Práticas avançadas para a gestão do cuidado: reflexão emergente à enfermagem brasileira

RESUMO

Objetivo:

explanar acerca da Prática Avançada em enfermagem e discorrer sobre as possibilidades da Prática Avançada para a gestão do cuidado de enfermagem no Brasil.

Método:

ensaio teórico-reflexivo, embasado na literatura internacional sobre práticas avançadas na enfermagem e análise pertinente à profissão ao contexto brasileiro.

Resultados:

o objeto do estudo foi descrito nos seguintes eixos condutores: Enfermeiro de Prática Avançada: exemplos internacionais e realidade brasileira e; Reflexões sobre gestão do cuidado pelo enfermeiro de Prática Avançada no Brasil. Destaca-se a autonomia, a formação qualificada, a liderança e a atuação baseada em evidências científicas como alicerces da melhor gestão do cuidado pela Prática Avançada de enfermagem.

Considerações finais:

apesar de embrionária e desafiadora, a empreitada da enfermagem brasileira rumo à prática profissional avançada parece ser interessante, pois as possibilidades de gestão do cuidado desta modalidade de atuação do enfermeiro são evidentes.

Descritores:
Prática Avançada de Enfermagem; Enfermeiras e Enfermeiros; Gerência; Gestão em Saúde; Gerenciamento da Prática Profissional

ABSTRACT

Objective:

to explain about the Advanced Nursing Practice and to discuss the possibilities of the Advanced Practice for the management of nursing care in Brazil.

Method:

this is a theoretical-reflexive trial, based on the international literature on advanced practices in nursing and analysis relevant to the profession and to the Brazilian context.

Results:

the object of the study was described in the following driving axes: Advanced Practice Nurse: international examples and Brazilian reality; Reflections on the care management by the Advanced Practice Nurse in Brazil. Autonomy, qualified training, leadership and performance based on scientific evidences as the foundation of the best care management by the Advanced Nursing Practice, stand out.

Final considerations:

while early and challenging, the work of Brazilian nursing towards advanced professional practice seems to be interesting, since the possibilities of managing the care of this modality of nurses' performance are evident.

Descriptors:
Advanced Nursing Practice; Nurse Women and Nurse Men; Management; Health Management; Management of Professional Practice

RESUMEN

Objetivo:

explicar sobre la Práctica Avanzada en enfermería y discurrir sobre las posibilidades de la Práctica Avanzada para la gestión del cuidado de enfermería en Brasil.

Método:

ensayo teórico-reflexivo, basado en la literatura internacional sobre prácticas avanzadas en la enfermería y análisis pertinente a la profesión al contexto brasileño.

Resultados:

el objeto del estudio fue descrito en los siguientes ejes conductores: Enfermero de Práctica Avanzada: ejemplos internacionales y la realidad brasileña; Reflexiones sobre gestión del cuidado por el enfermero de Práctica Avanzada en Brasil. Se destaca la autonomía, la formación cualificada, el liderazgo y la actuación basada en evidencias científicas como cimientos de la mejor gestión del cuidado por la Práctica Avanzada de enfermería.

Consideraciones finales:

a pesar de embrionaria y desafiante, la tarea de la enfermería brasileña hacia la práctica profesional avanzada parece ser interesante, pues las posibilidades de gestión del cuidado de esta modalidad de actuación del enfermero son evidentes.

Descriptores:
Práctica Avanzada de Enfermería; Enfermeras y Enfermeros; Gerencia; Gestión de la salud; Gestión de la Práctica Profesional

INTRODUÇÃO

As constantes mudanças sociais e epidemiológicas impõem ao setor de saúde a necessidade de elaborar continuamente estratégias que viabilizam respostas às demandas de cuidado que, não raras vezes, são complexas. Nesses termos, a responsabilidade dos recursos humanos neste peculiar setor de produção é evidente, uma vez que os profissionais de saúde têm a incumbência de operacionalizar ações voltadas ao atendimento das necessidades da clientela.

