Reabilitação intestinal de indivíduos com lesão medular: produção de vídeo

RESUMO

Objetivo:

produzir e validar vídeo educativo sobre manobras de esvaziamento intestinal para capacitação de indivíduos com intestino neurogênico, no processo de reabilitação intestinal.

Método:

estudo metodológico, desenvolvido em quatro etapas: produção do roteiro/storyboard, validação , produção do vídeo educativo e estudo-piloto. Ocorreu no período de janeiro de 2013 a julho de 2015. Para a validação, utilizaram-se instrumentos, sendo realizada por um comitê de especialistas, no período de dezembro de 2014 a fevereiro de 2015. Considerou-se valor igual ou superior a 70% para validação de concordância e pertinência do roteiro e storyboard, utilizando-se estatística descritiva para análise dos dados.

Resultados:

o roteiro e storyboard foram validados por 94% dos especialistas na temática e 100% dos especialistas técnicos. Após validação e gravação do vídeo, foi realizado estudo-piloto com seis indivíduos com intestino neurogênico, dos quais 100% avaliaram o vídeo positivamente.

Conclusão:

o vídeo poderá contribuir para a educação de indivíduos com intestino neurogênico.

Descritores:
Traumatismos da Medula Espinhal; Reabilitação; Intestino Neurogênico; Enfermagem; Mídia Audiovisual

ABSTRACT

Objective:

produce and validate an educational video about bowel emptying maneuvers for training of individuals with neurogenic bowel in bowel rehabilitation process.

Method:

this is a methodological study developed in four stages: script/storyboard production, validation, educational video production and pilot study, which was conducted from January 2013 to July 2015. Instruments for validation, which was performed from December 2014 to February 2015 by a group of experts. A value equal to or greater than 70% was considered for validation of agreement and relevance of the script and storyboard, using descriptive statistics for data analysis.

Results:

the script and storyboard were validated by 94% of the experts in the subject and 100% of the technicians. After validation and video recording, the pilot study was conducted with six individuals with neurogenic bowel – 100% of them evaluated the video positively.

Conclusion:

the video may contribute to the education of individuals with neurogenic bowel.

Descriptors:
Spinal Cord Injuries; Rehabilitation; Neurogenic Bowel; Nursing; Video-Audio Media

RESUMEN

Objetivo:

Producir y validar video educativo sobre maniobras de vaciamiento intestinal para capacitar individuos con intestino neurogénico sobre el proceso de rehabilitación intestinal.

Método:

Estudio metodológico desarrollado en cuatro etapas: guionado/storyboard, validación, producción del vídeo educativo y prueba piloto. Realizado entre enero 2013 y julio2015. Validación mediante instrumentos, efectuada por comité de expertos, con experiencia en vídeos de diciembre 2014 a febrero 2015. Valor de concordancia y pertinencia de guionado y storyboard considerado en 70% o superior. Datos analizados por estadística descriptiva.

Resultados:

Guionado y storyboard validados por 94% de expertos en temática y 100% de expertos técnicos. Validado y grabado el vídeo, se realizó prueba piloto con seis individuos con intestino neurogénico, 100% evaluó positivamente el vídeo.

Conclusión:

El vídeo contribuirá a educar a individuos con intestino neurogénico.

Descriptores:
Traumatismos de la Médula Espinal; Rehabilitación; Intestino Neurogénico; Enfermería; Medios Audiovisuales

INTRODUÇÃO

As doenças e lesões do Sistema Nervoso Central (SNC), e suas consequentes sequelas, vêm se tornando mais prevalentes na sociedade contemporânea, mediante o envelhecimento populacional, o aumento da violência e das lesões traumáticas decorrentes, fatores esses que, se somados à melhoria dos cuidados na fase aguda das doenças, refletem no aumento da sobrevida de indivíduos atingidos por lesão medular⁽¹⁾. Em estudos nacionais e internacionais, revela-se maior incidência de Lesão Medular (LM) entre a segunda e terceira décadas de vida, com predominância do sexo masculino, fase econômica e sexualmente ativa, em decorrência principalmente de acidentes por colisão e capotamento de veículos, seguidos de quedas e atos de violência^(2-5).

