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Representações sociais dos usuários hospitalizados sobre cidadania: implicações para o cuidado hospitalar

Representaciones sociales de pacientes internados sobre ciudadanía: implicancias en el cuidado hospitalario

RESUMO

Objetivo:

analisar as representacoes sociais de usuarios hospitalizados sobre a cidadania no cuidado hospitalar.

Método:

abordagem qualitativa com referencial da Teoria das Representacoes Sociais, realizada com 31 usuarios hospitalizados no setor de clinica medica de um hospital publico, universitario. Realizou-se entrevista semiestruturada, cujos dados foram submetidos ao programa Alceste, com aplicacao de analise lexical.

Resultados:

os usuarios conhecem os seus direitos, e a cidadania no cuidado e entendida a luz dos direitos a saude, de modo que sejam bem atendidos do ponto de vista tecnico e humano.

Conclusão:

o bom trato relacional e a prestacao do cuidado tecnico-procedimental sao direitos dos usuarios; logo, a ausência de um ou de outra implica o nao respeito a sua cidadania.

Descritores:
Direito a Saude; Direitos do Paciente; Assistencia Hospitalar; Psicologia Social; Cuidados de Enfermagem

RESUMEN

Objetivo:

analizar las representaciones sociales de pacientes internados sobre la ciudadania en el cuidado hospitalario.

Método:

abordaje cualitativo con referencial de la Teoria de las Representaciones Sociales, trabajo realizado con 31 pacientes internados en el area de clinica medica de un hospital publico, universitario. Se aplico entrevista semiestructurada, cuyos datos fueron sometidos al programa Alceste, utilizandose tambien analisis del lexico.

Resultados:

los pacientes conocen sus derechos; la ciudadania en el cuidado es entendida a la luz del derecho a la salud, de manera tal de que sean bien atendidos desde el punto de vista tecnico y humano.

Conclusión:

el buen trato relacional y la prestacion del cuidado tecnico y de procedimientos son derecho de los pacientes; la ausencia de uno u otro implica faltar el respeto a su ciudadania.

Descriptores:
Derecho a la Salud; Derechos del Paciente; Atencion Hospitalaria; Psicologia Social; Atencion de Enfermeria

ABSTRACT

Objective:

examine the social representations of citizenship by inpatients receiving hospital care.

Method:

qualitative approach, using the Theory of Social Representations as a framework, with 31 inpatients in the internal medicine sector of a public university hospital. Semi-structured interviews were conducted, whose data were submitted to the Alceste program, with application of lexical analysis.

Results:

patients understand their rights, and citizenship in the care process is understood based on the right to health, to receive good care from a technical and human standpoint.

Conclusion:

being well treated as a person and the provision of technical-procedural care are rights of patients; the absence of one or the other implies, therefore, lack of respect for their citizenship.

Descriptors:
Right to Health; Patient Rights; Hospital Care; Social Psychology; Nursing Care

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Humanização (PNH) traz um aporte ético na sua construção, por isso seu conteúdo remete aos direitos dos usuários do sistema de saúde. Destacam-se os direitos e os deveres dos profissionais e dos gestores da área da saúde como expressão da valorização desses atores sociais no ambiente de trabalho, evidenciando-se as formas de implementação da atenção à saúde e gestão em prol do outro, a quem chamamos de usuário do sistema de saúde. A PNH é uma forma de fazer o Sistema Único de Saúde (SUS), portanto atende à Constituição Federal; logo, pode-se dizer que o conceito de cidadania é central na atenção à saúde, segundo essa política(11 Pasche DF, Passos E, Hennington EA. [Five years of the national policy of humanization: the trajectory of a public policy]. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];16(11):4541-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n11/a27v16n11.pdf Portuguese.
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).

Os meios de comunicação em massa, a mídia televisiva e escrita, abordam a cidadania relacionada à educação, à saúde, à moradia e ao transporte. Desse modo, muitas vezes, os políticos substituem a palavra povo pela palavra cidadania, ou seja, não é mais o povo que quer, e sim a "cidadania quer"; logo, a cidadania assume o lugar do sujeito, "caiu na boca do povo"(22 Carvalho JM de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2009.).

A cidadania se apresenta como tema de relevância para a prática social e para as políticas públicas, com vistas a um sistema de saúde e de cuidado capaz de favorecer a sua construção e o exercício por seus usuários(11 Pasche DF, Passos E, Hennington EA. [Five years of the national policy of humanization: the trajectory of a public policy]. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];16(11):4541-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n11/a27v16n11.pdf Portuguese.
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). A sua garantia, por parte dos profissionais e de usuários dos serviços de saúde, é uma meta a ser alcançada no planejamento e na implementação da atenção, bem como na gestão; entretanto, o reconhecimento ocorre por parte de usuários de serviços hospitalares, quando remetem a cidadania à esfera do cuidado em saúde(33 Araújo FP, Ferreira MA. Representações sociais sobre humanização do cuidado: implicações éticas e morais. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];64(2):287-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n2/a11v64n2
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).

