Conceito de insuficiência familiar na pessoa idosa: análise crítica da literatura

Concepto de insuficiencia familiar en lo adulto mayor: análisis crítico de la literatura

RESUMO

Objetivo:

identificar na literatura os atributos do conceito "insuficiência familiar" na pessoa idosa.

Método:

análise crítica da literatura.

Resultados:

insuficiência familiar se caracteriza como um processo de interação psicossocial de estrutura complexa, fundado especialmente no baixo apoio social da pessoa idosa e no vínculo familiar prejudicado. Tem como antecedentes as transformações contemporâneas no sistema familiar, os conflitos intergeracionais, o comprometimento das relações familiares e a vulnerabilidade social da família. As consequências da insuficiência familiar incluem a vulnerabilidade social da pessoa idosa, o declínio da saúde psicológica e funcional, a menor qualidade de vida e o envelhecimento mal sucedido. Elaborou-se uma proposta teórica inédita para o conceito de insuficiência familiar na pessoa idosa com os atributos, antecedentes e consequentes identificados.

Conclusão:

os achados deste estudo constituem avanço teórico em relação à Síndrome Insuficiência Familiar na pessoa idosa, oferecendo dados para futuras pesquisas de campo no desenvolvimento do conceito.

Descritores:
Idoso; Relações Familiares; Formação de Conceitos

RESUMEN

Objetivo:

identificar en la literatura los atributos del concepto "insuficiencia familiar" en lo adulto mayor.

Método:

análisis crítico de la literatura.

Resultados:

insuficiencia familiar se caracteriza por un proceso de interacción psicosocial de estructura compleja, establecido especialmente en el bajo apoyo social de lo adulto mayor y en el vínculo familiar perjudicado. Tiene como antecedentes las transformaciones contemporáneas en el sistema familiar, los conflictos intergeneracionales, el comprometimiento de las relaciones familiares y la vulnerabilidad social de la familia. Los consecuentes de la insuficiencia familiar incluyen la vulnerabilidad social del adulto mayor, el deterioro de la salud psicológica y el funcional, menor calidad de vida y el envejecimiento mal sucedido. Una propuesta teórica sin precedentes se elaboró con el concepto de insuficiencia familiar en lo adulto mayor con los atributos, antecedentes y consecuentes identificados.

Conclusión:

los hallazgos de este estudio se constituyen en un avance teórico sobre la Síndrome de la Insuficiencia Familiar en lo adulto mayor, proporcionando datos para futuras investigaciones de campo en el desarrollo del concepto.

Palabras clave:
Anciano; Relaciones Familiares; Formación de Concepto

ABSTRACT

Objective:

to identify the attributes of the "family insufficiency" concept of the aged in the literature.

Method:

critical literature analysis.

Results:

family insufficiency is characterized as a complex process of psychosocial interaction, founded mainly on low social support of the aged and impaired family ties. Its antecedents are found in contemporary transformations within the family system, intergenerational conflicts, impaired family relationships and social vulnerability of the family. The consequences of family insufficiency include social vulnerability of the aged, decline of psychological and functional health, lower quality of life and unsuccessful aging. An original theoretical proposal was elaborated for the concept of family insufficiency in the elderly, with the identification of its attributes, antecedents and consequences.

Conclusion:

the findings of this study constitute a theoretical advancement in the Family Insufficiency Syndrome in elderly people and provide data for future field research in developing the concept.

Key words:
Aged; Family Relations; Concept Formation

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, por diferentes razões a expectativa de vida da população vem aumentando, em especial em função do desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente na área da saúde. No ano de 2050, a população com mais de 60 anos de idade será maior do que a população com menos de 15 anos e 80% das pessoas mais velhas do mundo viverá nos países emergentes, como no Brasil, segundo o Fundo de População das Nações Unidas⁽¹⁾.

O aumento da população idosa, tanto no Brasil como no mundo, está provocando transformações de toda ordem, sejam econômicas, sociais, na saúde, no lazer, sejam, também, nas relações afetivas, familiares ou não. Da mesma forma, a transição do estado adulto para a velhice é um processo que gera novas demandas. Entre elas, destaca-se a necessidade de maior apoio familiar, com a principal função de garantir ambiente confiável e seguro, no qual a pessoa idosa possa se manter autônoma, independente e ativa⁽²⁾.

A família pode ser definida por um conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residem na mesma unidade domiciliar ou sozinhas⁽³⁾. Também pode ser vista como um sistema interpessoal formado por pessoas que interagem por diferentes motivos, tais como afetividade e reprodução, dentro de um processo histórico de vida, mesmo sem habitar o mesmo espaço físico⁽⁴⁾. Assim, pode ser facilitadora na formação de pessoas saudáveis, emocionalmente estáveis, felizes e equilibradas⁽⁵⁾. Desse modo, a família constitui um espaço de proteção social, à medida que se caracteriza como lugar de apoio, solidariedade, de reprodução social e de cuidados a seus membros⁽⁶⁾.

Mudanças sociodemográficas e culturais, tais como o aumento da longevidade das pessoas, a redução da taxa de fecundidade, o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, a valorização do individualismo e os conflitos intergeracionais, ao longo dos anos, repercutiram na configuração da família com consequente fragilização do suporte familiar. Isso comprometeu a função da família, afetando sua capacidade de acolhimento às pessoas com menor autonomia que historicamente dependiam do apoio e cuidado familiar⁽⁷⁾.

Quando a família não tem condições psicológicas, sociais nem mesmo recursos financeiros ou humanos para cuidar de seu familiar idoso, este fica exposto às situações de morbidade. Nesse contexto a insuficiência familiar encontra terreno fértil, o que pode prejudicar as condições de vida da pessoa idosa e comumente levá-la à institucionalização⁽⁸⁾ e separação de seus familiares. Atualmente, o conceito de insuficiência familiar assume a característica de Síndrome Geriátrica e é considerada um dos sete gigantes da Geriatria⁽⁹⁾.