Dentre as complicações decorrentes da LM, destaca-se a disfunção intestinal neurogênica, a qual é definida como disfunções de cólon devido à falta de controle nervoso central. Os indivíduos com intestino neurogênico podem apresentar fases alternadas de constipação e incontinência fecal, antes de realizarem o treinamento para regulação intestinal. Tal ocorrência ocasiona problemas físicos e psicológicos a esses indivíduos^(6-7).

Para atender aos problemas intestinais dos indivíduos com LM, foram construídas diretrizes internacionais do Consortium for Spinal Cord Medicine (CSCM)⁽⁸⁾, as quais foram traduzidas para o português⁽⁹⁾, com enfoque na prevenção e tratamento de complicações, em que o enfermeiro possui papel preponderante na avaliação dos sinais e sintomas apresentados pelos indivíduos e na proposição de plano de cuidados, envolvendo familiares e cuidadores na dinâmica da assistência.

O indivíduo com LM deve ser inserido em programa de reabilitação intestinal, a fim de obter o padrão de funcionamento intestinal, garantindo a frequência das eliminações intestinais de, no mínimo, três vezes por semana e o restabelecimento do controle da evacuação, com a realização das manobras de esvaziamento intestinal em horários regulares, a fim de diminuir a incontinência e prevenir as complicações decorrentes da impactação fecal. Consequentemente, a reabilitação intestinal resultará na melhora da qualidade de vida e participação na sociedade^(6-7,10-11).

Os profissionais de saúde que atuam no contexto da reabilitação devem ter como metas a educação em saúde e o preparo dos indivíduos com LM e seus familiares, visando à segurança e qualidade da assistência prestada. Para continuidade do cuidado, principalmente em domicílio, é fundamental o preparo do indivíduo/família para promoção do autocuidado^(3,5).

Destaca-se a importância de construir o cuidado pautado em equipe multiprofissional e com prática interdisciplinar, desenvolvendo ações com foco na individualidade, autonomia e no estabelecimento de vínculo, com o objetivo de buscar a integralidade do cuidado e a melhoria na qualidade de vida desses indivíduos⁽¹⁰⁾.

Na enfermagem, tem-se investido na produção de ferramentas virtuais educativas para o ensino e prática assistencial, as quais são conhecidas como hipermídias. Tais ferramentas se dão a partir da junção de diversos recursos midiáticos (textos, gravuras, animações, vídeos, entre outros), sendo facilmente divulgadas na Internet e, atualmente, são importante recurso para a educação. Nesse contexto, são apresentadas, na literatura, experiências exitosas na produção de vídeos educativos, na área da saúde. Nesses estudos, há resultados positivos quanto à implementação dos vídeos produzidos e melhoria do conhecimento do público a quem são destinados^(12-16).

Em estudos nacionais realizados com indivíduos com LM para a identificação de conhecimentos acerca das complicações intestinais, das práticas de autocuidado e das orientações recebidas no período de internação, referentes ao funcionamento intestinal pós-lesão, foram evidenciadas lacunas, especialmente quanto ao preparo dos indivíduos para o gerenciamento do problema intestinal^(3,5,17).

Considerando a necessidade do ensino para o autocuidado na reabilitação intestinal de indivíduos com intestino neurogênico, o desenvolvimento de formas de ensino atualizadas e atraentes, como os vídeos educativos, é apresentado como estratégia que pode favorecer a aprendizagem para o manejo do intestino neurogênico.

OBJETIVO

Produzir e validar vídeo educativo sobre manobras de esvaziamento intestinal para a capacitação de indivíduos com intestino neurogênico, no processo de reabilitação intestinal.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, segundo a Resolução 466/12, Ofício 300/2013.

Tipo de estudo

Estudo metodológico.

Procedimentos metodológicos

Para produção do vídeo, foram seguidas as etapas conforme apresentadas no fluxograma a seguir.

Para a produção do roteiro e storyboard, foram seguidas as recomendações das diretrizes do guia “Intestino Neurogênico: Guia para Pessoas com Lesão Medular”⁽⁹⁾.

O roteiro contém o conteúdo abordado no vídeo e é composto de sete unidades.

