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Vestuário e identidade profissional na formação de enfermeiros em Juiz de Fora

RESUMO

Objetivo:

Compreender o significado das transformações ocorridas no vestuário dos alunos da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo (EEHB) para a construção de uma identidade profissional de enfermeiros em Juiz de Fora.

Método:

Estudo histórico-social, qualitativo, cujo recorte temporal compreende o período de 1965-1978. Utilizaram-se fontes orais e escritas. As fontes orais foram produzidas pela técnica da História Oral Temática, com 10 colaboradores. Como referencial teórico, foram utilizados os conceitos de identidade, de Claude Dubar, e de vestuário e seus significados simbólicos, de Roland Barthes.

Resultados:

O uniforme das alunas de enfermagem da EEHB configurou-se como uma marca, um símbolo essencial no movimento de construção e consolidação da identidade da enfermeira na cidade de Juiz de Fora.

Conclusão:

O uniforme foi reconhecido como um objeto de identificação das enfermeiras diplomadas na cidade, pela EEHB, conferindo-lhes uma imagem social de credibilidade pela sua formação.

Descritores:
História da Enfermagem; Escolas de Enfermagem; Vestuário; Identidade; Identificação Social

ABSTRACT

Objective:

To understand the meaning of the transformations that occurred in the clothing of EEHB students and their role in the construction of a professional identity of nurses in Juiz de Fora.

Method:

Historical and social qualitative study from 1965 to 1978. Oral and written sources were used. Oral sources were produced with the Thematic Oral History technique, with 10 collaborators. The theoretical frameworks used were the concepts of identity of Claude Dubar, and concepts of clothing and their symbolic meanings of Roland Barthes.

Results:

The EEHB nursing students’ uniform represented a brand, an essential symbol in the construction and consolidation of the nurse’s identity in the city of Juiz de Fora.

Conclusion:

The uniform was recognized as an object of identification of nurses in the city, giving them a social image of credibility for their training.

Descriptors:
History of Nursing; Schools, Nursing; Clothing; Identity; Social Identification

RESUMEN

Objetivo:

Comprender el significado de las transformaciones ocurridas en el vestuario de los alumnos de la Escuela de Enfermería Hermantina Beraldo (EEHB) con el fin de construir una identidad profesional de los enfermeros en Juiz de Fora.

Método:

Se trata de un estudio histórico social, cualitativo, cuyo recorte temporal comprende el período entre 1965 y 1978. Se utilizaron fuentes orales y escritas. Las fuentes orales se produjeron mediante la técnica de la Historia Oral Temática, con 10 colaboradores. Como referencial teórico, se utilizaron los conceptos de identidad de Claude Dubar, y del vestuario y sus significados simbólicos, de Roland Barthes.

Resultados:

El uniforme de las alumnas de enfermería de la EEHB se consolidó como una marca, un símbolo esencial en el movimiento de construcción y consolidación de la identidad de la enfermera en la ciudad de Juiz de Fora.

Conclusión:

El uniforme fue reconocido por la EEHB como un objeto de identificación de las enfermeras diplomadas en la ciudad, otorgándoles una imagen social de credibilidad por su formación.

Descriptores:
Historia de la Enfermería; Escuelas de Enfermería; Vestuario; Identidad; Identificación Social

INTRODUÇÃO

Inaugurada em 8 de março de 1947, em Juiz de Fora, a Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo (EEHB) foi a terceira instituição de ensino de enfermagem no estado de Minas Gerais. Intentava formar enfermeiras para atender uma demanda profissional que exigia novos conhecimentos e novas abordagens para a assistência em saúde, com enfoque no âmbito hospitalar1. Sua manutenção financeira e seu funcionamento ficaram, a partir de 1968, a cargo da Fundação Hermantina Beraldo (FHB), criada pelo Decreto Lei nº 11.503/68 com esse objetivo. No ano de 1976, de acordo com o Decreto nº 18.275, de 21 de dezembro de 1976, a então EEHB passou a ser denominada Faculdade Hermantina Beraldo (FEHB)(11 Toledo JR, Santos TCF, Araújo MA, Almeida Filho AJ. Emblemas e rituais: reconstruindo a história da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2008[cited 2017 Aug 01];12(2):243-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v12n2/v12n2a07.pdf
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).

No ano de 1978, a EEHB foi extinta pela Resolução nº 1919, que aprovou o convênio celebrado entre o Estado de Minas Gerais, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a FHB. Assim, 1978 foi o último ano em que a instituição funcionou como FEHB, mantida pelo Estado. Houve uma fase de transição do corpo social da antiga EEHB para o novo curso inaugurado na UFJF, não havendo prejuízo para os alunos, que deram sequência à sua formação na universidade. No ano de 1979, todos os alunos estavam inseridos no Curso de Enfermagem e Obstetrícia da UFJF(11 Toledo JR, Santos TCF, Araújo MA, Almeida Filho AJ. Emblemas e rituais: reconstruindo a história da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2008[cited 2017 Aug 01];12(2):243-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v12n2/v12n2a07.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v12n2/v12n2...
-22 Figueiredo MAG, Baptista SS. Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora: 1977-1979. Rev Bras Enferm [Internet]. 2009[cited 2017 Aug 01];62(4):512-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n4/03.pdf
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).

