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Construção de um protocolo de cuidados de enfermagem: relato de experiência

RESUMO

Objetivo:

relatar a experiência da utilização da pesquisa convergente assistencial para a construção de um protocolo de cuidados de enfermagem.

Método:

realizou-se a pesquisa convergente assistencial desenvolvida em um hospital de ensino, de julho a dezembro de 2016, com 27 participantes.

Resultados:

as fases da pesquisa e seus resultados estão descritos nas etapas: concepção, instrumentação, perscrutação e análise. O resultado final foi o protocolo de cuidados de enfermagem no dia zero do transplante de células-tronco hematopoéticas.

Conclusão:

a pesquisa convergente assistencial foi método apropriado na construção do protocolo de cuidados, e destaca-se a importante contribuição na aproximação entre teoria e prática. O protocolo de cuidados de enfermagem constituiu o produto da dissertação e corroborou tanto o propósito da pesquisa quanto o mestrado profissional no desenvolvimento de conhecimentos voltados para a melhoria da prática profissional.

Descritores:
Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Avaliação em Enfermagem; Protocolos; Metodologia

ABSTRACT

Objective:

to report the use experience of convergent healthcare research for developing a nursing care protocol.

Method:

convergent care research developed in university hospital, from July to December 2016, with 27 participants.

Results:

the stages of the research and its results are described in the steps: conception, instrumentation, screening and analysis. The end result was the nursing care protocol in day zero of hematopoietic stem cell transplantation.

Conclusion:

convergent care research was an appropriate method for developing the care protocol, and an important contribution to the approximation between theory and practice. The nursing care protocol was the result of this study and confirmed both the purpose of the research as a professional Master's in acquiring knowledge aimed at improving professional practice.

Descriptors:
Nursing; Nursing Care; Nursing Assessment; Protocols; Methodology

RESUMEN

Objetivo:

relatar la experiencia de la utilización de la investigación convergente asistencial para la construcción de un protocolo de cuidados de enfermería.

Método:

se realizó la investigación convergente asistencial desarrollada en un hospital de enseñanza, de julio a diciembre de 2016, con 27 participantes.

Resultados:

las fases de la investigación y sus resultados se describen en las etapas: concepción, instrumentación, escrutinio y análisis. El resultado final fue el protocolo de cuidados de enfermería en el día cero del trasplante de células madre hematopoyéticas.

Conclusión:

la investigación convergente asistencial fue el método apropiado en la construcción del protocolo de cuidados, y se destaca la importante contribución en la aproximación entre teoría y práctica. El protocolo de cuidados de enfermería constituyó el producto de la tesis y corroboró tanto el propósito de la investigación, como la maestría profesional en el desarrollo de conocimientos orientados a la mejora de la práctica profesional.

Descriptores:
Enfermería; Atención de Enfermería; Evaluación en Enfermería; Protocolos; Metodología

INTRODUÇÃO

Atualmente, observa-se na enfermagem a preocupação com pesquisas que sejam rigorosas metodologicamente, e que produzam conhecimentos relevantes para a prática assistencial. Visando atender ao contrato social imbricado na profissão, os enfermeiros reiteram cada vez mais o propósito da pesquisa em enfermagem, que não se trata de simplesmente "fazer por fazer"(11 Thorne S. Making our nursing research matter. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Sep 10];69(5):763-4. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n5/en_0034-7167-reben-69-05-0813.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n5/en_...
).

Um método que vai ao encontro deste propósito é a pesquisa convergente assistencial (PCA). Um de seus pressupostos é incluir a pesquisa nas atividades assistenciais, unindo o saber-pensar ao saber-fazer(22 Paim L, Trentini M. A pesquisa convergente assistencial em seus atributos. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).

Este método é caracterizado pela propriedade de convergir ações de pesquisa e ações de assistência em saúde, devendo o pesquisador estar envolvido concomitantemente em ambas as ações. Para tanto, a PCA é regida por conceitos, tais como dialogicidade (interlocução mediadora entre assistência e pesquisa), expansibilidade (o objetivo inicial do pesquisador pode se ampliar durante o processo entre a prática assistencial e a investigação), imersibilidade (o pesquisador deve estar imerso de forma ativa e participante na assistência e no processo de investigação) e simultaneidade (concomitância das atividades de investigação e assistência, com ações e interações, sem que uma domine a outra)(22 Paim L, Trentini M. A pesquisa convergente assistencial em seus atributos. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).