Unidade I: apresentação – referente à apresentação do vídeo educativo, constou de informações iniciais, como título do vídeo, responsáveis/autores, local da produção, público-alvo, objetivos, tempo estimado do vídeo e personagens.

Unidade II: consulta de enfermagem – foi preparado cenário simulado para apresentação de um caso clínico fictício, em que a paciente apresentava LM com consequente paraplegia, intestino neurogênico e diagnóstico de enfermagem de constipação. Houve interação horizontal entre as duas personagens participantes do cenário, as quais desempenharam os papéis de enfermeira e paciente, sendo que a autora principal do estudo foi a enfermeira interlocutora.

Unidade III: saberes essenciais para a compreensão do problema – nessa unidade, a enfermeira apresentou os conceitos de LM e suas implicações para o indivíduo, com ênfase nas complicações referentes à disfunção intestinal, tais como intestino neurogênico reflexo e arreflexo.

Unidade IV: plano de cuidado/programa de reabilitação intestinal – constou do planejamento da assistência de enfermagem, em que foram abordados aspectos gerais do programa de reabilitação intestinal.

Unidade V: intervenção de enfermagem/manobras de esvaziamento intestinal – apresentação de manobras, como treino para uso do vaso sanitário, massagem abdominal, manobra de Valsalva, prensa abdominal, estímulo dígito-anal e extração manual de fezes.

Unidade VI: outras medidas que visam auxiliar o controle intestinal e os benefícios da participação ativa do indivíduo no programa de reabilitação intestinal.

Unidade VII: referências e créditos dos colaboradores – foram apresentadas as referências bibliográficas utilizadas, assim como os créditos com os nomes dos colaboradores para produção do roteiro, do storyboard e do vídeo.

Após a produção do roteiro, elaborou-se o storyboard. Destaca-se que o conteúdo do storyboard foi o mesmo do roteiro, seguindo a mesma divisão. O storyboard atua como organizador, com detalhamento das cenas, a fim de se pré-visualizar o vídeo, e constou de três colunas. Na primeira, áudio/narração, foi inserido todo o conteúdo do roteiro, na segunda, imagens/cenas, a descrição das cenas e dos locais de filmagem e, na última coluna, a descrição das fotos/animações utilizadas. Desse modo, os especialistas puderam pré-visualizar o vídeo e realizar as avaliações.

Foram utilizados o referencial de Pasquali (2011)⁽¹⁸⁾, para o processo de validação do roteiro e storyboard, e instrumentos baseados em estudos semelhantes, porém, adaptados para o tema em questão^{(12,15-16,19)}. Para validação de conteúdo, foi utilizado um instrumento contendo 15 questões referentes aos itens objetivo, conteúdo, relevância e ambiente (e um campo para sugestões) e, para validação técnica, utilizou-se outro instrumento composto de 11 questões referentes aos itens funcionalidade, usabilidade e eficiência (e um campo para sugestões). As questões foram analisadas quanto aos níveis de concordância e pertinência.

Participantes

Foi formado comitê de especialistas para o estudo de validação, sendo dez enfermeiros, todos com experiência na assistência a indivíduos com intestino neurogênico, e três especialistas em comunicação com experiência em vídeos, os quais foram selecionados por conveniência. A escolha dos especialistas também foi baseada em outros estudos da mesma natureza^{(12,15-16,19)}, em que foram selecionados especialistas da área de conteúdo e técnica, com experiência profissional e produção na temática.

Cenário do estudo

O roteiro e storyboard do vídeo foram validados ao atingirem pelo menos 70% das respostas “concordo fortemente” e/ou “concordo” para cada item do instrumento. Esse critério foi descrito em estudos para validação de ambientes virtuais de aprendizagem^(13-14,16). As sugestões foram analisadas e acatadas conforme a pertinência.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados para validação do roteiro e storyboard foi realizada no período de dezembro de 2014 a fevereiro de 2015.