Essa breve trajetória do primeiro curso de enfermagem de Juiz de Fora enuncia o contexto em que o objeto de estudo deste artigo se insere. No decorrer do seu funcionamento até a sua extinção no ano de 1978, a EEHB construiu uma identidade de alunos e enfermeiros que obtinham reconhecimento profissional na sociedade. Um dos elementos dessa construção identitária foi o uniforme, tipo de vestuário para identificar um grupo, que simbolizava um padrão de enfermagem implantado em Juiz de Fora(22 Figueiredo MAG, Baptista SS. Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora: 1977-1979. Rev Bras Enferm [Internet]. 2009[cited 2017 Aug 01];62(4):512-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n4/03.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n4/03....
-33 Peres MAA, Barreira IA. Significado dos uniformes de enfermeira nos primórdios da enfermagem moderna. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2003[cited 2017 Aug 01];7(1):25-38. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=127717968004
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=12...
).

O vestuário na EEHB contou com uniformes desde a sua criação, sendo que, no ciclo básico, as alunas usavam roupas comuns, dentro dos limites de vestuário comportado para as mulheres da época. Os uniformes eram usados nas atividades práticas. Quanto ao uniforme hospitalar, o primeiro utilizado pelas alunas da EEHB, ao ingressarem nas atividades de ensino prático, no ano de 1947, era um vestido branco, complementado por uma touca da mesma cor, rede nos cabelos, meias e sapatos também brancos. O uniforme de saúde pública foi o mesmo, nas cores azul-marinho e branco de 1947 a 1967(44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
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).

Este artigo vai tratar do segundo uniforme hospitalar instituído na EEHB, em 1965, e do terceiro, instituído no ano 1968, para uso em todos os campos de prática, quando a manutenção da escola ficou a cargo da Fundação Hermantina Beraldo.

O uniforme funciona como um elemento disciplinador que exige da pessoa que o usa um comportamento coerente com o grupo e a instituição que representa(55 Dubar C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005. 155 p.). Essa estratégia foi e ainda é empregada em escolas de enfermagem e instituições de saúde para conferir respeito, profissionalismo, status e identidade, bem como controle de infecção e segurança ocupacional(66 Peres MAA, Padilha MICS. Uniform as a sign of a new nursing identity in Brazil (1923-1931). Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2014[cited 2017 Aug 01];18(1):112-21. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v18n1/en_1414-8145-ean-18-01-0112.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v18n1/en_14...
-77 Pereira JG, Oliveira MAC. Identidade profissional da enfermeira: possibilidades investigativas a partir da sociologia das profissões. Indagatio Didactica [Internet]. 2013[cited 2013 Jun 25];5(2):1141-52. Available from: http://revistas.ua.pt/index.php/ID/article/download/2515/2381
http://revistas.ua.pt/index.php/ID/artic...
).

No primeiro ano de funcionamento da EEHB, em 1947, foi criado um Diretório Acadêmico (DA) para estimular as alunas a se organizarem enquanto grupo, o que também foi uma estratégia para criar a sua identidade. No DA, eram discutidos assuntos pertinentes à vida acadêmica e, dentre eles, constavam os uniformes(11 Toledo JR, Santos TCF, Araújo MA, Almeida Filho AJ. Emblemas e rituais: reconstruindo a história da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2008[cited 2017 Aug 01];12(2):243-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v12n2/v12n2a07.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v12n2/v12n2...
,88 Oliveira PWS. Construção de identidades profissionais: da formação profissional à vivência da inserção no mercado de trabalho. Rev Labor [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 01];6(1):344-62. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/labor/article/view/9306/7491
http://www.periodicos.ufc.br/labor/artic...
).

A EEHB implantou o uso de uniforme desde a sua inauguração, em 1947, sendo mantido no Curso de Enfermagem e Obstetrícia da UFJF, mesmo após a extinção da escola, em 1978(22 Figueiredo MAG, Baptista SS. Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora: 1977-1979. Rev Bras Enferm [Internet]. 2009[cited 2017 Aug 01];62(4):512-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n4/03.pdf
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). No ano de 1965, o uniforme hospitalar das alunas da EEHB sofreu mudanças no modelo e cor, refletindo as transformações culturais, sociais e políticas que ocorriam mundialmente na época. A terceira e última mudança no uniforme deu-se em 1968, um ano após a admissão de homens, mostrando a relação da escola com a evolução ocorrida no seio da sociedade juiz-forana e mundial, mais propensa à modernização dos costumes(44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/071...
,99 Rezaei-Adaryani M, Salsali M, Mohammadi E. Nursing image: An evolutionary concept analysis. Contemp Nurs [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 01];43(1):81-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23343236
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2334...
).

A profissão de enfermeiro tem em seu vestuário um símbolo, que contribui para o processo de concepção da identidade institucional, social e profissional da classe(55 Dubar C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005. 155 p.). Diante do exposto, o objeto de estudo são os uniformes de alunos usados na EEHB e sua influência na construção da imagem do enfermeiro diplomado na cidade de Juiz de Fora, no período de 1965-1978.

Justifica a realização do estudo o fato de que as relações entre o uniforme usado por estudantes de enfermagem e/ou enfermeiros e o contexto histórico-social foram entendidas em outros estudos como uma das principais estratégias de construção da imagem e identidade da profissão em diferentes momentos da história da enfermagem, no Brasil e no mundo(44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/071...
,99 Rezaei-Adaryani M, Salsali M, Mohammadi E. Nursing image: An evolutionary concept analysis. Contemp Nurs [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 01];43(1):81-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23343236
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2334...
).

OBJETIVO

Compreender o significado das transformações ocorridas no vestuário dos alunos da EEHB para a construção de uma identidade profissional de enfermeiros em Juiz de Fora.

