Enfrentando desafios em tempos de adversidades

Na confluência da tradição, do respeito pela história e da abordagem crítica das questões inerentes ao desenvolvimento da profissão de enfermagem, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) vem consolidando uma trajetória exemplar na sociedade brasileira. Ao longo da sua história, as reflexões, discussões e decisões sobre assuntos pertinentes e prementes da profissão têm possibilitado intervenções em relevantes questões da saúde e condições de vida da população.

No campo da ciência, a ABEn é referência na construção e divulgação do conhecimento da enfermagem em benefício da população. É importante ressaltar que a atuação da ABEn não se restringe somente aos interesses dos associados, pois sua ação é expandida e ampliada aos espaços políticos e decisivos do fazer saúde, educação e ciência tanto no âmbito nacional quanto internacional.

Ao iniciar a gestão de 2016-2019, o compromisso é continuar construindo e aprimorando essa trajetória. Segundo Carvalho⁽¹⁾,

[...] as evoluções históricas das entidades associativas sucedem em meio a crises da sociedade e da cultura. O tempo histórico, atualmente, está marcado por prementes desafios econômicos, disputas em torno de hegemonia de poder político, e é crucial a necessidade de avançar.

Os desafios enunciados por Carvalho⁽¹⁾ só fizeram se agravar. Nosso tempo configura-se como extremamente difícil em termos de conjuntura nacional, com significativo agravamento da crise pela qual passam todos os setores sociais, com destaque para saúde, educação e ciência que, consequentemente, atingem a enfermagem e as demais práticas sociais correlatas. Em termos de políticas sociais, as ainda insuficientes conquistas obtidas na última década estão sofrendo um acachapante desmonte, carregando consigo outras conquistas obtidas nas práticas profissionais, entre elas a da enfermagem.

No caso da ciência de enfermagem, a despeito das dificuldades, a produção científica tem crescido exponencialmente nas últimas décadas. Nesse campo, além da ABEn ter mantido, durante sua história, grande articulação com as esferas de produção de políticas e instituições financiadoras, como CAPES, CNPq e FAPs, sedia a mais histórica revista de Enfermagem do País, a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), fundada em 1955.

Segundo Cabral e Almeida Filho⁽²⁾,

[...] a REBEn viveu grandes transformações marcando importantes saltos evolutivos, se internacionalizando e alcançando status de periódico que traduz o pensamento da ciência da Enfermagem no Brasil e da vida associativa da ABEn, sendo reflexo do que acontece no contexto social. A REBEn constitui-se como fonte de referência para pesquisadores e estudantes, fonte documental para pesquisas históricas, além de canalizar a divulgação das discussões técnico-científicas e das demandas políticas da própria Associação.

Atualmente, a REBEn figura entre as melhores revistas de enfermagem classificadas nas bases indexadoras da área. Por ser open access, a divulgação do conhecimento do periódico tem alcançado a coletividade da Enfermagem e da área da Saúde de todo Brasil e de outros continentes.

É nesse escopo que no próximo triênio a Diretoria de Comunicação Científica e Social prossegue com o desafio da busca permanente da ascensão das curvas dos indicadores bibliométricos para o periódico. Além disso, vai ampliar a utilização dos recursos multimídias para facilitar e estimular a interatividade entre os pares. Pretendemos proporcionar um novo canal de comunicação com os leitores, disponibilizando links para streaming de vídeos nos quais os autores possam explanar o escopo dos artigos e ampliar o acesso ao conhecimento.

Outra preocupação histórica da ABEn tem sido a formação e qualificação da enfermagem para o exercício profissional nos vários loci de atuação da enfermagem e nos diversos níveis. A formação nos níveis técnico, da graduação e pós-graduação tem estado constantemente em foco nas esferas de formulação de políticas públicas para a educação, com intensa participação de representantes da ABEn. Nesse âmbito, o Centro de Educação em Enfermagem encontra-se em plena atividade, com a formulação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de cursos de graduação, devendo, num futuro próximo, ampliar a discussão para as DCN de cursos técnicos. Os benefícios e frutos desse empreendimento também não se destinam somente aos associados, mas a toda a enfermagem. Urge também potencializar a rede de escolas associadas filiadas à ABEn para construir um coletivo que espraie as mudanças necessárias para uma formação que atenda às necessidades do Sistema Único de Saúde.

No cenário nacional, além da ABEn, são múltiplas as entidades associativas com finalidades que podem se aproximar das nossas. Além de valorizar e incentivar o trabalho específico, é importante que as organizações de enfermagem se engajem em um projeto coletivo, político e profissional, atraindo as novas gerações para que se possa construir o futuro a partir do olhar sobre o que já foi construído no passado e está acontecendo no presente. A despeito das diferenças inerentes às especificidades das nossas entidades, há que encontrar espaços de confluência de interesses e de ações que possam nos fortalecer coletivamente.

Além das dificuldades objetivas relacionadas à materialidade das ações voltadas para a sobrevivência, já elencadas, a acelerada transformação adversa de alguns dos valores fundamentais para a convivência social pode e tem comprometido a concretização do amplo fazer da ABEn. Exemplo disso é a hipervalorização do individualismo em contraste com o cooperativismo e a coletivização. Surpreendentemente, a despeito do discurso social hegemônico valorizar a cooperação, a união de esforços e a solidariedade (veja-se o conteúdo das mensagens veiculadas nas redes sociais), as práticas sociais têm se mostrado cada vez mais individualistas e competitivas. Isso configura-se como absolutamente contrário ao preceito gregário que deve iluminar os caminhos das associações profissionais para que suas finalidades sejam alcançadas.

Assim, ao assumir a diretoria da ABEn para a gestão 2016-2019, entendemos que, aparentemente, nenhum novo desafio se delineia no cenário da enfermagem nacional. É necessário que sejamos criativas para enfrentarmos os desafios com estratégias coerentes com os tempos e as dificuldades atuais. Muito tem sido feito e muito há por fazer. Para tanto, há que ampliar tanto os quadros associativos quanto a efetiva participação dos associados, capilarizando as ações e unindo forças para crescer.

Além disso, dado que a ABEn não trabalha apenas para seus associados, mas executa ações amplas e significativas para toda a coletividade, é urgente ampliar a captação de recursos oriundos de órgãos oficiais de fomento e instituições afins, buscando parcerias e cooperações com vistas à melhoria e à autonomia financeira da entidade. Não é possível ampliar e melhorar sem que as necessidades de subsistência sejam atendidas. Vencidas essas demandas, outras se abrirão e estaremos atentas para captá-las e também atendê-las.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Carvalho V. Sobre a Associação Brasileira de Enfermagem - 85 anos de história: pontuais avanços e conquistas, contribuições marcantes, e desafios. Rev Bras Enferm [Internet]. 2012[cited 2016 Oct 27];65(2): 207-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65n2a02.pdf
  » http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65n2a02.pdf
• ²
  Cabral IE, Almeida Filho AJ. 85 anos de ABEn^© e 80 de REBEn^©: promovendo o desenvolvimento científico e profissional da Enfermagem brasileira. Rev Bras Enferm [Internet]. 2013[cited 2016 Oct 27];66(esp):13-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea02.pdf
  » http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea02.pdf

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Jan-Feb 2017