Produção do vídeo

Após a validação do roteiro e storyboard, houve a produção do vídeo educativo. A gravação ocorreu no centro de simulação de uma escola de enfermagem do Estado de São Paulo, que é composto de laboratórios de simulação de baixa e média fidelidade, após autorização da diretoria, e no estúdio de gravação do Centro de Informática da Universidade de São Paulo (USP). As personagens assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando a captação e divulgação de suas imagens. As fotos, figuras e animações, assim como a filmagem e edição, foram realizadas por um operador audiovisual do Serviço de Criação e Produção Multimídia (SCPM).

Para avaliação semântica⁽¹⁸⁾, foi realizado um estudo-piloto em um Centro de Reabilitação, (CER) com uma amostra selecionada por conveniência, com seis indivíduos com lesão medular e intestino neurogênico, em acompanhamento de reabilitação, a fim de avaliar o vídeo quanto à clareza, compreensão e ao tempo de duração. Essa etapa foi realizada a partir da apresentação do vídeo editado aos indivíduos que, em seguida, responderam a um instrumento, o mesmo utilizado para os especialistas, porém, adaptado para o público-alvo. Este continha 11 questões referentes à caracterização sociodemográfica e clínica e cinco questões relacionadas ao conteúdo, imagens e cenas do vídeo.

Análise dos dados

Para a compilação e análise dos dados, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), versão 21.0. Para análise estatística descritiva dos dados, foi feito o cálculo de frequências absolutas e relativas, para as variáveis qualitativas, e de tendências centrais (média e mediana) e variabilidade (mínimo, máximo e desvio-padrão), para as variáveis quantitativas.

RESULTADOS

Validação do roteiro/storyboard

O comitê de especialistas foi constituído de 13 membros. Dentre os dez especialistas de conteúdo, todos eram do sexo feminino, com idade entre 30 e 58 anos, média de 37,6 anos (±7,52). Quanto à atuação profissional atual, seis (60%) eram da área de reabilitação, três (30%) eram docentes de graduação em enfermagem e uma participante era da área de vigilância epidemiológica, com experiência prévia em reabilitação. O tempo de atuação profissional apresentou variação de seis meses a 15 anos, com média de oito anos (±4,55). Todos os participantes possuíam pós-graduação stricto sensu ou lato sensu, com predominância de mestrado e doutorado como maior titulação.

Na validação de conteúdo, todos os especialistas concordaram que os objetivos referentes à realização do vídeo eram coerentes com a prática clínica. No item conteúdo, foram sugeridas mudanças de termos e acréscimo de mais objetos de aprendizagem, pois, na opinião dos especialistas, o roteiro/storyboard apresentava linguagem muito técnica, o que poderia dificultar a compreensão pelo público-alvo. As sugestões foram analisadas e acatadas, com adequação dos termos e inclusão de mais fotografias, figuras e animações.

Houve também sugestão para se separarem as manobras por tipo de intestino, reflexo e arreflexo, a qual foi pertinente, visto que é necessária avaliação individual no início do programa de reabilitação intestinal, para identificação da sensibilidade e preservação das estruturas, para que seja traçado o plano de cuidado. Após a abordagem desses aspectos, optou-se por demonstrar as manobras de esvaziamento intestinal nos dois tipos de intestinos e, também, nos tipos de lesão (completa e incompleta).

Na avaliação de relevância das imagens e cenas para prática das manobras, houve sugestão para se demonstrar a intervenção da administração de supositório. Optou-se por demonstrar, no vídeo, apenas manobras conservadoras e sem o uso de medicações estimulantes, pois estas devem ser utilizadas somente quando necessário, e não como uso contínuo, como as manobras de esvaziamento intestinal.

Quanto ao item ambiente, os especialistas foram unânimes em face da adequação do cenário simulado para produção do vídeo, visando ao processo de ensino-aprendizagem. Na avaliação dos especialistas de conteúdo, a concordância das respostas, quanto aos itens do instrumento, foi de 94%.

Outra sugestão relevante foi para se apresentar o caso clínico pelas próprias personagens (enfermeira e paciente) durante a consulta de enfermagem, em que ambas estariam interagindo a partir de diálogo horizontal. A sugestão foi acatada e o caso foi reformulado a partir da estratégia dialógica, com isso a enfermeira passou a conduzir a coleta de dados mediante o relato da paciente a respeito do seu caso, suas experiências, necessidades, dificuldades, dúvidas e práticas visando ao funcionamento intestinal. No Quadro 1, mostra-se o roteiro pré-validação da unidade II e pós-validação, com as alterações sugeridas.

