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Violência no trabalho da Enfermagem: um olhar às consequências

Violencia en el trabajo de Enfermería: una visión de las consecuencias

RESUMO

Objetivo:

refletir acerca das consequências da violência no trabalho experienciada por profissionais de enfermagem.

Método:

trata-se de um artigo de reflexão que contou com o auxílio de publicações recentes relacionadas a esta proposta, sobretudo de pesquisas realizadas no Brasil e em outros países.

Resultados:

a exposição à violência no trabalho tem sido vinculada a problemas de saúde nos profissionais de enfermagem, que se apresentam por danos físicos, manifestações emocionais, transtornos e distúrbios psíquicos. Além disso, influencia o desempenho do trabalhador, sua dimensão familiar e social.

Conclusão:

aponta-se para o potencial nocivo e oneroso deste fenômeno, por ser capaz de ocasionar sofrimento, adoecimento, afastamentos do trabalho e até a morte. Esta reflexão sensibiliza, ainda mais, para a importância de ambientes de trabalho seguros e em condições adequadas na área da saúde.

Descritores:
Violência; Trabalho; Local de Trabalho; Violência no Trabalho; Enfermagem

RESUMEN

Objetivo:

reflexionar sobre las consecuencias de la violencia laboral experimentada por profesionales de enfermería.

Método:

artículo de reflexión que contó con la ayuda de publicaciones recientes relativas a la propuesta, particularmente de investigaciones realizadas en Brasil y en otros países.

Resultados:

la exposición a la violencia laboral ha sido vinculada a problemas de salud en los profesionales de enfermería, expresados como daños físicos, manifestaciones emocionales, trastornos y disturbios psíquicos. Además de ello, influye en el desempeño del trabajador, en su dimensión familiar y social.

Conclusión:

Cabe considerar el potencial nocivo y oneroso del fenómeno, capaz de ocasionar sufrimiento, padecimientos, licencias laborales e incluso la muerte. Esta reflexión pretende sensibilizar aún más sobre la importancia de ámbitos laborales seguros y en condiciones adecuadas en el área de salud.

Descriptores:
Violencia; Trabajo; Lugar de Trabajo; Violencia Laboral; Enfermería

ABSTRACT

Objective:

to reflect on the consequences of workplace violence experienced by nursing professionals.

Methods:

this is a reflection paper based on recent publications related to the subject, particularly researches carried out in Brazil and in other countries.

Results:

exposure to workplace violence has been associated with health problems in nursing professionals, which may be physical damage, emotional manifestations, and psychic disorders. It also affects the employee performance, his or her family and social interactions.

Conclusion:

this phenomenon is potentially noxious and costly, for it leads to suffering, illness, absence from work, and even death. This reflection calls attention moreover to the importance of a safe and adequate health care work environment.

Descriptors:
Violence; Work; Workplace; Workplace violence; Nursing

INTRODUÇÃO

A violência que ocorre na área da saúde representa aproximadamente um quarto do total de acontecimentos violentos no trabalho(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.). Estas situações, portanto, têm sido observadas, ou, são rotineiras em alguns locais de trabalho dos profissionais de enfermagem. Na análise da violência sofrida por enfermeiros que atuavam na emergência, unidade de terapia intensiva e na psiquiatria de hospitais da Turquia, identificou-se que a maioria dos enfermeiros (60,8%) esteve exposta a violência verbal e/ou física oriunda dos pacientes, visitantes ou trabalhadores da saúde(22 Atan Ü, Arabaci B, Sirin A, Isler A, Donmez S, Guler MU et al. Violence experienced by nurses at six university hospitals in Turkey. J Psychiatr Ment Health Nurs[Internet]. 2013[cited 2016 Jun 02];20(10):882-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23216948
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).

