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Consulta de Enfermagem em Saúde Mental: vivência de enfermeiros da rede

RESUMO

Objetivo:

Conhecer a vivência de enfermeiros da Rede de Atenção Psicossocial sobre o desenvolvimento da Consulta de Enfermagem em Saúde Mental.

Método:

Estudo qualitativo, com entrevista de 20 enfermeiros, por meio da análise das falas na busca dos núcleos de significado.

Resultados:

Desvelou-se como núcleos de significado: o despreparo para a assistência em Saúde Mental, a não identificação do trabalho do enfermeiro em Saúde Mental; e realização da Consulta de Enfermagem como cumprimento burocrático.

Considerações finais:

Os enfermeiros compreendem a Consulta de Enfermagem como atividade individualizada e burocrática, a considerar normativas profissionais, e não como processo de trabalho na atuação multiprofissional, assim, o Projeto Terapêutico Singular não é citado como possibilidade de processo de trabalho. Identificou-se necessário espaço para discussão da atuação e atualizações do enfermeiro no atendimento em Saúde Mental nos serviços de saúde estudados, com ênfase à atuação destes em equipe multiprofissional em consonância à Política de Saúde Mental.

Descritores:
Processos de Enfermagem; Registros de Enfermagem; Serviços de Saúde Mental; Enfermagem Psiquiátrica; Política de Saúde

ABSTRACT

Objective:

To know the experience of nurses of the Psychosocial Care Networks on the development of Nursing Appointment in Mental Health.

Method:

Qualitative study, with interview of 20 nurses, through the analysis of the statements in the search of the meaning core.

Results:

was unveiled as meaning core: lack of preparation for Mental Health Care, Non-identification of the work of the nurse in Mental Health; and Performance of Nursing Appointment as bureaucratic fulfillment.

Final considerations:

Nurses understand Nursing Appointment as an individualized and bureaucratic activity, to consider professional regulations, and not as a work process in the multiprofessional work, thus, the Projeto Terapêutico Singular (freely translated as Unique Therapeutic Project) is not cited as a possibility of work process. It was identified necessary space for discussion of actuation and updates of the nurse in Mental Health Care in the health services studied, with emphasis on their performance in a multiprofessional team in consonance with the Mental Health Policy.

Descriptors:
Nursing Processes; Nursing Records; Mental Health Services; Psychiatric Nursing; Health Policy

RESUMEN

Objetivo:

conocer la vivencia de enfermeros de la Red de Atención Psicosocial sobre el desarrollo de la Consulta de Enfermería en la Salud Mental.

Método:

estudio cualitativo, con entrevista de 20 enfermeros, por medio del análisis de las palabras en la búsqueda de los núcleos de significado.

Resultados:

se desveló como núcleos de significado la falta de preparación para la asistencia en la salud mental, la no identificación del trabajo del enfermero en salud mental y realización de la Consulta de Enfermería como cumplimiento burocrático.

Consideraciones finales:

Los enfermeros comprenden la Consulta de Enfermería como actividad individualizada y burocrática a considerar normativas profesionales, y no como proceso de trabajo en la actuación multiprofesional, así, el Proyecto Terapéutico Singular no es citado como posibilidad de un proceso de trabajo. Se identificó necesario espacio para una discusión de la actuación y actualizaciones de los enfermeros en la atención en la Salud Mental en los servicios de salud estudiados, con énfasis en la actuación de éstos en el equipo multiprofesional en consonancia a la Política de Salud Mental.

Descriptores:
Procesos de Enfermería; Registros de Enfermería; Servicios de Salud Mental; Enfermería Psiquiátrica; Política de Salud

INTRODUÇÃO

A assistência em Saúde Mental, no Brasil, tem sua atual configuração fruto de movimentos reivindicatórios nascidos no Movimento de Reforma Sanitária (MRS) e após Movimento de Reforma Psiquiátrica (MRP), que resultou em um novo modelo de Saúde Mental fundamentado no processo de desinstitucionalização, com redução progressiva de leitos dos hospitais psiquiátricos e formação de uma rede de atenção especializada, com inclusão da Atenção à Saúde Mental na Atenção Básica, e com programa de geração de renda e trabalho. O modelo de atenção preconizado objetiva, por meio da assistência, promover direitos a usuários e familiares. Outro aspecto desta nova configuração da Atenção à Saúde Mental é a implantação de programa de formação permanente de profissionais, o que contribui para a efetivação das propostas do MRP(11 Esperedião E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. A Enfermagem Psiquiátrica, a ABEn e o Departamento Científico de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental: avanços e desafios. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 16];66(Spe):171-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea22.pdf
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).

Assim, com esta lógica, em 2011 foi instituído no Sistema Único de Saúde a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas em sofrimento psíquico, por meio do decreto 3088, Política de Saúde Mental (PSM) com o intuito criar e articular pontos de Atenção à Saúde Mental(22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088 de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília: 2011[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
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).

A RAPS tem como diretrizes o respeito aos direitos dos indivíduos, considerando a liberdade e autonomia dos mesmos, com destaque para o combate ao preconceito e estigmas, diretrizes estas alcançadas por meio de Atenção à Saúde de forma humanizada e centrada nas pessoas em sofrimento, o que implica na diversificação de cuidados, que devem ser oferecidos no território do usuário, com foco na inclusão e no processo de reabilitação psicossocial, a instrumentalizar o indivíduo para o exercício da cidadania(22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088 de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília: 2011[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
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). Compreende-se assim, que o sofrimento psíquico é multideterminado e assim, necessita da Atenção à Saúde por meio de uma rede regionalizada e de ações intersetoriais, o que vem ao encontro do princípio de integralidade do cuidado do SUS(22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088 de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília: 2011[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
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).

