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A qualidade da educação em tempos de novas Diretrizes Curriculares Nacionais

A impossibilidade semântica de se delimitar e demarcar com precisão o termo “qualidade” nos desafia. Quando se pensa em qualidade, é comum surgir indagações ligadas aos processos em si ou aos resultados alcançados com ênfase à satisfação de quem participou de tais processos. Assim, “qualidade” remete a competências para realizar processos com êxito e gerar produtos satisfatórios.

No que se refere à qualidade da educação, uma tensão apontada é entre a qualidade formal, que se relaciona com a competência do fazer; e a qualidade política, relacionada com a competência do se fazer e de fazer história(11 Demo P. Qualidade da educação. São Paulo: Papirus; 2015.). A partir de tais premissas, um processo educativo, com qualidade formal, não necessariamente potencializa a autonomia e o protagonismo nos educandos. Para se alcançar a qualidade política, o processo educacional terá que ultrapassar a qualidade formal e potencializar nos educandos mais a perspectiva do “ser” do que do “ter”.

Ainda no que se refere à qualidade da educação, outra tensão apontada é entre a quantidade e a qualidade. A nosso ver, faz sentido afirmar que “toda pretensão qualitativa passa igualmente pela quantidade”(11 Demo P. Qualidade da educação. São Paulo: Papirus; 2015.). Almeja-se que o processo formativo não se restrinja a alcançar indicadores quantitativos, mas, também tenha como meta outros indicadores, o que corrobora com a afirmação de que a qualidade aponta para a intensidade e a profundidade(11 Demo P. Qualidade da educação. São Paulo: Papirus; 2015.).

Outra perspectiva que nos desafia, quando se trata da qualidade da educação, é a indissociabilidade entre a dimensão política e a epistemológica entre a teoria e a prática. Para o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, “não haverá justiça social sem justiça cognitiva”(22 Santos BS. A difícil democracia. São Paulo: Boitempo; 2016.). O autor afirma que a justiça cognitiva requer tal indissociabilidade e para isso há que se desenvolver projetos educativos emancipatórios, com vistas a uma educação edificante. Como o autor, acreditamos que é possível pensar em distintas intensidades e densidades dos processos sociais. E assim, tanto na democracia como na educação há que se radicalizar, há que se superar formas hegemônicas a favor de formas contra-hegemônicas(22 Santos BS. A difícil democracia. São Paulo: Boitempo; 2016.).

Ao vivenciarmos a construção coletiva e participativa da minuta de Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em enfermagem (DCN-Enf), processo liderado pela Associação Brasileira de Enfermagem, pudemos refletir, durante os fóruns, nas discussões sobre o que mudar, o que incluir, o que retirar e o que manter das muitas das tensões aqui anunciadas, mas acreditamos que a proposta final da minuta tem uma intensidade alta de formas contra-hegemônicas, traduzidas com competências por áreas de formação que suscitam novas centralidades (do processo sobre o produto, do educando em relação ao educador e da avaliação formativa sobre a formativa, por exemplo).

A qualidade da educação almejada para os cursos de graduação em enfermagem, em tempos de novas DCN-Enf, pressupõe que a formação seja compatível com os referenciais constitucionais e internacionais da promoção da saúde e que o egresso dos cursos possa atuar com qualidade, efetividade e resolutividade no Sistema Único de Saúde (SUS).

Neste momento, há uma proposta de transformação da formação em Enfermagem, considerando os pressupostos da minuta das novas DCN, que objetiva formar enfermeiros capazes de ensinar, conhecer, classificar, analisar, discorrer, opinar, fazer analogias, registrar, fazer diagnósticos, fazer generalizações, empreender dentre outras competências, que possam garantir a formação de profissionais com autonomia, discernimento e pró-atividade, para garantir a integralidade do cuidado na Atenção à Saúde dos indivíduos, família e comunidade.

Os marcos da proposta apontam para projetos pedagógicos com referenciais teóricos dos campos da educação, da saúde pública e coletiva, e da teoria social e política que possam nortear e fundamentar os princípios e diretrizes propostas, bem como os referenciais históricos, políticos, sociais e culturais sobre as práticas de saúde, de enfermagem, sua profissionalização e suas entidades de classe.

Por fim, a qualidade da educação que se pretende requer o envolvimento dos diversos atores que integram o processo formativo, numa perspectiva em que a dimensão educativa que se almeja contribua significativamente na construção de uma sociedade politizada, potencializando o desenvolvimento humano. Neste sentido, é imprescindível, que os projetos pedagógicos atendam à legislação brasileira, implicados em processos pedagógicos para a formação de futuros enfermeiros comprometidos em assumir os desafios da profissão numa perspectiva reflexiva e transformadora da sociedade.

REFERENCES

  • 1
    Demo P. Qualidade da educação. São Paulo: Papirus; 2015.
  • 2
    Santos BS. A difícil democracia. São Paulo: Boitempo; 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018
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