As necessidades de Atenção à Saúde – apesar de diferirem conforme as realidades socioeconômicas de cada contexto – merecem muita atenção, como é o caso dos países da América Latina e Caribe, onde a dificuldade de acesso aos serviços pelos usuários, a baixa resolutividade e a má qualidade da assistência são problemas que precisam ser gerenciados⁽¹⁾. Por esses e outros motivos, a equipe prestadora do cuidado à saúde precisa ser habilitada para atender precisamente às demandas de trabalho em meio a um cenário repleto de adversidades, em especial, a escassez de recursos humanos e insumos (de ampla variabilidade tecnológica) necessários para a assistência^(1-2).

Na equipe de saúde, os profissionais de enfermagem são essenciais na promoção da assistência direta nos diferentes níveis de atenção e ciclos da vida do ser humano, já que esta classe trabalhadora tem o cuidado como produto elementar da sua atuação^(1,3). Apesar disso, no campo de atuação do enfermeiro, o processo de trabalho vai além do cuidado direto, porque esse profissional deve apreender conhecimentos, habilidades e competências que culminem na gerência da assistência ou gestão do cuidado aqui entendido como cuidado indireto, ou seja, as ações sistemáticas que viabilizam recursos e estratégias para o cuidado racional, visando sua melhor qualidade⁽³⁾.

Ressalta-se que o trabalho gerencial do enfermeiro não deve servir meramente para reafirmar a divisão hierárquica clássica da equipe de enfermagem e fortalecer a visão desconexa entre gerência e assistência, já que isso dificulta o entendimento claro da própria identidade profissional do enfermeiro e aguça possíveis problemas de relacionamento com a sua equipe^(3-4). Nestes moldes, sendo parte fundamental de todo o processo de trabalho do enfermeiro, a gerência exercida por este profissional necessita subsidiar o manejo de diversos recursos necessários à assistência; mobilizar condutas da equipe de trabalho; planejar; organizar; e avaliar ações de interesse no cuidado de enfermagem^(5-6).

Apesar de importante, o trabalho gerencial do enfermeiro pode ser dificultado por diversos fatores, ao exemplo da já mencionada dicotomia entre gerência e assistência^(3-4,6); dos modelos biomédicos de Atenção à Saúde; da escassez de recursos e; das decisões pouco ou não compartilhadas entre os membros produtores do cuidado⁽⁷⁾. Neste aspecto, mudanças tanto na organização do trabalho, como no mapeamento profissional do enfermeiro têm sido recomendadas a fim de alavancar a resolutividade dos problemas de saúde das pessoas e comunidades, inclusive, por sua reconhecida habilidade de gestão do cuidado^(1-2).

Uma possibilidade elencada como favorável à autonomia do enfermeiro para a tomada de decisão em prol de melhorias nas condições de saúde é a Prática Avançada em enfermagem^(8-9), que consiste num nível formal de habilitação profissional, correspondente à base de conhecimento especializado, com habilidade de poder decisório complexa, competências clínicas para a Prática Avançada em sua área de atuação/especialidade, cujas características são moldadas pelo contexto ou país em que eles são credenciados para atuar⁽⁹⁾. Em paralelo, o termo referido ao profissional habilitado tem sido traduzido ao português como Enfermeiro de Prática Avançada (EPA)⁽¹⁾.

Considerando que o tema Práticas Avançadas no cenário da enfermagem brasileira é pulsante, mas, incipiente^(1,8) e que delinear mais claramente sobre as possibilidades para a gestão do cuidado nessa modalidade de atuação profissional pode contribuir sobremaneira à melhoria da qualidade da assistência e também, do próprio exercício laboral do enfermeiro, este estudo se pauta nas questões: Como se apresenta a Prática Avançada de enfermagem em diversos contextos nacionais e; quais são as suas perspectivas à gestão do cuidado no Brasil? Para respondê-las, este estudo teve como objetivo explanar acerca da Prática Avançada em enfermagem e discorrer sobre as possibilidades da Prática Avançada para a gestão do cuidado de enfermagem no Brasil.

MÉTODO

Trata-se de um ensaio teórico de cunho reflexivo, oriundo de estudos e debates pertinentes à disciplina de Tecnologias Gerenciais em Saúde e Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, nível Doutorado, da Universidade Estadual de Maringá. A disciplina foi desenvolvida entre agosto e dezembro de 2016, de forma dialógica sobre temas emergentes à gestão do cuidado de enfermagem, incluindo o tema "práticas avançadas".

