-se o teste Qui quadrado ou Fischer, e nível de significância de 5%. A medida de efeito utilizada foi a razão de prevalência (RP). A regressão logística múltipla foi aplicada para identificar os fatores associados à BFF por meio da construção do modelo com as variáveis preditoras, que obtiveram valor de p ≤0,20 na análise univariada.
As variáveis que entraram na análise multivariada foram escalonadas em dois blocos, sendo Bloco 1 − socioeconômico demográfico (estado civil, ter filhos, nível de escolaridade, residentes no domicílio e tipo de moradia); e Bloco 2 − condições de saúde autorreferida (autopercepção de saúde, quedas e procura por serviços de saúde).
Os cuidados éticos que conduzem pesquisas envolvendo seres humanos foram resguardados, segundo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG), sob o protocolo 050/2009.
RESULTADOS
Dentre os 934 entrevistados, 173 (18,5%) eram longevos. Destes, 131 (75,72%) responderam as cinco questões do AP-GAR de Família. A Tabela 1 expõe a caracterização sociodemográfica e revela uma média de idade de 83,87 anos, máximo de 94 anos (±3,389), predomínio do sexo feminino (61,8%), condição de viuvez (50,4%), escolaridade primária (59,5%), residindo em família extensa (40,5%), com filhos (92,4%), em casa própria (82,4%), recebendo proventos (96,2%), procedentes de aposentadoria (55,7%), por idade (37,4%).
Tabela 1 Distribuição dos idosos de acordo com as condições socioeconômicas e demográficas, e fatores associados à Funcionalidade Familiar, nos longevos residentes em Goiânia (GO), 2010 (n = 131)
Variáveis | n (%) | Família funcional n (%) | Família disfuncional n (%) | RP (IC95%) | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Masculino | 50 (38,2) | 45 (90,0) | 5 (10,0) | 1,00 | |
Feminino | 81 (61,8) | 73 (90,1) | 8 (9,9) | 1,00 (0,89-1,12) | 0,601 |
Estado civil | |||||
Casado | 51 (38,9) | 47 (92,2) | 4 (7,8) | 1,04 (0,93-1,16) | 0,519 |
Solteiro | 8 (6,1) | 4 (50,0) | 4 (50,0) | 0,54 (0,27-1,08) | 0,003* |
Viúvo | 66 (50,4) | 63 (95,5) | 3 (4,5) | 1,13 (1,01-1,27) | 0,061 |
Divorciado | 5 (3,8) | 3 (60,0) | 2 (40,0) | 1,00 | |
Escolaridade | |||||
Analfabeto | 23 (17,6) | 18 (78,3) | 5 (21,7) | 0,85 (0,68-1,06) | 0,053 |
Sabe ler e escrever | 10 (7,6) | 9 (90,0) | 1 (10,0) | 1,00 (0,81-1,24) | 0,737 |
Primário | 78 (59,5) | 75 (96,2) | 3 (3,8) | 1,19 (1,04-1,37) | 0,004* |
Ensino médio | 15 (11,5) | 11 (73,3) | 4 (26,7) | 0,80 (0,58-1,08) | 0,049* |
Superior | 4 (3,1) | 4 (100,0) | 0 (0,0) | 1,00 | |
Residente domicílio | |||||
Unirresidente | 13 (9,9) | 9 (69,2) | 4 (30,8) | 0,72 (0,50-1,04) | 0,026* |
Cônjuge | 21 (16,0) | 20 (95,2) | 1 (4,8) | 1,07 (0,95-1,20) | 0,340 |
Somente com filhos | 21 (16,0) | 20 (95,2) | 1 (4,8) | 1,07 (0,95-1,20) | 0,340 |
Cônjuge e filhos | 22 (16,8) | 20 (90,9) | 2 (9,1) | 1,00 | |
Cônjuge/filhos/outros | 53 (40,5) | 48 (90,6) | 5 (9,4) | 1,01 (0,90-1,13) | 0,905 |
Tem filhos | |||||
Sim | 121 (92,4) | 112 (92,6) | 9 (7,4) | 1,67 (0,93-3,00) | 0,005* |
Não | 9 (6,9) | 5 (55,6) | 4 (44,4) | 1,00 | |
Renda | |||||
Até 1 SM | 39 (29,8) | 33 (84,6) | 6 (15,4) | 1,00 | |
1-3 SM | 40 (30,5) | 36 (90,0) | 4 (10,0) | 1,01 (0,89-1,15) | 0,561 |
>3 SM | 42 (32,1) | 39 (92,9) | 3 (7,1) | 1,06 (0,94-1,20) | 0,272 |
Origem da renda | |||||
Aposentadoria | 73 (55,7) | 63 (86,3) | 10 (13,7) | 0,91 (0,82-1,02) | 0,242 |
Pensão | 23 (17,6) | 21 (91,3) | 2 (8,7) | 1,00 | |
Outros | 30 (23,0) | 29 (96,67) | 1 (3,33) | 1,10 (1,00-1,22) | 0,133 |
Moradia | |||||
Própria | 108 (82,4) | 100,0 (92,6) | 8 (7,4) | 1,20 (0,95-1,51) | 0,044* |
Alugada | 12 (9,2) | 9 (75,0) | 3 (25,0) | 0,82 (0,59-1,14) | 0,101 |
Emprestada | 10 (7,6) | 8 (80,0) | 2 (20,0) | 1,00 |
*Valor de p<0,05. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%; SM: salário mínimo.