MÉTODO

Aspectos éticos

Trata-se de um artigo oriundo de uma dissertação de mestrado acadêmico na Escola de Enfermagem Anna Nery/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). O projeto foi aprovado após submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Referencial teórico

O referencial teórico foi embasado pelos conceitos de identidade, de Claude Dubar(55 Dubar C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005. 155 p.), e de vestuário e seus significados, de Roland Barthes(1010 Barthes R. Sistema de moda. São Paulo: Martins Fontes; 2009.), bem como em estudos sobre essa temática. Pode-se, assim, afirmar que o uniforme é um tipo de vestuário composto por elementos simbólicos que expressam a identidade de um grupo, capaz de refletir prestígio e reconhecimento.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo histórico-social de abordagem qualitativa, cujo recorte temporal compreende o período de 1965-1978. O recorte temporal inicial corresponde ao ano em que houve a segunda mudança no modelo do uniforme e o final refere-se ao ano de extinção da escola.

Cenário do estudo

Os fatos estudados se passaram na Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo, a primeira instituição de ensino de enfermagem na cidade, em Juiz de Fora/Minas Gerais.

Fonte de dados

Compreendem-se como dados os documentos orais e escritos. Utilizaram-se 10 entrevistas, obtidas pela técnica da História Oral Temática(1111 Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer como pensar. 4th ed. São Paulo: Contexto; 2010.), com 10 colaboradores que vivenciaram o período do estudo: 06 alunos (04 mulheres e 02 homens), 03 docentes e 01 funcionária da EEHB. As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2013, com média de duração de trinta minutos. A identificação dos colaboradores no texto deu-se pela letra C seguida do número ordinal referente à ordem de realização da entrevista (Ex.: C1 – primeiro colaborador). Os documentos escritos consultados foram os livros de registros e a ata de formatura da primeira turma da EEHB arquivados no Centro de Documentação e Registro Acadêmico da UFJF, os ofícios sobre EEHB localizados no Departamento de Pessoal da Gerência Regional de Saúde de Juiz de Fora (GRS-JF), as Legislações e reportagens jornalísticas referentes à EEHB publicadas em Juiz de Fora no Jornal Diário Mercantil e os Relatórios da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (SCM-JF).

Coleta e organização dos dados

Foram selecionados para este estudo 01 fotografia e 02 desenhos, para ilustrarem os uniformes usados na EEHB. A fotografia, do acervo pessoal de uma colaboradora, foi escaneada e posteriormente devolvida. Os desenhos foram encomendados a uma profissional e feitos a partir da descrição oral e das fotos encontradas dos uniformes em jornais da época, além do acervo das colaboradoras. Esses elementos, para Barthes(1111 Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer como pensar. 4th ed. São Paulo: Contexto; 2010.), correspondem ao vestuário escrito e imagético, respectivamente.

Análise dos dados

Utilizou-se do método indutivo que parte de uma postura crítica sobre os documentos, estabelecendo as relações com o contexto histórico-social em que estavam inseridos. A análise e a discussão dos resultados apoiaram-se no referencial teórico escolhido para a pesquisa.

RESULTADOS

Os Uniformes e seus significados para a construção de uma imagem profissional de enfermeiros em Juiz de Fora

No período que antecede o recorte temporal definido para o presente estudo, o uniforme de estudantes da EEHB era para uso em campo prático hospitalar, sendo constituído por vestido branco, sapato com salto baixo, meias brancas, rede nos cabelos, touca e um avental também branco(22 Figueiredo MAG, Baptista SS. Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora: 1977-1979. Rev Bras Enferm [Internet]. 2009[cited 2017 Aug 01];62(4):512-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n4/03.pdf
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,99 Rezaei-Adaryani M, Salsali M, Mohammadi E. Nursing image: An evolutionary concept analysis. Contemp Nurs [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 01];43(1):81-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23343236
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2334...
).

Para as atividades práticas de saúde pública, o uniforme das alunas era composto por saia e blazer na cor azul-marinho, blusa branca, par de meias cor da pele e sapatos pretos, tendo sido modificado em 1968, após o ingresso de homens na EEHB. A escola manteve características dessas vestimentas, inclusive o uso da touca no ambiente hospitalar, até o ano de 1965, perfazendo um período de 18 anos (1947-1965) sem que fossem feitas alterações, o que é entendido como um fator de consolidação da identidade da enfermeira naquela instituição(44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
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,99 Rezaei-Adaryani M, Salsali M, Mohammadi E. Nursing image: An evolutionary concept analysis. Contemp Nurs [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 01];43(1):81-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23343236
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2334...
).

No ano de 1965 foi instituído o segundo uniforme usado pelas alunas da EEHB, que era constituído de um vestido de peça única, na cor rosa, com abotoamento embutido na frente, comprimento até os joelhos e gola esporte. Nesse uniforme não havia nenhum emblema da escola, que passava a dispensar o uso da touca. Como acessórios, foram mantidos sapatos na cor branca, par de meias fina (cor da pele) e rede nos cabelos(44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
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,99 Rezaei-Adaryani M, Salsali M, Mohammadi E. Nursing image: An evolutionary concept analysis. Contemp Nurs [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 01];43(1):81-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23343236
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2334...
), conforme descrito por uma aluna:

Então, passamos a usar um uniforme na cor rosa, inteiriço na altura do joelho, sem a touca. (C9)

Seguindo as transformações que ocorriam na sociedade, relacionadas à educação, política, cultura e moda, a primeira mudança do uniforme da EEHB ocorreu no modelo do vestido, que passou a ser no estilo chemise (tubinho), mudando do tradicional branco para um tecido sintético, denominado tergal, na cor rosa.