Assim, surge um novo conceito na literatura específica, insuficiência familiar, o qual ainda está se ajustando para seu real significado; daí a importância de explorá-lo, com o intuito de despertar e mobilizar enfermeiros, profissionais da saúde e sociedade, principalmente a família, para seu papel diante desse risco, visto que insuficiência familiar está diretamente ligada aos relacionamentos humanos. Nesse sentido emergem as questões de pesquisa: O que é insuficiência familiar? O que a literatura traz sobre esse conceito? O que antecede a insuficiência familiar? Quais as implicações da insuficiência familiar para a pessoa idosa?

Sob essa perspectiva, este estudo teve como objetivo identificar na literatura os atributos do conceito de insuficiência familiar na pessoa idosa e expor o que os autores apontam como insuficiência familiar. Este trabalho se justifica pelo fato de que investigar, caracterizar e ilustrar o conceito de insuficiência familiar é uma possibilidade de contribuição com a prática, pesquisa e educação do enfermeiro e demais profissionais de saúde no contexto da assistência à pessoa idosa.

MÉTODO

Este estudo corresponde a uma Análise Crítica da Literatura^(10-11) sobre o conceito de insuficiência familiar na pessoa idosa. Identifica-se conceito como "representações cognitivas" de uma realidade percebida, formada por experiências diretas ou indiretas, com base em situações, acontecimentos ou comportamentos reais⁽¹²⁾. De tal modo, um conceito não surge do nada, mas sim de uma multiplicidade de situações, influenciado por fatores intrínsecos e extrínsecos que o ampliam, refinam e caracterizam. Ele adquire significação por meio do seu uso e aplicação em cada situação⁽¹³⁾. Em função de sua natureza abstrata, conceitos são verificados pela determinação de seus componentes, aos quais, comumente, se refere como atributos⁽¹²⁾.

Para entender um conceito pode-se explorar seus atributos identificados como antecedentes, atributos definidores e consequentes⁽¹⁴⁾. Atributos definidores são palavras e/ou expressões empregadas para delinear as propriedades que determinam o conceito de interesse, distinguindo-o de outros conceitos análogos ou afins⁽¹⁵⁾. Antecedentes e consequentes do conceito são avaliados como situações, eventos ou incidentes que acontecem a priori e a posteriori do fenômeno de interesse, respectivamente⁽¹⁶⁾, e podem coincidir ou não com os atributos definidores. Antecedentes auxiliam no entendimento do contexto social do conceito em estudo e permitem refinar os atributos definidores, além de identificar as premissas subjacentes a ele⁽¹⁵⁾.

Bases de dados e descritores

O processo de exploração teórica dos componentes abstratos e definidores do conceito de insuficiência familiar foi realizado pelos autores (AS, TSP, JHSR, DSP, MAM), no mês de setembro de 2013.

Na Base de Dados MEDLINE, empregaram-se os descritores: "idoso" [DeCS] and "relações familiares" [DeCS] and "apoio social" [DeCS], resultando em 268 referências. Na LILACS/SciELO usou-se "anciano" [DeCS] and "apoyo social" [DeCS] and "relaciones familiares", e encontraram-se sete publicações. Nas estratégias de busca da CINAHL e APA PsycNET foram empregados "aged" [DeCS] and "familyrelations" [DeCS] and "social support" como descritores, tendo retornado, respectivamente, 43 e 35 citações, perfazendo 353 referências potenciais para este estudo.

Processo de seleção

Ficaram incluídas as publicações que apresentaram elementos definidores do conceito insuficiência familiar, publicadas em português, inglês ou espanhol, sem limites de tempo. Os títulos das 353 referências resultantes da aplicação das estratégias das buscas bibliográficas foram lidos para selecionar os artigos pertinentes ao objetivo do estudo, assim como os resumos, quando presentes. Em caso de dúvidas, ou quando somente o resumo não permitia essa definição, manteve-se a publicação para a fase seguinte de leitura dos textos completos.

Foram lidos, de forma analítica, na íntegra, os artigos das referências selecionadas, a fim de reconhecer aqueles que delineavam possíveis elementos da insuficiência familiar, tanto antecedentes quanto atributos ou consequentes. A maioria das referências excluídas estava centrada no papel do cuidador familiar da pessoa idosa, outras aludiam ao processo de institucionalização do indivíduo idoso da família, muitas se referiam às patologias geriátricas e tratamentos, entre outras. Assim procedeu-se a uma nova seleção dos textos, da que resultou o total de estudos a serem analisados.

Processo de extração e análise dos dados

Tal processo teve início por meio da leitura compreensiva com análise crítica do conteúdo das publicações que foram apontadas pela busca. Parte dessas publicações, que indicavam possíveis contribuições ao estudo do conceito insuficiência familiar, foram colocadas em destaque. Esses pequenos textos foram analisados, considerando seu contexto, para identificar de que elementos se tratava; se eram atributos, antecedentes ou consequentes, aos quais foram atribuídos códigos de identificação do seu conteúdo, sendo lançados em uma planilha do Microsoft Excel 2010. Os códigos expostos na planilha foram constantemente comparados, com o propósito de identificar os limites conceituais⁽¹⁰⁾ da insuficiência familiar. E, consequentemente, ficaram agrupados em função da semelhança de seus significados, constituindo então categorias e subcategorias, as quais foram nomeadas individualmente. As categorias que faziam referência ao mesmo enfoque do conceito de insuficiência familiar foram agregadas, gerando uma reorganização delas. Durante a análise das categorias, algumas mudaram de nome até o encontro de uma denominação representativa do significado do atributo, quando se tornaram definitivas. Tal análise foi realizada pelos autores (AS, TSP, JHMR) e validada pelas pesquisadoras (DPS, MAM).

