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Rede social: avaliação do contexto de apoio ou contenção de mães lésbicas

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a rede social de mães lésbicas a partir do contexto social de apoio ou contenção.

Método:

Estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, ancorado no referencial teórico Rede Social, com oito mães lésbicas, selecionadas por meio da técnica Snowball, mediante entrevista semiestruturada. Realizou-se a análise dos dados pelo software IRAMUTEQ pela Análise de Similitude.

Resultados:

A rede social configura-se em: 1) Distância afetiva e não aceitação da maternidade pelos familiares - elementos da rede primária; 2) Interferências no meio sociocultural para efetivação do vínculo mãe e filho - elementos da rede secundária.

Considerações finais:

A rede social está alicerçada nas concepções banalizadoras e negativistas que destacam o preconceito e o desrespeito. Tratar deste tema é contribuir para maior visibilidade a esses novos arranjos familiares, bem como para diminuir os estigmas e preconceitos que permeiam os elementos componentes da rede social dessas mulheres.

Descritores:
Cuidados de Enfermagem; Enfermagem Familiar; Poder Familiar; Apoio Social; Homossexualidade Feminina

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the social network of lesbian mothers, from the social contexts of support or restraint.

Method:

Descriptive, exploratory study, of qualitative approach, based on the theoretical reference of Social Network, with eight lesbian mothers selected through Snowball technique, using semi-structured interview. Data analysis was performed with IRAMUTEQ software, through Similarity Analysis.

Results:

The social network is configured as: 1) Emotional distance and non-acceptance of motherhood by the family members - primary network elements; 2) Interference in the socio-cultural medium for the effectiveness of the mother-child bond - secondary network elements.

Final considerations:

Social network is grounded on trivialized and negative conceptions that highlight prejudice and disrespect. The discussion of this theme contributes to a greater visibility of those new family arrangements as well as to reduce stigmas e prejudices that pervade the social network components of these women.

Descriptors:
Nursing Care; Family Nursing; Family Power; Social Support; Female Homosexuality

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la red social de madres lesbianas desde el contexto social de apoyo o contención.

Método:

Estudio descriptivo, exploratorio, de abordaje cualitativo, anclado en el referencial teórico Red Social, con ocho madres lesbianas, seleccionadas por medio de la técnica Snowball, de acuerdo con la encuesta semiestructurada. Se realizó el análisis de los datos por el programa (software) IRAMUTEQ por el Análisis de Similitud.

Resultados:

La red social se configura en: 1) La distancia afectiva y no la aceptación de la maternidad por los familiares - elementos de la red primaria; 2) Las interferencias en el medio sociocultural para la efectuación del vínculo madre e hijo - los elementos de la red secundaria.

Consideraciones finales:

La red social está basada en las concepciones banalizadoras y negativistas que subrayan el prejuicio y la falta de respeto. Tratar de este tema es aportar para la mayor visibilidad a esos nuevos arreglos familiares, así como para disminuir los estigmas y prejuicios que permean los elementos componentes de la red social de esas mujeres.

Descriptores:
Cuidados de Enfermería; Enfermería Familiar; Poder Familiar; Apoyo Social; Homosexualidad Femenina

INTRODUÇÃO

A emancipação da mulher foi constituída a partir de reivindicações contra o sistema social opressor e excludente. O feminismo marcou os movimentos políticos, sociais e ideológicos de luta por direitos equânimes em prol do protagonismo feminino. Assim, abarcou eixos jurídicos e relacionais de expressão e passou a problematizar a liberdade como alicerce da mulher para o domínio sobre o próprio corpo, sexualidade e destino(11 Winter S, Diamond M, Green J, Karasic D, Reed T, Whittle S, et al. Transgender people: health at the margins of society. Lancet [Internet]. 2016 [cited 2017 Mar 10]; 388(10042):390-400 Available from: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00683-8
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).

Discussões acerca da homoparentalidade alcançam proporções mundiais. É emergente a constituição de família lésbica planejada em que o casal decide ter uma criança pela inseminação artificial, fenômeno que é denominado “baby boom” lésbico; todavia, o modelo heteronormativo é prevalente nas relações sociais, sendo as atitudes e verbalizações discriminatórias reflexos da marginalização das minorias sexuais, sobretudo nos locais de trabalho e serviços de saúde(22 Costa PA. Portuguese attitudes toward homosexual parenting. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2013 [cited 2017 Mar 10]; 26(4):790-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/prc/v26n4/20.pdf
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).