Para atendimento do princípio de integralidade, a abordagem multiprofissional se faz necessária e, se materializa na elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS)(33 Campos GWS, Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2016 Dec 31];12(4):849-59. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pdf
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) que se traduz por ser uma construção coletiva de intenções, realizado com uma equipe multiprofissional, com a participação do usuário e também de seus familiares quando assim aprouver. É um processo contínuo, pactuado para o alcance de necessidades e desejos e produção de autonomia, protagonismo e inclusão social, de forma sustentável, ou seja, com mudanças que se mantenham ao longo do tempo(33 Campos GWS, Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2016 Dec 31];12(4):849-59. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pdf
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).

O PTS, além de estratégia de Atenção à Saúde, também pode constituir-se como estratégia para organização de serviço, humanização da assistência e de efetivação da clínica ampliada, que tem como objetivo integrar várias abordagens para possibilitar um manejo eficaz da complexidade do trabalho em saúde, principalmente no que tange ao sofrimento psíquico, que, como já mencionado, necessita de abordagem multiprofissional(44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Clínica ampliada e compartilhada. Série B: Textos Básicos de Saúde[Internet]. Brasília: MS; 2010[cited 2016 Nov 2]. Available from: http://www.redehumanizasus.net/sites/default/files/10_0379_final_clinica_ampliada.pdf
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). Conceitos de equipe de referência e de profissional de referência estão contidos na abordagem da clínica ampliada onde as equipes multiprofissionais assumem determinado número de usuários e realizam a construção conjunta e o acompanhamento de seus PTS. Cada técnico que compõe a equipe pode tornar-se o profissional de referência, a depender da qualidade do vínculo estabelecido com o usuário(33 Campos GWS, Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2016 Dec 31];12(4):849-59. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pdf
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).

O PTS é estabelecido a partir de quatro momentos(44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Clínica ampliada e compartilhada. Série B: Textos Básicos de Saúde[Internet]. Brasília: MS; 2010[cited 2016 Nov 2]. Available from: http://www.redehumanizasus.net/sites/default/files/10_0379_final_clinica_ampliada.pdf
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): diagnóstico, definição de metas, divisão de responsabilidades e reavaliação. Na fase diagnóstica são realizadas avaliações orgânicas, psicológicas e sociais na busca das vulnerabilidades, a captar formas de como o sujeito se posiciona frente a doenças, desejos, interesses, trabalho, cultura família e rede social; na fase de definição de metas estas são elaboradas a curto, médio e longo prazo negociadas com o sujeito pelo profissional de referência dentro da equipe de referência para o usuário; na fase de divisão de responsabilidades são definidas as tarefas de cada membro da equipe, principalmente do usuário e familiares, quando for o caso e, por fim, a fase de reavaliação em que se discute a evolução ou não do que foi planejado e se realiza a redefinição de rumo e abordagens se necessário(44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Clínica ampliada e compartilhada. Série B: Textos Básicos de Saúde[Internet]. Brasília: MS; 2010[cited 2016 Nov 2]. Available from: http://www.redehumanizasus.net/sites/default/files/10_0379_final_clinica_ampliada.pdf
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).

O enfermeiro, quando membro da equipe de referência para determinado usuário, participa da elaboração do PTS e responde pela coordenação deste quando se apresenta como o profissional de referência para o caso.

No que diz respeito à prática do profissional enfermeiro, existem normativas(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
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) profissionais que precisam ser observadas enquanto método de trabalho, e que, não corroboram com o que se preconiza quanto ao cuidado em Saúde Mental de acordo com a PSM vigente, pois, estabelece que o enfermeiro deve realizar sua coleta de dados, desenvolver seus diagnósticos, seu planejamento de resultado e de intervenções necessárias para o alcance destes resultados; e por fim, realizar sua avaliação, a documentar, todo este processo, de forma independente do trabalho que desenvolve em equipe multiprofissional.

De acordo com a Resolução n° 358/2009(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
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), do Conselho Federal de Enfermagem, a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) organiza o trabalho profissional quanto ao método, pessoal e instrumentos, tornando possível a operacionalização do Processo de Enfermagem (PE)(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
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), portanto, a constituir-se instrumento científico para a identificação de situações de saúde e doença, contribuindo para a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação do sujeito, família e comunidade(66 Santos WN. Systematization of nursing care: the historical context, the process and obstacles to deployment. J Manag Prim Health Care[Internet]. 2014[cited 2017 Dec 31];5(2):153-8. Available from: https://docplayer.com.br/25938241-Sistematizacao-da-assistencia-de-enfermagem-o-contexto-historico-o-processo-e-obstaculos-da-implantacao.html
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).

A mesma resolução(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
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), no seu artigo 1º parágrafo 2º, decide que o PE, em serviços ambulatoriais de saúde, correspondem à Consulta de Enfermagem (CE), e divide-se em cinco etapas: o histórico de enfermagem, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação de enfermagem, etapas estas que ocorrem de forma simultânea, ou seja, no momento em que o enfermeiro implementa intervenções, podendo realizar avaliações destas e coletar novos dados que poderão sugerir novos diagnósticos, e assim por diante.

Ressalta-se que, neste estudo, foi observada a utilização dos termos PE e CE nas referências consultadas e, o termo PE é o mais utilizado; assim, na apresentação de argumentos ou discussão de resultados, será respeitada a escolha terminológica dos autores citados.

Nos serviços de Saúde Mental ambulatoriais, então, de acordo com resolução COFEN(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
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), a CE deve ser utilizada como forma de organizar e documentar a prática do enfermeiro, porém, para além da exigência, destaca-se que o desenvolvimento da CE(77 Silva EGC, Oliveira VC, Neves GBC, Guimarães TMR. Nurses’ knowledge about Nursing Care Systematization: from theory to practice. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2011[cited 2017 Sep 30];45(6):1380-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/en_v45n6a15.pdf
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) é subsídio para a oferta do cuidado, por meio da qual se identificam as necessidades do indivíduo com a coleta de informações e constitui-se como ferramenta de aproximação entre profissional e usuário, a possibilitar o relacionamento terapêutico, por meio do estabelecimento de vínculo, da escuta, do diálogo e da observação da comunicação não verbal(77 Silva EGC, Oliveira VC, Neves GBC, Guimarães TMR. Nurses’ knowledge about Nursing Care Systematization: from theory to practice. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2011[cited 2017 Sep 30];45(6):1380-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/en_v45n6a15.pdf
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).