RESULTADOS

A exploração teórica na literatura para análise do conceito de insuficiência familiar resultou em 23 publicações. O Quadro 1 sumariza as principais características das publicações estudadas: autor/ano, país de origem, fator de impacto do periódico publicado, tipo e objetivo do estudo. A análise crítica da literatura possibilitou a identificação dos elementos do conceito de insuficiência familiar, sendo eles os atributos definidores, os antecedentes e os consequentes, que estão apresentados em categorias e subcategorias de análise no Quadro 2. Os resultados da análise do conceito insuficiência familiar serão descritos em três partes, iniciando pelos atributos definidores, logo após os antecedentes e, por último, os consequentes e seus respectivos quadros sínteses, Quadro 3, 4 e 5. Também, como resultado, apresenta-se uma formulação teórica conceitual da insuficiência familiar na pessoa idosa.

Quadro 1
Características das publicações estudadas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil, 2014

Autor/ano	País de origem	Fator de impacto	Tipo de estudo	Objetivo
Dupertuis et al., 2001	EUA	1,65	Empírico	Investigar as relações diferenciais entre diferentes tipos e fontes de apoio social e de saúde física e mental.
Chou & Chi, 2003	China	1,67	Empírico	Investigar a recíproca relação entre apoio social e sintomas depressivos entre anciãos chineses.
Cornman et al., 2003	Taiwan	1,65	Empírico	Avaliar os efeitos das relações sociais sobre a saúde física e mental dos idosos.
Chou et al., 2004	China	1,67	Empírico	Analisar a relação entre a maior fonte de renda e depressão entre as pessoas idosas de Hong Kong.
Boey & Chiu, 2005	Inglaterra	1,67	Empírico	Determinar a contribuição relativa de fatores de risco para aflição psicológica entre homens e mulheres com 70 anos ou mais.
Beland et al., 2005	EUA	3,00	Teórico	Avaliar trajetórias conjuntas de declínio cognitivo e das relações sociais em idosos.
Giles et al., 2007	Austrália	1,97	Empírico	Examinar os efeitos de redes sociais sobre os residentes em lares de idosos.
Ruiz, 2007	EUA	-	Empírico	Explorar o papel do familismo e da piedade filial e como uma orientação familística se traduz em ações de saúde e de apoio para os idosos latinos e asiáticos.
Ryan & Willits, 2007	EUA	1,65	Empírico	Avaliar o impacto do número e da qualidade dos laços familiares sobre a saúde e o bem-estar das pessoas idosas.
Teixeira, 2008	Brasil	-	Teórico	Identificar as mudanças importantes na dinâmica das famílias com idosos ou de idosos que frequentam o Programa Terceira Idade em Ação - PTIA/UFPI.
Thanakwang & Soonthorndhada, 2008	Tailândia	2,58	Teórico	Examinar as relações nas quais as redes familiares têm influência e apoiam os comportamentos de promoção da saúde entre os idosos.
Merz & Consedine, 2009	EUA	2,38	Empírico	Analisar a associação entre o apoio da família e bem-estar em idosos.
Cheng et al., 2009	China	3,00	Empírico	Analisar os tipos de rede social e examinar as funções de apoio de parentes ou não, em adultos mais velhos.
Nanthamongkolchai et al., 2009	Tailândia	2,58	Empírico	Identificar fatores que influenciam a felicidade na vida dos idosos do sexo feminino.
Cardona-Arango et al., 2010	Colômbia	0,480	Empírico	Analisar o apoio social para adultos idosos institucionalizados.
Doubova et al., 2010	México	2,08	Empírico	Descrever e determinar a associação entre os tipos de redes sociais e dependência funcional entre idosos.
Li et al., 2011	China	1,31	Empírico	Examinar o apoio emocional percebido e instrumental e a satisfação com a vida entre jovens e idosos.
Pignatti et al., 2011	Brasil	-	Empírico	Identificar aspectos do apoio social entre famílias de campesinos idosos.
Li & Chi, 2011	EUA	1,65	Empírico	Verificar como o apoio familiar influencia o uso de serviços de saúde entre adultos mais velhos chineses.
Pelcastre-Villafuerte et al., 2011	México	-	Empírico	Analisar as principais características dos apoios sociais, formais e informais de idosos que vivem na pobreza urbana, relacionando-os com a vida e a experiência do envelhecimento.
Huxhold et al., 2012	Alemanha	3,08	Empírico	Examinar a dinâmica de interação nas redes sociais com aspectos relacionados à saúde e bem-estar na idade adulta mais velha.
Kim & Sok, 2012	Coreia	0,88	Empírico	Examinar o estado de saúde percebida, o apoio da família e satisfação com a vida e suas correlações em coreanos mais velhos.
Hatfield et al., 2013	EUA	2,97	Empírico	Examinar e associar efeitos potenciais de apoio social sobre a carga da doença, comprometimento funcional e sintomas depressivos de idosos.

