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Práticas profissionais de educação/formação dos enfermeiros em uma unidade de cuidados intensivos

RESUMO

Objetivo:

Compreender a educação/formação dos enfermeiros que trabalham numa unidade de cuidados intensivos.

Método:

Pesquisa qualitativa, recorrendo-se ao modo de investigação estudo de caso, a partir de uma amostra intencional. Para a coleta e tratamento dos dados, fez-se uso de diversas técnicas de pesquisa, privilegiando a análise documental, o inquérito por entrevista e a observação no terreno.

Resultados:

Os dados evidenciam valores de bem-estar, satisfação e motivação dos enfermeiros para a educação e formação em contexto de trabalho. Algumas práticas organizacionais parecem promover as relações interpessoais e, consequentemente, a disposição dos profissionais para adotar dinâmicas formativas permanentes como recompensa, instituindo-se uma estreita relação entre o formal, o não formal e o informal.

Considerações Finais:

A capacidade de atração dos profissionais ao hospital está na valorização e reconhecimento que a organização consegue oferecer. Existe uma reciprocidade entre o hospital que legitima a assistência atualizada e os profissionais que procuram a evidência científica.

Descritores:
Administração Hospitalar; Educação Continuada; Capacitação de Recursos Humanos em Saúde; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermeiras e Enfermeiros

ABSTRACT

Objective:

To understand the education/training of nurses working in an intensive care unit.

Method:

Case study with qualitative approach, with an intentional sample. Data collection and analysis used different research techniques, mainly document analysis, interview and field observation.

Results:

The data highlights feelings of well-being, satisfaction and motivation as important for education and training in a work context. Some organizational practices seem to promote interpersonal relationships and, consequently, increase the willingness of these professionals to adopt a reward perspective regarding continuing education and training, establishing a close relationship between the formal, the non-formal and the informal.

Final Consideration:

The attractiveness of this organization is related to the valorization and recognition that it can offer to the professionals. There is a reciprocity between a hospital that endorses up-to-date care and professionals who seek scientific evidence.

Descriptors:
Hospital Administration; Education, Continuing; Health Human Resource Training; Intensive Care Unit; Nurses

RESUMEN

Objetivo:

Entender la educación/formación de enfermeros que trabajan en un centro de cuidados intensivos.

Método:

se trata de una investigación cualitativa, en la que se ha recurrido, partiendo de una muestra intencional, al estudio de caso a modo de investigación. Para la recolección y el tratamiento de los datos se utilizaron diversas técnicas investigativas, con preponderancia del análisis documental, el interrogatorio mediante entrevista y la observación en el terreno.

Resultados:

Los datos denotan valores de bienestar, satisfacción y motivación de parte de los enfermeros para la educación y formación en el contexto laboral. Algunas prácticas organizacionales parecen promover las relaciones interpersonales y, como consecuencia, estos profesionales se disponen a adoptar dinámicas formativas permanentes, resultando en una relación estrecha entre lo formal, lo no formal y lo informal.

Consideraciones Finales:

La capacidad de atracción que el hospital tiene sobre los profesionales surge de la valorización y del reconocimiento que dicha organización demuestra. Existe una reciprocidad entre el hospital que legitima la atención actualizada y los profesionales que buscan la evidencia científica.

Descriptores:
Administración Hospitalaria; Educación Continuada; Capacitación de Recursos Humanos en Salud; Centro de Cuidados Intensivos; Enfermeras y Enfermeros