Ao explorar a experiência de enfermeiros com a violência relacionada ao paciente e visitante em ambientes hospitalares gerais suíços, estudo(33 Hahn S, Müller M, Needham I, Dassen T, Kok G, Halfens R. Factors associated with patient and visitor violence experienced by nurses in general hospitals in Switzerland: a cross-sectional survey. J Clin Nurs [Internet]. 2010[cited 2016 Jun 02];19(23-24):3535-46. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20958803
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) mostrou que 95% dos enfermeiros vivenciaram este incidente durante a carreira, 72% experimentaram o abuso verbal e 42% a violência física nos 12 meses anteriores. Fatores como as reações emocionais decorrentes do problema de saúde e dor, desordens psiquiátricas, uso abusivo de substâncias como o álcool, e outros, podem influenciar o comportamento das pessoas e torná-las violentas, verbal e fisicamente(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.). Por isso, os profissionais de enfermagem e da saúde estão sujeitos a estes eventos, por serem considerados comuns entre os trabalhadores que estabelecem contato com pessoas em situações de angústia(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.).

Na avaliação da ocorrência, nos últimos seis meses, de abuso verbal e físico no local de trabalho de enfermeiros que atuavam em hospitais em Amã (Jordânia), encontrou-se a prevalência de 37,1% e 18,3%, respectivamente, sendo que os enfermeiros com menos experiência e que trabalhavam na unidade de emergência e de cuidados intensivos haviam experimentado mais os eventos estudados; e mais da metade esperava sofrer violência em algum momento da carreira(44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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).

Investigação conduzida pelo Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo (COREN-SP), Brasil, demonstrou, a partir dos relatos de 8.332 respondentes, que 74% sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho, 52% foram agredidos de duas vezes ou mais e 73% afirmaram que os incidentes violentos continuaram a se repetir no local em que trabalhavam(55 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Perfil da Enfermagem em São Paulo. Enferm Rev 2015;(11):30-9.).

As estatísticas inquietam frente ao número de profissionais de enfermagem no mundo que sofreram situações de violência no exercício laboral e, assim, estão suscetíveis às suas consequências. É na reflexão de algumas das consequências da violência no trabalho vivenciada pelos profissionais de enfermagem que este artigo se ancora, buscando sensibilizar, ainda mais, para a necessidade urgente de se oferecer um ambiente de trabalho seguro e em condições favoráveis na área da saúde, com o mínimo de riscos e exposições.

Consequências da violência no trabalho da enfermagem: o que e a quem implica

Os profissionais de enfermagem, além de enfrentarem situações desafiadoras em circunstâncias laborais - como o manejo dos pacientes e de suas famílias, as vivências de sofrimento, a exemplo da morte e dor decorrente da perda de um paciente - ainda podem sofrer violência durante o desempenho da função e suas consequências, já que praticamente todas as situações violentas acarretam angústia, com influência duradoura e/ou prejudicial na saúde da vítima(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.,44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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).

Neste texto, como organização para apresentação de algumas destas consequências, considerou-se as relacionadas à saúde, instituição e ao cuidado, mas analisá-las isoladamente é inviável, pois, aparentemente, incidem sobre o trabalhador e, de forma subsequente, aos demais contextos em que está inserido.

A violência no trabalho da enfermagem tem repercussão na saúde do trabalhador por implicar nas pontuações (menores) de saúde geral, saúde mental e vitalidade, conforme observado em enfermeiros que se sentiam ameaçados(66 Shiao JS-C, Tseng Y, Hsieh Y-T, Hou J-Y, Cheng Y, Guo YL. Assaults against nurses of general and psychiatric hospitals in Taiwan. Int Arch Occup Environ Health. 2010;83(7):823-32.), e pelo aumento nos níveis de sofrimento psicológico relacionado ao bullying e assédio sexual verbal sofrido por enfermeiros e parteiras(77 Demir D, Rodwell J. Psychosocial antecedents and consequences of workplace aggression for hospital nurses. J Nurs Scholarsh. 2012;44(4):376-84.). Estas consequências, de início, indicam que a influência da violência ocupacional não se restringe ao local de trabalho, já que pode ser um evento danoso à saúde e, indissociavelmente, à vida do trabalhador, como reforça estudo(44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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) ao destacar a vida social e familiar perturbada por efeitos negativos do abuso verbal e físico em enfermeiros.