Quadro 2
Síntese das categorias e subcategorias de análise dos antecedentes, atributos definidores e consequentes da insuficiência familiar na pessoa idosa, Alfenas, Minas Gerais, Brasil, 2014

Antecedentes	Atributos definidores	Consequentes
Transformações contemporâneas no sistema familiar	Baixo apoio social total	Vulnerabilidade social da pessoa idosa
Inversão dos papéis	Baixo apoio familiar	Declínio da saúde psicológica
Ninho vazio	Baixo apoio social	Declínio funcional
Conflitos intergeracionais	Vínculo familiar prejudicado	Menor qualidade de vida
Comprometimento das relações familiares		Envelhecimento mal sucedido
Vulnerabilidade social da família

Quadro 3
Categorias e subcategorias de análise dos atributos definidores da insuficiência familiar na pessoa idosa, Alfenas, Minas Gerais, 2014

Categorias/subcategorias	Principais códigos e referências
Baixo apoio social total	Baixo apoio social(17-18,23); Baixo apoio instrumental(17-18); Fonte precária de ajuda instrumental(19); Baixo apoio emocional(17); Rede social inadequada(20); Institucionalização de longa permanência(24); Baixa integração social(22).
Baixo apoio familiar	Baixo apoio familiar16,17,23,27-30); Redes focadas nos familiares(21); Relações familiares de natureza obrigatória(26); Relações familiares sustentadas por normas e papéis prescritos(26); Suporte familiar prejudicado(30); Baixo apoio percebido(32); Baixo apoio das crianças da família(23); Baixo apoio dos mais jovens da família(17).
Baixo apoio social	Baixo apoio social(31); Redes focadas no amigo(21); Redes restritas(21); Apoio unidirecional(33).
Vínculo familiar prejudicado	Contato familiar prejudicado(22); Sensação de envolvimento familiar prejudicado(22); Fonte precária de informação familiar(19); Fonte precária de aconselhamento(19); Inutilidade percebida relativa à família(22); Isolamento social(6).

Quadro 4
Categorias e subcategorias de análise dos antecedentes da insuficiência familiar na pessoa idosa, Alfenas, Minas Gerais, Brasil, 2014

Categorias/ subcategorias	Principais códigos e referências
Transformações contemporâneas no sistema familiar	Sistema familiar não patriarcal34); Famílias de tamanho decrescente(20).
Inversão dos papéis	Apoio unidirecional(29); Fonte de apoio financeiro à família(29).
Ninho vazio	Oportunidades sociais e econômicas distantes da família(34); Filhos casados morando longe dos pais(20); Família distante(21).
Conflitos intergeracionais	Baixo sentimento de "piedade filiar"(19,34); Baixas expectativas culturais de fraternidade(17); Afiliação familiar prejudicada(17); Perda do valor cultural de "autoridade" entre membros da família(6); Perda do valor cultural de "respeito" entre membros da família(6); Relações conflituosas entre gerações(6.
Comprometimento das relações familiares	Relacionamento familiar prejudicado(28); Apego pessoal diminuído entre os membros da família(27); Intimidade emocional prejudicada entre os membros da família(27); Baixa reciprocidade entre os membros da família(27); Oferta prejudicada de cuidados físicos(27); Oferta prejudicada de cuidados psicológicos(27); Relações familiares de violência(6); Relações familiares de negligência; Relações familiares desrespeitosas; Relações familiares de abandono(6); Família critica(35); Baixo apoio instrumental familiar(36).
Vulnerabilidade social da família	Trocas sociais negativas(35); Desemprego de membros da família(6); Dependência de álcool e drogas na família; Desgaste dos vínculos familiares em função dos problemas da vida moderna(6); Individualismo dos membros da família(27); Valorização excessiva dos bens materiais(6); Isolamento(35).

Quadro 5
Categorias de análise dos consequentes da insuficiência familiar na pessoa idosa, Alfenas, Minas Gerais, Brasil, 2014

Categorias	Principais códigos e referências
Vulnerabilidade social da pessoa idosa	Vulnerabilidade social(33); Vínculos afetivos prejudicado(6); Relações Interpessoais prejudicada(6); Trocas sociais negativas(35); Maior impacto negativo dos fatores de tensão - saúde física precária e tensões financeiras(20); Institucionalização07); Institucionalização de Longa Permanência(24).
Declínio da saúde psicológica	Sentimentos negativos relacionados à vida(37); Baixa autoestima(28); Afeto negativo(35); Má adaptação às crises(30); Maior vulnerabilidade aos estressores relacionados à saúde(35); Estresse(6); Cuidados psicológicos prejudicados(27); Funcionamento emocional prejudicado(35); Déficit no bem-estar psicológico(18,31,36); Sofrimento psicológico(20); Rebaixamento do humor(6); Sintomas depressivos(26,32,35-36); Depressão(6,35,38); Saúde psicológica prejudicada(23).
Declínio funcional	Diminuição do comportamento de promoção da saúde(31); Comportamentos inadequados de saúde(35); Maior vulnerabilidade à problemas de saúde(27); Saúde física e psicológica prejudicada(23); Cuidados físicos prejudicados(27); Assistência prejudicada às tarefas do dia-a-dia(6); Declínio da atividade funcional(35,38); Saúde funcional prejudicada(23); Dependência funcional(38); Declínio do estado geral de saúde(38); Aumento das Taxas de Mortalidade(38).
Menor qualidade de vida	Vida não saudável(30); Déficit no bem-estar(17); Insatisfação com a vida(6,30,34); Qualidade de vida prejudicada(30-31).
Envelhecimento mal sucedido	Aceleração do envelhecimento cognitivo(37); Maior declínio cognitivo(22); Aceleração do envelhecimento físico(37); Envelhecimento mal sucedido(30).

Atributos definidores ou críticos do conceito insuficiência familiar na pessoa idosa

Insuficiência familiar na pessoa idosa caracteriza-se como processo de interação psicossocial de estrutura complexa⁽¹⁷⁾, fundado em dois elementos definidores: baixo apoio social e vínculo familiar prejudicado.

O apoio social é importante para o bem-estar individual ao longo da vida; todavia pode ser de particular relevância na vida mais tardia, quando os desafios ocupacionais, econômicos, funcionais e de saúde tendem a aumentar⁽¹⁷⁾.