No Brasil, o planejamento familiar e reprodutivo das mulheres lésbicas assegura o direito à maternidade. As técnicas de inseminação artificial e fertilização in vitro são disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e independem do diagnóstico de infertilidade(33 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Protocols of Primary Care: Women’s Health Care [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [cited 2017 Mar 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolos_atencao_basica_saude_mulheres.pdf
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).

No contexto de atenção integral à saúde e visibilidade social, a identidade lésbica constitui uma gama de possibilidades para construção de laços, comportamentos e sentimentos e não se limita à expressão sexual. As novas constituições, funcionalidade e dinâmica familiar agregaram arranjos de parentalidade das mães lésbicas e norteiam a construção de vínculos afetivos os quais demandam papéis sociais desafiadores de respeito aos direitos humanos(44 Lira AN, Morais NA, Boris GDJB. The (in)visibility of female homoparental experience: between prejudice and overcomings. Psicol Cienc Prof [Internet]. 2016 [cited 2017 Mar 10]; 36(1):20-33 Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n1/1982-3703-pcp-36-1-0020.pdf
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).

De forma dinâmica, as redes sociais implicam relações interpessoais e exercem função de apoio ou contenção. A família consiste no núcleo central, visto que representa ao indivíduo o primeiro contato com a experiência afetiva e relacional. Nesse sistema, a vulnerabilidade não possui caráter estático, mas diferirá de acordo com os desafios e recursos disponíveis mediante as necessidades ou problemas(55 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. São Paulo: Veras; 2015.).

As intervenções de rede demandam o conhecimento acerca da capilaridade estabelecida em meio aos laços relacionais. A compreensão da estrutura familiar e valorização do contexto social, vínculos e relacionamentos desvelam peculiaridades que transcendem as representações e constituem novos paradigmas para a identidade lésbica.

OBJETIVO

Avaliar a rede social de mães lésbicas a partir do contexto social de apoio ou contenção.

MÉTODO

Aspectos éticos

Os dados apresentados constituem recorte de uma dissertação desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco e encontra-se em conformidade com a Resolução nº 466/2012(66 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012 [Internet]. Brasília: CNS; 2014 [cited 2017 Mar 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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), seguindo os preceitos éticos da autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e privacidade.

Tipo de estudo

Caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, exploratória, com abordagem qualitativa, ancorada no referencial teórico Rede Social.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O local do estudo ocorreu na cidade do Recife, capital pernambucana, que se mostrou como ambiente focal à residência das mães lésbicas. O local da pesquisa foi eleito pelo fato de a amostragem ter sido realizada por meio da técnica Snowball e as participantes que fizeram a composição da amostra da pesquisa habitarem em qualquer localidade da cidade do Recife (PE). Os domicílios são ambientes mais propícios para entrevista, pois são espaços familiares das participantes, o que facilitou a liberdade para expressão de ideias e sentimentos; por essa razão, esses locais foram os escolhidos pelas entrevistadas.

Fonte de dados

A amostra foi composta por mulheres que possuíam idade superior aos 18 anos, residissem na cidade do Recife (PE), Brasil, e tivessem vivenciado a experiência da maternidade. Adotaram-se como critérios de exclusão: encontrar-se afastada da cidade do Recife (PE), Brasil, por adoecimento ou por outro motivo; e não responder aos contatos (telefone, e-mail e outros). Para a seleção da amostra foi utilizada a técnica em cadeia Snowball, variante da amostra por conveniência e por saturação.

Coleta e organização dos dados

A produção dos dados ocorreu no período de abril a junho de 2016, a partir de entrevista semiestruturada realizada com mães lésbicas em ambientes domiciliares. Foi realizado um total de oito encontros com duração média de uma hora e dez minutos cada.

O recrutamento das participantes deu-se por meio da amostragem em cadeia de referência (Snowball). A escolha dessa técnica justificou-se pela necessidade da identificação dos sujeitos da pesquisa, visto que estes apresentam características de difícil reconhecimento social. O primeiro passo consistiu na seleção de pessoas-chave ou “sementes” e prosseguiu com a indicação das demais integrantes, que foram contatadas e adicionadas à amostra(77 Sampierre RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia de RESEARCH. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013. p. 401-12.).

