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Cuidando do futuro: redução da mortalidade infantil no Maranhão

RESUMO

Objetivo:

Relatar a experiência e atendimento realizado pelo Programa “Cuidando do futuro” para redução da mortalidade infantil em 17 municípios do Maranhão, numa proposta de trabalho da Secretaria de Atenção Básica, em parceria com a Organização não Governamental denominada Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento/CPCD, no período de 2009 a 2015.

Método:

Relato de Experiência de cuidado comunitário que possibilitou criar e fortalecer relações solidárias entre os membros da comunidade.

Resultados:

O Programa reduziu taxa de mortalidade Infantil e criou nas comunidades atendidas uma plataforma de sustentação em saúde, unindo informação e cuidado em Atenção Primária. Formou 34 Anjos da Guarda e 170 cuidadores solidários, mapeou sete mil “pontos luminosos e treinou mais de sete mil cuidadores em saúde. Atendeu a 17 municípios, 27.191 gestantes, 291.266 famílias.

Considerações finais:

O Programa foi um catalizador de ações: desvelou recursos escondidos na comunidade, despertou responsabilidade coletiva, ofereceu treinamentos e edificou relações solidárias.

Descritores:
Atenção Primária à Saúde; Mortalidade Infantil; Saúde Pública; Tecnologia; Cuidados de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To report on the experience and care provided by the “Caring for the future” program to decrease infant mortality in 17 municipalities of Maranhão, in a proposal work of the Secretariat of Basic Care, in partnership with the Non-Governmental Organization called Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (Popular Center for Culture and Development/PCCD) from 2009 to 2015.

Method:

Experience Report of community care that made it possible to create and strengthen solidary relationships among community members.

Results:

The program decreased infant mortality rate and created in the supported communities a platform of health support, uniting information and care in Primary Care. The program trained 34 “Guardian Angels” and 170 “Supportive Caregivers”, mapped seven thousand “luminous spots” and trained more than 7,000 caregivers in health. It served 17 municipalities, 27,191 pregnant women, 291,266 families.

Final considerations:

The program was a catalyst for actions: it unveiled hidden resources in the community, awakened collective responsibility, offered training and built solidary relationships.

Descriptors:
Primary Health Care; Infant Mortality; Public Health; Technology; Nursing Care

RESUMEN

Objetivo:

Relatar la experiencia y atención realizados por medio del Programa “Cuidando el futuro” para la reducción de la mortalidad infantil en 17 municipios del Maranhão, en una propuesta de trabajo de la Secretaría de Atención Básica, en asociación con la Organización no gubernamental denominada Centro Popular de Cultura y Desarrollo / CPCD en el período de 2009 a 2015.

Método:

Relato de Experiencia de cuidado comunitario que posibilitó crear y fortalecer relaciones solidarias entre los miembros de la comunidad.

Resultados:

El Programa redujo la tasa de mortalidad infantil y creó en las comunidades atendidas una plataforma de sustentación en salud, uniendo información y cuidado en Atención Primaria. Formó 34 Ángeles de la Guardia y 170 cuidadores solidarios, mapeó siete mil “puntos luminosos y entrenó a más de siete mil cuidadores en salud. Asistió a 17 municipios, 27.191 gestantes, 291.266 familias.

Consideraciones Finales:

El Programa fue un catalizador de acciones: desveló recursos escondidos en la comunidad, despertó la responsabilidad colectiva, ofreció entrenamientos y edificó relaciones solidarias.

Descriptores:
Atención Primaria a la Salud; Mortalidad Infantil; Salud Pública; La Tecnología; Cuidados de Enfermería

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta relato de experiência do programa “Cuidando do Futuro”(11 Loyola, CMD, Rocha, T. Cuidando do Futuro: redução da mortalidade materna e infantil no Maranhão. Belo Horizonte: Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento; 2012. 304p.) que teve por finalidade, diminuir em 10% a mortalidade infantil neonatal em 17 municípios maranhenses, no período de 2009 a 2015. A taxa de mortalidade infantil é considerada um importante marcador para medir as situações de saúde de uma população. Os óbitos em crianças menores de um ano estão relacionados às más condições sociais, econômicas, biológicas, ambientais e de saúde materna e infantil. As principais causas de morte são as doenças perinatais, prematuridade da gestação, ineficiência do pré-natal, doenças relacionadas à infância e problemas cardiovasculares e respiratórios, e a tríade: diarreia, pneumonia e desnutrição(22 Ceccon RF, Bueno ALM, Hesler LZ, Kirsten KS, Portes VM, Viecili PRN. Mortalidade infantil e Saúde da Família nas unidades da Federação Brasileira, 1998-2008. Cad Saúde Colet [Internet]. 2014 [cited 2017 Mar 30]; 22(2):177-83. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400020011
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).