Assim, o apoio social, emocional e/ou instrumental, como ajuda financeira, transporte, auxílio nos trabalhos domésticos e na doença, pode ter diferentes associações com o bem-estar da pessoa idosa^(17-19). Afinal, uma rede social insuficiente somada com dificuldades financeiras ou má saúde física podem acarretar uma situação de vida tensa, contribuindo para o sofrimento psicológico experimentado pela pessoa idosa⁽²⁰⁾.

As principais redes de integração social, encarregadas de fornecer uma base de apoio ampla, são mescladas por familiares, amigos e vizinhos, além daquelas advindas do envolvimento da pessoa idosa com a comunidade, como pertencente ao bairro, a grupos religiosos, clubes ou organizações não governamen-tais⁽²¹⁾. Tais redes se distinguem por sua estrutura, em relação aos tipos e número de laços sociais, à reciprocidade, ao engajamento social, à proximidade de relacionamento e função, como a frequência de contato da pessoa idosa e sua participação⁽²²⁾.

As diversas fontes de apoio podem causar impactos diferenciados sobre o bem-estar das pessoas idosas⁽²³⁾. Naturalmente, é mais possível oferecer o apoio social total à pessoa idosa pela também rede social total, caracterizada pelo somatório dos filhos, parentes e amigos, sendo identificada como a melhor rede social⁽²⁴⁾. Já a família é fonte de informação, aconselhamento e ajuda instrumental^08,23; contudo, os membros da família prestam mais apoio instrumental do que emocional⁽¹⁹⁾.

O baixo apoio social total diferencia-se como elemento fundante da insuficiência familiar na pessoa idosa, que por sua vez se constitui do baixo apoio familiar e do baixo apoio social.

A relação familiar é de natureza obrigatória, sustentada pela estrutura institucionalizada da família e aprovada por normas sociais e papéis prescritos'^(26-27). Logo, a rede focada nos familiares é caracterizada por laços estreitos com cônjuge, filhos e irmãos; porém, pouco contato com amigos e controlada participação organizacional⁽²¹⁾. Devido às mudanças físicas, mentais, emocionais e sociais, as pessoas idosas necessitam de mais cuidados e ajuda dos membros da família⁽²⁸⁾. Portanto, a família é a principal fonte de suporte à pessoa idosa, de modo que cada familiar auxilia como pode a melhorar a vida do seu idoso, em especial nos momentos de "necessidade extrema⁽²⁹⁾. Considerando a proximidade, ela tem a possibilidade de detectar, com rapidez e precisão, alterações no seu familiar idoso, como na habilidade de realizar tarefas diárias de forma independente. Ademais, poderá identificar seu potencial físico ou notificar mudanças e dificuldades em sua saúde, mesmo os discretos sintomas depressivos, e ajudá-lo a gerir ou lidar com potenciais problemas de saúde⁽³⁰⁾. Em especial, a pessoa idosa que está doente experiencia maior benefício quando conta com o apoio da família⁽²³⁾. Nesse contexto, o baixo apoio social da família à pessoa idosa implica em prejuízo na sua interdependência, no apego pessoal, na sua intimidade emocional, na reciprocidade, tanto no cuidado físico como no psicológico⁽²⁷⁾.

No presente estudo, a rede de integração social é diferenciada pelo contato frequente com amigos e vizinhos, com, no entanto, pouco contato com parentes ou ainda laços familiares inexistentes. Tal rede pode se tornar mais restrita na presença de poucas atividades sociais, bem como na baixa participação organizacional⁽²¹⁾. E o baixo apoio social na pessoa idosa é um dos fatores psicossociais que podem influenciar na prática de promoção da saúde individual⁽³¹⁾.

A família é fonte de informação e aconselhamento; quando o vínculo familiar está prejudicado, possivelmente ela deixa de proporcionar conforto, apoio e companhia ao seu idoso, como, por exemplo, a restrita participação dos membros da família aos encontros de cuidados de saúde de seu familiar idoso, além de não poder ajudar nas instruções médicas e nos efeitos dos procedimentos clínicos a que seu idoso possa ser submetido⁽¹⁹⁾. Vínculo familiar prejudicado pode ser reforçado pela sensação de escasso envolvimento e de inutilidade percebida relativa aos parentes⁽²²⁾. Por fim, o vínculo familiar prejudicado pode motivar o isolamento social da sua pessoa idosa⁽⁶⁾.

Antecedentes do conceito insuficiência familiar na pessoa idosa

Antecedentes do conceito de insuficiência familiar são elementos determinantes deste que de alguma forma colaboram para o estabelecimento da insuficiência familiar junto à pessoa idosa. Estão constituídos pelas categorias de análise; Transformações contemporâneas no sistema familiar; Conflitos intergeracionais; Comprometimento das relações familiares; e, por fim, Vulnerabilidade social da família.

Considerando as mudanças demográficas, econômicas e sociais recentes experimentadas pela sociedade, observam-se inúmeras modificações no sistema familiar patriarcal ⁽³⁴⁾. Entre as transformações contemporâneas destacam-se o tamanho decrescente do número de agregados familiares⁽²⁰⁾, a formação do ninho vazio e a inversão dos papéis de membros da família, sendo a Inversão dos papéis e o Ninho vazio configurados como subcategorias de análise.

Com a inversão dos papéis, o apoio se torna unidirecional, ou seja, a pessoa idosa oferece cuidado e apoio; porquanto deveria receber o mesmo de seus familiares⁽²⁹⁾, poupando a vulnerabilidade do familiar idoso. Com a expansão do acesso às aposentadorias, a pessoa idosa passou a ser importante fonte de apoio financeiro à família, desempenhando, em certo grau, o papel de cuidador da mesma⁽²⁹⁾. Muitas vezes, a família passa a ser chefiada pelo seu idoso, que assume responsabilidades na manutenção dos filhos e netos. Desse modo, a pessoa idosa mantém a casa, suprindo necessidades, tais como roupas, calçados, medicamentos e alimentos básicos. Comumente, sua aposentadoria se tornou fundamental à sobrevivência e economia familiar e, em muitos casos, representa a principal, senão a única, fonte de renda⁽²⁹⁾.