Entre os entrevistados, prevaleceram autopercepção de saúde regular (45,0%), queixa de dor (58,8%), hipertensão arterial (60,8%), défice visual (90,8%), quedas (41,2%) e procura do serviço de saúde (70,2%) (Tabela 2).
Tabela 2 Funcionalidade Familiar e doença autorreferida, hospitalização e queda de longevos do Município de Goiânia(GO), 2010 (n=131)
Variáveis | n (%) | Família funcional | Família disfuncional | RP (IC95%) | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | ||||
Autopercepção de saúde | |||||
Ótima/boa | 53 (40,4) | 49 (92,45) | 4 (7,55) | 1,00 | |
Regular | 59 (45,0) | 54 (91,5) | 5 (8,5) | 1,06 (0,94-1,20) | 0,529 |
Ruim/péssima | 12 (9,2) | 8 (66,7) | 4 (33,3) | 0,72 (0,48-1,09) | 0,022* |
Dor | |||||
Sim | 77 (58,8) | 69 (89,6) | 8 (10,4) | 0,99 (0,88-1,11) | 0,831 |
Não | 54 (41,2) | 49 (90,7) | 5 (9,3) | 1,00 | |
Doença autorreferida | |||||
Hipertensão | |||||
Sim | 79 (60,8) | 69 (87,3) | 10 (12,7) | 0,93 (0,83-1,04) | 0,220 |
Não | 50 (38,5) | 47 (94,0) | 3 (6,0) | 1,00 | |
Diabetes | |||||
Sim | 20 (15,3) | 17 (85,0) | 3 (15,0) | 0,93 (0,77-1,13) | 0,315 |
Não | 111 (84,7) | 101 (91,0) | 10 (9,0) | 1,00 | |
DPOC | |||||
Sim | 19 (14,5) | 18 (94,7) | 1 (5,3) | 1,06 (0,94-1,20) | 0,405 |
Não | 112 (85,5) | 100 (89,3) | 12 (10,7) | 1,00 | |
AVE | |||||
Sim | 10 (7,6) | 9 (90,0) | 1 (10,0) | 1,00 (0,81-1,24) | 0,662 |
Não | 121 (92,4) | 109 (90,1) | 12 (9,9) | 1,00 | |
Doença oesteomuscular | |||||
Sim | 29 (22,1) | 26 (89,7) | 3 (10,3) | 1,00 (0,87-1,15) | 0,602 |
Não | 99 (75,6) | 89(89,9) | 10 (10,1) | 1,00 | |
Osteoporose | |||||
Sim | 48 (36,6) | 46 (95,8) | 2 (4,2) | 1,10 (1,00-1,22) | 0,080 |
Não | 83 (63,4) | 72 (86,7) | 11 (13,3) | 1,00 | |
Câncer | |||||
Sim | 9 (6,9) | 9 (100,0) | - | 1,12 (1,05-1,19) | 0,378 |
Não | 122 (93,1) | 109 (89,3) | 13 (10,7) | 1,00 | |
IAM | |||||
Sim | 7(5,3) | 7 (100,0) | - | 1,12 (1,05-1,19) | 0,469 |
Não | 123 (93,9) | 110 (89,4) | 13 (10,6) | 1,00 | |
Défice visual | |||||
Sim | 119 (90,8) | 106 (89,1) | 13 (10,9) | 0,89 (0,84-0,95) | 0,268 |
Não | 12 (9,2) | 12 (10,2) | - | 1,00 | |
Défice auditivo | |||||
Sim | 62 (47,4) | 57 (92,0) | 5 (8,0) | 1,04 (0,93-1,17) | 0,482 |
Não | 68 (51,9) | 60 (88,2) | 8 (11,8) | 1,00 | |
Quedas | |||||
Sim | 54 (41,2) | 52 (96,3) | 2 (3,7) | 1,13 (1,01-1,25) | 0,085 |
Não | 76 (58,0) | 65 (85,5) | 11 (14,5) | 1,00 | |
Procura do serviço saúde | |||||
Sim | 92 (70,2) | 87 (94,6) | 5 (5,4) | 1,21 (1,01-1,44) | 0,009* |