A dor, entorse, dano à audição, palpitações, desordens no sono, estresse, depressão, medo de pacientes e/ou visitantes e o sentimento de que a profissão não é respeitada estiveram relatados por enfermeiros expostos a violência(22 Atan Ü, Arabaci B, Sirin A, Isler A, Donmez S, Guler MU et al. Violence experienced by nurses at six university hospitals in Turkey. J Psychiatr Ment Health Nurs[Internet]. 2013[cited 2016 Jun 02];20(10):882-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23216948
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). O cansaço, dores de cabeça, dificuldade em dormir, medo, ansiedade e gastralgia foram referidos também pelos enfermeiros vítimas de violência física e abuso verbal(44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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), que se apresenta como expressão predominante da violência no trabalho em vários estudos(33 Hahn S, Müller M, Needham I, Dassen T, Kok G, Halfens R. Factors associated with patient and visitor violence experienced by nurses in general hospitals in Switzerland: a cross-sectional survey. J Clin Nurs [Internet]. 2010[cited 2016 Jun 02];19(23-24):3535-46. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20958803
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-44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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,88 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Institutional violence: routine experiences of the nursing team. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2016 Jun 02];64(1):84-90. Available from: http://www.reben.abennacional.org.br/detalhes/678/violencia-institucional--vivencias-no-cotidiano-da-equipe-de-enfermagem Portuguese.
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). Também, a violência psicológica vivida por mulheres enfermeiras brasileiras na sua prática profissional foi avaliada, constatando-se que, em meio a alto grau de agressão, apresentaram enfermidades físicas e mentais, solidão, irritabilidade, raiva, tristeza, baixa autoestima e crises de choro, estas cinco últimas consequências também identificadas nas situações em que foram submetidas a baixo grau de agressão(99 Barbosa R, Labronici LM, Sarquis LMM, Mantovani MF. Psychological violence in nurses'professional practice. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):25-31.). Ainda, é descrita a associação do bullying com burnout, ambos com implicações profundas e destrutivas aos indivíduos(1010 Allen BC, Holland P, Reynolds R. The effect bullying on burnout in nurses: the moderating role of psychological detachment. J Adv Nurs. 2015;71(2):381-90.).

Tais manifestações mostram que a violência ocupacional torna os profissionais de enfermagem psiquicamente vulneráveis, além de fisicamente acometidos. Cabe esclarecer que os termos estrangeiros relacionados à violência no trabalho, bullying ou mobbing, se referem ao modo de assédio psicológico que se configura pela perseguição, por meio de atitudes como as constantes observações negativas, isolamento dos contatos sociais e disseminação de falsas informações, que são tentativas cruéis e têm por finalidade humilhar um trabalhador ou um grupo de trabalhadores(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.).

Ainda com relação à saúde, embora com implicações diretas à instituição, em termos de qualidade do cuidado e custos, a incivilidade no local de trabalho pode acarretar em dias (um a cinco) de licença por doença, e lesões físicas, com ou sem necessidade de primeiros socorros, consulta ou tratamento, conforme observado em pesquisa realizada com enfermeiros que atuavam num hospital da Suíça, para explorar a violência de paciente e visitante(33 Hahn S, Müller M, Needham I, Dassen T, Kok G, Halfens R. Factors associated with patient and visitor violence experienced by nurses in general hospitals in Switzerland: a cross-sectional survey. J Clin Nurs [Internet]. 2010[cited 2016 Jun 02];19(23-24):3535-46. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20958803
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).