Mortalidade infantil é uma terminologia empregada para designar todos os óbitos de crianças menores de um ano, ocorridos em determinada área e em dado período de tempo (geralmente em um ano). No Brasil, a taxa de mortalidade infantil passou de 38 para 16 crianças por 1.000 nascidos vivos, entre 1994 e 2010. Mesmo assim, nesse período, foi alta a prevalência de mortalidade infantil, visto que 631.162 crianças menores de um ano faleceram.

Os estados das Regiões Sul e Sudeste apresentaram as menores taxas, sendo que cinco tiveram coeficientes menores que 12 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Os estados das Regiões Norte e Nordeste apresentaram as maiores prevalências, visto que cinco deles registraram coeficientes superiores a 16 mortes por 1.000 nascidos vivos. O Maranhão apresentou o coeficiente 16,1 óbitos por 1.000 nascidos vivos, um dos maiores do Brasil. Países como Singapura, Islândia e Japão apresentam as menores taxas de mortalidade infantil, com coeficientes inferiores a três óbitos por 1.000 nascidos vivos. Enquanto o Afeganistão apresenta a maior prevalência, com taxa de 144 mortes por 1.000 nascidos vivos(22 Ceccon RF, Bueno ALM, Hesler LZ, Kirsten KS, Portes VM, Viecili PRN. Mortalidade infantil e Saúde da Família nas unidades da Federação Brasileira, 1998-2008. Cad Saúde Colet [Internet]. 2014 [cited 2017 Mar 30]; 22(2):177-83. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400020011
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).

Neste contexto, o coeficiente de mortalidade infantil é um indicador de saúde, ligado às condições de bem-estar social, político e ético de dada conformação social, condições concretas de moradia, salário e o compromisso de determinada sociedade com a sua reprodução social. Para ter qualquer doença, é preciso ter nascido e sobrevivido ao primeiro ano de vida.

O programa Cuidando do Futuro foi pensado a partir de duas perguntas: 1) De que morrem os bebês no Maranhão?; 2) Em que período a mortalidade infantil no Maranhão é maior? De cada dez crianças que morrem no Maranhão, sete morrem antes de 27 dias e a maior parte delas por causas evitáveis como fome e frio. Essa mortalidade acontece no intervalo entre a alta do hospital, em que o recém-nascido passa pelas mãos de muitos profissionais de saúde e a chegada em casa, ou seja, quando ele começa a morrer(33 Cunha RDS, Lamy Filho F, Rafael EV, Lamy ZC, Queiroz ALG. Breast milk supplementation and preterm infant development after hospital discharge: a randomized clinical trial. J Pediatr [Internet]. 2016 [cited 2017 Mar 30]; 92(2):136-42. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2015.04.004
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-44 Lamy Filho F, Souza SHC, Freitas IJS, Lamy ZC, Simões VMF, Silva AAM, et al. Effect of maternal skin-to-skin contact on decolonization of Methicillin-Oxacillin-Resistant Staphylococcus in neonatal intensive care units: a randomized controlled trial. BMC Pregnancy and Childbirth [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 30]; 15:1471-2393. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-015-0496-1
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).

Enquanto o hospital ocupa-se por situações e prioridades ligadas à assistência especializada, na casa da puérpera a prioridade torna-se a manutenção da vida do bebê. Em casa, é mais importante saber se há lugar arrumado para a mãe e o bebê descansarem, ou comida pronta para a puérpera, de modo que a nova dupla possa se dedicar e se acostumar com a nova parceria. Em outras palavras, em seguida da alta hospitalar, a mãe e o bebê vão para casa e deve começar a aprender a se amar, a consolidar o vínculo amoroso, esse amor vertical que nos difere como humanos e é o mais belo dos vínculos de amor. O ambiente precisa facilitar a parceria amorosa, para que a mãe crie vínculo e leite, de modo a vencer a vulnerabilidade do recém-nascido.