Figura 1
Desenho do uniforme das alunas da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo, usado no período de 1965 a 1968

Para as alunas da EEHB, o uniforme na cor rosa incorporava características inerentes e consonantes à profissão que ora abraçavam, tais como delicadeza, amor ao próximo, abnegação. A respeito disso, destacam-se os seguintes comentários:

A gente aceitou e achava a cor rosa alegre. [...] Talvez porque éramos muito jovens, achamos bom. O uniforme era menos tradicional, não lembrava tanto irmã de caridade. Sentíamo-nos mais soltas. A gente podia ser mais notada, não sei. (C9)

Era com prazer que a gente usava este uniforme. Porque a gente se sentia muito bem. Acho que o uniforme caracterizava a enfermeira. [...] Todo mundo muito bem arrumada. O uniforme muito limpinho, forrado, então ele não marcava. Fomos muito felizes na época. Essa cor poderia ser até “brega” nos dias de hoje, mas naquela época nem foi questionada. (C12)

A retirada da touca veio atender aos antigos anseios das alunas de anos anteriores, que reivindicavam a supressão dessa peça do uniforme:

Lembro-me que a gente não gostava da touca! A gente preferia trabalhar sem ela. Mas era obrigatório. (C6)

Porém, após a retirada da touca, os cabelos continuaram presos em rede, escondendo um importante elemento da feminilidade da mulher enfermeira:

Ao invés da touca passamos a usar a rede nos cabelos. Simplesmente. O cabelo sempre preso. Para quem tinha o cabelo maior não era permitido andar com ele solto. Sempre com uma rede. (C8)

As mudanças no uniforme alteraram a forma das enfermeiras se vestirem para o trabalho, gerando repercussões no ambiente hospitalar, conforme destacamos no relato da colaboradora quanto ao uniforme rosa:

No hospital, por parte dos médicos, houve certa resistência. Eles ficaram divididos: uns acharam legal, que era bom, outros não. [...] médicos mais radicais, mais tradicionais que não gostavam de mudanças ou tinham medo das mudanças. Falavam que nós éramos funcionárias das Lojas Americanas. [...] O período foi difícil, depois que a gente já estava com ele, de experiência, testamos as reações pela cidade. Nós vimos vários locais do comércio com roupas bem semelhantes, lanchonetes e as Lojas Americanas, que adotou um uniforme exatamente como o nosso! O comércio em geral apresentou modelos parecidos. (C9)

A bibliotecária que conviveu durante muitos anos com as alunas da EEHB descreveu sua percepção em relação à simbologia da cor rosa dos uniformes, sendo uma visão externa, que representa a sociedade:

Não sei! Mas pode ter sido intuitivo. [...] O rosa representa o amor. E a enfermagem é amor, é dedicação pelo paciente num leito de dor. Então achei que o rosa foi uma cor muito própria para o desempenho do uniforme. (C28)

Houve, na escola, um período de transição entre o primeiro e o segundo uniforme. Foram permitidos, então, dois uniformes: o branco, para as alunas que já estavam em fase de conclusão do curso, e o de cor rosa, para as calouras que estavam iniciando as práticas nos ambientes hospitalares. Assim narraram as colaboradoras da turma de 1965:

Nós chegamos e já pegamos o uniforme branco. Tivemos dois uniformes no mesmo tempo. Então, nós pegamos alunos com dois tipos de uniforme naquela época. Os alunos novos uniforme rosa e os alunos anteriores com uniforme branco padronizado. (C9)

As alunas que já estavam finalizando o curso não precisaram confeccionar o novo uniforme, podendo permanecer com o uniforme antigo; mas as recém-ingressadas e as que estavam em meio ao curso tiveram que providenciar o novo uniforme. Dessa forma, o uniforme branco tradicional foi sendo paulatinamente substituído na EEHB. (C8)

O primeiro aluno do sexo masculino a estudar na EEHB foi admitido no ano de 1967, período em que as discussões das políticas educacionais no Brasil causaram transformações efetivas na área, culminando na Reforma Universitária. Após a entrada de homens na EEHB, foi providenciado outro uniforme para os alunos da escola(33 Peres MAA, Barreira IA. Significado dos uniformes de enfermeira nos primórdios da enfermagem moderna. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2003[cited 2017 Aug 01];7(1):25-38. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=127717968004
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=12...
-44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
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,99 Rezaei-Adaryani M, Salsali M, Mohammadi E. Nursing image: An evolutionary concept analysis. Contemp Nurs [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 01];43(1):81-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23343236
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2334...
).

Esse terceiro uniforme, instituído em 1968 para as atividades práticas tanto na área hospitalar como na área de saúde pública, era um conjunto de três peças para as mulheres: uma calça comprida ou saia lisa, na cor cinza; uma blusa branca de manga curta, gola esporte, aberta na frente, fechada pelo sistema de botões; um colete sem gola e sem manga, com quatro botões na parte frontal, também na cor cinza. Como acessórios, eram estipulados sapatos brancos, fechados e meias cor da pele. Na cabeça não se exigia nenhum tipo de acessório, mas os cabelos tinham que ser mantidos alinhados. Para as alunas de cabelos longos, era obrigatório mantê-los presos durante as atividades práticas(44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/071...
).

Para as atividades práticas e estágio, que era uma disciplina única, utilizávamos um uniforme cinza. Tipo um terninho. Uma calça comprida e um colete cinza de um tecido semelhante ao tergal. [...] que não amarrotava. A gente tinha que andar com o cabelo preso, principalmente quem tinha cabelo longo. Não usávamos nenhum acessório na cabeça. Brincos curtinhos na orelha, bem discretos, delicados. Não se podiam usar joias, nem bijuterias, nem anel, nem cordão. Somente um relógio que tivesse ponteiro de minutos e segundos. Tinha esta exigência. (C21)

No caso dos estudantes do sexo masculino, recém ingressados na EEHB, ficou estabelecido um conjunto composto por calça comprida cinza e jaleco abaixo dos quadris, na cor branca, com sapatos brancos e meias de mesma cor. Para os dias de frio, era permitido o uso de uma blusa de manga comprida na cor branca.

