INTRODUÇÃO
Atualmente, o Brasil apresenta várias mudanças relacionadas ao perfil demográfico, com modificação da pirâmide etária. O Brasil, considerado um país de jovens, hoje mostra outra realidade, um expressivo aumento da sobrevida e consequente elevação do número de pessoas na terceira idade.
No processo de envelhecimento, podem ser apontadas mudanças significativas. Uma modificação importante é a que ocorre com o corpo. A movimentação física de um corpo com limitações impostas pelo tempo é um processo biológico esperado. Há de se desconsiderar a velhice enquanto insígnia clínica e buscar promover uma melhor adaptação dessas pessoas à sua realidade, potencializando as fortalezas, não se detendo apenas nas dificuldades por elas vivenciadas(1).
Vivenciar a velhice é conviver com modificações corporais, como o aparecimento de rugas, os cabelos brancos, a diminuição da elasticidade da pele, a perda dos dentes, as modificações no esqueleto que, por sua vez, implicam problemas musculares e encurtamento postural, os problemas de circulação, a desaceleração do metabolismo e dos impulsos nervosos que alteram os sentidos do idoso, enfim, as modificações físicas e fisiológicas do envelhecimento(2).
É necessário observar que a velhice não se caracteriza apenas pelos anos vividos, como processo biológico que transparece nas rugas do rosto, no andar mais inseguro, na vista imperfeita e, assim, sucessivamente. Há quem envelhece biologicamente, mas permanece jovem interiormente.
A sexualidade é uma dimensão inerente a cada pessoa, presente em todos os aspectos da vida, inclusive na velhice e influencia, individualmente, o modo de cada um se manifestar, comunicar, sentir e expressar. Pode ser vista enquanto identidade, explicitada na forma como o indivíduo estabelece a relação consigo e com o mundo, e está presente desde antes do nascimento até o momento da morte. É parte integrante da personalidade do ser humano e seu desenvolvimento se completa enquanto necessidade humana básica, como o desejo de contato, intimidade expressão emocional, prazer, amor e carinho(3).
Contudo, há lacuna quanto às ações de promoção da saúde de idosos a respeito da sexualidade(4). A ausência do olhar direcionado para essa vivência tem proporcionado consequências físicas e psíquicas importantes junto aos idosos. Há necessidade de diálogo aberto sobre a sexualidade com esse grupo etário. A muralha que envolve esse tema somente predispõe os indivíduos, inclusive os profissionais de saúde, a reforçarem os tabus existentes e a consumar a vulnerabilidade de idosos frente a problemas psíquicos e físicos (no caso as doenças sexualmente transmissíveis) por ausência de informações e debate sobre a vivência da sexualidade enquanto prática importante do envelhecimento saudável(5).
A qualidade de vida na terceira idade pode ser definida como a manutenção da saúde em seu maior nível possível. Homens e mulheres que chegam à velhice desempenham inúmeras atividades individuais e em grupos, onde vivenciam momentos de lazer e sensação de liberdade, sentindo-se ativos e vivendo a velhice com qualidade, saúde e autonomia(6).
A sexualidade na terceira idade é um tema restrito e, muitas vezes, esquecido por profissionais da saúde e até mesmo pela sociedade, construindo o imaginário de idosos como seres assexuados. Apesar de se pensar na velhice como uma idade de limitações, esta fase da vida pode ser muito frutífera como qualquer outra fase no que se refere à vivência do amor e da sexualidade. Porém, envelhecer também pode propiciar restrições e minimizar a autonomia desses indivíduos sobre a vivência da sua sexualidade, mantendo assim estereótipos sobre a intimidade sexual dos idosos(7-8).
O exercício da sexualidade está intimamente imbricado com a produção do prazer. A despeito de ser conceito abrangente, na maioria das vezes, a sexualidade é reconhecida apenas através do ato sexual. Na perspectiva psicanalítica, a sexualidade é direcionada para o prazer e suas diversas variações qualitativas e quantitativas, interligadas à afetividade, às relações, bem como ao erotismo e à relação sexual(9).
Na concepção reducionista da vivência da sexualidade através do coito, alguns idosos sentem-se excluídos, pois o ato sexual, muitas vezes, é afetado por alterações corporais provenientes da idade (disfunção erétil, alterações hormonais)(8,10).
Mediante problematizações desencadeadas durante a vida acadêmica e consolidadas por vivência durante estágio de saúde do idoso, percebeu-se o pacto do silêncio que envolve a temática. Logo, questionou-se: como o profissional de saúde pode cuidar e acolher as demandas dos sujeitos sem espaço de escuta, de diálogo? Como esses idosos reconhecem a sua sexualidade? Partindo dessa perspectiva, elaborou-se o questionamento condutor deste estudo: quais as representações dos idosos sobre sexualidade?