A PCA compreende quatro diferentes fases, a saber: concepção, instrumentação, perscrutação e análise, que abrangem desde a escolha do tema da pesquisa até a contextualização de seus resultados(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.). A utilização da PCA possibilita o desenvolvimento de conhecimento técnico e/ou tecnológico para minimização de problemas, introdução de inovações e mudanças no contexto da prática assistencial(22 Paim L, Trentini M. A pesquisa convergente assistencial em seus atributos. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.). Devido a essas características, o método vem sendo amplamente utilizado para guiar a construção de protocolos, principalmente em pesquisas de enfermagem.

Em estudo que objetivou enfocar o percurso metodológico utilizado por pesquisadores brasileiros na área da enfermagem para a construção e validação de protocolos, encontrou-se como resultado, entre 24 trabalhos de pós-graduação, em um período de 13anos, sete dissertações que utilizaram a PCA no processo de construção e validação destes instrumentos(44 Catunda HLO, Bernardo EBR, Vasconcelos CTM, Moura ERF, Pinheiro AKB, Aquino PS. Methodological approach in Nursing Research for constructing and validating protocols. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Sep 01];26(2):1-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n2/0104-0707-tce-26-02-e00650016.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n2/0104-...
).

Os protocolos, por sua vez, são instrumentos que contêm recomendações estruturadas de forma sistemática, baseadas em evidências científicas, na avaliação tecnológica e econômica dos serviços de saúde e na garantia de qualidade deles. Um de seus propósitos é orientar as decisões de profissionais de saúde a respeito da atenção adequada em situações de prevenção de doenças, recuperação ou reabilitação da saúde(55 Rosenfeld RM, Shiffman RN, Robertson P. Clinical practice guideline development manual, third edition: a quality-driven approach for translating evidence into action. Otolaryngol Head Neck Surg[Internet]. 2013[cited 2017 Sep 13];148(1):51-55. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0194599812467004
http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1...
-66 Pimenta CAM, Pastana ICASS, Sichieri K, Solha RKT, Souza W. Guia para construção de protocolos assistenciais de Enfermagem[Internet]. São Paulo: COREN-SP. 2017[cited 2017 Sep 01]. Available from: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/Protocolo-web.pdf
http://www.coren-sp.gov.br/sites/default...
). A utilização de protocolos na área da enfermagem apresenta como resultados positivos a redução da variabilidade de ações de cuidado, melhora na qualificação dos profissionais para a tomada de decisão assistencial, facilidade para a incorporação de novas tecnologias, inovação do cuidado, entre outros. Ressalta-se a importância do envolvimento dos profissionais que utilizarão estes instrumentos em seu processo de construção, fator apontado como um dos determinantes para o sucesso de sua implementação(66 Pimenta CAM, Pastana ICASS, Sichieri K, Solha RKT, Souza W. Guia para construção de protocolos assistenciais de Enfermagem[Internet]. São Paulo: COREN-SP. 2017[cited 2017 Sep 01]. Available from: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/Protocolo-web.pdf
http://www.coren-sp.gov.br/sites/default...
).

Considerando o que foi exposto, a PCA foi o método escolhido para orientar a construção de um Protocolo de cuidados de enfermagem no dia zero do transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) em uma dissertação de mestrado profissional. Este transplante é uma terapêutica considerada complexa, e a atuação do profissional enfermeiro é marcante, em especial no dia zero. Os cuidados prestados ao paciente pelo enfermeiro neste dia são especializados, e é recomendado o uso de protocolos particulares para respaldá-lo em suas intervenções, considerando a complexidade do cenário(77 Lima K, Bernardino E. Nursing care in a Hematopoietic stem cell transplantation unit. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2014[cited 2017 Sep 01];23(4):845-53. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/0104-0707-tce-23-04-00845.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/0104-...
). Este estudo justifica-se por contribuir para a divulgação deste método de pesquisa na área da saúde e demonstrar a importância de pesquisas voltadas para o campo assistencial.