Em relação às mudanças na confecção do terceiro uniforme, observa-se que, dessa vez, foi contemplada a participação das alunas, pois

Figura 2
Desenho do uniforme usado pelas alunas de 1968-1978

[...] houve uma discussão no conselho, foi passado para nós e tivemos opção de escolha. A grande preocupação da turma era a democracia [...]. E a gente, naquele período, percebeu avanços na escola. Foi um processo democrático. Eles deram algumas opções, não me lembro quais foram, e então a opção vencedora foi calça cinza o ou saia cinza. Para nós um jaleco. Ficou até um uniforme bonito. (C10)

O uniforme de cor cinza da EEHB seguiu os ditames da moda para o período (fim da década de 1960 até final da década 1970). O tecido era sintético, sem amarrotar muito, facilitando conservar os uniformes alinhados e reduzindo o tempo dispendido para mantê-los conforme a exigência da escola(44 Almeida RLM, Aperibense PGGS, Rodrigues AAP, Figueiredo MAG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, et al. Vestuário de alunas de uma escola de enfermagem brasileira: relações com a identidade profissional (1947-1965). Cienc Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Aug 01];22(3):125-36. Available from: http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/0717-9553-cienf-22-03-00125.pdf
http://www.scielo.cl/pdf/cienf/v22n3/071...
,99 Rezaei-Adaryani M, Salsali M, Mohammadi E. Nursing image: An evolutionary concept analysis. Contemp Nurs [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 01];43(1):81-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23343236
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2334...
).

Observa-se na Figura 3 que a calça era modelo “boca sino”, uma calça clássica, caracterizada por bocas largas, que se assemelham a sinos(1212 Catellani MR. Moda ilustrada de A a Z. São Paulo: Manole; 2010.), muito usada nos anos 1970, com cintura bem demarcada, as pernas levemente justas até o joelho e uma boca que se alargava do joelho até os pés. A foto também ilustra a aluna com uma blusa de manga comprida na cor branca, por baixo do colete, permitida no inverno. Outra aluna relatou que

Figura 3
Fotografia do uniforme de aluna da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo EEHB de 1968 a 1978

[...] a calça tinha uma abertura que a gente chamava na época “boca sino”. Não tão aberta, porque a boca sino tinha entre 40 cm de abertura A nossa calça era um pouco mais estreita. Sapatos brancos. (C21)

Apesar de ser em número reduzido, a EEHB continuou mantendo em seu quadro alunos do sexo masculino. Encontra-se uma descrição pormenorizada da calça utilizada pelos alunos, nos anos 1970, o que demarcava a separação entre os gêneros para atender a moda:

A calça tinha detalhe igual ao exército. Bolso lateral e um bolsinho na frente, no centro da calça, para colocar alguma coisinha. Seguia todo um padrão de roupa [masculina] da época. (C16)

Ao serem questionados sobre os uniformes nas atividades de saúde pública, os ex-alunos da EEHB relataram que utilizavam o mesmo uniforme cinza também nas atividades realizadas no Dispensário Eduardo de Menezes, instituição de controle e detecção da tuberculose que funcionava no mesmo prédio da EEHB, local onde os alunos faziam práticas de controle de doenças transmissíveis, além de vacinações e coleta de sangue:

Nas práticas de saúde pública e nas práticas hospitalares, usávamos o mesmo uniforme do hospital. Fiz algumas práticas de saúde pública em algumas unidades de saúde pública [antigamente falava postos de saúde] e no antigo Palácio da saúde. (C22)

Nas aulas práticas de anatomia, utilizava-se um jaleco branco:

As práticas de Saúde Pública foram com a D. Conceição Lessa, no Palácio da Saúde. Utilizávamos o mesmo uniforme cinza. O uniforme cinza era para tudo. Não tinha diferença de uniforme de um lugar para o outro. A única diferença era o jaleco branco que usávamos no anatômico. (C19)

A seguir são apresentados fragmentos das entrevistas de duas alunas, que se formaram no ano de 1978, relacionados às constantes reivindicações para a mudança do uniforme, a partir de meados dessa década:

Nós queríamos utilizar o uniforme branco e ela [a Diretora da EEHB] não aceitou. [...] Contra-argumentou. Convenceu-nos que a enfermagem era diferente. Ela falou assim: vocês querem ser enfermédicos ou medicoenfermos? (C21)

[...] Nós não queríamos o uniforme cinza. Fizemos uma mobilização na escola e houve um pleito. A justificativa maior da escola para manutenção do cinza era para identificar melhor as acadêmicas de enfermagem. Porque o rigor da vigilância era imenso. Então, a gente não se misturava com os outros acadêmicos. E sabia-se muito bem quem era a Hermantina Beraldo dentro do Hospital, do HU. Depois, a universidade encampou a Hermantina e acabou o uniforme cinza automaticamente. Foi com essa transição que terminou. (C18)

DISCUSSÃO

A EEHB, a exemplo de outras escolas brasileiras, utilizou uniformes diferentes ao longo do seu funcionamento, mantendo uma identidade do grupo de alunos e atualizando esse tipo de vestuário para acompanhar os movimentos sociais que influenciaram a moda, como cor, corte e cumprimento das roupas.