A violência relacionada ao paciente e visitante é considerada risco ocupacional em profissões da área da saúde, principalmente à enfermagem(33 Hahn S, Müller M, Needham I, Dassen T, Kok G, Halfens R. Factors associated with patient and visitor violence experienced by nurses in general hospitals in Switzerland: a cross-sectional survey. J Clin Nurs [Internet]. 2010[cited 2016 Jun 02];19(23-24):3535-46. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20958803
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) que permanece por tempo maior em interação com pacientes e acompanhantes(88 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Institutional violence: routine experiences of the nursing team. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2016 Jun 02];64(1):84-90. Available from: http://www.reben.abennacional.org.br/detalhes/678/violencia-institucional--vivencias-no-cotidiano-da-equipe-de-enfermagem Portuguese.
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), e os enfermeiros que atuam em unidades destinadas ao cuidado intensivo e intermediário, a reabilitação e a emergência(33 Hahn S, Müller M, Needham I, Dassen T, Kok G, Halfens R. Factors associated with patient and visitor violence experienced by nurses in general hospitals in Switzerland: a cross-sectional survey. J Clin Nurs [Internet]. 2010[cited 2016 Jun 02];19(23-24):3535-46. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20958803
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). Embora os pacientes e familiares estejam entre os perpetradores usuais(44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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) da violência nos locais de trabalho em saúde, deve-se atentar também às situações de violência inerentes às relações de trabalho estabelecidas entre colegas de trabalho, ou destes com seu(s) supervisor(es), que por vezes ocorrem no ambiente laboral e que podem acarretar severas consequências. Dados disponibilizados pelo COREN-SP demonstraram que 49% dos 8.332 profissionais de enfermagem citaram os pacientes como sendo os agressores, 49% os familiares e, com similar proporção, os colegas de trabalho que possuíam cargo superior (42%)(55 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Perfil da Enfermagem em São Paulo. Enferm Rev 2015;(11):30-9.).

A reestruturação pela qual passa o setor da saúde influencia consideravelmente as condições de trabalho, já que a privatização, descentralização e racionalização são processos que estão acompanhados, geralmente, por demissões, corte ou congelamento de salários, por cargas de trabalho e ritmos intensos, mais horas de trabalho e subcontratação, entre outros fatores, que potencialmente são estressores e podem eventualmente favorecer a violência(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.). Além disso, grande parte dos profissionais de enfermagem é do sexo feminino(55 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Perfil da Enfermagem em São Paulo. Enferm Rev 2015;(11):30-9.,99 Barbosa R, Labronici LM, Sarquis LMM, Mantovani MF. Psychological violence in nurses'professional practice. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):25-31.) (o equivalente a 83,3% em São Paulo(55 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Perfil da Enfermagem em São Paulo. Enferm Rev 2015;(11):30-9.)), e as mulheres estão altamente expostas ao risco de violência, a exemplo do assédio sexual, no qual a maioria das vítimas é mulher(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.).

Ainda, neste contexto, os resultados referentes ao Estado de São Paulo demonstraram que estar exposto ao risco de agressão, ao excesso de tarefas e à falta de estrutura apropriada para a realização das atividades, justificou a insegurança e o desgaste no trabalho, referidos por 64% dos trabalhadores(55 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Perfil da Enfermagem em São Paulo. Enferm Rev 2015;(11):30-9.). Com isso, fica evidente que as condições de trabalho desfavoráveis representam fontes, em potencial, de sofrimento e adoecimento dos profissionais de enfermagem, e também remetem à situações de violência, incluindo a violência institucional, preocupante e presente em determinados ambientes de cuidado em saúde(88 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Institutional violence: routine experiences of the nursing team. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2016 Jun 02];64(1):84-90. Available from: http://www.reben.abennacional.org.br/detalhes/678/violencia-institucional--vivencias-no-cotidiano-da-equipe-de-enfermagem Portuguese.
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).

A partir destas informações, que apontam para a existência de múltiplos fatores que contribuem para a violência no trabalho(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.), acredita-se que este tema requer avaliação ampliada. A análise eficaz destes elementos é muito complexa, porque os fatores importantes com frequência se sobrepõem e interagem(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.).

Outra consequência da violência no trabalho que se relaciona diretamente a instituição de saúde empregadora é a diminuição do comprometimento organizacional, relacionado ao abuso emocional interno e bullying, conforme observado em enfermeiros e parteiras que trabalhavam em um hospital australiano(77 Demir D, Rodwell J. Psychosocial antecedents and consequences of workplace aggression for hospital nurses. J Nurs Scholarsh. 2012;44(4):376-84.); além do impacto no desempenho no trabalho(22 Atan Ü, Arabaci B, Sirin A, Isler A, Donmez S, Guler MU et al. Violence experienced by nurses at six university hospitals in Turkey. J Psychiatr Ment Health Nurs[Internet]. 2013[cited 2016 Jun 02];20(10):882-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23216948
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), diminuição da qualidade do trabalho(44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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), maior demanda psicológica e controle do trabalho diminuído(66 Shiao JS-C, Tseng Y, Hsieh Y-T, Hou J-Y, Cheng Y, Guo YL. Assaults against nurses of general and psychiatric hospitals in Taiwan. Int Arch Occup Environ Health. 2010;83(7):823-32.).