OBJETIVO

Relatar a experiência da utilização da PCA para a construção de um protocolo de cuidados de enfermagem.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência sobre a construção de um protocolo de cuidados de enfermagem em uma dissertação de mestrado profissional, portanto não há apresentação de resultados, mas de como o método da PCA foi utilizado. O estudo foi realizado em um hospital de ensino público do estado do Paraná, referência no TCTH, e contou com 27 participantes, entre os quais bioquímicos, técnico de laboratório e enfermeiros.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e aprovado, em atendimento ao previsto na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde(88 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466/2012. Dispõe sobre a realização de pesquisas com seres humanos[Internet]. 2013[cited 2017 Sep 01]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

RESULTADOS

As fases da PCA são: concepção, instrumentação, perscrutação e análise(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).Portanto, a pesquisa foi desenvolvida nas quatro fases apresentadas separadamente a seguir.

Fase 1: concepção

Nesta fase, o pesquisador decide o que será investigado no seu contexto da prática profissional. São definidos os problemas e o que pode ser modificado. Para tanto, justifica-se a escolha do objeto de pesquisa e traçam-se os objetivos(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).

O desejo de construir um protocolo de cuidados de enfermagem no dia zero do TCTH foi pautado na ausência deste instrumento no local de pesquisa e na necessidade de sistematização dos cuidados do enfermeiro neste dia específico do processo de transplante. A proposta de construção coletiva do protocolo foi apresentada aos enfermeiros que atuavam na assistência aos pacientes e à chefia de enfermagem, que apoiaram o tema da pesquisa. Foram elaborados, então, a questão de pesquisa, os objetivos, e buscou-se o embasamento teórico, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Componentes da fase de concepção

O embasamento teórico nesta fase abrangeu as CTH, o processo de TCTH, o dia zero do TCTH (o preparo das CTH, a infusão dessas células, as possíveis reações adversas apresentadas pelo paciente, os cuidados do enfermeiro neste dia) e as concepções de protocolos. Foi realizado por meio de estudos publicados em fontes de informação nacionais e internacionais, tais como National Library of Medicine (PubMed), The Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Scientific Eletronic Library (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), entre outras. Para a busca nas fontes de informação, os termos utilizados foram: "transplante de células-tronco hematopoéticas", "transplante de medula óssea", "enfermagem", "cuidados de enfermagem", "infusão de células progenitoras hematopoéticas", "dia zero", "reações adversas", "efeitos adversos" e "eventos adversos". Além das fontes de informação, também utilizaram-se livros-texto nacionais e internacionais reconhecidos como referência na temática TCTH: Terapêutica oncológica para enfermeiros e farmacêuticos, editora Atheneu; Fundamentos e biologia do transplante de células-tronco hematopoéticas, editora Atheneu; Hematopoietic stem cell transplantion: a manual for nursing practice, editora Oncology Nursing Society; Hematopoietic stem cell transplantation: a handbook for clinicians, editora Bethesda.

Em relação às concepções de protocolo, para a busca nas fontes de informação os termos usados foram "protocolos" e "avaliação em enfermagem". Assim definiram-se a concepção(66 Pimenta CAM, Pastana ICASS, Sichieri K, Solha RKT, Souza W. Guia para construção de protocolos assistenciais de Enfermagem[Internet]. São Paulo: COREN-SP. 2017[cited 2017 Sep 01]. Available from: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/Protocolo-web.pdf
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) e os princípios estabelecidos para construção do protocolo de cuidados de enfermagem no dia zero com definição do tema, população a que se destina, estratégias de busca nas bases de informação e análise das evidências utilizadas(44 Catunda HLO, Bernardo EBR, Vasconcelos CTM, Moura ERF, Pinheiro AKB, Aquino PS. Methodological approach in Nursing Research for constructing and validating protocols. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Sep 01];26(2):1-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n2/0104-0707-tce-26-02-e00650016.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n2/0104-...
,66 Pimenta CAM, Pastana ICASS, Sichieri K, Solha RKT, Souza W. Guia para construção de protocolos assistenciais de Enfermagem[Internet]. São Paulo: COREN-SP. 2017[cited 2017 Sep 01]. Available from: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/Protocolo-web.pdf
http://www.coren-sp.gov.br/sites/default...
).