Ao considerar as normativas profissionais, identifica-se que as fases do PTS acabam por contemplar as etapas do PE ou CE nos serviços comunitários de saúde. O enfermeiro faz parte da equipe e necessita conciliar e atender demandas de órgãos de normatização do exercício profissional e também das PSM.

A CE, desta forma, configura-se como importante recurso quando se considera o respeito ao princípio da integralidade da assistência à saúde na abordagem psicossocial, em que o enfermeiro contribui com a equipe multiprofissional, o que é preconizado na PSM vigente, consequência do MRP(11 Esperedião E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. A Enfermagem Psiquiátrica, a ABEn e o Departamento Científico de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental: avanços e desafios. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 16];66(Spe):171-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea22.pdf
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).

Entretanto, nem sempre o processo de atendimento em CE ou sua documentação são utilizados como instrumento na assistência à saúde, enfermeiros tanto da rede hospitalar como comunitária referem déficit de conhecimento para o uso, falta de impressos próprios, falta de profissionais enfermeiros suficientes para a realização do trabalho conforme normativas profissionais, a resultar em tempo reduzido de contato com os usuários, o que leva os enfermeiros a realizarem a coleta de dados e as prescrições, e não realizarem os diagnósticos e a evolução destes, assim, não existe um processo que considere entradas e resultados, os enfermeiros acabam por não terem condições de relacionar se aquilo que foi planejado e prescrito, pelo enfermeiro para o usuário, surtiu o efeito esperado(66 Santos WN. Systematization of nursing care: the historical context, the process and obstacles to deployment. J Manag Prim Health Care[Internet]. 2014[cited 2017 Dec 31];5(2):153-8. Available from: https://docplayer.com.br/25938241-Sistematizacao-da-assistencia-de-enfermagem-o-contexto-historico-o-processo-e-obstaculos-da-implantacao.html
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).

Estudo de revisão realizado com objetivo de identificar evidências sobre a aplicação do PE no cuidado desenvolvido pelo enfermeiro na Saúde Mental, observou-se que dos 19 estudos selecionados, seis foram realizados no Brasil, três nos Estados Unidos, dois na Austrália e dois na Espanha, o restante dos artigos foi publicado um em cada país, a mostrar que a temática apresenta maior interesse na enfermagem brasileira; com apenas um estudo classificado com o nível de evidência III os restantes entre níveis IV, V e VI(88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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). O estudo discute a importância do desenvolvimento da Relação Terapêutica (RT) a ser estabelecida entre enfermeiro e usuário para o desenvolvimento do PE, e refere que ambos atuam de forma colaborativa, ou seja, a RT facilita o desenvolvimento do PE, assim como este facilita o estabelecimento e manutenção da RT. Destaca-se que o PE é o método de trabalho do enfermeiro e que deve estar baseado em fundamentos teóricos que delinearão a prática do cuidado a ser desenvolvido(88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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).

Estudos nacionais e internacionais versam sobre partes, ou etapas do PE e quando preocupados com a construção de diagnósticos para elaboração de padrão de cuidados, tendem ao modelo biológico antagônico às recomendações não somente da PSM, mas também de colegiados internacionais sobre abordagens multifatoriais para o cuidado em Saúde Mental(88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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-99 Kazdin AE, Rabbitt SM. Novel models for delivering mental health services and reducing the burdens of mental illness. Clin Psychol Sci[Internet]. 2015[cited 2017 Nov 30];1(2):170-91. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/2167702612463566
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).

Nos estudos que versam sobre o PE, CE e a SAE, o trabalho do enfermeiro não é destacado enquanto membro da equipe multiprofissional exceto quando se referem ao PE como organizador do projeto terapêutico para usuários atendidos por equipe multiprofissional(66 Santos WN. Systematization of nursing care: the historical context, the process and obstacles to deployment. J Manag Prim Health Care[Internet]. 2014[cited 2017 Dec 31];5(2):153-8. Available from: https://docplayer.com.br/25938241-Sistematizacao-da-assistencia-de-enfermagem-o-contexto-historico-o-processo-e-obstaculos-da-implantacao.html
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7 Silva EGC, Oliveira VC, Neves GBC, Guimarães TMR. Nurses’ knowledge about Nursing Care Systematization: from theory to practice. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2011[cited 2017 Sep 30];45(6):1380-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/en_v45n6a15.pdf
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-88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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). Quando o compartilhamento do cuidado realizado pelo enfermeiro é citado, refere-se à participação de usuários na elaboração do PE e não de compartilhamento realizado pelo enfermeiro com a equipe multidisciplinar e familiares(88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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).

Observa-se que no Brasil, a despeito de propostas da PSM e dos órgãos de representação profissional de forma prescritiva, ainda se percebe distanciamento entre a formação, normatização e atuação do profissional enfermeiro. A CE não é compreendida, então, como uma forma de sistematizar a assistência ou como o processo de trabalho para o enfermeiro, aliás, como apresentado em estudo recente, não é utilizada nem como nomenclatura para o processo de trabalho do enfermeiro sendo privilegiado o conceito de PE como já comentado(77 Silva EGC, Oliveira VC, Neves GBC, Guimarães TMR. Nurses’ knowledge about Nursing Care Systematization: from theory to practice. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2011[cited 2017 Sep 30];45(6):1380-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/en_v45n6a15.pdf
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).

A respeito das práticas dos profissionais enfermeiros no atendimento às necessidades da população com foco na Saúde Mental, em discussão com um grupo de enfermeiros de uma das Coordenadorias de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMSSP), surgiu o questionamento sobre quais seriam as práticas dos enfermeiros que atuam na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), quanto ao desenvolvimento da Consulta de Enfermagem em Saúde Mental.