Entende-se que estas consequências podem se expandir à qualidade do cuidado prestado aos usuários dos serviços de saúde, já que, em potencial, representam fatores de risco à ocorrência de alguma adversidade relacionada à assistência. Logo, a violência contribui para o desenvolvimento de doenças, prejudica quem a sofre e o coletivo, e repercute na qualidade do trabalho(99 Barbosa R, Labronici LM, Sarquis LMM, Mantovani MF. Psychological violence in nurses'professional practice. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):25-31.). Os empregadores, portanto, provavelmente suportarão os custos diretos ou indiretos da perda de produção, da eficiência, produtividade e qualidade diminuídas, da repercussão negativa na imagem da instituição e decréscimo no número de clientes(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.).

É importante destacar também que, entre os custos gerados pela violência, estão, por exemplo, aqueles vinculados aos cuidados de saúde e reabilitação das vítimas, as incapacidades e invalidez, ao desemprego, atualização e reinserção dos indivíduos, que por consequência do incidente violento perderam o emprego(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.).

Além disso, as experiências de violência podem favorecer para que os trabalhadores se sintam estressados, irritados e desestimulados para trabalhar, o que influencia o contexto de trabalho(88 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Institutional violence: routine experiences of the nursing team. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2016 Jun 02];64(1):84-90. Available from: http://www.reben.abennacional.org.br/detalhes/678/violencia-institucional--vivencias-no-cotidiano-da-equipe-de-enfermagem Portuguese.
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), e os enfermeiros abusados verbal, fisicamente e/ou submetidos a alto grau de agressão relataram a ideia/ou desejo de abandonar a profissão(22 Atan Ü, Arabaci B, Sirin A, Isler A, Donmez S, Guler MU et al. Violence experienced by nurses at six university hospitals in Turkey. J Psychiatr Ment Health Nurs[Internet]. 2013[cited 2016 Jun 02];20(10):882-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23216948
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,44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
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,99 Barbosa R, Labronici LM, Sarquis LMM, Mantovani MF. Psychological violence in nurses'professional practice. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):25-31.). Pelo trauma sofrido e medo de que o incidente violento se repita, muitas vítimas de violência no trabalho rompem o vínculo institucional que possuem(55 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Perfil da Enfermagem em São Paulo. Enferm Rev 2015;(11):30-9.). Este contexto se soma à sensação de insegurança no ambiente de trabalho (relatada por 64,7% dos profissionais entrevistados e que atuavam em São Paulo), a baixa remuneração, incompatível com o desempenho das atividades(55 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Perfil da Enfermagem em São Paulo. Enferm Rev 2015;(11):30-9.) e identificada em algumas instituições, entre outros fatores, que podem favorecer para que o profissional de enfermagem cogite deixar o emprego e a profissão.

Por fim, cada trabalhador é único e vivencia o incidente da sua maneira, considerando sua história de vida, habilidades de manejar situações difíceis e resiliência. Ser vítima de violência no local de trabalho pode culminar em consequências para um trabalhador, mas que não ocorrem ou ocorrem em intensidade diferente em outro trabalhador, não sendo, portanto, uma regra. O fato é que a violência sofrida pelos profissionais de enfermagem no exercício da função tem o potencial de gerar consequências, muitas das quais graves, que repercutem na saúde e vida do trabalhador, assim como na sua relação com o trabalho e instituição de saúde, e podem ser estendidas à sociedade. Sem dúvida, a violência no trabalho em saúde "vem se tornando um problema de saúde pública", que acarreta prejuízos à saúde dos trabalhadores, suas carreiras e ao cuidado prestado(88 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Institutional violence: routine experiences of the nursing team. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2016 Jun 02];64(1):84-90. Available from: http://www.reben.abennacional.org.br/detalhes/678/violencia-institucional--vivencias-no-cotidiano-da-equipe-de-enfermagem Portuguese.
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).