Também se iniciou o delineamento do espaço físico, participantes e técnicas/instrumentos de coleta de dados.

Para o desenvolvimento desta fase, os objetivos específicos foram modificados, o que corrobora um dos conceitos que regem a PCA, a expansibilidade(22 Paim L, Trentini M. A pesquisa convergente assistencial em seus atributos. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.). Por fim, os três objetivos específicos delineados possibilitaram alcançar o objetivo geral traçado para a pesquisa.

Fase 2: instrumentação

Nesta fase, o pesquisador realiza o detalhamento dos procedimentos que inicialmente foram delineados na fase de concepção(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.). A pesquisa ocorreu em dois locais e contou com três grupos de participantes: cada grupo correspondeu a um objetivo específico inicialmente definido. Para cada grupo foram utilizadas diferentes técnicas e instrumentos para se proceder à coleta de dados, conforme o Quadro 2.

Quadro 2
Componentes da fase de instrumentação

Inicialmente foram estabelecidos os critérios de inclusão e exclusão para cada grupo de participantes. A seguir, foi realizada a negociação da proposta da pesquisa com eles por meio de convite individual e apresentação do projeto de pesquisa.

As técnicas definidas: observação, entrevista e grupos de discussão (GD) são consideradas as mais apropriadas na PCA, pois esse método tem a propriedade de articular pesquisa e assistência em um único processo(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).

A observação é uma técnica de coleta de dados utilizada para reunir informações diversas, entre elas, de atividades(99 Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em Enfermagem: avaliação de evidências para a prática da Enfermagem. 7ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2011.). Foi do tipo estruturada, uma vez que utilizou instrumento previamente elaborado para guiá-la, e passiva, pois não houve interferência da pesquisadora(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).

A entrevista caracteriza-se por conversas sobre um fenômeno de interesse e objetiva obter informações. Nesta pesquisa utilizou-se a entrevista semiestruturada e contou-se com um roteiro previamente elaborado(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).

Os grupos são conjuntos de pessoas unidas e interligadas por objetivos ou ideais em comum. Por meio dos GD é permitido ao pesquisador analisar a opinião coletiva do grupo(1010 Afonso MLM, (Org.). Oficinas em dinâmica de grupo na área da saúde. 2ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2013.).

Ressalta-se que não foram encontradas dificuldades na coleta de dados no Laboratório de Manipulação Celular e Criobiologia, e houve colaboração dos profissionais que entenderam a importância do conhecimento do enfermeiro sobre a etapa anterior à infusão das CTH.

Fase 3: perscrutação

Perscrutar é examinar ou investigar rigorosamente. Nesta fase, executam-se as estratégias para obter as informações para definição dos dados(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).Na fase de perscrutação ocorreu a coleta de dados, que se deu em três etapas.

1ª etapa da fase de perscrutação: visou atender ao primeiro objetivo específico da pesquisa, de descrever o preparo das CTH. A definição deste objetivo deve-se ao fato de o preparo destas células determinar o modo de infusão no dia zero e estar relacionado à diminuição da ocorrência e severidade de reações adversas que o paciente pode apresentar durante e após a infusão. Portanto, é imperativo ao enfermeiro conhecer o preparo das CTH para planejar a assistência ao paciente.

No Grupo I, composto por dois bioquímicos e um técnico de laboratório, os dados foram coletados por observação e entrevista simultaneamente. Acompanharam-se os procedimentos em tempo real, e foi realizado registro em instrumento previamente elaborado para este fim. Foram acompanhados nove procedimentos referentes ao preparo de CTH, que totalizaram 30h20min de observação/entrevista. Ressalta-se que previamente ao início da coleta de dados a pesquisadora realizou instrumentação teórica referente aos procedimentos para ter um conhecimento prévio por meio de evidências científicas.

2ª etapa da fase de perscrutação: visou atender ao segundo objetivo específico da pesquisa, de identificar os cuidados que o enfermeiro executa no dia zero do TCTH. A definição deste objetivo foi determinada pela necessidade de apreender a realidade do cuidado de enfermagem no dia zero no local da pesquisa para que o protocolo a ser construído fosse adequado ao serviço.