Não | 37 (28,2) | 29 (78,4) | 8 (21,6) | 1,00 | |
Hospitalização nos últimos 12 meses | |||||
Sim | 34 (26,0) | 32 (94,1) | 2 (5,9) | 1,07 (0,96-1,20) | 0,255 |
Não | 91 (69,5) | 80 (87,9) | 11 (12,1) | 1,00 |
*Valor de p<0,05. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; AVE: acidente vascular encefálico; IAM: infarto agudo do miocárdio.
Com relação à capacidade funcional, mais da metade dos idosos longevos relatou necessitar de auxílio de alguém para alguma atividade (52,7%), contudo, grande parcela revelou ainda independência para ABVD (93,1%) e dependência parcial para AIVD (81,7%). Ao se avaliar a função cognitiva, a pontuação média do MEEM foi de 23,5 pontos (±3,242). (Tabela 3).
Tabela 3 Funcionalidade Familiar segundo presença de cuidador, capacidade funcional e Mini exame do Estado Mental (MEEM) em longevos do Município de Goiânia (GO), 2010 (n = 131)
Variáveis | n (%) | Família funcional | Família disfuncional | RP (IC95%) | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | ||||
Precisa de ajuda | |||||
Sim | 69 (52,7) | 62 (89,9) | 7 (10,1) | 1,00 (0,89-1,12) | 0,814 |
Não | 61 (46,6) | 55 (90,2) | 6 (9,8) | 1,00 | |
Tem alguém para ajudar | |||||
Sim | 72 (55,0) | 67 (93,1) | 5 (6,9) | 1,09 (0,96-1,24) | 0,253 |
Não | 54 (41,2) | 46 (85,2) | 8 (14,8) | 1,00 | |
ABVD | |||||
Independência total | 122 (93,1) | 110 (90,2) | 12 (9,8) | 1,01 (0,80-1,29) | 0,621 |
Dependência parcial | 8 (6,1) | 8 (100,0) | - | 1,12 (1,05-1,19) | 0,422 |
Dependência total | 1 (0,8) | - | 1 (100,0) | 1,00 | |
AIVD | |||||
Independência total | 24 (18,3) | 21 (87,5) | 3 (12,5) | 1,00 | |
Dependência parcial | 107 (81,7) | 97 (90,65) | 10 (9,35) | 1,04 (0,88-1,22) | 0,438 |
Dependência total | - | ||||
MEEM | |||||
Analfabetos | 17 (16,8) | 14 (82,4) | 3 (17,6) | 0,90 (0,71-1,13) | 0,221 |
1-4anos | 55 (54,5) | 49 (89,1) | 6 (10,9) | 0,98 (0,86-1,11) | 0,488 |
5-8anos | 18 (17,8) | 17 (94,4) | 1 (5,6) | 1,06 (0,93-1,21) | 0,434 |
9-11 anos | 4 (4,0) | 4 (100,0) | - | 1,00 | |
>11 anos | 7 (6,9) | 7 (100,0) | - | 1,12 (1,04-1,20) | 0,470 |
*Valor de p<0,05. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%; ABVD: Atividades Básicas de Vida Diária; AIVD: Atividades Instrumentais de Vida Diária.
A dinâmica familiar expressa pela BFF foi estimada em 90,1% (n=118). A DF foi estimada em 9,9% (n=13), distribuídos em 5,3% com MDF (n=7) e 4,6% (n=6) com EDF. A média do escore foi de 9,06 pontos (±2,067).