Por outro lado, diante da evolução natural da vida, das consequentes mudanças no sistema familiar e da globalização, é comum que filhos adultos estejam cada vez mais morando longe dos pais⁽²⁰⁾, tendo em vista as oportunidades econômicas e sociais distantes da família⁽³⁴⁾, caracterizando então o surgimento da condição ninho vazio. Este, juntamente com a inversão dos papéis, pode contribuir para o desencadeamento da insuficiência familiar na pessoa idosa.

As relações intergeracionais dentro da família são regidas por fortes normas de piedade filial⁽³⁴⁾. Esta incorpora emoções, incluindo o respeito e a proximidade dos adultos mais velhos com seus filhos⁽¹⁹⁾. Ademais, a prestação de apoio aos pais distingue-se como uma obrigação moral e social, e os filhos deverão ser obedientes e subservientes, respeitando-os por toda a vida⁽³⁴⁾. Entretanto, destacam-se famílias que são fontes de conflitos intergeracionais, sustentados por relações de violência, negligência, desrespeito, abandono, dominação, poder e força⁽⁶⁾. Tal contexto familiar deixa de desempenhar seu importante papel de apoio na relação intergeracional, com expectativas culturais de amor, proximidade e solidariedade, apontando para o prejuízo da afiliação familiar⁽¹⁷⁾. Nesse cenário, associado ao desgaste perante os problemas da vida moderna, ressalta-se a perda do valor cultural da autoridade e do respeito entre os membros da família, podendo levar à diminuição do vínculo com sua pessoa idosa ou ainda ao isolamento social⁽⁶⁾.

Já na categoria de análise comprometimento das relações familiares, a carência da presença de membros da família pode trazer implicações negativas no apego pessoal da pessoa idosa, na intimidade emocional ou mesmo nos cuidados físicos e/ou psicológicos⁽²⁷⁾. Além do mais, o relacionamento familiar prejudicado contribui com a diminuição do sentimento de autoestima na pessoa idosa. Igualmente, membros da família podem se tornar críticos no contexto de uma disfunção de saúde, com desaprovação ou rejeição dos comportamentos e decisões do idoso, o que pode resultar em maior declínio funcional, comportamentos de saúde adaptativos, aumento do afeto negativo ou mesmo depressão⁽³⁵⁾.

Enfim, a vulnerabilidade social da família também se caracteriza como condição a priori da insuficiência familiar na pessoa idosa. Tal vulnerabilidade familiar pode ser provocada pelo desemprego, pela dependência de álcool e drogas, por vínculos ou desgaste desses com problemas da vida moderna, tais como a valorização dos bens materiais, o fortalecimento do individualismo entre os familiares, a perda dos valores da autoridade e do respeito^(6,27), entre outros. Além do que, trocas sociais negativas podem exacerbar o efeito das más condições de saúde e do declínio emocional da pessoa idosa. Dependendo das condições de sobrevivência, a família pode levar ao isolamento social do seu idoso⁽³⁵⁾. Por conseguinte, o isolamento social da pessoa idosa se configura como antecedente principal do conceito insuficiência familiar.

Consequentes do conceito insuficiência familiar na pessoa idosa

As consequências do conceito de insuficiência familiar são definidas como situações, eventos ou incidentes resultantes da aplicação de tal conceito, ou seja, implicações da insuficiência familiar na pessoa idosa. As categorias de análise dos consequentes estão descritas no Quadro 5, a saber: Vulnerabilidade social da pessoa idosa; Declínio da saúde psicológica; Declínio funcional; Menor qualidade de vida; e Envelhecimento mal sucedido.

A convivência da pessoa idosa com seus familiares favorece maior amparo de seus vínculos afetivos na manutenção das relações interpessoais⁽⁶⁾, entre outras considerações. Porquanto, a vulnerabilidade social da pessoa idosa, comumente advinda da família, acontece quando essa, ao enfrentar potenciais ameaças às suas necessidades e a sua saúde, encontra-se diante da violação dos seus direitos humanos por não ter recursos pessoais, sociais e legais⁽³³⁾. A ausência de recursos, evidenciada por trocas sociais contraproducentes, pode acentuar más condições de saúde e o declínio emocional⁽³⁵⁾. Do mesmo modo, o impacto negativo de fatores de tensão de vida na pessoa idosa pode ser abrandado por uma rede social efetiva⁽²⁰⁾.

Dessa forma, dentre as múltiplas redes sociais a que a pessoa idosa possa pertencer, a rede social total, constituída pela soma dos filhos, parentes, amigos e confidentes, se apresenta como importante papel na proteção contra a moradia em Instituições de Longa Permanência⁽²⁴⁾. Por outro lado, quando essas redes encontram-se fragilizadas, aliada à solidão, tornam a pessoa idosa vulnerável à institucionalização⁽³⁷⁾ e consequente afastamento da família.

A insuficiência familiar na pessoa idosa tem também como consequência o declínio da saúde psicológica. Pois, quando a pessoa idosa não se encontra integrada a sua família, nem tampouco à comunidade à qual pertence, conservando frágeis relacionamentos, comumente ela apresenta sentimentos negativos com a vida⁽³⁷⁾, baixa autoestima⁽²⁸⁾ e aumento do afeto negativo⁽³⁵⁾. Desse modo, a solidão, isolamento e trocas sociais negativas exacerbam o mau funcionamento emocional⁽³⁵⁾, geram situações estressantes⁽⁶⁾ e implicam em deficientes cuidados psicológicos à pessoa idosa⁽²⁷⁾. Ademais, carência de afeto e ajuda à pessoa idosa poderá enfraquecer a defesa contra estressores relacionados à saúde⁽³⁵⁾ e desencadear dificuldades na adaptação às crises⁽³⁰⁾.