No Grupo II, composto por 11 enfermeiros, os dados foram coletados por observação do tipo estruturada e passiva, pois não houve interferência da pesquisadora(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.). A duração de cada observação correspondeu a todo o processo de cuidado executado pelo enfermeiro no dia zero (antes, durante e após a infusão das CTH). Foram observados 10dias de infusão, que totalizaram 72 horas. Os registros das observações foram feitos em instrumento previamente elaborado para este fim. Também, antes do início desta etapa, a pesquisadora realizou instrumentação teórica por meio de evidências científicas.

3ª etapa da fase de perscrutação: visou atender ao terceiro objetivo específico da pesquisa,de elaborar o protocolo de cuidados de enfermagem ao paciente no dia zero do TCTH. Nesta etapa, a pesquisadora atuou como coordenadora dos GD e se preparou individualmente para fazê-lo, a fim de trabalhar os atributos considerados indispensáveis a um coordenador de grupo em uma investigação de PCA(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.).

O Grupo III foi composto por 22 enfermeiros, sendo que 9 deles foram participantes também no Grupo II, o que justifica o número total de 27 participantes na pesquisa. Os dados foram coletados por GD. Para este grupo determinou-se o critério de inclusão de tempo de atuação de no mínimo dois anos em TCTH, uma vez que estes participantes contribuiriam com a construção do protocolo, sendo essencial, para tanto, a experiência/vivência nesta área de atuação. Nesta etapa, optou-se pela elaboração prévia do protocolo pela pesquisadora, que foi pautada em evidências científicas e nos dados coletados dos Grupos I e II. Após a elaboração de cada capítulo, eles eram entregues de forma impressa aos participantes para que fizessem uma leitura e pudessem contribuir com sugestões e críticas, culminando no refinamento do protocolo. Foi respeitado o intervalo de 15 dias entre a entrega do material e a realização de cada GD. A Figura 1 sintetiza esta etapa da fase de perscrutação.

Figura 1
Síntese da terceira etapa da fase de perscrutação

Nota: *GD: grupo de discussão.


Como observado na Figura 1, foram realizados quatro GD com temáticas específicas, que corresponderam aos três capítulos do Protocolo (respectivamente GD I, GD II e GD III). No quarto e último GD foi apresentada aos participantes a versão completa do Protocolo e proposta sua aprovação.

Para cada temática (I, II, III e IV), foram realizados sete GD (dois no período matutino, dois no vespertino e três no período noturno), o que totalizou 28 GD realizados. Cada GD teve duração de 30 a 60 minutos. A primeira e segunda etapas da fase de perscrutação (observação/entrevista do Grupo I e observação do Grupo II, respectivamente) não demonstraram dificuldades pertinentes.

Para o Grupo I, não houve interferência da pesquisadora no processo de trabalho dos participantes, não lhes causando qualquer prejuízo. Para o Grupo II, não se verificou constrangimento dos participantes durante a observação. Percebeu-se que o participante desenvolvia seu processo de trabalho sem ater-se à presença da pesquisadora. Para o Grupo III, os GD foram realizados durante o horário de trabalho dos participantes, portanto algumas características do serviço, tais como o atendimento a pacientes críticos e outras intercorrências durante o plantão, impediram a presença de alguns enfermeiros. A estratégia traçada para essa dificuldade foi a realização de dois ou três GD em cada turno de trabalho, o que proporcionou a presença do máximo de participantes possível, resultando na diversidade de experiências/vivências e opiniões.

Fase 4: análise

A análise é a quarta e última fase de uma PCA. Neste estudo as fases de perscrutação e análise ocorreram de forma simultânea. Isto é comum em pesquisas que utilizam esta metodologia(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.) e, de forma geral, em pesquisas qualitativas, nas quais as etapas de amostragem, coleta, análise e interpretação dos dados podem ocorrer de modo iterativo(99 Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em Enfermagem: avaliação de evidências para a prática da Enfermagem. 7ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2011.).

Para os Grupos I e II, os dados coletados foram registrados manualmente em instrumento específico. Terminada cada coleta, os dados apreendidos e registrados foram digitados e salvos no programa Microsoft Office Word, versão 2016, a fim de preservar sua segurança de armazenamento. Realizou-se leitura flutuante do texto produzido e análise comparativa com os dados embasados na literatura científica que apoiou a pesquisa. Os achados da primeira etapa, referentes ao preparo das CTH, foram sintetizados no Protocolo em forma de texto, figuras e fluxogramas. A partir destes achados, o enfermeiro responsável pelo cuidado ao paciente no dia zero é capaz de planejar a assistência de enfermagem de forma mais segura e individualizada.

