Acessibilidade / Reportar erro

Necessidades em saúde mental e pesquisa

O sofrimento psíquico é um problema de saúde pública no mundo pois está fortemente relacionado à perda de funcionalidade, à apresentação de reflexos drásticos na vida pessoal e no contexto social. Dessa forma, apresenta como determinantes não somente as habilidades dos indivíduos para lidar com pensamentos, emoções, comportamentos, interações, mas também aspectos relacionados à vida em sociedade. Destaca-se que esses determinantes são diretamente influenciados pelas políticas públicas, responsáveis pelas condições para proteção social.

Os intervenientes macroeconômicos são fatores de expressão a determinar o sofrimento psíquico, uma vez que protagonizam a redução de investimentos no setor saúde a despeito do aumento de demandas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)(11 World Health Organization-WHO. Mental health action plan 2013-2020[Internet]. 2013[cited 2018 Apr 2]. Available from: http://www.who.int/mental_health/publications/action_plan/en/
http://www.who.int/mental_health/publica...
), o sofrimento psíquico contribui com grande parte da carga de doenças no mundo, e a depressão tem grande expressividade para anos vividos de forma disfuncional. O suicídio é hoje a segunda maior causa de morte em pessoas jovens, e se faz necessário considerar questões emergentes como: a legião de jovens desempregados com alterações de imagem e estima, altamente influenciados por um mídia perversa; consequente marginalização e empobrecimento da sociedade como estímulo para a violência doméstica e abusos; questões de sobrecarga de trabalho, muitas vezes informal e a causar preocupações e estresse, além de outros aspectos a serem observados a partir de cada realidade e contexto.

Da população em sofrimento psíquico severo, 76% a 85% não recebem tratamento se forem cidadãos de países classificados emergentes contra 35% a 50% para cidadãos de países desenvolvidos. Outrossim, investimentos na atenção em saúde mental estão aquém das necessidades: dois dólares per capita ao ano são investidos em países emergentes e sobe para 50 dólares em países desenvolvidos, com o agravante de a maior parte dos recursos ser destinada aos serviços de internação hospitalar em detrimento dos serviços de base comunitária. Serviços hospitalares possuem capacidade limitada e não têm condições de atender nem de maneira quantitativa, tampouco qualitativa, às necessidades de cuidados em saúde mental(11 World Health Organization-WHO. Mental health action plan 2013-2020[Internet]. 2013[cited 2018 Apr 2]. Available from: http://www.who.int/mental_health/publications/action_plan/en/
http://www.who.int/mental_health/publica...
).

Outra questão importante a considerar é a força de trabalho em saúde que tem apenas 1% em atuaçãona área de saúde mental, além de ser observado o despreparo dos profissionais para o atendimento do sofrimento psíquico, o que inclui manejo de tratamentos biológicos e o uso de tecnologias leves em saúde como o acolhimento, a escuta sensível, o apoio e o fortalecimento por meio de educação em saúde, informações e orientações pertinentes e necessárias ao autogerenciamento(22 Chisholm D, Sweeny K, Sheehan P, Rasmussen B, Smit F, Cuijpers P, et al. Scalling-up treatment of depression and anxiety: a global return on investment analysis. Lancet Psych [Internet]. 2016[cited 2018 Apr 2];415-24. Available from: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)30024-4
https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)30...
).

A OMS observa que, desde 2011, o quantitativo de enfermeiros que trabalham em saúde mental cresceu 35%. Contudo, o número de enfermeiros permanece insuficiente em todas as especialidades, principalmente em países emergentes(33 World Health Organization-WHO. Mental Health Atlas 2014[Internet]. 2015[cited 2018 Apr 2]. Available from: http://www.who.int/mental_health/evidence/atlas/mental_health_atlas_2014/en/
http://www.who.int/mental_health/evidenc...
).