Em tal recorte de lugar (a casa, e não mais o hospital), de período (neonatal e puerpério), o recém-nascido está frágil, depende totalmente dos cuidados: se não os tiver, morrerá(55 Winnicott DW. A criança e seu mundo. 6ed. Rio de Janeiro: LTC. 2008.). Ora, como a mãe está fragilizada fisicamente e emocionalmente pelo parto, é importante saber o que pensam as pessoas próximas ao bebê sobre o aleitamento materno exclusivo e o “mingau de dedo” (prática frequente no interior do Maranhão, onde é dado leite de vaca engrossado com farinha de mandioca para o recém-nascido, em consistência de mingau, na crença familiar equivocada e arraigada de que o leite da mãe é “aguado e fraco”). E ainda saber, por exemplo, o que a sogra pensa sobre os cuidados com o coto umbilical (é frequente colocar teia de aranha, ou borra de café, ou pedaços de ninho de marimbondo ou estrume de vaca no coto), como será os aconselhamentos da benzedeira e da parteira tradicional sobre o uso de “mamadeira e com chazinhos bem adoçados”.

Essas crendices circundam as chances de sobreviver do recém-nascido e são arraigadas em tradições poderosas. Constatou-se que os bebês morrem no período neonatal em decorrência do que foi realizado no pré-natal, se completo e bem feito, as chances de parto e bebê normais são muito altas. Se a chegada em casa, depois da alta hospitalar, encontrar um lugar de tradições caladas, hábitos trançados por essas crenças e que movem o cotidiano, os riscos de morrer aumentam.

Ao longo do programa “Cuidando do Futuro”, constamos dolorosamente que a atenção básica em saúde cuida da gestante e do bebê durante 270 dias, mas nas 24 horas em que a gestante toca a rede hospitalar, a mortalidade materno-infantil aumenta. Observamos que eram mortes que poderiam ter sido evitadas com ações de baixa complexidade tecnológica, porém muito sofisticadas em termos de transformação social.

Eram mortes em vão, causadas por baixa escolaridade das mães, por apatia, lentidão burocrática e a indiferença de tantos serviços de saúde envolvidos. O Programa “Cuidando do Futuro” escolheu como caminho a utilização das tecnologias sociais desenvolvidas pela Organização Não Governamental denominada Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) e a construção de um Plano de Trabalho e Avaliação (PTA), para atender o objetivo de diminuir em 10% a mortalidade infantil.

OBJETIVO

Relatar a experiência e o atendimento realizado pelo Programa “Cuidando do futuro” para a redução da mortalidade infantil em 17 municípios do Maranhão, numa proposta de trabalho da Secretaria de Atenção Básica em parceria com a Organização Não Governamental denominada Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento/CPCD, no período de 2009 a 2015.

MÉTODO

Relato de experiência de cuidado comunitário, que possibilitou criar e fortalecer relações solidárias entre os membros da comunidade. Para a execução do Programa “Cuidando do Futuro” utilizou-se as tecnologias sociais do CPCD como ferramenta de acompanhamento e avaliação, a saber: os Planos de Trabalho e Avaliação (PTA); os Indicadores de Qualidade de Projetos Sociais (IQPS); o Monitoramento de Processos e Resultados de Aprendizado (MPRA) e tecnologias sociais que foram construídas e sistematizadas pelo CPCD.

Trata-se de um procedimento lógico e concatenado de procedimentos, visando: (1) tradução dos objetivos específicos e conceituais em objetivos operacionais e concretos, dissecados em suas dimensões, clareando as metas a serem permanentemente atingidas; (2) a definição dos diversos públicos-alvo e protagonistas do programa; (3) a organização das perguntas importantes em função das metas; (4) o planejamento das atividades e instrumentos de ação em função das perguntas; (5) a definição dos indicadores de processo, de impactos e de resultados mensuráveis ao final das ações; (6) a previsão de tempo, duração e responsabilidades.

Optamos por relatar a situação da prática de assistência e gerenciamento dentro do programa “Cuidando do Futuro” para a redução da mortalidade infantil e 17 municípios do Maranha, ou seja, relatar as tecnologias sociais como estratégias de intervenção em saúde pública.