OBJETIVO

Conhecer a vivência de enfermeiros da RAPS sobre o desenvolvimento da Consulta de Enfermagem em Saúde Mental.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e SMSSP, atendendo às diretrizes e normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. A coleta de dados só se deu após anuência da Coordenação de Saúde, dos serviços de saúde e dos integrantes da amostra que aceitaram assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Referencial teórico-metodológico

A pesquisa foi fundamentada na abordagem multiprofissional preconizada na Política de Saúde Mental(22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088 de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília: 2011[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
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), com ênfase na reabilitação psicossocial e também, na legislação profissional de enfermagem(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
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).

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo exploratório, com abordagem qualitativa que pretendeu avançar da fala dos sujeitos entrevistados para o sentido desta e propiciar aproximação às suas subjetividades, sendo esta última a colaboração do indivíduo para o contexto em que vive e de quem sofre influências, compreende-se uma relação em que um constitui o outro(1010 Aguiar WMJ, Ozella S. Núcleos de significação como instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos. Psicol Cienc Prof[Internet]. 2006[cited 2018 Jan 20];26(2):222-45. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n2/v26n2a06.pdf
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), assim, o tipo de estudo escolhido aproxima o autor da vivência dos profissionais enfermeiros quanto ao atendimento dos aspectos prescritivos profissionais, bem como do significado das experiências para os entrevistados no que diz respeito à CE .

Procedimentos metodológicos

O local do estudo foram 16 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e duas Unidades Básicas de Saúde (UBS).

A amostra do estudo foi constituída por 20 enfermeiros, sendo um profissional de cada CAPS e um profissional de cada equipe de ESF, que concordaram participar da pesquisa, e que atuavam na Assistência à Saúde Mental por pelo menos seis meses, e em pleno exercício de suas atividades profissionais no dia da visita do pesquisador.

Para a coleta dos dados, que ocorreu de novembro de 2015 a março de 2016, foram realizadas entrevistas semiestruturadas por meio de um roteiro elaborado pelos próprios autores, com questões a respeito do perfil sociodemográfico como: idade, sexo, local de trabalho, formação, experiência profissional, forma de administração do serviço de saúde e, uma questão aberta onde foi perguntado aos enfermeiros sobre sua prática na realização da CESM (Consulta de Enfermagem em Saúde Mental) em seu local de trabalho. Um dos autores do estudo foi o entrevistador, sendo capacitado para tal por ser especialista na área de Saúde Mental.

As entrevistas foram transcritas na íntegra e foram desenvolvidas, escuta e leituras flutuantes sucessivas do material coletado, pelas duas autoras do estudo, individualmente, e após, em conjunto, a fim de possibilitar a organização do material e a identificação dos indicadores baseados na frequência de aparecimento de temas, no destaque aos mesmos através da paralinguagem e carga emocional contida nas falas dos entrevistados e foram obtidos os indicadores: formação e capacitação, identificação e reconhecimento do trabalho pela equipe e burocracia profissional(1111 Trevisan DD, Minzon DT, Testi CV, Ramos NA, Carmona EV, Silva EM. Education of nurses: detachment between under graduation courses and professional practices. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Oct 15];12(2):331-7. Available from: http://www.revenf.bvs.br/pdf/ccs/v12n2/en_17.pdf
http://www.revenf.bvs.br/pdf/ccs/v12n2/e...
). Após, ocorreu processo de articulação de indicadores, a organização dos núcleos de significados e suas nomeações, pois, buscou-se partir da fala para o seu sentido, da fala exterior para o subjetivo e singular dos entrevistados(1010 Aguiar WMJ, Ozella S. Núcleos de significação como instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos. Psicol Cienc Prof[Internet]. 2006[cited 2018 Jan 20];26(2):222-45. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n2/v26n2a06.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pcp/v26n2/v26n2...
). As autoras atuavam como Enfermeira de Saúde Mental e Professora Universitária em disciplina de Enfermagem em Saúde Mental no momento da realização do estudo. Como exemplos dos resultados obtidos, optou-se por apresentar trechos das falas dos enfermeiros de forma literal. Os enfermeiros participantes foram identificados pela letra E seguida de um numeral correspondente à sequência de entrevistas realizadas, por exemplo (E1), a fim de garantir a confidencialidade.

RESULTADOS

Dos 20 enfermeiros entrevistados, 19 eram mulheres. A idade variou de 27 a 60 anos, com período de atuação em Saúde Mental de dois a 23 anos, e atuação nos serviços de saúde visitados entre seis meses e 20 anos. O tempo de formação variou de cinco a 39 anos, sendo que oito enfermeiros (40%) possuíam especialização na área de Saúde Mental, e desses, seis (30%) trabalhavam em serviços administrados por Organização Social de Saúde (OSS) e dois (10%) em serviços de administração direta da SMSSP.

Os serviços participantes foram sete CAPS Infanto-Juvenil, seis CAPS Álcool e Drogas, três CAPS II Adulto e duas UBS, sendo sete dos serviços citados administrados diretamente pela SMSSP e 13 por Organização Social de Saúde (OSS).

Quando questionados sobre a realização da CE, sete enfermeiros afirmaram não realizar em seu cotidiano de trabalho, sendo que destes, dois possuíam especialização em Saúde Mental. Já dos 13 enfermeiros que afirmaram realizar a CE, seis possuíam especialização em Saúde Mental.

Observou-se dificuldade dos enfermeiros para expressar a sua experiência no desenvolvimento da CESM, sendo destacados pelos mesmos, os aspectos que dificultavam o desenvolvimento da CE na compreensão dos mesmos, assim os núcleos de significado desvelados pelas falas foram: despreparo para a assistência em Saúde Mental, identificação do trabalho do enfermeiro em Saúde Mental e realização da CE como cumprimento burocrático e, os núcleos de significado são apresentados a seguir exemplificados pelas falas dos entrevistados.