Com respeito aos domínios do APGAR de Família, o primeiro domínio, “Estou satisfeito(a), pois posso recorrer à minha família em busca de ajuda quando alguma coisa está me incomodando ou preocupando” referiu-se ao componente Adaptação. Nessa questão, 5 (3,8%) idosos afirmaram nunca estarem satisfeitos com o membro familiar quanto à assistência recebida, 12 (9,2%) responderam que às vezes e 114 (87,2%) sempre estavam satisfeitos por poderem recorrer à família em busca de ajuda quando precisavam.
O segundo domínio referiu-se ao componente Companheirismo, “Estou satisfeito(a) com a maneira com a qual minha família e eu conversamos e compartilhamos os problemas”. Nesse domínio, 6 (4,6%) idosos afirmaram nunca estarem satisfeitos com a capacidade da família de compartilhar decisões e responsabilidades, 9 (6,9%) responderam que às vezes e 116 (88,5%) que sempre estavam satisfeitos com a comunicação entre seus membros, bem como a proteção e alimentação destinada aos mesmos. Esse foi o domínio com maior percentual de aceitabilidade do idoso.
O terceiro domínio, “Estou satisfeito(a) com a maneira como minha família aceita e apoia meus desejos de iniciar ou buscar novas atividades e procurar novos caminhos ou direções”, referiu-se ao componente Desenvolvimento. Neste item, 6 (4,6%) idosos afirmaram nunca estarem satisfeitos com a maneira como a unidade familiar era gerida, tanto na área estrutural, como emocional, 16 (12,2%) responderam que às vezes e 109 (83,2%) sempre estavam satisfeitos com a maneira como qual sua família o auxiliava.
O quarto domínio, “Estou satisfeito(a) com a maneira como minha família demonstra afeição e reage às minhas emoções, tais como raiva, mágoa ou amor”, referiu-se ao componente Afetividade. Nesse item, 3 (2,3%) idosos afirmaram nunca estarem satisfeitos com a maneira como a unidade familiar era gerida, tanto na área estrutural, quanto emocional, 15 (11,5%) responderam que às vezes e 113 (86,3%) sempre estavam satisfeitos com o carinho destinado às interações emocionais no contexto familial.
O quinto domínio, “Estou satisfeito(a) com a maneira com a qual minha família e eu compartilhamos o tempo”, referiu-se ao domínio Capacidade Resolutiva existente na unidade familiar. Neste último domínio, 5 (3,8%) idosos afirmaram nunca estarem satisfeitos com a capacidade resolutiva da família, 21 (16,0%) responderam que às vezes e 105 (80,2%) sempre estavam satisfeitos com o tempo compartilhado.
Na análise univariada, foram associados à BFF nos longevos do Bloco 1: estado civil solteiro (p=0,003), nível de escolaridade primária (p=0,004), Ensino Médio (p=0,004), residir em ambiente unipessoal (p=0,026), ter filhos (p=0,005), em casa própria (p=0,044). Foram associados aos do Bloco 2: saúde autorreferida ruim/péssima (p=0,022) e procura do serviço de saúde (p=0,009). Após a análise multivariada de Poisson, permaneceram associadas à BFF as variáveis de exposição: saúde ruim/péssima (RP: 1,33; IC95%: 1,13-1,57), osteoporose (RP: 1,11; IC95%: 1,02-1,21) e quedas (RP: 1,14; IC95%:1,06-1,23) (Tabela 4).
Tabelas 4 Variáveis preditoras que mantiveram associadas à Funcionalidade Familiar em longevos do Município de Goiânia (GO), 2010 (n=131)
Variáveis | RP (IC95%) | Valor de p* | RP (IC95%) | Valor de p* |
---|---|---|---|---|
bruta | ajustada | |||
Autopercepção de saúde | ||||
Ótima/boa | 1,00 | |||
Regular | 1,06 (0,94-1,20) | 0,529 | 1,00 | |
Ruim/péssima | 0,72 (0,48-1,09) | 0,022* | 1,33 (1,13-1,57) | 0,000* |
Osteoporose | ||||
Sim | 1,10 (1,00-1,22) | 0,080 | 1,11 (1,02-1,21) | 0,014* |
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Quedas | ||||
Sim | 1,13 (1,01-1,25) | 0,085 | 1,14 (1,06-1,23) | 0,000* |
Não | 1,00 | 1,00 |
*Valor de p<0,05. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%
DISCUSSÃO
A maioria dos idosos revelou uma dinâmica familiar com BFF, demonstrando que a família estava apta a cuidar de seus idosos, como encontrado em outros estudos(9,14-15).