As reflexões propostas foram embasadas à luz (principalmente) da literatura^(1-2,8-19) internacional e nacional atinente ao tema, além da própria experiência dos autores na prática, no ensino e principalmente na pesquisa em gestão/gerenciamento em enfermagem. Como não se trata de um estudo de revisão sistemática da literatura, o material utilizado foi obtido principalmente por indicação de uma das autoras, a qual, durante o desenvolvimento de estágio pós-doutoral, concluído em 2014, se debruçou com afinco no conhecimento referente às práticas avançadas de enfermagem ao redor do mundo.

A apresentação das explanações e reflexões a serem tecidas se dará na forma de eixos condutores sobre o tema, advindos de interpretações da literatura e também, impressões reflexivas dos autores. Estas interpretações foram dirigidas pela compreensão do tema no âmbito mundial, ou seja, o "estadas da arte" da EPA em diferentes contextos e direcionadas para a sua reflexão à realidade brasileira. Ademais, como não houve nenhuma interação de pesquisa direta/aplicada, excluiu-se a necessidade de submeter o estudo a trâmites éticos.

Enfermeiro de Prática Avançada: exemplos internacionais e realidade brasileira

O termo Prática Avançada surgiu nos Estados Unidos da América (EUA), no início dos anos 1970, e no Canadá, nos anos 1990, para substituir a notação "especialista"⁽¹⁰⁾. Originalmente, as EPA estadunidenses eram profissionais com alto nível de instrução nas áreas de enfermagem em anestesiologia, obstetrícia, clínica e as nurse practitioners ("enfermeiras práticas")⁽¹⁰⁾, que comumente atuam nos cuidados para promoção de saúde na Atenção Primária e controle/manejo de doenças agudas e crônicas^(2,9).

A Prática Avançada em enfermagem relaciona-se a um grau de instrução formal, em nível teórico-prático aprofundado – normalmente representado pela certificação em título de Mestre ou Doutor – e específico em uma dada área de atuação de escolha do enfermeiro habilitado⁽⁹⁾. Destarte, a difusão da Prática Avançada de enfermagem tanto nos EUA como no Canadá, que se deu mais tardiamente, mas de forma muito semelhante, acompanhou também o aumento das concentrações dos programas de Mestrado e Doutorado para enfermeiras, incluindo modalidades à distância e/ou semipresenciais nos EUA⁽¹⁰⁾.

Ressalta-se a importância dada ao elevado nível de instrução das EPA norte-americanas, uma vez que o foco na educação formal (capacitação direcionada em diferentes graus); o norteamento do trabalho pela prática baseada em evidências científicas; o compromisso com a educação continuada; a certificação e sua revalidação das competências e habilidades clínicas relacionadas à área de atuação, são pontos de muita seriedade⁽¹¹⁾. Tais fatores, em essência, fundamentam a Prática Avançada de enfermagem^(2,9-11).

Um estudo que discorreu sobre a Prática Avançada de enfermagem em 12 países constatou que a EPA teve o seu surgimento fortemente atrelado à tentativa dos sistemas e serviços de saúde em suprirem a proporção insuficiente – os chamados gaps – de médicos por habitantes⁽²⁾. Neste aspecto, a EPA parece ter sido criada na perspectiva de aumento da equidade e do acesso ao cuidado em saúde, bem como na utilização racional dos recursos humanos, o que corresponde à experiência embrionária brasileira, que tende a se relacionar com o plano para a cobertura universal – ou seja, ampliação de acesso – de saúde da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS)⁽¹⁾.

Sobre a implantação da enfermagem de Prática Avançada em diferentes países, percebe-se que a regulamentação da EPA; a sua extensão de atuação; os trâmites de cunho legislativo e os próprios modelos de atenção à saúde podem se conformar tanto como fatores que facilitam a viabilização desta modalidade profissional como também a dificultar⁽²⁾. Ao exemplo disso, tem-se a experiência da França, a qual definiu clara e austeramente os limites e possibilidades da atuação da EPA por meio de regulação legislativa⁽²⁾. Portanto, as mudanças a serem implementadas em todo o território nacional para a ampliação de suas áreas e práticas de atuação são centralizadas⁽²⁾.