Destaca-se que a abordagem multiprofissional preconizada pela PSM com a construção de PTS, em equipe e de forma compartilhada, não foi citada pelos enfermeiros entrevistados em nenhum momento enquanto processo de trabalho para o enfermeiro, assim, compreende-se que CE/PE são considerados à parte do processo de trabalho em equipe multiprofissional, nos serviços comunitários de Atenção à Saúde Mental.

Despreparo para a assistência em Saúde Mental

Então eu chego como enfermeira, sem saber nada especificamente de Saúde Mental, o que eu sabia é de um contexto de saúde pública, conhecimento de PSF, e aí eu fui me emponderando um pouquinho do trabalho e conhecendo. (E3)

Eu não me sinto entendido em Saúde Mental, eu não tenho formação praticamente nenhuma, fui lendo e aprendendo com a pratica. (E4)

O que eu vou percebendo na Rede, assim, Estratégia, Unidade Básica, é que as pessoas estão muito cruas de Saúde Mental. (E2)

Eu acho que se a gente conseguisse através desse estudo pensar nessa defasagem aí no ensino da enfermagem, principalmente na área da Saúde Mental também, não sei como seria, porque a enfermagem, o curso, tem tantas áreas pra explorar. (E8)

Identificação do trabalho do enfermeiro em Saúde Mental

É essa preocupação de sempre, ter a identidade do enfermeiro aparecendo na atenção, é, e que tem que ser nesse formato engessado, às vezes de um espaço formal como a consulta, é isso que me incomoda um pouco, eu não me vejo conseguindo registrar e sendo fiel à situação dentro de um espaço dessa formalidade, às vezes o paciente aqui é atendido dentro de uma informalidade. Talvez seja isso, como criar um instrumento em que a gente consiga registrar isso, formalizar então se necessário a identidade desse enfermeiro, desse espaço, sem ter que engessar tanto. (E1)

Então é difícil até pra equipe ver a importância, uma vez também que tem clínico aqui e a pessoa vem e passa por vários profissionais, a gente não quer redundar o serviço, ficar perguntando a mesma coisa, é uma coisa que desgasta o paciente. (E9)

A enfermagem em si, ela não conseguiu ainda ter o seu papel definido dentro de um CAPS, isso é muito ruim, porque a gente, o funcionário, ele desvia a sua função, coisa que se você tiver no hospital psiquiátrico você tem a sua função. O auxiliar, TO, farmacêutico, ele tem sua função dentro do CAPS, isso é muito diferente. É muito multi e aí quando você vê, você já tá na área do outro, você já tá invadindo vamos dizer assim, mas é bem diferente. (E14)

Realização da Consulta de Enfermagem para cumprimento burocrático

Tem que fazer, mas como inserir numa atenção dessa fazendo sentido no dia-a-dia do trabalho, não só como uma coisa proforma, que tem que acontecer, tem prioridade e tudo mais? (E1)

A gente chegou a fazer um modelinho, mas era um modelinho mais pra responder da consulta, mais pra responder uma exigência da questão ética e legal do que mesmo da necessidade da Unidade. (E1)

O que eu mais encontro dificuldade, primeiro é nessa obrigatoriedade que eu acho que é diferente, não sei como isso é “pros” outros serviços, mas por estar em CAPS, eu acho que tem uma dificuldade da nossa legislação, do nosso COREN, da nossa orientação em entender que se trata de uma dinâmica diferente esses atendimentos e que entender que a gente o tempo todo executa os processos de sistematização e não só quando vai pra uma sala e vai fazendo todo o exame. (E8)

Pra fazer alguma coisa que seja realmente instrumental, bom pro serviço e não só uma resposta a lei, porque o que a gente tava tentando fazer lá no começo era uma resposta pro COREN parar de falar com a gente. (E20)

DISCUSSÃO

Tendo em vista a CE caracterizar-se como um método que contribui para a organização do trabalho, ainda que a maioria dos enfermeiros entrevistados a realize, percebe-se nos conteúdos de falas apresentados que, em alguns dos serviços de saúde visitados não é uma prática comum.

A identificação das dificuldades para a implementação da CE e a sua utilização como processo de trabalho do enfermeiro pode estar relacionada à falta de conhecimento científico do profissional, à desvalorização no cotidiano de trabalho e ao distanciamento entre teoria e prática(1111 Trevisan DD, Minzon DT, Testi CV, Ramos NA, Carmona EV, Silva EM. Education of nurses: detachment between under graduation courses and professional practices. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Oct 15];12(2):331-7. Available from: http://www.revenf.bvs.br/pdf/ccs/v12n2/en_17.pdf
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12 Oliveira LRM, Carvalho CD, Carvalho CMS, Silva Jr FJG. O ensino da saúde mental para a enfermagem: uma revisão da literatura. Rev Interd[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 5];6(2):152-9. Available from: http://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/viewFile/60/pdf_33
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-1313 Scherer MDA, Pires DEP, Jean R. A construção da interdisciplinaridade no trabalho da Equipe de Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 16];18(11):3203-12. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n11/11.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n11/11.p...
). Observa-se nas falas apresentadas a confusão com os termos SAE e CE/PE(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-35...
).

Neste estudo, os profissionais que mais elencaram dificuldades no desenvolvimento da CE foram aqueles sem especialização em Saúde Mental, o que contribuiu para um conhecimento mais aprofundado e melhor entendido da prática. Nas falas, pode ser observado que atividades desenvolvidas junto à equipe multiprofissional não são compreendidas como parte das ações do enfermeiro no que tange à coleta de dados e informações, nem tampouco ações diagnósticas, de planejamento e de intervenção, assim, apesar de realizarem ações correspondentes à CE, não as reconhecem como tal, talvez então, por estas transcorrerem no desenvolver das atividades em equipe, como citado pelo E8 “... tempo todo realiza os processos de sistematização e não só quando vai para uma sala...”. Além disso, por este mesmo motivo, compreende-se a realização da CE como atividade isolada, e neste caso, a documentação da CE como algo por formalidade e sem utilidade. Os enfermeiros, então, acabam por compreender que não realizam a CE por não documentar da maneira prescrita por órgão de fiscalização profissional. Isto pode ser uma forma de interpretação tanto para o profissional enfermeiro como para órgão de fiscalização profissional.