Consequentemente, a cidadania destaca-se como tema de debate neste artigo por primar pela inclusão da sociedade civil na esfera pública, pois o direito à saúde integra o direito social da cidadania, que prevê a inserção dos cidadãos nos bens coletivos, além de se articular com a ética por tratar de direitos dos cidadãos no espaço da saúde. O conceito de cidadania abarca a participação dos cidadãos pertencentes a uma sociedade, visto que são titulares de direitos(44 Fagundes MM, Zanella M, Torres TL. Cidadão em foco: representações sociais, atitudes e comportamentos de cidadania. Psicol Teor Prat [Internet]. 2012[cited 2015 Feb 01];14(1):55-69. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v14n1/v14n1a05.pdf
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). De modo geral, os usuários dos serviços sabem quais são os seus direitos na atenção à saúde, embora sua participação na busca desses direitos não seja tão usual como deveria ou poderia ser.

Portanto, torna-se essencial entender a relação entre pensamento e ação dos usuários no que concerne à cidadania na sua dimensão prática no universo dos cuidados em saúde, especialmente nas instituições hospitalares. O hospital é uma instituição que não possibilita a participação do usuário no cuidado, devido a sua forma de organização biomédica e, também, por ser um ambiente no qual o usuário se encontra fragilizado pelo adoecimento(55 Redley M, Keeley H, Clare I, Hinds D, Luke L, Holland A. Respecting patient autonomy: understanding the impact on NHS hospital in-patients of legislation and guidance relating to patient capacity and consent. J Health Serv Rev Policy [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];16(1):13-20. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20729250
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,66 Larsson IE, Sahlsten MJM, Segesten K, Plos KAE. Patient's perceptions of barriers for participation in nursing care. Scand J Caring Sci [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];25(3):575-82. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1471-6712.2010.00866.x/abstract
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).

Em razão disso, esta pesquisa enfoca o pensamento e a ação de usuários hospitalizados em face da cidadania no cuidado hospitalar, uma vez que este tema circula nos grupos sociais, permite a formação de ideias, de atitudes e práticas, está presente nas políticas de saúde e, a todo momento, merece atenção das diversas mídias. A relação entre pensamento e ação pode ser investigada à luz da Teoria das Representações Sociais (TRS)(77 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes; 2012.), pois esta teoria aborda os saberes sociais, que compreendem "os saberes produzidos na e pela vida cotidiana". Dito de outra maneira, a TRS procura desvelar como os saberes dos indivíduos e dos grupos sociais são produzidos no cotidiano(88 Jovchelovitch S. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes; 2008.) e, a partir daí, como esses saberes orientam as ações e formas de agir dos indivíduos na sociedade.

Portanto, o objetivo desta pesquisa é: analisar as representações sociais (RS) de usuários hospitalizados sobre a cidadania no cuidado hospitalar. Investigar esse tema junto aos usuários hospitalizados que vivenciam o cotidiano do ambiente hospitalar contribuirá para o debate de questões afetas ao exercício da cidadania no cuidado em saúde e gerará subsídios para o pensamento crítico dos profissionais sobre as práticas de saúde e de enfermagem, visando ao delineamento de estratégias de inserção do usuário no processo de cuidar.

MÉTODO

Pesquisa de campo, de natureza qualitativa, do tipo descritiva, cujo referencial teórico e metodológico é a Teoria das Representações Sociais (TRS)(77 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes; 2012.). Foi aplicada a abordagem processual da TRS, que permite o acesso ao conteúdo do conhecimento dos sujeitos, por meio do estabelecimento de nexos entre seus saberes acerca dos cuidados que lhes são prestados e o seu posicionamento (ação) frente a eles(33 Araújo FP, Ferreira MA. Representações sociais sobre humanização do cuidado: implicações éticas e morais. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];64(2):287-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n2/a11v64n2
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,99 Jodelet D. Ponto de vista: sobre o movimento das representações sociais na comunidade científica brasileira. Temas Psicol [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];19(1):19-26. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a03.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v...
). Possibilita, desse modo, entender essa dinâmica, refletir sobre ela, com o objetivo de construir, assim, recursos para se intervir no cuidado em saúde, o qual engloba o cuidado de enfermagem. Dessa forma, conhecer o que os doentes pensam sobre os cuidados recebidos e sua ação frente a eles permite aos profissionais de saúde contribuir para que os usuários hospitalizados exerçam sua cidadania durante o processo de cuidar.

O campo da pesquisa foi um hospital geral, de grande porte, federal, localizado no município do Rio de Janeiro. O setor pesquisado foi o de clínica médica, cuja capacidade de internação é de 60 leitos. Deste total, participaram 31 usuários, sendo 17 mulheres e 14 homens, na faixa etária entre 20 e 89 anos. Os critérios de inclusão foram: pessoas com maioridade legal, de ambos os sexos, internadas no setor de clínica médica no tempo decorrido para a realização da pesquisa, com a cognição e a capacidade de expressão verbal preservadas. Os critérios de exclusão foram: menores de 18 anos, com qualquer tipo de isolamento, com comprometimento na cognição ou na expressão verbal e instabilidades hemodinâmicas que impossibilitassem a participação na pesquisa.