Em relação aos entraves para operacionalizar a EPA, sabe-se que a cultura de um modelo assistencial calcado nos princípios biomédicos de atenção pode perfazer uma grande dificuldade para que enfermeiros atuem "além" da sua prática tradicional, ou seja, avancem nas decisões relacionadas ao plano de cuidado. Neste escopo, a experiência internacional diz que, em geral, nos países onde a assistência (com enfoque na atenção primária) é permeada por práticas multiprofissionais fluidas, como no caso da Finlândia, a implementação da EPA é mais fácil, ao contrário de onde se predomina o modelo focado na figura do médico, sendo este uma barreira ao processo de implantação das práticas avançadas pelo enfermeiro⁽²⁾.

Outro exemplo da atuação da EPA se deu na Austrália, acerca da possibilidade dessa categoria profissional prescrever medicamentos^(2,12). Naquele país, houve uma mudança legislativa em 2006 para a ação de prescrição farmacológica, mas em 2009 quase um terço das EPA australianas que poderiam realizar tal atividade ainda aguardavam licenciamento para a mesma⁽¹²⁾, o que possivelmente se relaciona às dificuldades da Prática Avançada no contexto do reconhecimento da legislação e/ou da força do poder médico⁽²⁾. Ademais, vale destacar que na Austrália a prescrição de medicamentos por enfermeiros pode ou não ser acompanhada da supervisão de médicos e para prescrever fármacos, é necessário de um adicional de 60 a 80 horas no programa de treinamento em práticas avançadas⁽²⁾.

No Canadá, tem-se pouca padronização dos programas de capacitação para EPA tanto no contexto dos cuidados na Atenção Primária à Saúde (APS) pelos chamados nurse practitioners, como na assistência hospitalar (pelos clinical nurse specialist) e isto é um fator que dificulta a regulamentação da prática profissional nas diferentes províncias do país⁽¹³⁾. Ainda no contexto da APS canadense, existe ampla dificuldade de se obter portabilidade da regulamentação profissional entre jurisprudências diferentes, justamente pela diversidade de modelos assistenciais existentes nesse nível de atenção^(2,13).

Um exemplo recente é a realidade do Japão, que certificou sua primeira enfermeira de Prática Avançada em 2010⁽¹⁴⁾. A estratégia, ainda em construção neste país, se iniciou com o encaminhamento de 12 professores de enfermagem para conhecer e compreender a atuação da EPA, bem como, transpor a aplicabilidade desse modelo profissional ao Japão. A justificativa do país em buscar disseminar a atuação da EPA parece se calcar no envelhecimento populacional evidente, onde o controle de doenças crônicas e a promoção da qualidade de vida são imperativos. A experiência recente do Japão recomenda que as mudanças na legislação em termos de atuação da EPA e da sua capacitação precisam acompanhar as ondulações políticas, e que isso tende a ser valoroso à melhoria do acesso aos serviços de saúde, qualidade e segurança na atenção, além da redução de custos em saúde⁽¹⁴⁾.

Em relação ao acesso à assistência, ressalta-se que a APS certamente terá posição estratégica no plano de cobertura universal de saúde, já mencionado, porque a sua baixa concentração de densidade tecnológica aliada à possibilidade de alta resolutividade, intensifica o protagonismo do enfermeiro⁽¹⁵⁾. Nestes termos, uma revisão sistemática de literatura realizada por pesquisadores sediados na Inglaterra constatou por meio da análise de 11 ensaios clínicos randomizados e 23 estudos observacionais que os nurse practitioners, uma das mais disseminadas modalidades de EPA, em comparação com os médicos dos mesmos serviços aumentavam a satisfação do paciente atendido na APS, realizam consultas mais longas e pesquisavam mais acerca dos problemas de saúde da clientela⁽¹⁶⁾.