Por meio das falas, implícito está que, para que ocorra a CE, são necessárias diferentes condições ao que se apresenta nos serviços de saúde e na dinâmica de Atenção à Saúde Mental vivenciada pela amostra.

Aprimorar o uso desta metodologia de cuidado propõe qualificar a assistência prestada ao indivíduo em sofrimento psíquico, e enriquecer a prática de enfermagem e também da equipe de saúde, aperfeiçoando o desempenho profissional neste processo(88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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).

Em virtude do surgimento dos serviços comunitários em Saúde Mental conforme a PSM, foi necessária uma reorganização dos processos de trabalho, cabendo ao enfermeiro apropriar-se de novas práticas em seu cotidiano, caracterizando-se entre a transição do modelo técnico e biomédico a uma visão construtiva e reflexiva das práticas e saberes terapêuticos, na ótica da reabilitação psicossocial(11 Esperedião E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. A Enfermagem Psiquiátrica, a ABEn e o Departamento Científico de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental: avanços e desafios. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 16];66(Spe):171-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea22.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v...
). Segundo enfermeiros entrevistados, ainda há distanciamento dessas práticas durante a formação universitária conforme encontrado na literatura(1111 Trevisan DD, Minzon DT, Testi CV, Ramos NA, Carmona EV, Silva EM. Education of nurses: detachment between under graduation courses and professional practices. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Oct 15];12(2):331-7. Available from: http://www.revenf.bvs.br/pdf/ccs/v12n2/en_17.pdf
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).

As dificuldades na prática assistencial em Saúde Mental, pode ter seu início na defasagem dos cursos de graduação de enfermagem que devem atentar para formação pautada na transformação e efetivação do processo da RPB (Reforma Psiquiátrica Brasileira), e não se basear somente no modelo clínico, hospitalocêntrico, muitas vezes sem a utilização de campos de prática em Saúde Mental, o que dificulta a aproximação à prática, de modo que não há articulação entre os conhecimentos específicos e a realidade da rede de saberes compreendida no sistema de saúde(1111 Trevisan DD, Minzon DT, Testi CV, Ramos NA, Carmona EV, Silva EM. Education of nurses: detachment between under graduation courses and professional practices. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Oct 15];12(2):331-7. Available from: http://www.revenf.bvs.br/pdf/ccs/v12n2/en_17.pdf
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-1212 Oliveira LRM, Carvalho CD, Carvalho CMS, Silva Jr FJG. O ensino da saúde mental para a enfermagem: uma revisão da literatura. Rev Interd[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 5];6(2):152-9. Available from: http://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/viewFile/60/pdf_33
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).

Nesse sentido, há uma intensa necessidade da busca por conhecimento e competências para atuação do enfermeiro em Saúde Mental, conquistadas por meio dos cursos de especialização, por exemplo, nos quais temas como reabilitação psicossocial, relações interpessoais e relacionamento terapêutico, acolhimento, reconhecimento da subjetividade do indivíduo e cuidado integral deveriam constituir os fundamentos do processo de formação.

A prática da reabilitação psicossocial está em constante elaboração, não há um caminho ou modelo a seguir, até pelo fato de a consolidação da RPB ainda estar em curso no Brasil. Assim, o que existe é a construção de ações educativas voltadas para a aproximação à singularidade de cada indivíduo por meio do diálogo, comunicação, escuta e vínculo, ferramentas essas que devem ser utilizadas pelo enfermeiro em sua prática, a desconstruir ideias preconcebidas na forma de lidar e compreender o sofrimento psíquico, a possibilitar que esse profissional conquiste seu espaço na equipe, de modo que as problematizações em seu cotidiano tornem-se instrumentos em seu processo de trabalho(22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088 de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília: 2011[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
,1111 Trevisan DD, Minzon DT, Testi CV, Ramos NA, Carmona EV, Silva EM. Education of nurses: detachment between under graduation courses and professional practices. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Oct 15];12(2):331-7. Available from: http://www.revenf.bvs.br/pdf/ccs/v12n2/en_17.pdf
http://www.revenf.bvs.br/pdf/ccs/v12n2/e...
-1212 Oliveira LRM, Carvalho CD, Carvalho CMS, Silva Jr FJG. O ensino da saúde mental para a enfermagem: uma revisão da literatura. Rev Interd[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 5];6(2):152-9. Available from: http://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/viewFile/60/pdf_33
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).

No núcleo de significado referente à identificação do trabalho do enfermeiro nos serviços de Saúde Mental, observam-se nas falas dos enfermeiros entrevistados dificuldades em perceber-se no processo de trabalho individual e grupal na prática em Saúde Mental. Outra questão observada é a dificuldade para a construção coletiva do cuidado pela prática multiprofissional. A especificidade do trabalho do enfermeiro é definida pela forma como documenta o seu trabalho e não por sua atuação, o que remete à abordagem predominantemente clínica, como observado na fala de E9.

Os fatores que promovem tensão e frustração, observados nas falas quanto à identidade profissional, podem correlacionar-se ao conflito de suas ações enquanto enfermeiro de Saúde Mental, que se caracterizam por irem além de atribuições assistenciais e tecnicistas focadas apenas na dimensão biológica ou no aspecto curativo do problema de saúde, e constituem-se por meio do relacionamento terapêutico, primordialmente no desenvolvimento de vínculo, processos de escuta e de acolhimento, o que, de fato, é realizado por todas as categorias profissionais em um serviço de Saúde Mental(88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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-99 Kazdin AE, Rabbitt SM. Novel models for delivering mental health services and reducing the burdens of mental illness. Clin Psychol Sci[Internet]. 2015[cited 2017 Nov 30];1(2):170-91. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/2167702612463566
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). Nas falas, observa-se que o enfermeiro não se compreende enquanto instrumento terapêutico, o que demonstra uma supremacia do fazer ao ser.