INTRODUÇÃO

Este estudo parte do pressuposto de que os modelos de gestão têm impacto nas práticas de formação adotadas por determinado serviço, na medida em que elas demarcam uma cultura organizacional, estabelecem as relações de poder, estabelecem as principais formas de ação dos atores dos contextos, determinam os valores e a importância às coisas e estabelecem critérios de análise de desempenho. A problemática do estudo centrou-se nas políticas, nos princípios e nas lógicas de ação que se consubstanciam em práticas e estratégias de educação e formação dos enfermeiros em unidades de terapia intensiva (UTIs). A nossa opção por UTI tem por base outros estudos que nos chamam atenção para as práticas dos enfermeiros nesse tipo de unidade, distintas de outros contextos. Se, por um lado, as UTIs “(…) são reconhecidas como contextos promotores de qualidade em saúde, nomeadamente em cuidados de enfermagem diferenciados”(11 Macedo A, Mendes C, Candeias A, Sousa M, Hoffmeister L, Lage M. Validation of the Nursing Activities Score in portuguese intensive care units. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 15];69(5):881-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n5/0034-7167-reben-69-05-0881.pdf
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), por outro, são lugares “(…) onde mais ocorrem Eventos Adversos/Incidentes (EA/I) porque os pacientes exigem cuidados intensivos complexos, ficando mais vulneráveis às falhas na assistência”(22 Padilha K, Barbosa R, Oliveira E, Andolhe R, Ducci A, Secoli S. Patient safety in Intensive Care Units: development of a research project. Rev. Esc. Enferm. USP. [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 15];49(Esp):157-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49nspe/1980-220X-reeusp-49-spe-0157.pdf
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). Acresce ainda os resultados de outros estudos que realçam o fato das diferenças pessoais e culturais dos profissionais de enfermagem poderem influenciar as suas decisões, sugerindo a atenção por parte dos gestores dessas unidades para que atribuam maior significado às dimensões de índole social(33 Bringsvora H, Bentsen S, Berland A. Sources of knowledge used by intensive care nurses in Norway: An exploratory study. Intensive Crit Care Nurs [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 15];30:159-66. Available from: http://daneshyari.com/article/preview/2652146.pdf
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).

Nesta investigação, os modelos de gestão, situados em nível organizacional, surgem como analisador das práticas de educação e de formação dos enfermeiros no contexto de trabalho – UTI -, situada em Hospital Universitário do Brasil. Uma das questões norteadoras do estudo é a seguinte: Qual é o papel que a educação e a formação em contexto de trabalho assumem na gestão da UTI? Elegemos por modo de pesquisa o estudo de caso, tendo como protagonistas os enfermeiros da UTI, com base no qual é possível refletir e produzir conhecimento, além de projetar melhorias relevantes em contextos análogos.

O referencial teórico ora apresentado levar-nos-á à compreensão dos modelos de gestão e das práticas profissionais em cuidados intensivos, pretendendo-se evidenciar as suas dinâmicas e as suas relações institucionais, o que nos permite a reconstrução de um arquétipo relativo à organização do trabalho e concretamente da educação e formação. Nesse sentido, socorremo-nos da proposta de modelo teórico de análise que procura cruzar dois eixos, sendo o primeiro referente aos modelos e dimensões organizacionais(44 Ellström P. Four faces of educational organizations. Higher education. 1983;12:231-241. doi: https://doi.org/10.1007/BF00136639
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) e o segundo referente a alguns modelos e dimensões relativos à formação dos enfermeiros em contexto de trabalho: o modelo racional-burocrático, o modelo de sistema social, o modelo político e o modelo anárquico.

O modelo racional-burocrático, no sentido weberiano, enquanto modelo analítico, apresenta dimensões que possibilitam a compreensão de alguns aspectos relacionados à estruturação e ao funcionamento da organização hospitalar. É caracterizado por possuir objetivos e preferências baseados na clareza e no consenso partilhados. Quanto à tecnologia e aos processos, caracterizam-se pela transparência e clareza, uma vez que foram racionalmente estabelecidos e devem ser cumpridos por todos aqueles que executam as funções e as tarefas. Nesse sentido, a racionalidade surge-nos como um elemento fundamental, tal como uma orientação clara para o desenvolvimento das tarefas(44 Ellström P. Four faces of educational organizations. Higher education. 1983;12:231-241. doi: https://doi.org/10.1007/BF00136639
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). Sob tais condições, é suposto que nesse modelo a formação seja tipificada de forma a interiorizar as funções associadas à atividade profissional e de forma a aumentar a previsibilidade dentro dessas estruturas organizacionais. Registra-se uma tendência maior para a valorização da formação formal e instrumental quanto aos conhecimentos e aos valores defendidos.