A sexualidade é constituinte necessário na vida de indivíduos na terceira idade. Nessa realidade, novas reflexões de profissionais da saúde tornam-se indispensáveis para o planejamento de ações específicas, objetivando a atenção integral à saúde do idoso. Compreender como essa temática é representada por eles amplia o conhecimento e propicia a condução de novas propostas interventivas junto a este grupo populacional(11).
Tal compreensão pode fortalecer os profissionais que cuidam, preparando-os para um processo reflexivo que direcione ações pautadas nas representações dos sujeitos, um cuidado que acolhe as necessidades e peculiaridades desses idosos na promoção de melhor qualidade de vida. Desta forma, objetivou-se conhecer a representação social sobre sexualidade de idosos, com base na Teoria das Representações Sociais.
MÉTODO
Pesquisa descritiva e exploratória, amparada na Teoria das Representações Sociais com análise qualitativa. A importância de estudos no campo das representações sociais relacionados com a prática de saúde assume importância, pois possibilita alternativa ao entendimento dos processos e mecanismos pelos quais os sentidos do objeto de estudo são construídos pelos sujeitos em suas relações cotidianas, abordando assim a construção da sua realidade na inserção do seu universo(12). Assim, esta abordagem parece ser particularmente útil para análise e compreensão da problemática investigada.
As representações sociais emergem de proposições e esclarecimentos oriundos da vida e do que brota nas suas relações, proferindo, por meio das representações, definição generalista destinada à interpretação e elaboração da realidade. O conhecimento apresenta-se socialmente elaborado e concorre para construção da realidade de um determinado grupo social(13).
A teoria das representações sociais foi proposta por Moscovici e complementada ao longo do tempo por proposições específicas, como a teoria do núcleo central que ampara a discussão dos dados deste estudo. Para esse referencial, os elementos se estruturam em um sistema sociocognitivo e a representação social apresenta característica específica organizada em um núcleo central e outros elementos que constituem a periferia e agregam significado à representação(14).
O estudo foi desenvolvido em Unidade Básica de Saúde da Família (UBASF) de Maracanaú (CE). A amostra deu-se por conveniência após realização de oito visitas realizadas por dois pesquisadores de campo em turnos diferenciados (manhã e tarde) a essa UBASF no período de março a abril de 2013. Todos os idosos que se encontravam na sala de espera da unidade foram convidados a participar do estudo, totalizando uma amostra de 30 idosos que concordaram em participar voluntariamente da pesquisa. Optou-se incluir no estudo idosos que fossem alfabetizados, possibilitando assim o registro das palavras evocadas.
Precedeu-se à evocação livre de palavras e o preenchimento de um questionário com dados sócios demográficos para caracterização da amostra. A evocação livre de palavras, apresentando como termo indutor "sexualidade", foi realizada individualmente. Foi solicitado aos idosos que escrevessem cinco palavras que viessem imediatamente às suas mentes quando pensavam em sexualidade e suas respostas foram elencadas por ordem de importância. Essa técnica de coleta de dados permite colocar em evidência o universo semântico do objeto estudado(15).
Os dados coletados pela técnica de associação livre de palavras foram inventariados em arquivo Word® e processados por meio do software EVOC 2000, que estrutura os termos produzidos em função da hierarquia subjacente à frequência e à ordem de evocação. Foram utilizados cinco dos programas que compõe o EVOC 2000: o Lexique, que isola as unidades léxicas; o Trievoc, que após triagem das unidades evocadas as organiza em ordem alfabética; o Nettoie que realiza uma limpeza de erros gráficos que apareçam no arquivo; o Rangmot que apresenta as frequências e médias das evocações e o Rangfrq, que produz o quadro de quatro casas.
O EVOC proporciona a identificação de elementos pertencentes ao provável núcleo central da representação, bem como os elementos intermediários e periféricos. Além disso, permite a realização de cálculos estatísticos, construindo matrizes de coocorrências, que servem de base para construção do quadro de quatro casas. Utilizou-se como parâmetro a frequência mínima de 3,0, a intermediária de 9,0 e o Rang de 3,0.
A distribuição das palavras evocadas formou o "quadro de quatro casas", que possibilitou visualizar o núcleo central, os elementos intermediários e periféricos de uma representação. Assim, para interpretar o quadro, procedeu-se da seguinte forma: no quadrante superior esquerdo localizam-se as palavras que constituem, muito provavelmente, o núcleo central da representação. Os elementos intermediários, ou seja, os que em razão dos aspectos qualitativos (rang e frequência média) corroboram o sentido do núcleo encontram-se no quadrante superior direito e inferior esquerdo. O quarto quadrante, inferior direito, apresenta elementos de periferia distantes(16).