A literatura aponta que o conflito apresentado e citado por enfermeiros nos serviços ambulatoriais de Saúde Mental também pode ser atribuído à recente criação do modelo de atenção, nesta área, organizado a partir do CAPS(88 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 31];70(1):209-18. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0031
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-99 Kazdin AE, Rabbitt SM. Novel models for delivering mental health services and reducing the burdens of mental illness. Clin Psychol Sci[Internet]. 2015[cited 2017 Nov 30];1(2):170-91. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/2167702612463566
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,1313 Scherer MDA, Pires DEP, Jean R. A construção da interdisciplinaridade no trabalho da Equipe de Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 16];18(11):3203-12. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n11/11.pdf
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), onde, acrescenta-se que, a nova proposta de assistir em Saúde Mental exige o desenvolvimento de habilidades para atuação como instrumento terapêutico(1414 Boccardo ACS, Zane FC, Rodrigues S, Mângia EF. O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Rev Ter Ocup[Internet]. 2011[cited 2016 Nov 15];22(1):85-92. Available from: https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/14124/15942
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).

O trabalho em equipe multiprofissional foi citado pelos entrevistados, no qual, muitas vezes, os profissionais percebem suas ações homogeneizadas, pois, o cuidado deve ser construído de forma coletiva e com a inclusão do indivíduo no processo de cuidado. Busca-se por uma maior integração de conhecimentos e a tomada de decisões é compartilhada entre todos da equipe e não de forma isolada(33 Campos GWS, Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2016 Dec 31];12(4):849-59. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pd...
,1313 Scherer MDA, Pires DEP, Jean R. A construção da interdisciplinaridade no trabalho da Equipe de Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 16];18(11):3203-12. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n11/11.pdf
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-1414 Boccardo ACS, Zane FC, Rodrigues S, Mângia EF. O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Rev Ter Ocup[Internet]. 2011[cited 2016 Nov 15];22(1):85-92. Available from: https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/14124/15942
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). O trabalho em equipe é fundamental na Atenção à Saúde e o enfermeiro não perde sua identidade quando desenvolve estratégias em conjunto com outros profissionais, pois, além de organizar a prática do serviço, favorece a integralidade do cuidado prestado(1414 Boccardo ACS, Zane FC, Rodrigues S, Mângia EF. O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Rev Ter Ocup[Internet]. 2011[cited 2016 Nov 15];22(1):85-92. Available from: https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/14124/15942
https://www.revistas.usp.br/rto/article/...
). Esta prática se evidencia por meio do desenvolvimento do PTS do usuário, pois, há o diálogo entre todos os profissionais do serviço e a pessoa a ser cuidada e, a partir das propostas de cada um, é possível determinar um plano de ações(1313 Scherer MDA, Pires DEP, Jean R. A construção da interdisciplinaridade no trabalho da Equipe de Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 16];18(11):3203-12. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n11/11.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n11/11.p...
-1414 Boccardo ACS, Zane FC, Rodrigues S, Mângia EF. O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Rev Ter Ocup[Internet]. 2011[cited 2016 Nov 15];22(1):85-92. Available from: https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/14124/15942
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), o que, pode e deve se correlacionar às intervenções de enfermagem definidas durante a CE ou constituir-se como tal.

De acordo com a resolução do COFEN 358/2009, o PE/CE deve ser realizado, de modo deliberado e sistemático, em todos os ambientes públicos ou privados em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
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). Porém, é notório nas falas que mesmo com a obrigatoriedade, a sua implementação e execução nos serviços de Saúde Mental não são consideradas efetivas por alguns profissionais, e muitas vezes sendo cumprido somente pela prescrição legal, como observado no núcleo de significado realização da Consulta de Enfermagem para cumprimento burocrático.

Uma das falas pressupõe não haver utilidade para atividade da CE, talvez por consistir em uma coleta e documentação de dados que já é contemplada no prontuário do usuário e que pode ter sido realizada em equipe quando ocorreu a elaboração do PTS. Outra questão que se revela com relação à CE é a simples documentação de informações para servir como resposta às exigências normativas e não como proposta terapêutica do profissional.

Na literatura, observa-se que as principais dificuldades apresentadas pelos enfermeiros para a implementação do PE/CE, estão relacionadas ao desconhecimento sobre os mesmos, a falta de enfermeiros nos serviços, a sobrecarga com as demais atividades, ao não envolvimento destes profissionais com o processo, as limitações pessoais e a desvalorização da equipe/administração no que diz respeito ao desenvolvimento desta atividade(1515 Bolsoni EB, Heusy IPM, Silva ZF, Rodrigues J, Peres GN, Morais R. Consulta de Enfermagem em Saúde Mental: revisão Integrativa. SMAD Rev Eletrôn Saúde Ment Álcool Drog[Internet]. 2016[cited 2018 Jan 02];12(4):249-59. Available from: https://www.revistas.usp.br/smad/article/view/122268/0
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-1616 Diniz IA, Cavalcante RB, Otoni A, Mata LRF. Perception of primary healthcare management nurses on the nursing process. Rev Bras Enferm[Internet]. 2015[cited 2016 Dec 01];68(2):206-13. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n2/en_0034-7167-reben-68-02-0206.pdf
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).

Como uma das entrevistadas revela, compreende que realiza PE/CE, ou está a desenvolver uma de suas etapas, durante todo o tempo em que está em atividade, porém sugere que o que realiza não é observado como tal e que somente a documentação destas ações no formato preconizado de forma normativa é que seria traduzido como trabalho do enfermeiro por órgãos de fiscalização profissional. Promover uma assistência pautada em um novo modo de pensar a CE/PE, como a proposta da construção do PTS em equipe multiprofissional, fomenta avanços na qualidade da assistência de enfermagem com benefícios para o usuário do serviço a promover a valorização do enfermeiro enquanto profissional da equipe de Saúde Mental, e tornar o processo de trabalho e sua documentação, não mais apenas uma alternativa frustrada e normativa(1616 Diniz IA, Cavalcante RB, Otoni A, Mata LRF. Perception of primary healthcare management nurses on the nursing process. Rev Bras Enferm[Internet]. 2015[cited 2016 Dec 01];68(2):206-13. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n2/en_0034-7167-reben-68-02-0206.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n2/en_...
).