O significado simbólico da cor branca foi sendo construído e reconstruído no decorrer da história. Nas civilizações antigas, a cor branca era relacionada à divindade e à sabedoria. Posteriormente, foram incorporados outros significados a essa cor, tais como: higiene, claridade, troca de energia e retenção da energia solar. Podia também ser vista como indicações negativas, tornando os ambientes monótonos, sem vida, e levando à dispersão(1313 Freitas AKM. Psicodinâmica das cores em comunicação. NUCON: Núcleo de Comunicação. ISCA - Faculdades Limeira/SP [Internet]. 2007[cited 2017 Aug 01];4(12):1-18. Available from: http://www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/Cor/psicodinamica_das_cores_em_comunicacao.pdf
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-1414 Silva LM. Como as cores influenciam pacientes em ambientes de internação hospitalar. Rev Espec [Internet]. 2014[cited 2017 Aug 01];1(9):1-15. Available from: https://www.ipog.edu.br/download-arquivo-site.sp?arquivo=como-as-cores-influenciam-pacientes-em-ambientes-de-internacao-hospitalar-31618012.pdf
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).

As vestimentas do pessoal de enfermagem, em sua fase religiosa, nos ambientes hospitalares, tendiam para o escuro, o que perdurou por um longo período histórico. Com o avanço de estudos sobre a cor e o advento da arquitetura hospitalar, demonstrou-se que as cores nesse ambiente têm se modificado numa perspectiva de contribuir para a recuperação dos pacientes, para a qualidade de vida: “Portanto, a cor deve ser encarada como elemento que participa dessa mudança, podendo ser utilizada visando proporcionar bem-estar e tranquilidade”(1414 Silva LM. Como as cores influenciam pacientes em ambientes de internação hospitalar. Rev Espec [Internet]. 2014[cited 2017 Aug 01];1(9):1-15. Available from: https://www.ipog.edu.br/download-arquivo-site.sp?arquivo=como-as-cores-influenciam-pacientes-em-ambientes-de-internacao-hospitalar-31618012.pdf
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).

As transformações ocorridas nos uniformes das alunas da EEHB, a partir de 1960, repercutiram nos espaços onde atuavam. A introdução da cor rosa no uniforme, por exemplo, foi percebida por algumas alunas como positiva, por acreditarem que as deixava mais alegres e joviais. Elas passaram a sentir-se mais próximas do modelo da enfermeira profissional e distantes do modelo religioso devido a retirada da touca, também vista como herança do véu das freiras. Isso porque o uso da touca ou do véu atenuava os efeitos sedutores provocados pelos cabelos das mulheres, conferindo-lhes uma credencial de decência(1515 Santos T, Tomás MS, Fonte AS, Catalina MDR. Modelos de enfermeiras nas ditaduras de Vargas e de Franco: femininas, caridosas e patrióticas. Ex Aequo [Internet]. 2008 [cited 2017 Aug 01];18:135-45. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/aeq/n18/n18a08.pdf
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). Ademais, ao dizer que se sentia mais notada com o uniforme rosa, uma das colaboradoras manifestou sua sensualidade enquanto profissional, que também era uma mulher que estudava para ter uma profissão digna na sociedade(1616 Oguisso T, Campos PFS. A lâmpada: símbolo da enfermagem moderna. Blog do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade INESUL [Internet]. 2011[cited 2017 Aug 01]. Available from: http://enfermageminesul.blogs.sapo.pt/4313.html
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).

Estudos sobre as cores e seu significado datam de muito tempo. Acredita-se que podem estar ligadas aos sentimentos, participando do cotidiano de trabalho e de lazer, além de influenciarem na maneira de se relacionar entre as pessoas e com os ambientes ao seu redor(1717 Boccanera NB, Boccanera SFB, Barbosa MA. As cores no ambiente de terapia intensiva: percepções de pacientes e profissionais. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2006[cited 2017 Aug 01];40(3):343-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v40n3/v40n3a04.pdf
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). A cor rosa possui significados variados, relacionados à sensibilidade e ao relaxamento. Também possui um vínculo cultural com o universo feminino, representando características como fragilidade e delicadeza(1313 Freitas AKM. Psicodinâmica das cores em comunicação. NUCON: Núcleo de Comunicação. ISCA - Faculdades Limeira/SP [Internet]. 2007[cited 2017 Aug 01];4(12):1-18. Available from: http://www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/Cor/psicodinamica_das_cores_em_comunicacao.pdf
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,1717 Boccanera NB, Boccanera SFB, Barbosa MA. As cores no ambiente de terapia intensiva: percepções de pacientes e profissionais. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2006[cited 2017 Aug 01];40(3):343-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v40n3/v40n3a04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v40n3/v4...
-1818 Koth D. A influência da iluminação e das cores no ambiente hospitalar: a saúde vista com outros olhos. Rev Espec[Internet]. 2013 [cited 2017 Aug 01];4. Available from: https://www.ipog.edu.br/download-arquivo-site.sp?arquivo=a-influencia-da-iluminacao-e-das-cores-no-ambiente-hospitalar-a-saude-vista-com-outros-olhos-7106187.pdf
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).

Na década de 1960 culminaram as transformações que começaram a ocorrer nas décadas de 1930-1950 para a inserção da mulher no mercado de trabalho, em profissões específicas, a exemplo da enfermagem, do serviço social e da nutrição, evidenciando uma sucessão de acontecimentos e modificações referentes à profissionalização por gênero. Essas mudanças alteraram a forma da mulher se vestir para o trabalho e para o lazer(1919 Aperibense PGGS, Barreira IA. Connections among nursing, nutrition and social work, pioneering female careers in the heathcare area. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2008[cited 2017 Aug 01];42(3):474-82. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v42n3/en_v42n3a08.pdf
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).