Além dos benefícios atribuídos ao EPA na APS, outros pontos reforçam sua adesão em diversas experiências, como: mudança na demanda dos cuidados, que passam a ser mais bem manejados, especialmente aos pacientes com doenças crônicas; redução de 0,3 a 0,5% ao ano dos custos com os serviços de saúde e; promoção de carreiras aos enfermeiros⁽²⁾. Com base nisso, postula-se que esse panorama de benefícios contribui também para a retenção dos EPA na profissão, satisfação com o trabalho e; conforme já foi mencionado⁽²⁾, o suprimento da insuficiência de médicos em áreas prioritárias, como na assistência às doenças agudas de rápida resolução

A resolutividade dos EPA, muito provavelmente, se relaciona à sua característica elementar de alta capacitação profissional, já que a necessidade de se difundir programas de Pós-Graduação específicos ao nível de Mestrado que incluem educação, treinamento e experiência prática, além de um exame nacional de certificação para o ingresso do profissional para atuar, são recomendações internacionais de contextos que experimentam esta modalidade há mais tempo, como os EUA⁽¹⁷⁾. Talvez por esse motivo, a realidade embrionária do Brasil, aparentemente, volta-se à viabilização da Prática Avançada de enfermagem mediada pelos cursos de Mestrado Profissional e também, a partir da formação na Residência para enfermeiros, com posterior complementação para atingir o título de Mestre, ainda em nível profissionalizante⁽⁸⁾.

No Brasil, a discussão oficial acerca das práticas avançadas em enfermagem iniciou-se em novembro de 2015 com intermédio do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN)^(18-19). Em maio de 2016, o COFEN pactuou juntamente com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN) e o Ministério da Saúde, a implementação dessa modalidade de formação e de atenção no país⁽¹⁹⁾.

A proposta brasileira de EPA se estrutura nos eixos: formação de docentes e multiplicadores pelos termos de educação descentralizada; efetivação de currículos nucleares para enfermeiros residentes, incluindo a possibilidade de complementação desta modalidade de pós-graduação para aquisição do título de Mestrado Profissional e; disseminação de medidas que favoreçam protocolos clínicos que respaldam a autonomia do enfermeiro na sua atuação avançada⁽¹⁹⁾. Isso porque, desde o início das discussões da EPA no Brasil, o foco sempre se pautou na ampliação do acesso aos serviços de saúde pela população, de modo que esta seja atendida por profissional habilitado e assim, prover alta resolutividade⁽¹⁸⁾.

Ainda que não vinculado estritamente à proposta em crescimento da EPA no Brasil, um fato muito recente que pode auxiliar a incorporação dessa estratégia inovadora da profissão é a disposição de, além dos cursos de Mestrado, a inclusão do Doutorado em nível profissionalizante regulamentada pela Portaria nº 389 de 23 de março 2017 do Ministério da Educação⁽²⁰⁾. Tal resolução define claramente como um dos objetivos, capacitar profissionais qualificados para o exercício da prática profissional avançada e transformadora de procedimentos, visando atender demandas sociais, organizacionais ou profissionais e do mercado de trabalho⁽²⁰⁾. No contexto da enfermagem, tal finalidade pode significar a ponte entre a produção e o consumo crítico da pesquisa no meio assistencial, fato que coaduna os princípios da EPA⁽¹¹⁾.

Fica evidente que a realidade brasileira ainda está no escopo das discussões que regem a plena efetivação da EPA no país, o que certamente será acompanhado por desafios a serem enfrentados. Tem-se isso porque, no Brasil, a enfermagem se estrutura de forma hierarquizada; tende a submeter-se ao modelo biomédico da assistência e enfrenta sérios desafios relacionados à formação de recursos humanos, ao exemplo da educação a distância que vem emergindo como uma "possibilidade" de graduar enfermeiros, além da educação mercantil pouco compromissada com a qualidade da formação em enfermagem.

Espera-se que a proposta das práticas avançadas no Brasil venha acompanhada do devido planejamento para sua implementação e corresponsabilização de órgãos e entidades interessadas, ao exemplo das lideranças da classe trabalhadora, do Ministério da Saúde e dos centros formadores, incluindo a relevância evidente do Mestrado profissional nesta meta, que parece ser um ponto-chave⁽⁸⁾. Por intermédio dessas parcerias, a atuação do enfermeiro pode, de fato, proporcionar melhores condições de saúde e de vida à população e, paralelamente, contribuir para sua consolidação no gerenciamento do cuidado.