Ainda, as consequências do apoio social insuficiente ao familiar idoso estão relacionadas ao comprometimento do comportamento de promoção de sua saúde e diminuição do bem-estar psicológico⁽³¹⁾, podendo contribuir para o sofrimento psicológico experimentado pela pessoa idosa. Esse sofrimento pode exacerbar-se principalmente quando combinado às situações de tensão de vida, como saúde física precária e dificuldades financeiras⁽²⁰⁾. Além disso, uma rede familiar pobre ou restrita pode provocar rebaixamento do humor, com sintomas depressivos⁽⁶⁾, até mesmo a própria depressão^(6,35,38), a qual pode ser agravada quando acompanhada das doenças crônicas comuns do envelhecimento⁽³⁵⁾. Sob essa perspectiva, menor apoio da família está decisivamente ligado ao declínio da saúde psicológica na pessoa idosa, o que naturalmente pode levar ao isolamento social desse familiar.

Ainda, como consequente do conceito insuficiência familiar, apresenta-se, juntamente com o declínio da saúde psicológica, o declínio funcional da pessoa idosa. Este é igualmente caracterizado pelo comprometimento do comportamento de promoção da saúde, bem como pelo comportamento indevido de saúde, no contexto da disfunção de saúde⁽³⁵⁾. Portanto, interação restrita, como na viuvez, ou deficiente com os familiares está relacionada à maior dependência⁽³⁸⁾ e vulnerabilidade a problemas de saúde no familiar idoso⁽²⁷⁾ e conseguinte saúde física prejudicada⁽²³⁾ com suas prováveis complicações⁽³⁸⁾. A pessoa idosa com uma rede social restrita, ou seja, que conta ou convive pouco com seus familiares, também apresenta maior declínio em suas atividades de vida diária, pois recebe menor assistência nas tarefas do dia a dia^(6,23,38), incluindo o cuidado físico⁽²⁷⁾.

Uma vez que se apresenta escassa a mais importante fonte de bem-estar para a pessoa idosa - família -, logicamente, menor qualidade de vida ou déficit de bem-estar⁽³¹⁾ se constitui um dos consequentes do isolamento social da pessoa idosa com insuficiência familiar⁽⁶⁾. A carência do apoio familiar pode dificultar a manutenção de uma vida saudável⁽³⁰⁾ e provocar a diminuição ou perda da satisfação com a vida^(3,6,34) e mesmo de sua qualidade^(30-31).

Vulnerabilidade social da pessoa idosa, declínio da saúde psicológica e funcional, menor qualidade de vida se concretizam no grande consequente do conceito de insuficiência familiar na pessoa idosa, isto é, envelhecimento mal sucedido. Visto que, por meio de percursos psicológicos, comportamentais e fisiológicos, a pessoa idosa com poucos e frágeis laços familiares tende a experimentar maior declínio cognitivo, influindo sobre o envelhecimento físico^(22,37).

A análise dos atributos definidores, antecedentes e consequentes do conceito em estudo, propostos por meio da Análise Crítica da Literatura^(10,39), permitiu a proposição teórica inédita do conceito de insuficiência familiar na pessoa idosa:

• Insuficiência familiar na pessoa idosa caracteriza-se como processo psicossocial de construção complexa fundado no vínculo familiar prejudicado e, sobretudo, no baixo apoio social; este determinado principalmente pela precariedade do apoio da família, tanto emocional quanto de ajuda instrumental. Transformações contemporâneas no sistema familiar, dentre elas a inversão do papel do idoso e o seu ninho vazio, associadas aos conflitos intergeracionais e ao comprometimento das relações familiares, podem desencadear ou fortalecer a vulnerabilidade social da família. Já a vulnerabilidade social da pessoa idosa, o declínio de sua saúde psicológica e funcional, com menor qualidade de vida, enfim, o envelhecimento mal sucedido são consequentes da insuficiência familiar na pessoa idosa.

DISCUSSÃO

O aumento da população idosa promove inúmeras transformações, particularmente nas relações familiares. Para que a pessoa idosa possa se manter autônoma e ativa, ela deverá conviver em um ambiente confiável e seguro, que deve ser garantido primeiramente por meio do apoio de sua família⁽²⁾. Junto à percepção do enfermeiro e dos demais profissionais de saúde de inadequação ou mesmo carência desse apoio familiar, buscaram-se na literatura elementos que configuram a insuficiência familiar na pessoa idosa para posterior proposição desse conceito.

Insuficiência familiar na pessoa idosa é compreendida como um processo psicossocial. Esse se caracteriza como um processo por se apresentar em movimento atualizado, contínuo e permanente. É psicológico por estar fundamentado em construções internas e em significados, e social, porque acontece nas interações da pessoa idosa com a família, com o contexto em que ela vive e também consigo mesma. Considerando que família é uma construção complexa⁽¹⁷⁾, a experiência de insuficiência familiar é igualmente um processo complexo de interações, simbolicamente constituído por eventos não lineares, que ocorrem de modo simultâneo e são mutuamente influenciados, como pelo vínculo familiar prejudicado, pelas transformações contemporâneas no sistema familiar, por conflitos intergeracionais, declínio da saúde psicológica e funcional, entre outros. O processo de insuficiência familiar na pessoa idosa evidencia linhas de conectividade existentes entre as condições causais que levam ao incremento da insuficiência familiar, à experiência em si, fundada no vínculo familiar prejudicado e no baixo apoio social, e às consequências ou respostas da experiência de insuficiência familiar.