Quadro 1
Versões pré e pós-validação do roteiro da unidade II: consulta de enfermagem, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017

VERSÃO PRÉ-VALIDAÇÃO

VERSÃO PÓS-VALIDAÇÃO

A.S., 26 anos, sexo feminino, cor branca, solteira, estudante de enfermagem, sofreu acidente automobilístico há 6 meses, com lesão medular em nível lombar (L2), reside com a mãe, sua cuidadora. Procurou o serviço de saúde com queixa de mal-estar, desconforto abdominal, incontinência intestinal, sangramento anal e ausência de eliminação de fezes há 10 dias. Quanto ao exame físico: abdome distendido, ruídos hidroaéreos diminuídos à palpação, presença de massa fecal. Não faz acompanhamento em nenhum centro de reabilitação. Recebeu orientações sobre as complicações intestinais associadas à LM na alta da primeira internação pós-lesão. Faz uso de laxante oral diariamente e não realiza manobras de esvaziamento intestinal. Refere ter uma dieta pobre em fibras, ingerir pouca quantidade de líquidos e verbaliza dificuldade para a eliminação intestinal desde que sofreu o acidente, refere que antes evacuava diariamente.

Oi Ana, eu sou a Laura, sou enfermeira aqui desse serviço de reabilitação e gostaria de escutar um pouco sobre o seu caso. (Enfermeira) Oi Laura, eu tenho 26 anos, sou solteira, estudante, moro com minha mãe, que é minha cuidadora. Seis meses atrás, eu sofri um acidente de carro e fui informada que tive lesão medular no nível lombar, na L2. Procurei esse serviço porque tive mal-estar, desconforto abdominal e estou há 10 dias sem evacuar. (Paciente) Você faz algum acompanhamento em serviço de reabilitação, Ana? (Enfermeira) Não, não faço nenhum. (Paciente) Você recebeu alguma orientação quanto às complicações intestinais na alta, quando você foi internada? (Enfermeira) Sim, quando eu tive alta na primeira internação, eles me informaram que eu teria algumas complicações intestinais por causa do acidente. (Paciente) Você faz uso de alguma medicação para eliminação? (Enfermeira) Faço. Hoje, depois do acidente, diariamente eu passei a tomar laxante oral, coisa que eu não fazia antigamente, porque, antes do acidente, eu não tinha nenhum problema pra ir ao banheiro, eu ia no mesmo horário, após a refeição. (Paciente)

Dos três especialistas técnicos, dois eram do sexo masculino, com idade entre 37 e 45 anos, e atuavam como analistas em mídias digitais e tecnologias educacionais, produção multimídia e sistemas de informação, com mais de dez anos de experiência. Quanto à maior titulação acadêmica, dois possuíam especialização na área de Educação a Distância, Análise de Sistemas e produção de vídeo, e um era doutor em enfermagem.

Foram avaliados pelos especialistas técnicos os itens de funcionalidade, usabilidade e eficiência a partir do roteiro e storyboard, com concordância de 100% das respostas, além de sugestões pertinentes que foram acatadas.

Nas questões sobre usabilidade, foram feitas sugestões quanto à escolha dos recursos visuais (ilustração/animação), de áudio (locução/trilha), além de edição/finalização que favorecesse o interesse e atenção do indivíduo. No item sobre eficiência, o tempo estimado de 15 minutos em relação ao número de cenas e comunicação entre as personagens foi considerado adequado.

O roteiro e storyboard do vídeo obtiveram mais de 70% de concordância das respostas dos especialistas de conteúdo e técnicos, sendo considerados validados. Posteriormente, ocorreu a produção do vídeo.

Produção do vídeo

A partir das sugestões dos especialistas, a consulta de enfermagem foi reformulada com adoção da estratégia dialógica entre enfermeira e paciente. Foi preparado cenário ambulatorial simulado de um serviço de atendimento em reabilitação para as gravações que ocorreram no centro de simulação de práticas de enfermagem de uma instituição de ensino superior em enfermagem.