Depreende-se que, em um primeiro momento, as alunas se entusiasmaram com o novo modelo e cor do uniforme, visto como uma inovação na área de saúde, acompanhando as novidades que ora se faziam notar na moda, como o vestido “tubinho”. Porém, ao presenciarem outras categorias profissionais (no comércio, por exemplo) adotando uniformes semelhantes, passaram a ver com reserva a sua aceitação, uma vez que se aproximavam, pela aparência, de um grupo sem preparo formal e também a sofrer deboche por parte dos médicos, durante suas atividades.

A EEHB ousou na mudança do uniforme. As alunas, ao frequentarem os espaços hospitalares, contribuíram para a reconfiguração da imagem da enfermeira na cidade de Juiz de Fora, pois, ao utilizar seus novos uniformes na cor rosa, se sujeitaram à aceitação ou recusas, garantindo acima de tudo a qualidade na prestação de cuidados. Esse processo contribuiu para o amadurecimento pessoal, na busca de identidade profissional.

Acompanhando o processo de transformação da moda que estava acontecendo no Brasil e no mundo, a cidade de Juiz de Fora assimilou as mudanças de vestuário e de consumo que influenciaram a sociedade de então. Tais mudanças estavam, por um lado, relacionadas ao crescimento econômico e industrial do período, com aumento de contingente masculino em áreas de produção e, por outro lado, à participação da mulher nas atividades de consumo(1111 Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer como pensar. 4th ed. São Paulo: Contexto; 2010.,2020 Castro H. História Social. In: Cardoso FC, Vainfas R. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia [Internet]. 5th ed. Rio de Janeiro: Campus; 1997 [cited 2017 Aug 01]p. 76-96. Available from: http://www.univas.edu.br/menu/BIBLIOTECA/servicosOferecidos/livrosDigitalizados/historia/DominiosdaHistoriaCiroFlamarionCardosoeRonaldoVainfas.pdf
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).

Nessa época, associadas às transformações no campo social, o ambiente hospitalar passou por alterações em consequência do surgimento de novas tecnologias para o serviço de saúde, que impulsionaram a aquisição de domínio técnico de enfermeiros que atuavam nesses ambientes. Tal fato gerou alterações nas vestimentas, para melhor adequação ao contexto e ambiente de trabalho. Para Barthes(1111 Meihy JCSB, Holanda F. História oral: como fazer como pensar. 4th ed. São Paulo: Contexto; 2010.), a “variação do uniforme também pode ser acompanhada por uma variação do mundo ou vice-versa”.

A inserção da mulher no mercado de trabalho, como parte do processo de emancipação feminina, foi significativa e representou o movimento para ultrapassar os limites impostos pela sociedade de então, que restringia a mulher ao mundo dos afazeres domésticos, à maternidade e aos serviços que requeriam habilidades manuais, subestimando sua capacidade de exercer atividades e profissões que demandavam maior conhecimento científico, intelectualidade e tomada de decisão(2121 Marinho I, Contreras C. Os sentidos da moda: vestuário, comunicação e cultura [Resenha]. Rev Famecos [Internet]. 2008[cited 2017 Aug 01];15(36):129-30. Available from: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/download/4426/3326
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).

A EEHB, como instituição formadora de profissionais e cidadãos, estimulava as alunas a organizarem-se enquanto classe, sendo criado, assim, seu Diretório Acadêmico (DA) no primeiro ano de funcionamento da escola, em 1947. Somente no ano de 1960 é que esse diretório recebeu o nome de Celina Viegas, em homenagem à primeira diretora e também professora da EEHB. O DA tinha estatuto próprio, sendo suas lideranças constituídas por alunos do Curso de Enfermagem, devidamente eleitos. No período do estudo, no DA, eram discutidos assuntos pertinentes à vida acadêmica, cultural e política da sociedade, sendo um espaço de compartilhamento de ideias, pensamentos e discussões, onde era possível uma aproximação com a democracia em plena ditadura(88 Oliveira PWS. Construção de identidades profissionais: da formação profissional à vivência da inserção no mercado de trabalho. Rev Labor [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 01];6(1):344-62. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/labor/article/view/9306/7491
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).

A entrada de homens na EEHB, em 1967, em uma escola que recebeu forte influência dos preceitos da Enfermagem Moderna, implantados pela fundadora, Anna Nery, e, ainda, antes da implantação da reforma universitária de 1968, representou uma ruptura dos padrões institucionalizados. Tal fato nos permite colocar a escola em condição de vanguarda em relação às mudanças dos paradigmas impostos à profissão de enfermeira, em um modelo até então marcadamente feminino(2222 Simoes J, Amâncio L. Género e enfermagem: um estudo sobre a minoria masculina. Sociologia, Problemas e Práticas [Internet]. 2004[cited 2017 Aug 01];(44):1-12. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/spp/n44/n44a04.pdf
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). No entanto, cabe destacar que outras escolas que seguiam o modelo de enfermagem moderna já aceitavam homens nesse período em quantidade significativamente inferior ao número de mulheres(2323 Pinheiro MRS. Histórico da Escola de Enfermagem da USP. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 1967[cited 2017 Aug 01];1(1):3-347. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v1n1/0080-6234-reeusp-1-1-003.pdf
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).

Vislumbram-se, nesse sentido, dois caminhos que reportam à construção da identidade do enfermeiro/enfermeira na cidade. O primeiro diz respeito à questão do gênero, que desde o início da história da Enfermagem Moderna foi exercida predominantemente por mulheres. O segundo trata-se da visão da diretora ao aceitar o desafio de receber na EEHB um aluno do sexo masculino, fazendo da escola uma das pioneiras, criadas sob o Padrão “Anna Nery”, a realizar tal feito, apesar de ter havido a interferência, no caso, por parte de um médico influente da cidade de Juiz de Fora. Mesmo após a normalização da entrada de homens na EEHB, as turmas posteriores a 1968 permaneceram com um contingente bem abaixo do feminino. Mesmo assim, o ingresso de homens na EEHB configurou-se como um diferencial para a enfermagem na cidade.