RESULTADOS

Uso de Tecnologia social para redução da Mortalidade Infantil

Havia no estado do Maranhão, em 2009, 38 municípios considerados pelo Ministério da Saúde, críticos para a mortalidade infantil, e percebemos que era preciso uma agenda integrada e progressiva que nos ajudasse a aprender com a realidade e a produzir mudanças. O PTA sobre redução da mortalidade infantil foi escrito em cerca de 300 horas de trabalho presenciais e a distância por Cristina Loyola, Tião Rocha e um grupo de profissionais da saúde. Foram mais de 1000 folhas de resoluções e portarias do Ministério da Saúde sobre mortalidade infantil, organizadas, simplificadas e objetivadas em cinco páginas, após o laborioso processo de descomplicar protocolos.

Para atender nossos objetivos, vários dispositivos foram empregados, a saber: descomplicar protocolos sobre a mortalidade infantil tornando-os pontuais e focados; utilizar a tecnologia social do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) e escrever um Plano de Trabalho e Avaliação (PTA) sobre redução da mortalidade infantil em 10%, em 17 municípios maranhenses.

O primeiro passo do Programa foi realizar um treinamento sobre o PTA com seis turmas da Escola Técnica do Sistema Único de Saúde (ET/SUS) do Maranhão, em outubro e novembro de 2010, em um curso de formação de multiplicadores para o Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde. O PTA foi avaliado por mais de 180 enfermeiras e foi aprovado quanto à sua viabilidade e implementação nos municípios. O desafio em questão era maior, pois era preciso formar profissionais que implicassem com o nosso problema, que reencontrassem a generosidade e a solidariedade humanas, soubessem unir informação e cuidado na atenção básica, transformando-os em aprendizado permanente.

As universidades têm formado profissionais que detêm informações de qualidade, mas mais desafiante é formar profissionais que “se importem”, que queiram e saibam cuidar. Por vezes, constatamos uma separação entre conhecimento e cuidado, e na Atenção Básica esse fenômeno costuma ser catastrófico. Por exemplo, uma comunidade leiga assume a postura afetiva e compromissada de cuidar, mas nem sempre dispõe das informações técnicas necessárias para realizar um bom cuidado. Por outro lado, os profissionais de saúde detêm muitas informações sobre saúde, mas parte deles não se “importam com o outro”, por vezes, nem cumprem a jornada de trabalho ou sentem-se diretamente responsável pelas consequências que o seu “não cuidado” ocasiona. Costumamos pensar que deve ser pouco frequente o profissional de saúde que interroga a sua responsabilidade individual e direta, por uma criança que pegou sarampo, porque a cobertura vacinal da sua área foi insuficiente.

Dessa forma, identificamos em cada comunidade, os cuidadores existentes, ou seja, pontos luminosos, pessoas que sem titulação profissional sabiam e queriam cuidar, preocupavam-se com o outro, e que também necessitavam de algumas, poucas informações científicas para que um recém-nascido não morresse. De fato, os pontos luminosos eram pessoas leigas, da comunidade, que olhavam para a saúde com curiosidade de aprender e vontade de cuidar.

Aprendemos também que não é preciso ter cursado uma universidade para colocar álcool 70% no coto umbilical, usar métodos mais seguros para posicionar o bebê(66 Toso BRGO, Viera CS, Valter JM, Delatore S, Barreto GMS. Validation of newborn positioning protocol in Intensive Care Unit. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015 Dec [cited 2017 Mar 30];68(6):1147-1153. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680621i.
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), garantir o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, fazer ninho (métodos de posicionar o bebê)(66 Toso BRGO, Viera CS, Valter JM, Delatore S, Barreto GMS. Validation of newborn positioning protocol in Intensive Care Unit. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015 Dec [cited 2017 Mar 30];68(6):1147-1153. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680621i.
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) e utilizar água aquecida para o banho. Dito de outro modo, escolhemos trabalhar com pessoas leigas da comunidade, que treinamos com informações necessárias e que se importavam com o outro, pessoas capazes de amar o outro (amor, aqui, em oposição à indiferença), em vez de investir em profissionais com muita informação, porém pouco compromissados ou indiferentes.

Outra ação estratégica foi a criação de duas figuras sociais: o anjo da guarda (dois por município); e o cuidador solidário (dez por município). E ainda, com o objetivo de aumentarmos o grupo de cuidadores em saúde para além da Estratégia de Saúde da Família, convidamos: benzedeiras, parteiras tradicionais, pais de santo e sacerdotes de várias matrizes religiosas, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), vizinhos solidários e taxistas, para formar um time de um único e mesmo jogo para reduzir a mortalidade infantil em 10%. Os Anjos da Guarda e os cuidadores solidários são lideranças das comunidades, que se dispõem a investir no objetivo transformado em causa e a zelar pelas comunidades, implementando o PTA do Programa “Cuidando do Futuro”.