Utilizou-se a entrevista semiestruturada com o objetivo de captar a elaboração do conhecimento dos sujeitos, privilegiando-se a comunicação e a linguagem como condições de produção das RS. As questões do roteiro exploraram as informações, imagens, crenças e opiniões, e foram centradas no cotidiano prático dos sujeitos(1010 Silva RC, Ferreira MA. Construindo o roteiro de entrevista na pesquisa em representações sociais: como, por que, para que. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2012[cited 2015 Feb 01];16(3):607-11. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n3/26.pdf
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). A coleta de dados ocorreu no período de dezembro de 2011 a janeiro de 2012. O instrumento de entrevista compôs-se de questões fechadas destinadas a captar os dados sobre a hospitalização e a identificação dos usuários; e de questões abertas sobre o que os usuários entendiam por cidadania, sobre como esse fenômeno se manifestava no cuidado hospitalar, quais as formas de seu exercício e sobre quais eram seus fatores facilitadores e dificultadores; questionou-se também sobre os cuidados realizados, sobre os profissionais participantes desses cuidados e sobre as características dos profissionais. O registro foi por gravação eletrônica mediante autorização dos depoentes, seguindo-se a Resolução CNS-196/96, vigente à época da pesquisa; o conteúdo da observação dos participantes foi registrado em diário de campo.

Utilizou-se o programa Alceste (Analyse Lexicale par Contexte d`un Ensemble de Segments de Texte), na sua versão 2010, que realiza a análise lexical por meio da conjugação de uma série de procedimentos estatísticos quando aplicados a um banco de dados textuais(1111 Lima LC. Programa Alceste primeira lição: a perspectiva pragmatista e o método estatístico. Rev Edu Pública. 2008. 17(33):83-97). Nesta pesquisa, este banco de dados foi composto pelas entrevistas, denominadas de unidades de contextos iniciais (UCI), as quais formaram o corpus de análise; este, após a rodagem no referido programa, gerou 914 segmentos de textos denominados de unidades de contexto elementares (UCE), perfazendo 77% de aproveitamento do corpus.

Cada UCI foi caracterizada com os dados do perfil dos usuários, tais como sexo, faixa etária, grau de escolaridade, tempo de internação, hospitalização anterior, local de hospitalização anterior, ser profissional da área da saúde ou não, objetivando considerar o perfil do grupo social de usuários hospitalizados na análise das RS. Para o enfoque deste artigo, o conteúdo explorado é o da classe lexical 2, que congrega conteúdos do atendimento à saúde no ambiente hospitalar, viabilizando o atendimento do objetivo da pesquisa.

O trabalho de interpretação da análise feita pelo Alceste foi realizado considerando o conteúdo da classe lexical, por meio de palavras analisáveis características desta classe, de maior frequência de aparição (qui-quadrado - Khi2), e das UCEs a ela relacionadas, com vistas a se compreenderem os sentidos e significados dos discursos dos usuários à luz da TRS. O valor do Khi2 mostra a relevância da palavra na construção da classe, porque fornece a ideia do sentido atribuído pelo usuário ao objeto pesquisado.

Os cuidados éticos foram atendidos, e a pesquisa, aprovada pelo Comitê de ética da Escola de Enfermagem Anna Nery e Hospital Escola São Francisco de Assis. O anonimato dos participantes foi garantido com o emprego de códigos alfanuméricos nas UCEs utilizadas para exemplificar a análise e a discussão dos resultados: letras F (feminino) e M (masculino), seguidas de número que corresponde à ordem em que as entrevistas ocorreram.

RESULTADOS

Na Figura 1, observa-se que a classe lexical 2 apresenta 315 UCEs, que perfazem 34% do total das UCEs classificadas, e contém 80 palavras analisáveis.

Figura 1
Distribuição das unidades de contexto elementares classificadas e número de palavras analisáveis por classe

O corte gerado pelo programa, tendo como referência o Dendograma de Classificação Hierárquica Descendente (CHD), deu-se com palavras de Khi2 igual ou maior que 13. Os léxicos ilustrativos desta classe com seus respectivos Khi2 são: trat+ (68), med+ (49), reclam+ (41), hospital (33), sentindo (31), paciente (28), carinh+ (24), enferm+ (22), falt+ (21), medic+ (19), daqui (16), atenção (16), enfermeir+ (16), otim+ (15), vez (14), gente (14), fal (13), teve (13), consult+ (13), relação (13), hospitais (13).

O perfil predominante do grupo de usuários hospitalizados correspondente a essa classe refere-se aos sujeitos do sexo feminino, com experiência de internação anterior no hospital que serviu de campo para a pesquisa e à faixa etária circunscrita entre 60 e 79 anos. Vê-se, portanto, que este grupo social é composto, majoritariamente, por idosas.