Infelizmente, em nenhum momento o tema PTS foi citado pela amostra como uma possibilidade de processo para o trabalho do enfermeiro, já que este deve se dar em equipe e, em equipe, também deve ser discutida a forma de documentação das avaliações realizadas e intervenções propostas, é a forma preconizada de estratégia para a organização do cuidado(33 Campos GWS, Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2016 Dec 31];12(4):849-59. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pd...
,99 Kazdin AE, Rabbitt SM. Novel models for delivering mental health services and reducing the burdens of mental illness. Clin Psychol Sci[Internet]. 2015[cited 2017 Nov 30];1(2):170-91. Available from: https://dx.doi.org/10.1177/2167702612463566
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,1414 Boccardo ACS, Zane FC, Rodrigues S, Mângia EF. O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Rev Ter Ocup[Internet]. 2011[cited 2016 Nov 15];22(1):85-92. Available from: https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/14124/15942
https://www.revistas.usp.br/rto/article/...
). A documentação em prontuário do PTS adotado pela equipe, é responsabilidade do profissional de referência, que é assim denominado por conta da qualidade de seu vínculo com o usuário, como já citado. O profissional de referência pode ser o Enfermeiro, ou não. Assim, esta forma de organização do cuidado descarta, muitas vezes, as documentações individuais das categorias profissionais que compõem a equipe(33 Campos GWS, Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2016 Dec 31];12(4):849-59. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n4/04.pd...
-44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Clínica ampliada e compartilhada. Série B: Textos Básicos de Saúde[Internet]. Brasília: MS; 2010[cited 2016 Nov 2]. Available from: http://www.redehumanizasus.net/sites/default/files/10_0379_final_clinica_ampliada.pdf
http://www.redehumanizasus.net/sites/def...
), como as normativas profissionais do enfermeiro preconizam(55 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem: Resolução n. 358, de 15 de outubro de 2009. Dispõem sobre a SAE e a implementação do processo de enfermagem[Internet]. Brasília. 2009[cited 2016 Sep 30]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-35...
).

Intriga imaginar que, talvez a não citação do PTS como possibilidade de realização da CE/PE, seja devido ao fato do enfermeiro não participar desta atividade, que se fundamenta na discussão de limitações e possibilidades de cada caso, e assim, o enfermeiro estaria à parte do processo de cuidar preconizado na PSM.

Limitações do estudo

O estudo foi baseado na vivência de Enfermeiros de somente uma coordenadoria de saúde do Município de São Paulo e sugere-se a realização de estudos com amostra a representar enfermeiros da rede municipal da cidade de São Paulo, ou seja, a incluir as outras coordenações de saúde do município. Compreende-se que novos estudos devam ser realizados para conhecimento da atuação e da documentação das atividades de atendimento realizada pelo profissional enfermeiro em serviços de Saúde Mental quando este constrói sua assistência e atua em equipe multiprofissional.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou política pública

O estudo mostra que enfermeiros não compreendem que cumprem com as etapas da CE quando assistem de forma a respeitar a abordagem de reabilitação psicossocial, ou seja, em equipe multiprofissional a desenvolver o PTS. O fato de enfermeiros serem solicitados a documentar a assistência prestada de forma individualizada, ou seja, em documentos próprios e não em equipe, não atende às recomendações da PSM o que pode ser o motivo de não compreensão do trabalho em equipe multiprofissional como processo de trabalho para o enfermeiro em Saúde Mental. O estudo possibilitou iniciativas de discussão com órgão de fiscalização e disciplinarização do exercício da enfermagem sobre o processo de trabalho de enfermeiros em serviços de Saúde Mental e o respeito ao desenvolvimento do mesmo em consonância com a PSM o que significa o aceite do PTS construído coletivamente como o processo de trabalho do enfermeiro e também como a documentação da CE. O estudo ainda traz subsídios para novos estudos a investigar a participação do profissional enfermeiro no trabalho em equipes multiprofissionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os enfermeiros entrevistados não compreendem o seu modo de trabalho em equipe multiprofissional, como a atender às etapas do que seria a CE. Quando questionados sobre esta prática, referem-se às dificuldades que encontram para o cumprimento da mesma como despreparo para a assistência em Saúde Mental, identificação do trabalho do enfermeiro em Saúde Mental e realização da Consulta de Enfermagem para cumprimento burocrático.

É urgente que o profissional enfermeiro que assiste em Saúde Mental compreenda que, independentemente do local de atuação, ele realiza, ou deve realizar a CE/PE, pois, não é possível atender às demandas e necessidades sem levantamento e avaliação de dados, identificação de respostas humanas que seria o diagnóstico de situação, diagnóstico este que demanda proposta de intervenção que acaba por ser avaliada por meio dos resultados obtidos. Assim, para a amostra estudada, o conflito encontra-se na documentação do que realiza em seu trabalho, pois, a documentação de dados coletados e analisados de forma multiprofissional e, portanto, com participação do enfermeiro, deve ser considerado e apresentado, também, como resultado e processo de trabalho do enfermeiro, já que, para tal, o enfermeiro utiliza de seu arcabouço de conhecimentos.

O estudo mostra que atividades de atualização ou capacitação, que envolvam discussões com os profissionais enfermeiros sobre a RAPS, SAE, PE, CE, PTS, são necessárias, e devem também contemplar as relações entre as demandas de prerrogativas legais profissionais e políticas de atenção instituídas para Saúde Mental.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2017
  • Aceito
    20 Fev 2018
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