Na análise da literatura, os atributos que definem a insuficiência familiar na pessoa idosa estão caracterizados pelo baixo apoio social total, esse composto pelo familiar e pelo social, além de vínculo familiar prejudicado da pessoa idosa. Por sua vez, a partir da literatura consultada, as fontes de apoio social também carecem de melhor diferenciação conceitual quanto a sua natureza, seu papel e mecanismos subjacentes, apontando para futuras pesquisas.

Distingue-se a família como principal fonte de apoio à pessoa idosa⁽²⁹⁾. Dentre as relações familiares da pessoa idosa, aquelas relações com as crianças são identificadas como as mais importantes para o bem-estar físico do indivíduo idoso⁽²³⁾. Da mesma forma, o apoio dos membros jovens da família prediz maior bem-estar no seu familiar mais velho⁽¹⁷⁾. Portanto, baixo apoio da família, seja dos adultos, dos jovens, seja das crianças, está inteiramente vinculado ao desencadeamento da insuficiência familiar na pessoa idosa. O apoio deve ser bidirecional de forma que os idosos recebam apoio dos familiares e vizinhos e ao mesmo tempo também contribuam no cuidado com os netos, no trabalho doméstico simplificado ou em atividades de trabalho informal para acréscimo da renda familiar⁽³³⁾. Todavia, no contexto da insuficiência familiar, o apoio sobrevém predominantemente de forma unidirecional, ou seja, da pessoa idosa à família.

O processo de envelhecimento exige mais cuidados e maior apoio, os quais devem ser fornecidos pela principal fonte de suporte à pessoa idosa - sua família. Desse modo, contatos familiares são benéficos à pessoa idosa⁽²²⁾ e, quando escassos, promovem naturalmente prejuízo do vínculo familiar, de forma que, quando o apoio deixa de ser fornecido, se inicia o processo de caracterização do isolamento social do idoso. Da mesma forma, a literatura estudada não delineia o conceito de vínculo familiar e sua distinção de relação familiar, novamente sugerindo outras perguntas de pesquisas.

Os antecedentes, aqueles que colaboram para a afirmação da insuficiência familiar, podem ser explicados pelas transformações contemporâneas que estão incidindo no sistema familiar, como, por exemplo, o ninho vazio. Isso também se dá pelo fato de que essas transformações culturais tendem a valorizar o individualismo, a independência e a autonomia dos familiares, bem como as condições socioeconómicas, como a busca por renda mais alta e melhores condições de saúde, provocando maior distanciamento nas relações familiares^(6,34). No contexto de baixas trocas sociais com a família vertical emerge o conceito de família distante, caracterizada por alta troca de apoio com a família alargada horizontalmente, ou seja, com os não familiares, vizinhos, amigos, instituições, grupos religiosos, entre outros⁽²¹⁾.

A diminuição do contato social da pessoa idosa, seja por meio da separação física, da barreira social, seja mesmo por mecanismos psicológicos, alcança amplas repercussões na pessoa idosa. A aplicação do conceito de insuficiência familiar torna o familiar idoso vulnerável, com declínio de sua saúde psicológica, apresentando desde sentimentos negativos relacionados à vida, baixa autoestima, rebaixamento do humor até mesmo sintomas depressivos. Além de provocar o declínio funcional caracterizado principalmente pela diminuição dos comportamentos de promoção da saúde, comprometendo o estado geral de saúde e consequentemente a qualidade de vida.

Na análise do conceito de insuficiência familiar, o isolamento social da pessoa idosa se caracterizou como um atributo central, pois se apresenta como antecedente, como atributo definidor e por último como consequente. Portanto, isolamento social da pessoa idosa se configura como importante fator desencadeante da insuficiência familiar, bem como caracteriza o estabelecimento dessa e, depois de instalada na pessoa idosa, tende a acentuar o isolamento social dessa.

CONCLUSÃO

Os achados da exploração da literatura do conceito de insuficiência familiar, por meio da Análise Crítica da Literatura^(10-11), oferecem materiais teóricos relevantes para a formação de tal conceito. A proposição teórica do conceito de insuficiência familiar na pessoa idosa é uma evidência inovadora sobre o tema, oferecendo dados para uma futura pesquisa de campo sobre o desenvolvimento de tal conceito, a fim de compreender como este se manifesta e se articula no cotidiano da pessoa idosa. Igualmente, tais resultados possibilitam o desenvolvimento e a ampliação dos componentes conceituais já identificados e apontam a necessidade de aprofundamento da compreensão do conceito de insuficiência familiar.

Quanto às implicações práticas, este estudo expõe um conjunto de atributos definidores ou críticos apontando para o conceito insuficiência familiar na pessoa idosa. A delimitação nítida desses atributos para enfermeiros e demais profissionais da saúde favorece a avaliação e identificação da insuficiência familiar e, por conseguinte, suporte na tomada de decisão clínica, subsidiando a construção de estratégias eficazes junto à família e à comunidade, buscando melhorias no bem-estar da pessoa idosa. Por fim, este estudo contribui com embasamento teórico tanto aos profissionais de saúde como à família, no tocante à função de apoio no processo de envelhecimento de seu familiar idoso.

Ademais, a proposição teórica conceitual de insuficiência familiar na pessoa idosa poderá ser usada como instrumento de apoio na melhoria do ensino diagnóstico de tal Síndrome Geriátrica. Também, poderá ser considerada a possibilidade de estudos adicionais, com o intuito de validar insuficiência familiar como diagnóstico de enfermagem.

• Como citar este artigo:
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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Nov-Dec 2015

Histórico

• Recebido
  06 Abr 2014
• Aceito
  05 Ago 2015