Mesmo que para esta reflexão não tenha se esperado exaurir a totalidade de consequências da violência sofrida pelos profissionais de enfermagem e, assim, as repercussões deste fenômeno vão mais além, os dados apresentados indicaram possibilidades sobre o que e a quem têm incidido as consequências desta violência. Tal análise pode subsidiar gestores das instituições de saúde, profissionais de enfermagem e demais interessados no assunto, na justificativa de quão importante é a elaboração e incorporação de ações que primem por condições de trabalho e organizacionais adequadas, e que visem tornar o ambiente de trabalho em saúde seguro, importante também para que os profissionais de enfermagem prestem cuidados de qualidade(44 Ahmed AS. Verbal and physical abuse against Jordanian nurses in the work environment. East Mediterr Health J [Internet]. 2012[cited 2016 Jun 02];18(4):318-24. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768692
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22768...
).

Estas ações, destinadas também a evitar a ocorrência de violência no trabalho, podem incluir a adoção de medidas de segurança, melhoria das condições para o trabalho por meio da adequação do número de profissionais, do acesso à estrutura apropriada, aos materiais e equipamentos necessários, à qualificação e a uma remuneração justa às funções desempenhadas, por exemplo; além de organização do atendimento para permitir o acesso e acolhimento dos usuários dos serviços de saúde, existência de uma gestão que prime pela qualidade da assistência e por um trabalho mais satisfatório à equipe, entre outros(88 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Institutional violence: routine experiences of the nursing team. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2016 Jun 02];64(1):84-90. Available from: http://www.reben.abennacional.org.br/detalhes/678/violencia-institucional--vivencias-no-cotidiano-da-equipe-de-enfermagem Portuguese.
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). Para tanto, considera-se que o apoio e comprometimento da instituição de saúde empregadora e dos trabalhadores são fundamentais para a consolidação destas ações nos locais de trabalho, dando enfoque ao relevante papel da prevenção no combate eficaz da violência ocupacional(11 Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os profissionais de enfermagem que experienciam a violência no trabalho estão propensos a sofrer uma gama de consequências relacionadas à sua saúde, envolvendo as dimensões física e psicológica, que podem implicar na capacidade do trabalhador em realizar suas atividades cotidianas, na relação deste com os demais, na condição financeira, em sua qualidade de vida e no sistema de saúde.

Além disso, as consequências da violência no trabalho da enfermagem perpassam a instituição de saúde empregadora, pelas repercussões em seus trabalhadores, o que pode levar à redução da força de trabalho, adoecimento ou desgaste da equipe, comprometer a qualidade do cuidado prestado àqueles que recorrem aos serviços e gerar custos.

Os profissionais de enfermagem assumem destacada relevância nos serviços de saúde. Por isso, a situação que se apresenta atualmente, na qual muitos destes trabalhadores foram, estão sendo ou serão vítimas da violência no trabalho precisa ser modificada, não só no Brasil, como no mundo. O envolvimento de gestores, trabalhadores, comunidade científica e população é importante nesta busca por condições de trabalho favoráveis à saúde, segurança e qualidade da assistência, a partir do que se dá força às propostas de intervenção dos órgãos de classe federal e regionais, como as do Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo, e se promove a possibilidade de desenvolvimento de novas e adequadas estratégias de ação, com vistas ao alcance de êxitos cada vez maiores neste campo.

  • FOMENTO
    Agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pela bolsa de mestrado.

REFERÊNCIAS

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    Di Martino V. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector. Geneva; 2003. 33p.
  • 2
    Atan Ü, Arabaci B, Sirin A, Isler A, Donmez S, Guler MU et al. Violence experienced by nurses at six university hospitals in Turkey. J Psychiatr Ment Health Nurs[Internet]. 2013[cited 2016 Jun 02];20(10):882-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23216948
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2016
  • Aceito
    25 Jul 2016
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