A Classe 2 refere-se às características da cidadania no cuidado à saúde durante o processo de hospitalização, especificamente na vivência deste processo. Essa ideia-síntese foi fundamentada nas palavras destacadas com maior Khi2, que apresentam maior representatividade intraclasse, tais como: tratada/tratar, médicos, reclamação, bem, hospital, sentindo, paciente, carinho, enfermagem/enfermeiros e falta, associadas às UCEs específicas dessa classe.

A interpretação das palavras analisáveis permitiu a visualização de dois grandes grupos intraclasse, um dos quais se refere à articulação entre enfermeiro, paciente e médico no que tange ao saber-fazer no contexto hospitalar, objetivado nas técnicas-procedimentais; enquanto o outro se refere à dimensão relacional e subjetiva, necessária ao cuidado à saúde e caracterizado pelas palavras “tratar, gente, atenção e carinho”. Como questão transversal a esses dois grandes grupos, tem-se a cidadania sob o enfoque do direito à saúde.

As UCEs mostram que os usuários abordam as suas experiências e vivências no cuidado durante o processo de hospitalização por meio de técnicas procedimentais realizadas na prática do cuidado atreladas às suas necessidades, o que caracteriza a efetivação da cidadania no contexto hospitalar.

Fizeram tudo certinho, a socorreram. Tudo bem. Pisar no calo é quando a gente está sentindo alguma dor e fica esperando. Até então quando eu preciso, rapidinho eles vêm. Tem nada de errado não. (F1)

Eles estão me tratando de acordo com as necessidades da doença, eu não tenho o que falar sobre o atendimento que eu tenho recebido pelos médicos e pelas enfermeiras. (M28)

O cuidado técnico-procedimental é um dos elementos constitutivos da representação da cidadania no hospital, por ser considerado direito do usuário; portanto, é valorizado por ele.

Com mais técnica, mais apurada, bem mais, [cuidado] bem feito, não fez por fazer. (Uf6)

Os usuários integram em seus discursos novidades advindas do conhecimento biomédico, presentes em suas conversações cotidianas. Assim demonstram suas opiniões acerca do cuidado à saúde com o propósito de uma melhor participação no cuidado conforme a UCE a seguir:

Tem um remédio para o câncer, todo mundo fica feliz, porque a maioria do povo está canceroso, mas não tem cura, mas eles estão desenvolvendo um meio de fazer um remédio para a cura do câncer, para a cura da Aids, e isso vem das pesquisas que eles fazem, da união que eles têm. O brasileiro está tendo muita consideração com isso no mundo, porque eles estão descobrindo coisas que lá fora não sabem, nem americanos nem nada. (M28)

Evidencia-se, na UCE supracitada que o usuário atribui valor ao cuidado voltado para as necessidades da doença, e que pode ser objetivado na técnica/procedimento: Eles estão me tratando de acordo com as necessidades da doença. Esse trecho reafirma o saber dos usuários sobre seus direitos no cuidado à saúde, amparado no conhecimento biomédico que circula nesse grupo social.

No entanto, a instituição hospitalar pode não corporificar, nos serviços prestados, os direitos que os usuários dos serviços de saúde têm de serem atendidos diante da necessidade de cuidados à saúde:

Eu não posso reclamar, sempre tive meus direitos respeitados, às vezes uma coisa ou outra a gente vê nos jornais, alguém que não teve o seu direito de ser pelo menos atendido, socorrido no momento de dificuldade em uma porta do hospital. (F7)

Quando eles fazem pouco, você chega ao lugar e as pessoas fazem vir não sei quantas vezes, fazem até pouco de você. Não te dá atenção. (F19)

A dimensão subjetiva e relacional imbricada no cuidado também compôs os sentidos sobre a cidadania, quando os usuários mencionaram a prontidão ao abordarem a técnica/procedimento. Isso mostra a questão subjetiva e relacional percebida como qualificadora do cuidado.

Dessa vez todos respeitam muito, muito mesmo, digo por experiência própria. Não são capazes de tratar a gente com diferença, todos tratam todo mundo muito bem, isso eu observo em todos eles, médicos, como te trata, trata você com todo carinho e respeito. (F5)

Aqui os médicos, os enfermeiros tratam com carinho, tratam como se você fosse da família, eu acho o jeito deles assim de falar com a gente aqui, se importa com a gente, se a gente está bem, se não está. (M17)

O cuidado não só se organiza em torno da técnica procedimental, com enfoque na doença, mas também em torno da dimensão subjetiva e relacional.

Mas eu vejo a reclamação das pessoas em muitos hospitais aí, o profissional não é legal não, não tratam bem, são pessoas que não têm paciência com o outro, essas coisas todas. (F11)

Identifica-se a alusão à figura dos profissionais que respeitam menos os direitos dos usuários, aqueles que são brutos, impacientes e não mantêm diálogo com os usuários.