Reflexões sobre gestão do cuidado pelo enfermeiro de Prática Avançada no Brasil

O trabalho gerencial é inerente à atuação do enfermeiro. No contexto das práticas avançadas, isso ganha maior destaque, porque a liderança, a habilidade decisória e a capacidade de planejamento para o melhor cuidado são competências que fundamentam a EPA⁽¹¹⁾. Ainda que as competências citadas sejam necessárias ao trabalho do enfermeiro habilitado ou não por uma instrução avançada, esta última pode mediar sua maior capacidade de decidir sobre o cuidado a ser gerenciado porque, a Prática Avançada requer amplo e profundo conhecimento de uma dada realidade assistencial.

Já foi mencionado que na enfermagem brasileira a gerência é por vezes dissociada do cuidado direto. De acordo com a literatura^(3-4), esse fato compromete a identidade profissional do enfermeiro, podendo culminar em má qualidade da assistência de enfermagem. Diante disso e ao que se observa nas experiências ao redor do mundo, percebe-se que a EPA tem a gestão do cuidado como alicerce de sua atuação profissional, até mesmo porque o desempenho da prática entendida por "avançada", incorre na mobilização de ações essencialmente estratégicas que vão além da repetição de tarefas ou atividades burocráticas, aqui entendidas como ações descontextualizadas e/ou desnecessárias, que não tenham aplicabilidade no cuidado.

Por meio da alta capacitação em uma determinada área ou especialidade de atuação profissional, a EPA não limita a sua atuação na assistência direta, tal como ocorre na realidade da enfermagem brasileira. Munindo-se de conhecimento aprofundado para a resolutividade de problemas concatenados às demandas de seu escopo, as ações de gerência da EPA no Brasil, ainda que possam ter caráter "administrativo", por promover ações de planejamento, organização e avaliação, deveriam ser mais fluidas e inovadoras. Isto é, direcionadas para as decisões clínicas e menos para apenas o alcance de metas organizacionais.

A alusão expressa tem validade ao contexto da enfermagem brasileira no âmbito hospitalar, no qual se observa claramente a atribuição de cargos exclusivamente gerenciais e outros essencialmente assistenciais. Não cumpre aqui questionar esta realidade, já que isso muito provavelmente alivia a demasiada carga de trabalho dos enfermeiros brasileiros. No entanto, sabe-se que, por vezes, aqueles que ocupam cargos de gerência estão alheios aos reais problemas das unidades assistenciais e, em paralelo, os enfermeiros "assistenciais" não se interessam por incrementar ações estratégicas para a melhoria do cuidado, atribuindo burocracia ao trabalho de gestão dos setores⁽²¹⁾.

Ante ao exposto, a Prática Avançada de enfermagem nos hospitais brasileiros poderia redundar em definição mais clara das atividades de cada profissional. Uma estratégia para isso seria empoderar os enfermeiros responsáveis pelo cuidado direto às ações de gerência da assistência de cada especialidade de cuidado e, também, definir claramente o trabalho da administração do setor – de forma harmônica às necessidades assistenciais – àqueles que ocupam cargos de coordenação. Na verdade, sabe-se que isso acontece no cotidiano hospitalar nacional, todavia, a presença da EPA pode viabilizar maior autonomia (mediada pelo conhecimento específico, compromisso e prática baseada em evidências) às decisões sobre o cuidado gerenciado, o que certamente irá incorrer na necessidade de revisão dos modelos de gestão dos serviços de enfermagem hospitalares.

No contexto da APS, um estudo desenvolvido na Inglaterra destaca que os nurse practitioners viabilizam melhorias no exame físico aos usuários; na escolha do plano terapêutico, incluindo nas prescrições de medicamentos; na hipótese e/ou no fechamento diagnóstico de problemas de saúde; no planejamento da atuação multiprofissional por meio da gestão de casos; e também, promoviam ampla liderança do enfermeiro para com a equipe de saúde⁽¹⁵⁾. Mediante esses dados, fica evidente, portanto, a relação direta da atuação da EPA inglesa com a gerência para a melhor assistência. Em outras palavras, com a gestão do cuidado.

No Brasil, conforme mencionado, a gerência exercida pelo enfermeiro pode ou não ser acompanhada do manejo direto e decisões sobre o cuidado. No exterior, a experiência de uma das autoras do estudo ora apresentado, aponta que a EPA calca a gestão atrelada à assistência. No entanto, com o diferencial pleno de autonomia decisória sobre ações de organização de casos clínicos, incluindo ações que, no contexto brasileiro, são posicionadas como ato médico, como é o caso da prescrição de medicamentos.