As mulheres que se autoidentificam lésbicas, denominadas de “sementes”, indicaram as demais que fizeram parte do estudo. De acordo com as etapas preconizadas pela técnica Snowball, primeiramente foi feito o contato com a coordenadora do Centro Municipal de Referência em Cidadania de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT). Na ocasião, foi explanado o estudo e solicitada sua contribuição. A mesma entrou em contato com a presidente do Comitê de Mulheres Lésbicas (COMLÉS) reforçando e destacando seu apoio para pesquisa sobre a temática. As integrantes do COMLÉS foram convidadas pela presidente, e uma delas solicitou participação, sendo intitulada como indivíduo-semente; a mesma não fez parte da composição da amostra, tendo a função de indicar outras participantes — que passam a integrar o nível de recrutamento chamado “onda”; cada indivíduo da onda, ao término da entrevista, ficou na incumbência de sugerir outras possíveis participantes.

Análise de dados

A análise dos dados foi realizada com o auxílio do Software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ) versão 0.7 alpha 2. Para a presente pesquisa, foi selecionada a Análise de Similitude que se baseia na teoria dos grafos; esta auxiliou na identificação das coocorrências na estrutura da representação e seu resultado trouxe indicações da conexidade entre as palavras. Na análise estatística textual feita pelo IRAMUTEQ, obteve-se uma árvore de similitude das evocações livres norteada pela hierarquização dos valores das conexões entre os termos e suas adjacências para cada classe identificada(88 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: a free software for analysis of textual data. Temas Psicol [Internet]. 2013 [cited 2017 Mar 10]; 21(2):513-18. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v21n2/v21n2a16.pdf
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).

Validade e confiabilidade/Rigor

O rigor metodológico(99 Sandelowski M, Barroso J. Reading qualitative studies. IJQM [Internet], 2002[cited 2017 Mar 10];1(1):74-108. Available from: https://journals.library.ualberta.ca/ijqm/index.php/IJQM/article/view/4615/3764
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) foi assegurado por meio de reuniões regulares dos membros da equipe envolvidos na pesquisa. Foram discutidos métodos de amostragem, geração e interpretação dos dados. As entrevistas foram transcritas ao longo do período de coleta de dados como um registro do processo de pesquisa(1010 Birks M, Mill J. Grounded theory: a practical guide. London: SAGE Publications Inc; 2011.). O método de processamento e análise dos dados escolhido possibilitou a categorização e conexão(1111 Maxwell JA, Miller B. Real and virtual relationship in qualitative data analysis. Maxwell JA, editor. A realist approach for qualitative research. London: SAGE Publications Inc; 2012. p. 109-25.), congruentes com a metodologia realista crítica e com a epistemologia construtivista que sustentam este estudo — cuja conduta e relato foram conduzidos em concordância com os Critérios Consolidados para Relatórios de Estudos Qualitativos(1212 Booth A, Hannes K, Harden A, Noyes J, Harris J, Tong A. COREQ. Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Studies. In Moher D, Altman DG, Schulz KF, Simera I, Wager E, (Eds.). Guidelines for reporting health research: a user’s manual. Oxford: John Wiley & Sons Ltd; 2014. p. 214-26.).

RESULTADOS

As entrevistadas pertenciam à faixa etária de 28 a 46 anos, com média de 37,5 anos de idade. Cinco viviam em união consensual e três eram casadas. Quanto à escolaridade, cinco possuíam nível superior e três concluíram o Ensino Médio. Ressalta-se que sete possuíam diversos tipos de profissão/ocupação (cientista social, psicóloga, promotora de vendas, pedagoga, administradora e agente comunitária de saúde), e apenas uma entrevistada se dedicava às atividades do lar.

No que diz respeito à renda familiar mensal, todas as participantes sobreviviam com três a quatro salários mínimos; quanto à religiosidade, apresentaram diversas crenças (candomblé, catolicismo, kardecismo e agnosticismo) com representatividade de 25% cada.

O corpus textual analisado, conforme se observa na Figura 1, evidencia a interface dos resultados da análise de similitude com a identificação das coocorrências entre as palavras verbalizadas pelas participantes em estudo e as indicações de conexidade entre os termos (não, maternidade, rejeição, filho, mãe, novo, saber, família, difícil e discriminação); isso auxilia na determinação da estrutura de campo representacional da rede social de mães lésbicas a partir da construção de laços interpessoais sob a óptica do contexto heteronormativo vigente.