Em meados de 2010, tínhamos um objetivo claro, e um “time” ampliado e capacitado em cuidados com recém-nascidos, Método Mãe-Canguru(77 Olmedo MD, Gabas GS, Merey LSF, Souza LS, Muller KTC, Santos MLM, et al. Respostas fisiológicas de recém-nascidos pré-termo submetidos ao Método Mãe-Canguru e a posição prona. Fisioter Pesqu [Internet]. 2012 [cited 2017 Mar 30]; 19(2):115-21. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1809-29502012000200005
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) (É um tipo de humanização e assistência neonatal que implica no contato pele a pele entre mãe e bebê, com a participação facultativa do papai), Atenção integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI), ressuscitação cardiorrespiratória e o PTA com informações médicas baseadas em evidências e protocoladas pelo Ministério da Saúde. Resolvemos, assim, treinar todos os pontos de luz, quase sete mil pessoas, como educadores sociais, capazes de olhar para a comunidade com vontade de aprender, ou seja, uma espécie de “curso de oftalmologia”, para aprender a ver e aprender a aprender. O CPCD manteve quatro educadores morando no Maranhão durante o ano de 2010 e 2011, e deslocando-se entre os 17 municípios selecionados, a fim de ensinar a olhar e ver, de forma diferente.

Isto, no entanto, tampouco bastou, porque tínhamos velhos problemas e antigas soluções. Em seguida, foi preciso estabelecer maneiras diferentes e inovadoras (MDI) para resolver situações que se mostravam insolúveis. Criamos várias MDI, com os Anjos da Guarda e os supervisores do programa à luz do que foi vivenciado nos 17 municípios. Se aplicássemos o coeficiente de mortalidade infantil no estado, chegaríamos a um número de 674 bebês que estavam, do ponto de vista epidemiológico “marcados para morrer”, conforme os dados estatísticos de mortalidade infantil. O programa conseguiu salvar 390, mais de um por dia no ano de 2010, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1
Aplicação do Plano de Trabalho e Avaliação (PTA) e a redução da mortalidade infantil e 17 municípios do estado do Maranhão, Brasil, 2010

Para alcançar esse objetivo, contamos com a parceria permanente da Fundação Sousândrade de Apoio à Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social. Iniciado em dezembro de 2009, o programa “Cuidando do Futuro” formou, até maio de 2015, 34 Anjos da Guarda e 170 cuidadores solidários, mapeou sete mil pontos luminosos e treinou mais de sete mil cuidadores em saúde. Atendeu a 17 municípios, 27.191 gestantes, 291.266 famílias, bem como distribuiu 3.567 enxovais de bebê, 6.936 faixas canguru, 3.468 kits umbiguinho e aproximadamente 3 mil cartilhas com o PTA e mil folhetos sobre a Lei do Acompanhante.

Desenvolveu, implementou e supervisionou MDI para reduzir a mortalidade infantil e criou, nas comunidades atendidas, uma plataforma de sustentação em saúde, que uniu a informação com o cuidado em Atenção Primária. Como parte dos resultados, aconteceu: quatro passeatas de gestantes; oito unidades “Studio G” com maquiagem, cabelereiro e fotógrafo de gestantes; e duas Casas do Meio do Caminho, isto é, hotelarias com cuidado.

As duas Casas do Meio do Caminho foram pintadas com tinta de terra (tecnologia sustentável de cessão pelo CPCD), possui hortas e área de convivência, com execução e manutenção pela própria comunidade, apoiada pelo programa e pelas prefeituras. Uma dessas casas encontra-se em Itapecuru Mirim e já auxiliou mais de dez gestantes com dez bebês nascidos em segurança. A outra casa está em Santa Luzia e auxiliou três gestantes com três bebês nascidos em segurança.