Foram utilizados três cenários para as filmagens: Laboratório II, Laboratório de Atenção Primária (casa simulada) e estúdio de gravação. Para o ensaio e gravações das cenas, foram necessárias nove horas de trabalho durante quatro dias, no mês de abril de 2015.

Cenário 1: consulta de enfermagem/manobras de esvaziamento intestinal – para a gravação da consulta de enfermagem e demonstração das manobras (massagem abdominal, toque dígito-anal e extração manual de fezes), foram utilizados os seguintes materiais: peça anatômica de coluna vertebral, manequim de pelve, cadeira de rodas, cama hospitalar com lençol branco, toalhas de rosto e banho brancas, sabonete líquido, creme e óleo hidratante, luvas de procedimentos, lubrificante (solúvel em água) e massa de modelar marrom. No Laboratório II, havia boa luminosidade e amplo espaço físico, o que facilitou as filmagens. O tempo despendido foi de uma hora para preparação do cenário e mais três horas de gravação, totalizando quatro horas.

Cenário 2: casa simulada/treino para manobras de esvaziamento intestinal – nesse laboratório, foi possível abordar aspectos relativos à reeducação intestinal e ao treino das manobras no ambiente domiciliar. Havia, no ambiente, quatro cômodos, a saber, cozinha, sala, banheiro e quarto. Para filmagem das manobras/treino para uso do vaso sanitário, massagem abdominal, manobra de Valsalva e prensa abdominal, a paciente (personagem) utilizou cadeira de rodas e cadeira de banho para demonstração das manobras realizadas no banheiro da casa, conforme apresentado na Figura 1. O tempo de gravação foi de uma hora.

Figura 1
Etapas para o desenvolvimento do estudo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017

Figura 2
Representação do cenário 2, referente à casa simulada e ao treino para manobras de esvaziamento intestinal, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017

Cenário 3: estúdio de gravação do CIRP-USP – o estúdio era equipado com iluminação artificial LED e incandescente, com isolamento acústico e fundo infinito, microfone lapela, câmera Sony HXR NX5®, tripé Manfrotto® e monitor LG 21 polegadas. A locução do vídeo foi gravada, nesse estúdio, pela enfermeira (personagem), e o tempo de gravação foi de duas horas.

Houve ensaio prévio para previsão de recursos materiais, preparação das personagens e tempo estimado das gravações. Foi realizado, ainda, ensaio fotográfico das cenas e dos materiais que seriam utilizados. Ressalta-se que todos os materiais utilizados tiveram seus rótulos ocultados, porém, foram identificados por etiquetas. O tempo despendido foi de duas horas.

Para as gravações, contou-se com a colaboração de vários profissionais, dentre eles, técnicos de multimídia, mídias digitais e tecnologias educacionais, a orientadora da pesquisa e a enfermeira responsável pelos laboratórios, com experiência na área de produção de vídeo.

A versão pré-validação do storyboard continha 57 cenas e, na versão pós-validação, foram gravadas 67 cenas. As cenas foram repetidas várias vezes, para obtenção de melhor imagem e áudio.

As fotos e as filmagens foram realizadas com câmera digital Canon EOS 7® e, para a criação das animações, tratamento das imagens/som e edição do vídeo, foram utilizados os softwares Adobe Flash e Photoshop® , Adobe Photoshop e Audacity® e o Adobe Premiere®. O vídeo editado ficou no formato HD 1280x720, com duração de 13 minutos e 43 segundos. O processo em questão contou com o apoio do SCPM da instituição de ensino superior em enfermagem e foi realizado pelo operador audiovisual do referido serviço, entre os meses de abril e junho de 2015.

No estudo-piloto, contou-se com a participação de seis indivíduos com LM e diagnóstico de intestino neurogênico. Dos indivíduos, cinco (83,3%) eram do sexo masculino e quatro (66,6%) possuíam ensino médio completo. Quanto à participação em programa de reabilitação intestinal e realização de manobras de esvaziamento intestinal, quatro (66,6%) referiram participar ou já ter participado e quatro (66,6%) realizavam as manobras.

Na validação semântica, 100% dos indivíduos avaliaram o vídeo de forma positiva quanto à compreensão, clareza e ao tempo, destacando as importantes orientações contidas nele.