Figura 1
Árvore ilustrativa da análise de similitude das evocações livres de mães lésbicas para o estímulo indutor “fale-me de sua experiência em ser mãe”, Recife, Pernambuco, Brasil, 2016

Após análise, pode-se perceber que a construção da árvore de coocorrência decorrente das informações declaradas pelas entrevistadas abordaram aspectos concernentes ao processo da maternidade (vivências positivas e negativas). Mediante essas vivências, é possível identificar como se configura a rede social da mulher que se assume lésbica e decide exercer sua maternidade, permitindo dessa forma destacar, como elementos da rede primária, a Distância afetiva e não aceitação da maternidade pelos familiares; e, como elementos da rede secundária, as Interferências do meio sociocultural para efetivação do vínculo mãe e filho. Assim, a configuração das redes relatadas por elas apresenta o vínculo e seu desenvolvimento segundo a forma como essas mulheres integraram-se no contexto social.

DISCUSSÃO

Para a compreensão de como a rede social das mulheres que se assumem lésbicas e que vivenciaram a maternidade se estrutura, faz-se necessário o entendimento de que esta se constitui de um conjunto de relações que essas mulheres constroem a partir das quais mantêm a própria identidade social. Dessa forma, por meio dos vínculos estabelecidos nessa rede é que o apoio social fluirá.

A fragilização de algum elemento que compõe a rede incorre em situações de vulnerabilidade social, fragilidade relacional e precários vínculos familiares. Nesse contexto, quando se trata de famílias homoparentais, a rede primária de apoio tende a sofrer mudanças de acordo com o contexto sociocultural ao qual a família está inserida, por esta composição destoar do arranjo familiar normatizado.

Distância afetiva e não aceitação da maternidade pelos familiares

A família constitui o centro da rede social primária, pois é a primeira referência de cultura e de vínculo que o indivíduo estabelece. Assim, a partir dos laços afetivos, serão desenvolvidas habilidades, linguagens e competências necessárias para a transação com o meio social, além de serem desempenhadas as funções de educação, cuidado e proteção(55 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. São Paulo: Veras; 2015.).

A funcionalidade das famílias com estrutura homoparental não apresenta diferenças relevantes das heterossexuais, contudo é alvo de estigmas homofóbicos. Os filhos adolescentes de mães lésbicas eventualmente sofrem com assédios morais ou bullying, tornando-se mais susceptíveis a danos psicossociais que se refletem no indivíduo como um estado deprimido bem como comportamento agressivo e distanciamento de suas mães(1313 Gelderen LVR, Bos HMW, Gartrell NK. Dutch adolescents from lesbian parent families: how do they compare to peers with heterosexual parents and what is the impact of homophobic stigmatization? J Adolesc [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 10]; 40:65-73. Available from: https://dx.doi.org/10.1016/j.adolescence.2015.01.005
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).

Nessa fase de adolescência em que meus filhos se encontram está difícil deles se relacionarem comigo [...] até por conta da minha família ser muito preconceituosa eu acho, que de certa forma, eles hoje em dia não me aceitam. Eles não me aceitam mais ser casada com uma mulher, não querem mais morar comigo. (Entrevista 06)

Eu nunca tive uma relação boa com minha mãe e infelizmente eu acabo passando esse tipo de relação para minha filha. A maternidade foi um divisor de águas na minha vida. A minha filha foi o que me preencheu por dentro, foi aquele móvel confortável em meio àquela sala vazia, foi meio que um resgate, e nessa relação de amor e ódio que temos, ela é meu tudo. (Entrevista 05)

As falas denotam que as fragilidades da família de origem podem repercutir de forma prejudicial na dinâmica familiar entre casais homoafetivos e seus filhos(1414 Meletti AT, Scorsolini-Comin F. Marital relationship and expectations about parenthood in gay couples. Psicol Teor Prát [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 10]; 17(1):37-49. Available from: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/6509
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). A organização social normativa é reflexo do modelo familiar patriarcal, expressa desde o período de colonização do Brasil; a estrutura familiar composta e liderada pelo “pai” representa prestígio social, e as que diferem desse padrão são renegadas pela sociedade, mediante a influência histórica e cultural heterossexista. Além disso, o baixo apoio social, em especial a ausência do pertencimento a uma estrutura familiar fortalecida, aumenta as chances de insegurança, a incapacidade de realizar funções e a reclusão, deixando essas mulheres passíveis de suprimir o seu desejo de ser mãe.