A prescrição de medicamentos pelo enfermeiro no Brasil é reconhecida como ação legal, especialmente na APS, cuja prática se norteia por acordos descentralizados que regem a extensão da mesma⁽²²⁾. Ainda que seja regulamentada, a prescrição de medicamentos por enfermeiros brasileiros tem pouca legitimidade, seja pela população ou até mesmo pelos próprios profissionais⁽²²⁾. Considera-se que este problema não é exclusivo da comunidade científica, pois a questão se dá por diversos fatores, mas no Brasil, isso certamente ocorre devido ao fato de que a assistência à saúde é fortemente influenciada pelo modelo biomédico de atenção.

O problema enunciado pode ser outro fator interveniente à implantação das práticas avançadas em enfermagem no Brasil, uma vez que acompanhando o reconhecimento de sua área de especialidade e escopo de autonomia na atuação, possivelmente a sociedade e os próprios profissionais legitimariam com mais facilidade algumas práticas pouco reconhecidas como "de poder" ao direcionamento pelo enfermeiro. Apesar de ser leviano e contraproducente limitar a gestão do cuidado ao poder decisório na prescrição de medicamentos, isso talvez facilite o direcionamento terapêutico de pessoas e comunidades, especialmente em várias áreas geográficas do Brasil cuja proporção de médicos por habitantes é mais precária, perspectiva que coaduna à necessidade da implantação da EPA em outras realidades nacionais⁽²⁾.

Reconhece-se que o ato de prescrever medicamentos é de extrema seriedade quando se fala do gerenciamento da segurança do paciente, que inclusive, tem sido muito bem representado pela enfermagem brasileira em meio à equipe de saúde^(5-6). Por este e outros motivos, considera-se fundamental que os órgãos de interesse à efetivação da EPA no Brasil tomem a capacitação de excelência como eixo norteador da Prática Avançada da enfermagem, a fim de que os enfermeiros habilitados possam de fato ter sua ação calcada na resolutividade de problemas por eles gerenciados, contribuindo solidamente à qualidade e à segurança do cuidado.

Limitações do estudo

Devido ao tipo de estudo apresentado, é prudente afirmar que as reflexões descritas, de certa forma, ingênuas ou apenas otimistas, não podem ser tomadas como verdades contundentes, uma vez posta a limitação no que tange à impossibilidade de se afirmar, ainda, acerca de qualquer benefício ou mudança no estado de saúde mediante a Prática Avançada de enfermagem no Brasil.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Apesar da limitação expressa frente ao panorama embrionário das práticas avançadas na enfermagem brasileira, considera-se que as alusões apresentadas são, de fato, valiosas à efetivação da EPA no Brasil; já que a clara incipiência sobre o tema entre a enfermagem brasileira precisa ser superada. Portanto, a contribuição do estudo se dá devido seu caráter elucidativo e de perspectiva para o futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Teceram-se reflexões acerca das práticas avançadas em enfermagem, com a menção de experiências internacionais; da contextualização da realidade brasileira e as possibilidades desta modalidade de atuação do enfermeiro à gestão do cuidado no Brasil. Destarte, na realidade nacional, o EPA parece emergir como uma estratégica profícua para a melhoria dos serviços e dos cuidados, com enfoque na APS.

Ainda sobre a realidade nacional, as discussões que emergem ratificam que a habilitação da EPA tende à instrução por meio do Mestrado Profissional e um paralelo curricular desta modalidade de Pós-Graduação com a Residência em Enfermagem. Outro ponto que pode favorecer a Prática Avançada na enfermagem brasileira é a possibilidade recente do doutoramento em nível profissional, o que tende a auxiliar a incorporação racional da pesquisa nos meios de cuidado. Neste aspecto, se tal estratégia acompanhar o maciço apoio social nos diversos segmentos interessados e correlatos, como a classe médica, pode favorecer a autonomia da EPA com desdobramentos positivos aos usuários e às organizações de saúde.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Jul-Aug 2018

Histórico

• Recebido
  21 Mar 2017
• Aceito
  26 Jun 2017