No meio de vocês, vocês sentem, não adianta dizer para mim porque eu sei que é, vocês sentem que há pessoas mais nariz em pé do que vocês próprios. (F2)

Qualquer profissão tem o bom e o mau profissional, que está ali só pelo dinheiro e não pelo amor à profissão, como todas as profissões têm. (F7)

Agem com frieza com desprezo, mas hoje já mudou muito, isso aí antigamente era pior, aqui eu não posso reclamar de nada, a maior parte delas, tem algumas que ainda não se conscientizaram disso. (F24)

Foi abordado por um dos sujeitos da pesquisa que a relação entre profissional de saúde e usuário (ou seu familiar) deve-se amparar na cordialidade, sendo essa forma de agir um dos elementos da cidadania. Quando isso não ocorre, age-se por intermédio da conversa, no sentido de se resgatar a cordialidade no trato, para que o respeito à cidadania seja garantido.

[A senhora se considera cidadã?] Ah não, não pode ser assim: não e pronto. Eu chamo a atenção dela também, com carinho, mas chamo. (F3)

Atrelado à figura do profissional de saúde, que respeita mais ou menos os direitos dos usuários hospitalizados, está a do bom e a do mau profissional de saúde, segundo características que ajudam a compor essa representação.

O bom profissional é aquele que gosta do que faz primeiramente e se prontifica a cumprir todos os requisitos que aquela profissão exige dele, por exemplo, o enfermeiro, o médico, exige uma dedicação ao paciente, muito estudo, atualização sempre, um bom profissional vai procurar isso. O mau nem tanto, deixará as coisas de lado, não será tão atualizado, não será tão dedicado, tem mau humor para atender os pacientes. (Uf7)

Os usuários também endossam a necessária articulação entre a técnica procedimental e a dimensão subjetiva/relacional no cuidado como veículo que possibilita a integralidade.

Eu me refiro a ser bem atendido e tanto no tratar das pessoas, o tratamento delas é excelente e o hospitalar também tem sido ótimo. Os remédios na hora certa. O atendimento das enfermeiras que são excelentes, o tratamento delas em si é com muito carinho, é importante para gente como paciente. (M16)

DISCUSSÃO

Com base nos conteúdos que integram os saberes dos usuários hospitalizados sobre a cidadania, destacaram-se os direitos no âmbito da saúde, isso remete à perspectiva do direito à saúde presente nas ações das políticas vigentes desde a promulgação da Constituição Federal e da Lei Orgânica de Saúde, com ênfase na Política Nacional de Humanização (PNH) (11 Pasche DF, Passos E, Hennington EA. [Five years of the national policy of humanization: the trajectory of a public policy]. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];16(11):4541-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n11/a27v16n11.pdf Portuguese.
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,22 Carvalho JM de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2009.,1212 Oliveira DC, Sá CP, Santo CCE, Gonçalves TC, Gomes AMT. Memórias e Representações sociais dos usuários do SUS acerca dos sistemas públicos de saúde. Rev Eletrônica Enferm [Internet]. 2011 [cited 2015 Feb 01];13(1):30-41. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n1/v13n1a04.htm
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). Os usuários se reportam aos direitos sociais, na figura do direito à saúde, para abordar o fenômeno cidadania face ao objeto desta pesquisa. Ao trazerem as perspectivas positiva e negativa do cuidado hospitalar, tendo como fio condutor a cidadania, oportunizam a efetivação concreta desse direito.

É por meio da realização de procedimentos no processo de cuidar, com o objetivo de manter o funcionamento do corpo físico, a fim de extirpar a doença/agravo que acomete este corpo, que os usuários dão sentido ao exercício do direito à saúde, especialmente no contexto hospitalar e, consequentemente, entendem que têm sua cidadania respeitada.

O direito à saúde abarca em seu conceito a garantia de proteção, promoção e recuperação desta aos usuários dos serviços prestados pelo Estado(1212 Oliveira DC, Sá CP, Santo CCE, Gonçalves TC, Gomes AMT. Memórias e Representações sociais dos usuários do SUS acerca dos sistemas públicos de saúde. Rev Eletrônica Enferm [Internet]. 2011 [cited 2015 Feb 01];13(1):30-41. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n1/v13n1a04.htm
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). Para esse fim, o cuidado com contorno técnico-procedimental apresenta seu grau de importância, norteado por um saber-fazer centrado no conhecimento biomédico.

Ressalta-se que o direito à saúde no Brasil é amplo, porém sua efetivação torna-se complexa, visto que é caracterizado por condições de vida e de saúde dignas, considerando questões de trabalho, moradia, alimentação, educação, transporte, lazer, e também saúde universal, equitativa e igualitária a toda a população(1212 Oliveira DC, Sá CP, Santo CCE, Gonçalves TC, Gomes AMT. Memórias e Representações sociais dos usuários do SUS acerca dos sistemas públicos de saúde. Rev Eletrônica Enferm [Internet]. 2011 [cited 2015 Feb 01];13(1):30-41. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n1/v13n1a04.htm
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). Desse modo, a questão desse direito está sendo tratada neste artigo a partir de um de seus itens conceituais: a atenção à saúde nos serviços hospitalares.