Os achados da segunda etapa, referentes à identificação dos cuidados do enfermeiro no dia zero, foram analisados e categorizados por concentração temática - cuidados antes, durante e após a infusão das CTH. Dessa análise resultaram temáticas que serviram de base para as discussões dos cuidados nos GD, além de terem contribuído para a elaboração prévia do protocolo conforme a realidade do serviço.

Na terceira etapa, os dados obtidos do Grupo III foram audiogravados. Após cada GD, em arquivo original de cada capítulo do Protocolo no programa Microsoft Office Word, versão 2016, a pesquisadora transcreveu e destacou as sugestões dos participantes. A partir delas, realizaram-se as modificações no Protocolo. Foi previamente definido que, se houvesse divergência entre as alterações propostas pelos participantes e o que era preconizado pela literatura, prevaleceria este último. Contudo, não foram notadas divergências. O Quadro 3 exemplifica a análise desta etapa.

Quadro 3
Análise da terceira etapa de coleta de dados

No quarto e último GD foi apresentada aos participantes a versão completa do Protocolo após as modificações realizadas conforme as sugestões do grupo de enfermeiros. Pelo consenso do grupo foram validadas as alterações e complementações realizadas.

O Protocolo de cuidados de enfermagem no dia zero do TCTH, produto da dissertação de mestrado profissional, possui três capítulos, distribuídos em 44 páginas. Foi produzido em forma de texto, figuras, fluxogramas e quadros. Os cuidados de enfermagem para as duas diferentes modalidades de infusão das CTH (fresca e criopreservada-descongelada) foram divididos em cuidados antes, durante e após a infusão, e dispostos em forma de quadro. Nestes quadros, na coluna da esquerda consta o cuidado e na coluna da direita a justificativa para o cuidado, sendo 38 cuidados para a primeira modalidade, e 37 para a segunda.

Após a aprovação do protocolo pelos enfermeiros no GD IV, este instrumento também foi aprovado para utilização pelos participantes do Grupo I e pela enfermeira referência técnica doServiço de Transplante de Medula Óssea(STMO). Procedeu-se, então, à capacitação de todos os enfermeiros lotados na Unidade de Internação do STMO, e o protocolo foi implantado para utilização no serviço. Para o desenvolvimento desta fase seguiram-se os processos de apreensão, síntese, teorização e transferência, comuns às pesquisas qualitativas(33 Trentini M. O processo convergente assistencial. In: Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre (RS): Moriá; 2014.). Optou-se pela realização da leitura flutuante do texto, análise comparativa com os dados embasados na literatura científica e modificações no Protocolo conforme sugestões dos participantes, o que culminou na elaboração da versão final do instrumento, aprovada pelos pares.

A PCA foi método apropriado para a construção do protocolo de cuidados, e destaca-se a importante contribuição na aproximação entre teoria e prática, com o pesquisador no campo envolvendo-se diretamente com o objeto de pesquisa.

CONCLUSÃO

O objetivo deste relato de experiência foi alcançado por meio da apresentação de um estudo que utilizou a PCA em suas quatro fases. Demonstrou a possibilidade de construção de um protocolo de cuidados de enfermagem utilizando esse método, que tem como um de seus princípios o diálogo entre a pesquisa e a prática assistencial. Além deste diálogo, o método pressupõe a atuação ativa dos participantes durante a pesquisa, o que resulta no apoio e na concordância destes frente à proposta de mudanças e melhorias para o ambiente de trabalho a partir do tema pesquisado.

O protocolo de cuidados de enfermagem constituiu o produto da dissertação e corroborou tanto o propósito da PCA quanto do mestrado profissional, de desenvolvimento de conhecimentos voltados para a melhoria da prática profissional. Esperamos que o relato desta experiência contribua para os pesquisadores que desenvolvem estudos voltados para transformação/melhoria da prática profissional na área da saúde.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2017
  • Aceito
    28 Abr 2018
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