Dentre os domínios do APGAR de Família, a BFF foi estimada no domínio companheirismo, seguido da adaptação, indicando que há uma maior atenção da família ao idoso em relação ao compartilhamento de decisões, responsabilidades, proteção e afetividade frente às situações de estresse familiar, com vista ao equilíbrio familiar. Quanto ao tempo compartilhado e a resolução de problemas, esse domínio foi desvelado pelos idosos como de menor atenção pelos familiares, corroborando outros achados(16).
Por outro lado, esse resultado sugere uma análise verticalizada das relações e do convívio intergeracional, uma vez que esse maior contato e a maior demanda de atenção da família para com o idoso podem induzir à DF pelo impacto das doenças crônicas não transmissíveis, além de desencadear conflitos e insatisfação por parte do idoso, o que pode impulsionar mudanças de papéis intrafamiliares e eleição do cuidador principal(17). Nesse contexto, destacam-se a doença isquêmica do coração, o acidente vascular encefálico (AVE), os distúrbios visuais e as doenças pulmonares crônicas obstrutivas (DPOC)(4).
Quanto às condições de saúde autorreferidas, o idoso que relatou piores condições de saúde revelou uma melhor dinâmica familiar. É sabido que a família constitui fator decisivo para uma velhice bem-sucedida e a respectiva qualidade de vida (QV) do idoso(18-19). Nesse contexto do envelhecimento e de condições de saúde autorreferidas, observa-se um maior consumo dos serviços de saúde por parte dos idosos, o qual está relacionado ao percurso de vida do indivíduo, resultante de hábitos de vida(4), evidenciando que a associação entre saúde e comportamento, no decorrer da vida, influencia a QV de idosos e a FF(20).
Em outros termos, idade e FF influenciam na QV das pessoas, ou seja, quanto maior a FF melhor a QV, e quanto maior a idade, pior a QV(21). O papel do apoio intrafamiliar na QV do idoso se revelou um fator promotor da QV e do melhor estado de saúde(22). Nesse sentido, a geração mais velha, por não ser homogênea, necessita de políticas verticalizadas para as reais necessidades, considerando sexo, etnia, educação, renda e saúde(1).
Não foram encontrados estudos que associassem FF pelo APGAR de Família e osteoporose. No entanto, a associação entre FF e osteoporose pode refletir na dinâmica familiar, uma vez que os ambientes adequados para atividade física, apoio social e infraestrutura contribuem para um comportamento mais ativo e, consequentemente, maior independência funcional e melhor QV(23).
Quanto à FF e à variável de exposição queda, sabe-se que a mesma pode piorar o estado de saúde, em espiral descendente, resultando em cuidados de longa duração, devido à maior possibilidade de dependência, perda da autonomia, confusão, imobilização, depressão e morte(4). Esses fatores podem influenciar a FF e alterar a dinâmica familiar, em razão da maior demanda de atenção, das mudanças de papéis e dos novos estilos de relações familiares(9).
CONCLUSÃO
Após a análise multivariada, a Funcionalidade Familiar, nos longevos, permaneceu associada à autopercepção de saúde ruim/péssima, osteoporose e queda. Esses resultados preenchem uma lacuna na literatura científica, por ser esta uma pesquisa inovadora no Centro Oeste brasileiro e também por permitir uma melhor caracterização dos longevos quanto à Funcionalidade Familiar.
Diante da transição demográfica e epidemiológica vivenciada na contemporaneidade, são necessárias a elaboração e a aplicabilidade das políticas públicas existentes às reais necessidades desse estrato populacional. Para tanto, os resultados contribuem, no âmbito da prática clínica para o melhor planejamento e fortalecimento da família na assistência domiciliária, com suporte e atenção da Enfermagem que atua na Atenção Básica, ou seja, no cuidado domiciliar, a família deve ser priorizada como cuidadora e parceira na atenção a essas pessoas.
Contudo, as limitações metodológicas deste estudo devem ser consideradas, sobretudo o delineamento transversal, que não permitiu inferir relações de causalidade entre a Funcionalidade Familiar e os fatores associados.