A reflexão acerca da inserção do conhecimento biomédico na área da saúde envolvendo os atores sociais que a compõem (usuários, profissionais e gestores) possibilita ensaiar uma relação entre produção e difusão desse conhecimento e a representação da cidadania para esses usuários hospitalizados. O conhecimento biomédico, sustentáculo das práticas de saúde, principalmente nos serviços hospitalares, desenvolve-se pela abordagem científica e tecnológica, pois "a produção e difusão do conhecimento biomédico são um insumo tão essencial para a saúde pública quanto os insumos materiais tradicionais, como vacinas e remédios"(1313 Camargo Jr KR. Medicalização, conhecimento e o complexo médico-industrial. In: Pinheiro R, Lopes TC, Editors. Ética, técnica e formação: as razões do cuidado como direito à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ/CEPESC/ABRASCO; 2010. p. 55-65.).

Diante dessa discussão, as informações assumem um papel importante na construção do saber dos indivíduos, pois os meios de comunicação contribuem para a divulgação científica, quando permitem que o saber científico extrapole os muros das universidades e instituições de pesquisas e se torne acessível à população em geral(1414 Pechula MR. A ciência nos meios de comunicação de massa: divulgação do conhecimento ou reforço do imaginário social? Ciênc Educ (Bauru). 2007;13(2):211-22.,1515 Ortona C, Fortes PAC. Jornalistas que escrevem sobre saúde conhecem a humanização do atendimento? Saúde Soc [Internet]. 2012[cited 2015 Feb 01];21(4):909-15. Available from: http://www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/50702
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). Os usuários ficam atentos a essas novidades do conhecimento biomédico e as integram às suas conversações cotidianas, formam opiniões sobre o tema, o que lhes garante condições de melhor participação no cuidado.

Atrelado a isso, observa-se a realidade vivida pelos usuários da atenção hospitalar. O hospital é um ambiente historicamente caracterizado como voltado ao tratamento e à cura de doenças/patologias, concepção arraigada no imaginário social, que contribui para a caracterização da técnica/procedimento presente no cuidado como um direito, constituindo-se em elemento das representações sociais da cidadania no contexto hospitalar. Por conseguinte, respostas específicas em atenção às peculiaridades das doenças amparam a atenção hospitalar, que é marcada por um saber especializado dos profissionais de saúde(1616 Lorenzetti J, Oro J, Matos E, Gelbcke FL. Organização do trabalho da enfermagem hospitalar: abordagens na literatura. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014[cited 2015 Feb 01]; 23(4): 1104-12. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/pt_0104-0707-tce-23-04-01104.pdf
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).

Espera-se, portanto, que o hospital tenha condições de manejo de eventos agudos e eficiência no atendimento, com o intuito de que este seja terapêutico, apresente alternativas de tratamento, propicie um ambiente adequado aos usuários e condições melhores de trabalho aos profissionais, igualmente a outras questões gerenciais e de cuidado, com vistas a torná-lo mais eficiente(1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção hospitalar. Brasília: MS; 2011.). Dessa forma, o objetivo fim do serviço hospitalar é o atendimento das necessidades clínicas dos usuários, além das subjetivas e sociais, considerando os profissionais de saúde inseridos nesse contexto de serviço.

A análise dos resultados evidencia também a dificuldade de acesso aos serviços de saúde enfrentada pelos usuários e a dificuldade quanto ao direito de receber o cuidado de que necessitam. Essa dificuldade de acesso aos serviços hospitalares impacta diretamente a dimensão social, gera insatisfação e aumento de pressões sociais e políticas por mudança dessa lógica impressa nesses serviços(1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção hospitalar. Brasília: MS; 2011.).

O cuidado à saúde caracteriza-se como condição de vida digna. Dignificar a vida dos indivíduos consiste em proteger os elementos constitutivos do direito à saúde(1818 Farrer L, Marinetti C, Cavaco YK, Costongs C. Advocacy for health equity: a synthesis review. Milbank Q [Internet]. 2015[cited 2015 Feb 01];93(2):392-437. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4462882/pdf/milq0093-0392.pdf
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). Para isso, a PNH mostra-se como um modo de fazer e não apenas uma política abstrata, mas uma prerrogativa concreta, tanto na gestão quanto na atenção à saúde(1313 Camargo Jr KR. Medicalização, conhecimento e o complexo médico-industrial. In: Pinheiro R, Lopes TC, Editors. Ética, técnica e formação: as razões do cuidado como direito à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ/CEPESC/ABRASCO; 2010. p. 55-65.). Assim, a legitimação dos direitos sociais preconiza a garantia de condições de vida digna para a sociedade. Entretanto, essa legitimação é insuficiente para que esses direitos se efetivem, sendo necessário buscar protegê-los(1919 Bobbio N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004.).

A dimensão subjetiva e a relacional constituem os elementos que integram a Representação Social dos usuários hospitalizados sobre a cidadania. Essa dimensão recoloca o sujeito em posição de destaque. A dimensão relacional qualifica o cuidado, pois valoriza a interação entre profissional e usuário(2020 Martines WRV, Machado AL. [Care production and subjectivity]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[cited 2015 Feb 01];63(2):328-33. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n2/25.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n2/25....
).