Estudos mostram que os investimentos no preparo de profissionais de saúde para a utilização das tecnologias leves em saúde e realização do tratamento medicamentoso no caso da depressão têm retorno compensatório pois repercutem na melhora da capacidade dos indivíduos em sofrimento psíquico e também nos níveis de saúde(22 Chisholm D, Sweeny K, Sheehan P, Rasmussen B, Smit F, Cuijpers P, et al. Scalling-up treatment of depression and anxiety: a global return on investment analysis. Lancet Psych [Internet]. 2016[cited 2018 Apr 2];415-24. Available from: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)30024-4
https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)30...
).

Para o atendimento das questões citadas, a Organização Mundial da Saúde, no seu Plano de Ação em Saúde Mental 2013-2020 apresentou como objetivos: estimular países para o desenvolvimento de políticas e planos a contemplar as necessidades em saúde mental em consonância com instrumentos de direitos humanos; estimular que os cuidados em saúde mental sejam compreensivos, integrados, resolutivos e realizados em serviços de saúde mental de base comunitária, assim privilegiando a abordagem psicossocial; estimular que sejam implementadas estratégias para promoção e prevenção em saúde mental; e, por último, fortalecer sistemas de informação, busca de evidências nos cuidados prestados por meio de incentivo à pesquisa na área de saúde mental(11 World Health Organization-WHO. Mental health action plan 2013-2020[Internet]. 2013[cited 2018 Apr 2]. Available from: http://www.who.int/mental_health/publications/action_plan/en/
http://www.who.int/mental_health/publica...
).

A OMS apresenta resultados de dados coletados após a pactuação do Plano de Ação em Saúde Mental 2013-2020 no Atlas de Saúde Mental 2014, e destaca-se que, apesar do plano citado ter como um dos objetivos a ser atingido o incentivo à pesquisa na área de saúde mental, não se encontra alusão ao tema no Atlas de Saúde Mental de 2014. O objetivo é citado em quadro como um dos itens de investigação. No entanto, os resultados apresentados dizem respeito a processo sistêmico de geração de dados conforme solicitação programática da OMS(33 World Health Organization-WHO. Mental Health Atlas 2014[Internet]. 2015[cited 2018 Apr 2]. Available from: http://www.who.int/mental_health/evidence/atlas/mental_health_atlas_2014/en/
http://www.who.int/mental_health/evidenc...
).

Com relação à produção de pesquisas em saúde mental, à exceção de estudos relacionados à atenção farmacológica dentro da área de pesquisa médica, esta concentra-se em estudos diagnósticos e carece dos estudos de intervenção ou experimentais no que tange a abordagem psicossocial preconizada. Assim, carecemos de estudos que fomentem o desenvolvimento de evidências para a atenção psicossocial, abordagem esta que deveria ser o fio condutor de políticas públicas de assistência, de formação profissional e de pesquisas para a área de saúde mental. Questiona-se o engajamento desta produção na manutenção e ampliação do respeito ao indivíduo em sofrimento psíquico e suas demandas, além do reforço às conquistas de direitos. Necessitamos de ousadia para socializar experiências e seus processos de avaliação, a gerar possibilidades de considerações da comunidade científica e também dos profissionais que se utilizam das pesquisas para a modificação de suas práticas.

A insuficiência de profissionais em atuação na área de saúde mental prejudica a assistência e a produção de pesquisa na área. Entretanto, podemos nos perguntar: que impacto as pesquisas realizadas têm apresentado para a modificação da nossa realidade na atenção em saúde mental?

Sim, necessitamos desse questionamento. Necessitamos questionar o quão críticos temos sido quanto ao principal objetivo da pesquisa que seria a sua contribuição para a melhora na qualidade de vida. É essencial que sejam incentivadas a realização de pesquisas na área de saúde mental para o estabelecimento de sistemas de informação e fonte de evidências para cuidados a serem prestados. E que essas pesquisas estejam politicamente engajadas com a melhora das condições de vida e saúde dos indivíduos em sofrimento psíquico, em consonância com a abordagem de reabilitação psicossocial.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br