A partir de 1968, a EEHB estabeleceu um único uniforme para as atividades práticas das estudantes, na área hospitalar ou de saúde pública. Esse uniforme, na cor cinza, foi usado até dezembro 1978, último ano de funcionamento da escola, já então denominada Faculdade de Enfermagem Hermantina Beraldo (FEHB).

Mesmo a escola guardando os preceitos exigidos naquele período para uma escola de formação de enfermeiros, não se absteve em observar as mudanças requeridas pela conjuntura social e cultural da época, permitindo que os alunos opinassem sobre o novo uniforme. Entretanto, essa opinião foi limitada, ou seja, os alunos não tiveram participação na escolha propriamente dita dos detalhes que o uniforme deveria trazer, como, por exemplo, se deveria ser saia ou calça, se deveria ter bolsos, touca, meias, qual seria cor dos sapatos, entre outros aspectos importantes na composição de um vestuário.

O uniforme de cor cinza adotado pela EEHB, no entendimento de alguns alunos, denotou uma atitude de controle e de vigilância por parte da escola, uma vez que a cor era associada à disciplina e sobriedade, sendo também empregada pelos segmentos militares. Para outros, teve a conotação de identificar os profissionais como grupo integrante da EEHB, transmitindo a imagem de retidão de caráter e de postura ético-profissional, além de dar a ideia de compromisso, zelo e amor pela profissão, a partir da identidade que foi construída.

Os dados mostram que houve uma inquietação dos alunos em relação ao uniforme de cor cinza, já que trabalhavam com outros profissionais nas dependências do hospital-escola e de outras instituições de saúde, ambientes onde a cor predominante do vestuário do pessoal da área da saúde era a branca. Em razão desse fato, foram levantados os questionamentos acima mencionados. Nesse sentido, os alunos buscaram maior aproximação e equiparação profissional com os demais colegas da área da saúde. Porém, a direção da escola decidiu por manter o uniforme na cor cinza, como forte símbolo de identificação e identidade, até que todo o corpo social da FEHB fosse totalmente transferido para a UFJF.

Limitações do estudo

No decorrer desta pesquisa, destaca-se a escassez de documentos escritos referentes à EEHB, pois encontravam-se na antiga Sede da Escola (atual Gerência Regional de Saúde de Juiz de Fora) e foram remanejados para outros acervos durante a reforma do prédio. Durante esse percurso, quase que a totalidade dos documentos acabou por se extraviar, sendo isso um aspecto limitador no levantamento de informações.

Apesar do grande contingente de profissionais graduados em enfermagem pela EEHB nos anos em que se manteve em atividade, foi observada resistência de muitos enfermeiros em participar do estudo. Para que esse aspecto não comprometesse a coleta de dados, a pesquisadora explicou aos colaboradores a importância da sua paciência e empenho em conceder as informações acerca do objeto de estudo proposto de maneira confortável e profícua. É importante destacar que as limitações supracitadas não fragilizaram os resultados da pesquisa, mas expuseram as lacunas que ainda devem ser superadas por outros estudos.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Espera-se que este estudo possa contribuir para perpetuar a memória da profissão acerca da compreensão do significado do vestuário para a enfermagem ao longo dos anos, através do uso do uniforme, que faz parte da identidade profissional da categoria. O estudo também contribui para produção de fontes históricas sobre a EEHB. Destarte, os resultados desta pesquisa proporcionaram um material crítico-reflexivo que irá contribuir para difusão do conhecimento, provocando reflexões acerca do tema, apontando caminhos para pesquisas futuras e enriquecendo a produção científica sobre o vestuário da enfermagem, que é rica na literatura internacional, porém ainda incipiente em nosso país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa trouxe à compreensão o significado das transformações ocorridas no vestuário dos alunos da EEHB para a construção de uma identidade profissional de enfermeiros em Juiz de Fora. A primeira mudança no uniforme das alunas da EEHB, ocorrida em 1965, instituindo o segundo uniforme da escola, alterou esse vestuário retirando a touca, acessório de grande repercussão simbólica para a profissão de enfermagem, e modificando a cor do vestido, que passou de branco para rosa. O terceiro uniforme adotado pela EEHB foi instituído no ano de 1968, após a admissão de um aluno do sexo masculino na escola, em 1967. Essa mudança ocorreu de forma mais democrática, com os alunos, organizados através do DA, opinando sobre as modificações propostas, podendo escolher uma cor de sua preferência, mais neutra, de forma que tanto os homens quanto as mulheres pudessem utilizar o uniforme sem acanhamento. Esse uniforme com calça comprida era utilizado para atividades práticas hospitalares e de saúde pública e tinha diferenças correspondentes à moda em relação ao gênero.

No recorte temporal estudado, os ditames da moda foram observados no uniforme composto de vestido “tubinho” e no uniforme com calça “boca de sino”, modelos de vestuário que foram incorporados à sociedade moderna da época.

O uniforme, aqui centralmente tratado, é uma marca identitária da escola em relação ao desenvolvimento da enfermagem. Configurou-se como um objeto disciplinar, uma marca, um símbolo essencial no movimento de construção e consolidação da identidade da enfermeira na cidade de Juiz de Fora, uma vez que foi reconhecido como um objeto de identificação das enfermeiras diplomadas na cidade por trinta e um anos, até a extinção da escola com a criação do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Juiz de Fora.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2017
  • Aceito
    07 Out 2017
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