Entre os demais resultados do programa, encontram-se:

  • 170 Algibeiras (bolsões de material informativo sobre saúde materno-infantil) implantadas em Unidades Básicas de Saúde (UBS) nos 17 municípios;

  • Cinco oficinas de escalda-pés para puérperas (tecnologia de cuidado e empoderamento da mulher grávida, cessão pelo CPCD);

  • Captação de leite materno em seis municípios (total de 119 frascos para coleta, em: São Luís, Itapecuru Mirim, Vargem Grande, Buriti, Chapadinha e Balsas), envio aos três bancos de leite do estado (Caxias, Imperatriz e São Luís), constituindo o que chamamos de Via Láctea;

  • 17 grupos de Amigos do Hospital, um por município, com o intuito de levar cada comunidade a adotar o hospital como seu e de sua confiança, assim como a participar do colegiado oficial de sua gestão;

  • 16 maternidades que aceitam e adotaram a Lei do Acompanhante;

  • A Escola Técnica do SUS do Maranhão adotou os escritos do programa como texto obrigatório no ensino de meios de redução da mortalidade infantil e neonatal, em seus cursos formadores.

Quanto aos treinamentos oferecidos, que significam o processo vivido, foram realizados: 176 sobre o uso do PTA; 145 sobre cuidados com o recém-nascido; dez de AIDPI neonatal com ressuscitação cardiorrespiratória; 148 de educador social para nível médio, conduzidos por educadores do CPCD; 15 de nível superior e nove para a formação dos Anjos da Guarda em São Luís; aproximadamente 40 de acompanhante para o parto, com o uso do folheto do acompanhante; dois de partograma com dois obstetras do Hospital Sofia Feldman, de Belo Horizonte, Minas Gerais; e dez de assistência em enfermagem obstétrica e neonatal para enfermeiras e auxiliares, ministrados por sete enfermeiras especialistas do Hospital Fernandes Figueira, do Rio de Janeiro.

Ademais, o Programa “Cuidando do Futuro” doou às prefeituras de Itapecuru Mirim e Santa Luzia quatro camas, quatro redes, dois termômetros digitais, duas balanças para as Casas do Meio do Caminho, dois ventiladores para enfermarias, telas contra mosquitos para as janelas da enfermaria do puerpério e 44 aparelhos digitais de pressão arterial para as comunidades quilombolas de Itapecuru Mirim.

Em meio a essas ações, aprendemos que bebês em estado grave transferidos do interior para a UTI neonatal em São Luís, após vencerem a separação traumática e precoce da mãe, sobreviverem ao desamparo, à insuficiência respiratória e à infecção, e necessitarem ganhar peso para terem alta, eram alimentados pela fórmula láctea artificial, porque suas mães nutrizes não estavam próximas para amamentar. Tornou-se claro para nós que o leite artificial tem preço e leite materno tem valor. Então, criamos a Via Láctea, esforço conjugado de fazer com que a captação do leite materno nos 17 municípios alcançasse os bancos de leite das macrorregionais. Ao passo que sobrava leite no interior, faltava em São Luís para ser processado no banco de leite e alimentar os bebês que estavam nas UTIs.

Compusemos o kit Via Láctea: um freezer médio, uma autoclave média, uma motocicleta de 350 cilindradas, uma caixa térmica, vidros estéreis ou fervidos, muita mobilização social e muita generosidade. Hoje, temos uma plataforma de captação de leite materno estruturada nos municípios. Após o “Cuidando do Futuro” ter doado um freezer para cada município, o leite congelado pode ser processado até 15 dias depois nos bancos de leite.

Estabelecemos ainda pactos com os municípios, que foram aprovados pela Secretaria Estadual de Saúde por meio de sua Comissão Intergestores Bipartite (CIB), e passaram a ser usados oficialmente pelo estado do Maranhão. São eles: 1) Pacto do Prefeito Amigo da Criança, que consta, no pré-natal, de sete consultas (uma das quais no puerpério), exames laboratoriais e um ultrassom, e todas as gestantes imunizadas contra tétano, hepatite B e H1N1, e no puerpério, de todos os bebês registrados, teste do pezinho, vacinas e, até sete dias, visitas diárias dos ACS e uma consulta médica e/ou de enfermagem; 2) Pacto do Hospital pela Vida, realizado nos hospitais municipais e englobando o acolhimento, acompanhante no pré-parto, no parto e no pós-parto, método Mãe-Canguru, aleitamento materno exclusivo, registro de referência e contra referência, e comitê de verificação de óbitos.