O estudo atendeu às normas nacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos, com a prévia aprovação pelo Comitê de Ética da Escola de Saúde Pública do Ceará após submissão à Plataforma Brasil, conforme parecer nº 198.918 e CAAE 12217013.1.0000.5037, sendo seguidas as recomendações expressas na Resolução nº 466/12, sobre pesquisa com seres humanos(17).
RESULTADOS
Como previamente mencionado, foram entrevistados 30 idosos, 23 do sexo feminino e sete do masculino. Em relação ao estado civil, 21 eram casados, seis estavam viúvos e três encontravam-se solteiros. Dentre estes, houve resultado equitativo a respeito da religião adotada: 15 denominaram-se católicos e 15 evangélicos.
Ao escutarem o termo indutor sexualidade, os sujeitos evocaram, no total, 150 palavras. Destas, 43 eram diferentes e 35 se repetiram. As principais palavras, que tiveram repercussão na análise pelo software estão apresentadas no Quadro de Quatro casas e discutidas em seguida. As palavras evocadas que não apareceram no quadro de quatro casas foram: dedicação, diálogo, comunicação, dignidade, convívio, sinceridade, alegria, tolerância, entendimento, parceria, saúde, gostar, atração, desprezo, solidão, pudor, cumplicidade, responsabilidade, prazer, criatividade, carícias e moral. Isso se justifica pela baixa frequência com que foram evocadas, assim como eram anunciadas por último, ou seja, não eram faladas prontamente.
No quadro de quatro casas (Figura 01), observa-se, no quadrante superior esquerdo, possível núcleo central da representação dos idosos sobre sexualidade, em que se encontram as seguintes palavras: amor, carinho e respeito. Estas palavras foram mais evocadas pelos idosos. Os elementos intermediários foram constituídos pelos signos que se apresentam nos quadrantes superiores direito e inferior esquerdo: sexo, companheirismo, compreensão e convivência.
Figura 1 Quadro de quatro casas da análise das evocações ao termo indutor "sexualidade", Maracanaú, CE, Brasil, 2013
Frequência >= 9,0 / Rang <= 3 | Frequência >= 9,0 / Rang <= 3 | ||||
Amor | 25 | 2,7 | Sexo | 9 | 3,3 |
Carinho | 16 | 2,8 | |||
Respeito | 22 | 2,6 | |||
Elementos Intermediários | Elementos Periféricos | ||||
Frequência >= 9,0 / Rang <= 3 | Frequência >= 9,0 / Rang <= 3 | ||||
Companheiris | mo 8 | 2,8 | Amizade | 4 | 4,2 |
Compreensão | 6 | 2,8 | Atenção | 5 | 4,2 |
Convivência | 3 | 2,0 | Confiança | 3 | 4,0 |
Cuidado | 3 | 3,3 | |||
Fidelidade | 4 | 3,5 |
DISCUSSÃO
O núcleo central comporta-se como elemento mais estável da representação, podendo variar na natureza dos elementos periféricos(14). Assim, o que emerge dessas evocações remete à reflexão de que a representação da sexualidade transcende o biológico e afasta a ideia latente do ato sexual enquanto vivência primeira e única da sexualidade. Os termos que compuseram o núcleo central apontaram condições relacionais profundas que demostram a importância primeira na vivência da sexualidade.
No tocante aos possíveis elementos do núcleo central, a palavra amor apresentou a maior frequência de evocações (25 vezes), sendo o elemento léxico em segundo lugar em rang, conferindo ao signo prontas evocações pelos idosos. A palavra amor é expressa como importante para a percepção da sexualidade entre os idosos. A capacidade de sentir amor e de ser correspondido emergiu no discurso de idosos em estudo acerca da sexualidade para a manutenção de relações humanas e íntimas entre casais(20). Além disso, o amor propõe a cumplicidade entre os casais, o respeito mútuo e doação entre parceiros; fortalece a relação de forma poderosa e proporciona a modelagem das existências de gerações, dando sentido à vida(3).
A palavra respeito foi evocada 22 vezes e, mesmo não tendo a maior frequência, consolidou-se como o termo mais prontamente evocado de acordo com o rang (2,636). Carinho ficou em terceiro lugar em frequência de evocações e rang. Respeito e carinho, também integrantes do suposto núcleo central, apresentaram-se como necessários para o fortalecimento da convivência, pois o amor amadurecido tende a não exigir mudanças drásticas no outro. O carinho e a empatia fortalecem a convivência entre os casais(18).