DISCUSSÃO

Atualmente, com o uso de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), a educação em saúde pode ser realizada de maneira mais fácil e acessível. As TICs têm potencial para facilitar o processo de ensino-aprendizagem por meio da utilização de métodos ativos e oferece aos indivíduos maior acessibilidade às fontes de conhecimento, sem limites geográficos⁽²⁰⁾.

Dentre as TICs, destaca-se o vídeo, do latim video (eu vejo), considerado tecnologia de educação de sinais eletrônicos, analógicos ou digitais, com a função de representar imagens em movimento, facilitando, assim, o aprendizado do telespectador, por ser atrativo e chamar a atenção. Igualmente, denomina-se vídeo a gravação de imagens em movimento e a animação composta de fotos sequenciais, as quais resultam em imagem animada^(12,16).

O vídeo produzido neste estudo foi direcionado ao indivíduo com intestino neurogênico, considerando-se as características clínicas dos tipos de intestino, de modo a serem oferecidas ferramentas para que ele possa desempenhar as ações que visam atender à necessidade intestinal com segurança. A produção do vídeo foi baseada em pressupostos da educação em saúde e da dialogicidade, problematização e reflexão de Paulo Freire⁽²¹⁾, tendo em vista a melhoria do preparo do indivíduo, por meio da intervenção educativa, com vistas à sua autonomia e maior independência.

Para garantir a qualidade da produção do vídeo, utilizou-se a validação de conteúdo e técnica que ocorreu por meio de comitê de especialistas, os quais avaliaram o vídeo quanto à clareza e representatividade das cenas do roteiro e storyboard, conforme a unidade temática pretendida, facilidade de compreensão para o público-alvo, forma de apresentação e abrangência, englobando elementos conceituais de pertinência das cenas⁽²²⁾.

O perfil dos especialistas de conteúdo, experientes na temática, contribuiu para que o roteiro e o storyboard fossem validados e aprimorados com as sugestões realizadas. Isso resultou no vídeo em questão, com qualidade comprovada, posteriormente, pelos indivíduos com intestino neurogênico. Essa estratégia também foi utilizada por outros autores^(16,23) para construção de mídias audiovisuais.

Das sugestões dos especialistas de conteúdo, a linguagem foi o principal aspecto apontado, ressaltando-se a importância de linguagem mais informal e menos técnica, a fim de facilitar a compreensão do público-alvo. Na validação técnica, destacaram-se as sugestões quanto à edição e escolha dos recursos audiovisuais, de maneira a favorecer o interesse e a atenção do indivíduo. Também foram unânimes aquelas quanto ao tempo de duração, não devendo ultrapassar 15 minutos.

Em estudos envolvendo a produção de vídeos educativos, há alusão quanto ao tempo recomendado de duração dos mesmos. A versão final do vídeo elaborado nesta pesquisa apresentou tempo de duração de 13 minutos e 43 segundos. Pesquisadores⁽²⁴⁾ citaram, em seus estudos, que esse tipo de objeto digital não deve exceder 15 minutos de duração, para não ficar cansativo.

A produção do vídeo no contexto de consulta de enfermagem favoreceu a abordagem do problema, bem como o ensino das manobras de esvaziamento intestinal. O enfermeiro tem papel preponderante no preparo do indivíduo para a reabilitação intestinal. Em estudos nessa temática, tem sido demonstrada a necessidade de o profissional se instrumentalizar para desempenhar tal papel e as intervenções de enfermagem preconizadas na literatura^(7,11).

Outra sugestão bastante pertinente foi quanto à apresentação do caso clínico simulado durante a consulta de enfermagem, a fim de favorecer o diálogo entre as personagens. Ressalta-se que essa alteração deixou o vídeo mais dialógico, permitindo maior participação da paciente, além de valorizar o diálogo entre os atores. A comunicação entre as personagens deixou de ser verticalizada e passou a ser construída de forma horizontal, dialógica e recíproca, em conformidade ao processo de educar/cuidar.