No Brasil, muitas vezes, a relação estabelecida entre usuários, sua rede social e familiar e o hospital ocorre mediante pouca participação no processo de cuidar, no acesso à informação e com uma assistência impessoal e fragmentada(1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção hospitalar. Brasília: MS; 2011.). Desse modo, busca-se superar essa lógica da atenção hospitalar através da aplicação de seus princípios de transversalidade, indissociabilidade entre a produção de saúde e a produção de sujeitos, protagonismo, corresponsabilização e autonomia dos sujeitos(11 Pasche DF, Passos E, Hennington EA. [Five years of the national policy of humanization: the trajectory of a public policy]. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];16(11):4541-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n11/a27v16n11.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n11/a27v...
).

Na garantia dos direitos dos usuários, há que se assumir um compromisso com o doente de acordo com sua singularidade e suas necessidades, dispondo de responsabilidade e compromisso ético por meio da busca da autonomia dos usuários, da escuta, da criação de vínculos e de afetos, da informação, do diálogo e do respeito à diferença(2121 Goulart BNG, Chiari BM. Humanização das práticas dos profissionais de saúde: contribuições para reflexão. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2010[cited 2015 Feb 01];15(1):255-68. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n1/a31v15n1.pdf
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,2222 Abedian K, BaqheriNesami M, Shahhosseini Z. The effect of an education-based intervention on self-reported awareness and practice of Iranian nurses in observing patients' rights. Glob J Health Sci [Internet]. 2014 [cited 2015 Feb 01];7(3):98-104. Available from: http://www.ccsenet.org/journal/index.php/gjhs/article/view/40368
http://www.ccsenet.org/journal/index.php...
). A aceitabilidade dos usuários em relação à atuação profissional e aos serviços de saúde prestados depende de suas valorizações subjetivas, articuladas à adaptação do cuidado aos seus desejos, expectativas e valores(1212 Oliveira DC, Sá CP, Santo CCE, Gonçalves TC, Gomes AMT. Memórias e Representações sociais dos usuários do SUS acerca dos sistemas públicos de saúde. Rev Eletrônica Enferm [Internet]. 2011 [cited 2015 Feb 01];13(1):30-41. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n1/v13n1a04.htm
http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n1/v13...
).

A tomada de posição de um indivíduo, membro de um grupo, em relação ao contexto social em que está inserido, combinado aos valores sociais envolvidos, configura a atitude que expressa o aspecto subjetivo e afetivo das representações sociais compartilhadas nos grupos(44 Fagundes MM, Zanella M, Torres TL. Cidadão em foco: representações sociais, atitudes e comportamentos de cidadania. Psicol Teor Prat [Internet]. 2012[cited 2015 Feb 01];14(1):55-69. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v14n1/v14n1a05.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v14n1/...
). Nesse sentido, verbalizar seus descontentamentos sobre a ausência de características ligadas ao bom trato relacional na produção de sentido sobre o cuidado, articulado às questões que importam à cidadania, evidencia o valor que os usuários atribuem a essa dimensão do cuidado.

Os valores existem no mundo social e se caracterizam na relação com o homem, entendido como ser social. Portanto, os valores existem "pelo homem e para o homem"(2323 Vázquez AS. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira ; 2010.). O valor atribuído pelos usuários ao caráter subjetivo-relacional do cuidado foi estabelecido na relação entre essa dimensão e os usuários hospitalizados como seres sociais.

A figura/imagem dos profissionais que respeitam menos os direitos, associada a características comportamentais como brutalidade no trato e impaciência, corresponde aos elementos figurativos das representações sociais da cidadania desses usuários hospitalizados nessa vivência. Nas representações, ideias ligam-se a imagens(2424 Osti A, Silveira CAS, Brenelli RP. Representações Sociais: aproximando Piaget e Moscovici. Schème [Internet]. 2013[cited 2015 Feb 01];5(1):35-60. Available from: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/scheme/article/view/3176/2487
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/in...
), e as caracterizações com o uso de metáforas ("nariz em pé", como foi dito por F2) e explicações servem para dar concretude à construção do saber sobre o objeto, evidenciando os processos de formação das RS(88 Jovchelovitch S. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes; 2008.).

Identificam-se nas UCEs algumas características de zona muda das RS, quando o sujeito verbaliza suas representações sobre um fenômeno e as atribui a outros e não a si, em virtude da pressão normativa à qual está submetido(2525 Schlösser A, Camargo BV. Aspectos não explícitos das representações sociais da beleza física em relacionamentos amorosos. Psicol Saber Soc [Internet]. 2015 [cited 2015 Feb 01];4(1):89-107. Available from: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/10405
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), o que é de se esperar uma vez que os sujeitos dessa pesquisa falaram das vivências da hospitalização simultaneamente a ela. Isso explica em parte os sentidos produzidos sobre si, com elementos positivos, de bom tratamento, mas não em relação ao que viam ocorrer com os outros que, em tese, são eles na projeção do grupo, o que gera sustentabilidade às discussões postas sobre os conteúdos que integram as RS aqui tratadas.