Apesar do papel de mãe ter sido me tirado devido o pensamento conservador dos meus pais, eu continuo os amando e sempre pronta para receber quando me solicitam, pois eu respeito o posicionamento deles, assim como eu gostaria de ser respeitada. Se é assim que eles acham melhor, eu respeito completamente, por mais que isso me doa muito, me magoe. (Entrevista 06)

A dinâmica da rede social primária produz fluxos de informações e propaga forças internas aos pontos de maior carga, então as redistribui(55 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. São Paulo: Veras; 2015.). Assim, a influência do modelo social heteronormativo pode resultar em conflitos pessoais e gerar tensões familiares ou sociais; contudo, estudos evidenciam relações de cumplicidade entre casais homoparentais nas demandas diárias e tomada de decisão familiar; a cooperação com os serviços domésticos, contribuição financeira equiparada e participação conjunta no cuidado e processo educativo dos filhos evidencia a construção vinculativa de apoio e reciprocidade(1414 Meletti AT, Scorsolini-Comin F. Marital relationship and expectations about parenthood in gay couples. Psicol Teor Prát [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 10]; 17(1):37-49. Available from: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/6509
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-1515 Walsh F. Family normative processes: diversity and complexity. 4 ed. Porto Alegre: Artmed; 2016.).

Nunca falei abertamente sobre minha orientação sexual, somos um casal reservado, não ficamos dando pinta para a sociedade, nosso círculo de amizade é restrito.É como se para sociedade, escola dos meninos, colegas de trabalho e familiares eu fosse mãe solteira, mas não,eu tenho uma companheira que me auxilia e muito com a educação dos meninos. (Entrevista 03)

Apesar das inclinações sociais homofóbicas e do discurso majoritário reverberado na sociedade enquanto legitimador da estrutura familiar patriarcal estarem respaldados nos padrões da “normalidade”, assumindo posições conservadoras que tendem a caracterizar as famílias homoparentais como sinal de anomia, tal afirmação traduz-se em a sociedade desconsiderar a possibilidade de duas mulheres conceberem um filho, seja por via biológica (fertilização artificial), seja pelo método adotivo. Esses argumentos estão fortemente ligados aos elementos que compõem a rede secundária.

Interferências no meio sociocultural para efetivação do vínculo mãe e filho

As intervenções de rede objetivam o direcionamento do estado de dependência ao de autonomia no nível individual ou comunitário. Para tal, as relações familiares, parentesco, vizinhança e trabalho estabelecem conexões com as redes sociais secundárias: instituições, organizações de mercado e terceiro setor, a fim de delinear intervenções em longo prazo ou emergenciais(55 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. São Paulo: Veras; 2015.).

Os serviços sociais, de saúde e educação estão alicerçados na promoção da cidadania e integralidade. Assim, é imprescindível o fortalecimento do vínculo entre os indivíduos e as instituições sociais para resolução de problemas. A responsabilização dos profissionais da saúde sobre a rede requer abordagem equânime e longitudinal a partir do acolhimento, vínculo e diálogo efetivos.

A minha ginecologista não sabe que sou lésbica, nunca tive abertura para dizer a ela, então ela não me instrui corretamente, eu não sinto segurança para falar, em nenhum momento ela me perguntou minha orientação sexual. Acho que para ela eu sou heterossexual. Ela vive me mandando arrumar um namorado mesmo eu indo às consultas com minha parceira. (Entrevista 02)

Nota-se que a assistência essencialmente clínica e tecnicista suprime as reais demandas de saúde. De outro modo, para o atendimento integral às mulheres lésbicas, é preciso competência cultural dos profissionais que compõem os serviços públicos e privados de saúde. O atendimento especializado de ginecologia deveria ofertar acolhimento, vínculo e alternativas de cuidado à saúde sexual e reprodutiva das mulheres e casais, de acordo com a identidade de gênero e orientação sexual.