Por fim, adotou-se impresso médico para referência à UTI neonatal do Hospital Juvêncio Mattos, em São Luís, de modo que o bebê, ao chegar, tenha a chance de dispor, de imediato, de todo o arsenal tecnológico existente, uma vez que sua história clínica de parto e puerpério encontram-se registrada e referenciada; aprovou-se, na Comissão Intergestores Bipartite, o PTA da mortalidade infantil como instrumento oficial do estado do Maranhão no combate à mortalidade infantil neonatal(88 Carvalho RAS, Santos VS, Melo CM, Gurgel RQ, Oliveira CCC. Desigualdades em saúde: condições de vida e mortalidade infantil em região do nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública [Internet]. 2015 [cited 2017 Sep 03]; 49:5. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049004794
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); e apresentaram-se cinco denúncias de imperícia e negligência das equipes de saúde dos hospitais visitados, que resultaram em inquéritos administrativos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A convicção de que tudo o que acontece no mundo deve ser compreensível, pode levar-nos a interpretar a história por meio de lugares comuns. Compreender não significa negar nos fatos o chocante, eliminar deles o maldito ou, ao explicar fenômenos, fazer uso de analogias e generalizações que diminuam o impacto da realidade e o choque da experiência. Compreender quer dizer, antes de tudo, examinar e suportar conscientemente o fardo que os acontecimentos têm sobre nós, sem negar sua existência, nem vergar humildemente ao seu peso. Em suma, compreender equivale a encarar a realidade sem preconceitos e, com atenção, resistir a ela, independentemente de suas cores e feições.

O Programa reduziu taxa de mortalidade Infantil e criou, nas comunidades atendidas, uma plataforma de sustentação em saúde, que uniu a informação ao cuidado em Atenção Primária. Assumir a responsabilidade coletiva, segundo a qual cada um de nós se torna responsável pelos demais. Ao longo dos últimos anos, falamos muito de direitos humanos, porém deixamos de falar dos deveres, que são sempre deveres em relação aos outros. O programa “Cuidando do Futuro” evitou 390 óbitos infantis e/ou neonatal no ano de 2010, nos 17 municípios maranhenses, investiu em formar e fortalecer os cuidadores sociais e realizou treinamentos diversos e capacitação de ACS, modificou e contribuiu com atendimento na rede de saúde infantil e materna, além de conscientizar a população quanto direitos e promoção de saúde.

É na hora de escrever que ficamos conscientes das coisas que não sabíamos que sabíamos. São as mais inesperadas surpresas e explicações. É preciso, então, distinguir culpa e responsabilidade. Há uma responsabilidade sobre o que se quer que não tenha outra garantia, senão o próprio querer. Não se explique, mas se responsabilize com a própria vida pelo que você quer. Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. A partir da tomada de responsabilidade frente à problemática da mortalidade infantil, o Programa “Cuidando do Futuro” representou um catalizador de ações, tais como: Amigos do Hospital, cumprimento da Lei do Acompanhante, doação de leite materno aos bancos de leite e numerosas pessoas e instituições que se importam com a vida passaram a pactuar e trabalhar para reduzir a mortalidade infantil.

A redução da mortalidade infantil serviu como motivação e guia para que a Secretaria Adjunta de Ações Básicas em Saúde/SES-MA se comprometesse a escrever a sua “Carta do Futuro”, os PTA's da criança, do adolescente, do homem, da mulher e do idoso saudáveis, que possuem, de fato, um “final miragem”, porque a criatividade de uma comunidade transformada não tem limites, está sempre mais adiante. A proposta é a de trabalhar com as múltiplas orientações verticais e diversificadas da SAS/MS e torna-las integralizadas, humanizadas e horizontais por meio da clientela dos PTA's. O Programa reduziu a taxa de mortalidade Infantil no Maranhão, a partir da informação, responsabilidade coletiva, treinamentos e relações solidárias. As estruturas foram modificadas e a lógica local do atendimento em de saúde foi reinventada pela criatividade de uma comunidade transformada. Sem dúvida, essa experiência não se esgota em si, precisa ser reavaliada, reforçada e melhorada, para garantir novos investimentos em saúde pelos gestores.

E por fim, consideramos que ainda devemos amar, a fim de não adoecermos, porque a maneira de reduzir o isolado que somos dentro de nós mesmos, rodeados de distâncias e lembranças é botando enchimento nas palavras, é enfim, através das palavras, ir expandindo nossos limites(99 Barros M. Livro de pré-coisas: roteiro para uma excursão poética no pantanal. 4º ed. Rio de Janeiro: Record; 2003. 94p).

REFERENCES

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2017
  • Aceito
    06 Out 2017
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