No que diz respeito à atenção à saúde, é necessário que haja a inclusão dos sujeitos e de sua rede sociofamiliar no cuidado, baseado em valores de respeito à subjetividade e proteção dos direitos dos usuários, sendo essa inclusão um direito de cidadania. Inserir o sujeito no cuidado hospitalar e primar pela relação entre ele e o profissional de saúde se traduz na efetivação da cidadania do usuário. Enquanto o enfoque for somente o da doença como objeto do cuidado, conforme a lógica da atenção hospitalar vigente na maioria das instituições, a cidadania do usuário continuará apenas normatizada, mas não concretizada. O desafio é "resgatar a integralidade do cuidado ao indivíduo"(1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção hospitalar. Brasília: MS; 2011.). Há que se fortalecer as relações entre profissionais, usuários e seus familiares, superando-se a dimensão autoritária/ paternalista das relações, expandindo-se a autonomia dos usuários no seu processo terapêutico(55 Redley M, Keeley H, Clare I, Hinds D, Luke L, Holland A. Respecting patient autonomy: understanding the impact on NHS hospital in-patients of legislation and guidance relating to patient capacity and consent. J Health Serv Rev Policy [Internet]. 2011[cited 2015 Feb 01];16(1):13-20. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20729250
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,2626 Roza MMR, Barros MEB, Guedes CR, Santos Filho SB. Experience of education process linking humanization and institutional support within healthcare work. Interface (Botucatu) [Internet]. 2014[cited 2015 Feb 01];18(Supl 1):1041-52. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s1/1807-5762-icse-18-1-1041.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s1/1807...
). Neste particular, é importante ressaltar uma pesquisa realizada sobre a participação do paciente no cuidado de enfermagem no Irã, em que a participação se evidenciou quando os agentes do cuidado atuaram juntos, em processo interativo estabelecido entre enfermeiros, pacientes e a família(2727 Soleimani M, Rafii F, Seyedfatemi N. Participation of patients with chronic illness in nursing care: An Iranian perspective. Nurs Health Sci [Internet]. 2010[cited 2015 Feb 01];12(3):345-51. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20727086
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20727...
).

Cabe acentuar, entretanto, que a cidadania do usuário não se concretiza apenas na mudança de lógica da atenção; para isso, faz-se necessária uma mudança também na gestão uma vez que ambas são indissociáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidadania do usuário hospitalizado traduz-se no seu direito de receber assistência de enfermagem de qualidade. Essa afirmação pauta-se no fato de os participantes da pesquisa terem associado a ideia de cidadania à do cuidado vivenciado. A qualificação do cuidado por meio da articulação da vertente relacional com a técnica mostra que o indivíduo, como usuário, precisa receber o tratamento técnico-profissional especializado, e como ser humano merece respeito e bom trato. Essa associação, técnica e expressiva (subjetiva/relacional), na prática do cuidado corporifica a responsabilidade cidadã dos profissionais de enfermagem. A parcialidade do cuidado de enfermagem com a ausência de implementação de uma de suas vertentes não caracteriza o respeito aos direitos de cidadania dos usuários implicados no cuidado, à luz de suas representações sociais.

Os conteúdos que sustentam as representações sociais dos usuários hospitalizados acerca da cidadania se situam no conhecimento e reconhecimento de seus direitos de serem bem atendidos, embora, respeitados os limites desta pesquisa, ainda apresentem dificuldades no exercício de sua cidadania, manifestando apenas indícios dela por meio de reclamações e conversa. Discutir o exercício da cidadania dos usuários na instituição hospitalar é relevante para as políticas de saúde, visto que a PNH defende que os usuários hospitalizados se-jam autônomos e participativos no seu processo saúde/doença e nas questões gerenciais dos serviços de saúde. Essa relevância se explicita nas conferências nacionais de saúde, nas políticas públicas e nas leis em que a cidadania dos usuários do sistema de saúde se destaca.

Em vista disso, carece manter um olhar contínuo no setor hospitalar, problematizando as questões afetas à proteção da cidadania e ao direito dos usuários, que, por transversalidade, implicam na garantia de condições de oferta - infraestrutura, recursos humanos e materiais - para que o cuidado profissional ocorra com a qualidade que se requer, tão bem caracterizado pelos usuários, de que o direito à saúde acarreta a garantia do direito ao cuidado de qualidade.

As limitações dessa pesquisa se situam na restrição do campo, pois se utilizou somente um hospital universitário. A ampliação de campos e de usuários participantes dará mais subsídios para que as questões abordadas sejam aprofundadas, em virtude da possibilidade de se obter estratificação de grupos sociais, em gênero e faixa etária, consolidando as afirmações sobre as RS no que diz respeito à cidadania no cuidado hospitalar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2015
  • Aceito
    26 Nov 2015
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