No âmbito da saúde, o acolhimento e a linguagem utilizada durante o atendimento, de forma discriminatória, resulta em fragilidade ou perda de vínculo dessas mulheres com as instituições de saúde(1616 Wojnar DM, Katzenmeyer A. Experiences of preconception, pregnancy, and new motherhood for lesbian nonbiological mothers. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs [Internet]. 2014 [cited 2017 Mar 10]; 43(1):50-60 Available from: http://dx.doi.org/10.1111/1552-6909.12270
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-1717 Dahl B, Malterud K. Neither father nor biological mother: a qualitative study about lesbian co-mothers’ maternity care experiences. Sex Reprod Healthc [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 10]; 6(3):169-73 Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.srhc.2015.02.002
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), e tal fato repercute em obstáculos no diálogo entre elas e os profissionais da saúde, visto que as mesmas sentem-se intimidadas em revelarem sua orientação sexual e sofrerem algum tipo de exclusão. A comunicação entre esses atores resulta em apoio ou contenção. Esse último, por vezes, inicia-se a partir do primeiro contato entre as mães e os profissionais da saúde.

A heteronormatividade remete a padrões de comportamentos relacionados ao biológico mediante concepções que foram sendo construídas historicamente e incorporadas naturalmente aos contextos feminino e masculino. Nessa vertente, no âmbito educacional, a linguagem assume um papel importante, pois contribui para a normatização dos comportamentos, muitas vezes de forma excludente, interferindo diretamente na formação moral do sujeito, uma vez que a linguagem tem o poder de heteronormatização de diferentes ações.

Não temos uma educação que pense a partir de todas as orientações sexuais de forma inclusiva, e sim temos uma educação que pensa a orientação sexual de forma que exclui. A minha maternidade lésbica influi nessa educação cultural que trago para as minhas filhas, por se tratar de um processo importante para a construção como sujeito, porque a partir do momento que eu tenho em casa uma mãe que é lésbica, como eu vou conseguir discriminar outra pessoa também por ser lésbica? (Entrevista 01)

Diante do exposto na fala anterior, o campo educacional como um espaço heteronormativo pode constituir-se um ambiente conflituoso para a mulher lésbica se inserir em face às normatizações binárias existentes. Apesar de a escola não ser a única responsável por explicar ou definir as diferentes identidades sociais, é importante destacar que suas ações sobre sujeitos assumem valor de verdade absoluta.

O fortalecimento intrafamiliar repercute na construção social crítica e reflexiva das possíveis formas de relacionamento e estrutura familiar(44 Lira AN, Morais NA, Boris GDJB. The (in)visibility of female homoparental experience: between prejudice and overcomings. Psicol Cienc Prof [Internet]. 2016 [cited 2017 Mar 10]; 36(1):20-33 Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n1/1982-3703-pcp-36-1-0020.pdf
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), sendo imprescindível uma educação com base no diálogo aberto entre mães lésbicas, seus filhos, e ambiente escolar, que resulte na formação de jovens os quais respeitam as diversidades.

Limitações do estudo

Compreende-se que o fenômeno em estudo está inserido em um contexto histórico e assistencial em saúde marcado pelo preconceito e estigma, o que dificultou, em algumas entrevistas, que a participante verbalizasse com maior riqueza de detalhes acerca da configuração de sua rede social. Outra limitação se deu pela técnica Snowball, que não garante a representatividade.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O conhecimento da rede social tem o potencial de viabilizar intervenções de rede pela equipe multiprofissional de saúde envolvida no processo saúde/doença, pois o trabalho da rede social fortalecida poderá promover mudanças do estado de dependência para o de autonomia das mães lésbicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que a avaliação da rede social de mães lésbicas propiciou a compreensão das relações sociais de apoio ou contenção mediante as relações interpessoais. Os laços e vínculos entre essas mulheres e os serviços sociais, de saúde e de educação evidenciaram construções sociais de gênero e orientação sexual patriarcal e binária.

É necessário superar o preconceito e o desrespeito nos diversos segmentos da rede para contribuir com a visibilidade dessas mães dentro dos novos arranjos familiares e, consequentemente, diminuir os estigmas que permeiam a rede social dessas mulheres.

O conhecimento da rede social poderá subsidiar intervenções de rede pela equipe multiprofissional de saúde, a partir da responsabilização e apoio dos atores envolvidos no processo saúde/doença. O trabalho social demanda responsabilização social para o fortalecimento dos apoios emocional, presencial, instrumental, informativo e autoapoio, a fim de prover mudanças do estado de dependência para o de autonomia das mães lésbicas.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2017
  • Aceito
    09 Ago 2017
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