Corrobora-se a ideia de que a mulher, antes do prazer sexual, considera amor, carinho e respeito como fundamentais. Dessa forma, conforma-se a visão dada pela mulher para a estabilidade da relação, por meio de sentimentos que favorecem a interação e vínculo como condições prévias para a abertura para o ato sexual. Isso porque, na maioria das vezes, a mulher não dissocia amar de fazer sexo(9).
Tal achado, entretanto, não exclui o sexo da vida desses indivíduos. A palavra sexo, apresentada no quadrante superior direito, foi o único elemento a compor a primeira periferia. Tal periferia apresenta palavras que obtiveram alta frequência de evocações, no entanto, não foram evocadas prontamente. A evocação desse signo foi realizada por sete idosos casados, um viúvo e um solteiro. Assim, pode-se pensar que as relações sexuais encontram-se vívidas entre casais idosos, contrariando, assim, o imaginário social que não eles têm vida sexual ativa.
Muitas vezes, o sexo e a sexualidade são compreendidos pela sociedade como sinônimos. Apesar de relacionarem a sexualidade como expressão de afeto e carinho, as pessoas entrelaçam e posicionam a sexualidade na relação sexual. No mesmo contexto, as carícias e o toque desempenham papéis fundamentais no exercício da sexualidade(19). Portanto, deve-se considerar que aspectos biológicos, psicológicos, sociais, culturais, éticos, históricos e religiosos influenciam as práticas sexuais de cada grupo social.
Entre o grupo da terceira idade, o desejo e a frequência sexual podem tornar-se mais espaçados. Em geral, além disso, os idosos tendem a procurar relações mais duradouras, e o ato sexual, apesar de continuar tão satisfatório quanto na juventude, caracteriza-se por uma excitação mais lenta e com orgasmo em menor intensidade. Portanto, o idoso é alguém que reconhece no ato sexual uma vivência afetiva e real, e mesmo diante das significativas mudanças próprias da idade, o corpo ainda é veículo de inúmeras possibilidades(3).
As palavras companheirismo, compreensão e convivência constituíram a zona intermediária, representada por evocações com menor frequência, porém mais prontamente enunciadas. Observou-se estrutura positiva em relação à vivência da sexualidade pelos idosos, já que dimensões afetivas (amor, carinho, companheirismo, compreensão), bem como comportamentais (sexo, respeito) associam-se à constituição representativa desses idosos. Esse aspecto deve provocar o repensar da sociedade e dos profissionais de saúde sobre as possibilidades de discussão mais ampliada em torno da temática.
Esse pensamento é reforçado pelos elementos que aparecem no quadrante inferior direito: amizade, atenção, confiança, cuidado, fidelidade e união. Apesar de aparecerem em frequência reduzida e com menos prontidão, concorrem para amplitude da compreensão de sexualidade pelos idosos, fomentando a possibilidade de redução do estigma existente no binômio relação sexualidade-terceira idade.
A relação entre essas palavras indica a percepção da necessidade de vínculo afetivo, entrega, responsabilização pelo outro. Estudo sobre a sexualidade entre idosos revela o reconhecimento da compreensão, conversa, entendimento, companheirismo e diálogo com meios para viver a sexualidade de forma plena e satisfatória(20).
É importante que os profissionais de saúde possam cuidar dos idosos, considerando as questões apresentadas relacionadas à sexualidade. Fomenta-se, assim, o desejo de que os achados deste estudo possam contribuir para sensibilização de profissionais de saúde em relação ao idoso enquanto ser complexo e integral, bem como a vivência da sexualidade como constituinte de envelhecimento com qualidade, possibilitando prática de cuidados livre de julgamentos e preconceitos. Tal amplitude propicia autonomia desses sujeitos, bem como possibilita espaços para discussões acerca saúde sexual desse idoso, como a prevenção de DST's/HIV/Aids(6,21).
O quantitativo reduzido de sujeitos pesquisados reforça a necessidade de maiores pesquisas relacionadas às representações sociais da sexualidade pelo idoso. Observou-se, também, no decorrer do estudo, um número pequeno de trabalhos científicos relacionados ao assunto, indicando urgência de estudos mais densos sobre sexualidade na terceira idade, em uma perspectiva ampliada.
CONCLUSÃO
As análises efetuadas com o material obtido permitiram apontar amor, respeito e carinho como elementos centrais que estruturam e organizam a representação social da sexualidade na terceira idade construída pelo grupo estudado com bases na Teoria das Representações Sociais. O sexo apareceu enquanto elemento periférico obtendo alta frequência de evocações, porém não enunciados prontamente, denotando não representar o aspecto mais importante para o idoso.
Aspectos relacionados à sexualidade dos idosos devem ser melhor trabalhados na academia, fomentando aos profissionais refletirem sobre os mecanismos que geram valores e atitudes em relação à temática.