A comunicação dialógica, no contexto da educação em saúde na enfermagem, em consonância com um discurso transformador, se dá por meio da participação ativa, crítica e questionadora do paciente. Essa prática educativa contraria o modelo verticalizado, no qual não há troca de informações, saberes e experiências⁽²¹⁾.

Na educação problematizadora, a exposição do problema a ser estudado deve ser abordada a partir de cenário real, com situações que advêm do cotidiano dos indivíduos em questão⁽²¹⁾. Para a replicação de cenário, utilizou-se a estratégia da simulação para a produção do vídeo. Contou-se com a utilização de materiais e equipamentos idênticos aos da prática clínica, o que favoreceu a reprodução de cenário próximo à realidade.

Em estudo randomizado realizado na Universidade de Turim, na Itália, com o objetivo de se avaliar a eficácia do vídeo para mudança de decúbito do indivíduo acamado e se comparar o desempenho de dois grupos de alunos de graduação em enfermagem, em que um assistiu ao vídeo e outro recebeu as informações por escrito, foi demonstrado, nos resultados, que o grupo que assistiu ao vídeo realizou o procedimento de forma mais eficaz, apresentando melhor desempenho. Concluiu-se, portanto, que o vídeo foi utilizado como importante ferramenta para reforçar a aprendizagem prévia⁽²⁵⁾.

Titler⁽²²⁾ aponta a relevância da utilização dos resultados de pesquisas e inovações baseadas em evidências na prática clínica, de forma a gerar cuidados mais eficazes, seguros e de qualidade. Ressalta também, dentre a diversidade de estratégias a serem implementadas, o aspecto prático da incorporação de inovações, a tentativa de mudar determinada condição, a partir do apoio das equipes multidisciplinares. Nesse sentido, pretende-se que o vídeo educativo em questão contribua para o atendimento das necessidades dos indivíduos, uma vez que foi positivamente avaliado por 100% dos participantes do estudo-piloto.

De modo geral, as mudanças que ocorreram na produção do vídeo se deram em conformidade com o processo de validade do conteúdo e referencial adotado e, portanto, o vídeo poderá auxiliar indivíduos com intestino neurogênico. Além disso, tem-se o compromisso de disseminar o conteúdo acerca da temática com a disponibilização do vídeo em diferentes mídias, a fim de difundir e facilitar o seu acesso.

Limitações do estudo

Este estudo foi realizado a partir de um projeto de mestrado, em um período de 30 meses, e o tempo despendido para o processo de produção do vídeo, incluindo as quatro etapas, não permitiu a realização de um estudo-piloto com um número maior de participantes. Serão necessários estudos mais robustos de validação para testar sua eficácia.

Contribuições para a área da enfermagem

Com este estudo, pretende-se contribuir para a assistência de qualidade, visando a maior efetividade e eficiência das atividades de enfermagem no que concerne à reabilitação do indivíduo com intestino neurogênico para o autocuidado e manejo da condição crônica.

A produção do vídeo poderá contribuir para o aprimoramento da assistência de enfermagem, com enfoque na reabilitação de indivíduos com intestino neurogênico e nos seus cuidadores, além de constituir ferramenta tecnológica que poderá ser utilizada em ambiente de aprendizagem virtual e presencial.

CONCLUSÃO

O processo de construção do vídeo educativo demandou tempo, conhecimentos específicos sobre o tema, colaboração e experiências de pesquisadores e especialistas na área, resultando em material educativo atual com potencial para inovação na assistência de enfermagem, no que tange à reabilitação intestinal de indivíduos com intestino neurogênico.

Mediante os objetivos propostos, conclui-se que o vídeo educativo foi validado. Ele está publicado em repositórios institucionais (http://eaulas.usp.br/portal/video.action?idItem=8104) e site de compartilhamento de vídeos da Internet, regidos pela política de acesso aberto. Recomenda-se a sua utilização no contexto da reabilitação intestinal e, em caso de dúvidas após a sua visualização, estas devem ser discutidas com profissionais de saúde com expertise na temática.

• FOMENTO
  Esse artigo originou-se de uma pesquisa de mestrado financiada pela FAPESP, Processo nº 2013/16334-5.

REFERENCES

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Sep-Oct 2018

Histórico

• Recebido
  05 Jun 2017
• Aceito
  07 Out 2017