O modelo de sistema social coloca a ênfase nas relações interpessoais e na cultura organizacional como determinantes da ação organizacional. Tal como o modelo anterior, apresenta objetivos e preferências caracterizados pela clareza e pelo consenso partilhado. Porém, a tecnologia e os processos organizacionais são considerados ambíguos, uma vez que as consciências da ação organizacional são vagamente desconhecidas ou vagamente reconhecidas(44 Ellström P. Four faces of educational organizations. Higher education. 1983;12:231-241. doi: https://doi.org/10.1007/BF00136639
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). As tradições, os valores, as normas, os princípios organizativos, as relações hierárquicas, as relações entre pares, a comunicação dentro de cada serviço e entre diferentes serviços, a importância que se atribui ao trabalho e à produção e o que se designa por “cultura organizacional” agrupam um conjunto de condições que tornam o contexto de trabalho fortemente socializador e produtor de identidades profissionais. Numa organização que se oriente segundo os princípios mencionados, será de esperar que as atividades de formação valorizem a dimensão informal e/ou não-formal.

O modelo político dá relevo a outros conceitos e problemáticas complementares na explicação das dinâmicas organizacionais(55 Morgan G. Imagens da organização. S. Paulo: Atlas; 2015.). Esse modelo afirma-se a partir de um conjunto de indicadores que os seus defensores apontam como características da organização, dos quais se destacam os seguintes: a heterogeneidade de indivíduos e de grupos que dispõem de objetivos e preferências próprios, poderes e influências diversas e posicionamentos hierárquicos diferenciados; a vida dentro da organização que se desenrola com base na conflitualidade de interesses e na consequente luta pelo poder; os interesses individuais ou de grupo que se situam quer no interior da própria organização quer no seu exterior, que influenciam toda a atividade organizacional(44 Ellström P. Four faces of educational organizations. Higher education. 1983;12:231-241. doi: https://doi.org/10.1007/BF00136639
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). Com frequência, o debate e a discussão ocorrem relativamente à natureza dos princípios (como a igualdade, o jogo limpo e a justiça), originando importantes desacordos sobre assuntos que à primeira vista são inócuos(66 Ball S. Global Education Inc.: new policy networks and the neo-liberal imaginary. London: Routledge; New York: Taylor & Francis Group; 2012.), mas que são negociados. O modelo de formação mais congruente com os pressupostos mencionados é, por assim dizer, voluntarista, no que concerne às iniciativas e às margens de liberdade dos atores, permitindo aos indivíduos em formação uma análise reflexiva.

O modelo anárquico representa um dos mais recentes desenvolvimentos nos estudos organizacionais. Ao colocá-lo num polo oposto ao modelo racional, devido às suas diferenças, a força de repulsão que os dois extremos exercem origina também uma certa força de atração sobre outros modelos(77 Lima L. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo: Cortez; 2008.). A autonomia relativa dos subgrupos, quer sejam esses profissionais integrados nas unidades de cuidados, nos departamentos ou nos serviços da administração, dá origem a uma discrepância de atitudes perante situações idênticas que se impõem no dia-a-dia dentro da organização hospitalar. Como tal, os objetivos são ignorados ou entram em conflito, no que concerne à tecnologia e aos processos organizacionais, passando estes a apresentar uma natureza ambígua(44 Ellström P. Four faces of educational organizations. Higher education. 1983;12:231-241. doi: https://doi.org/10.1007/BF00136639
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). Constata-se que os mecanismos estruturais formais nem sempre apresentam elevados graus de conexão e que os sistemas de controle se revelam mais débeis na ação do que é previsto, daqui surgindo a expressão debilmente articulado(88 Hargrave T, Ven A. Integrating Dialectical and Paradox Perspectives on Managing Contradictions in Organizations. Organ Stud [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 15];38:319-39. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0170840616640843
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). Nesse quadro, a absurdez e a casualidade aparecem como aspectos determinantes, evidenciando o acaso ou a informalidade como formas de explorar ideias alternativas sobre finalidades e concepções. Congruentemente com essa perspectiva de organização, de uma racionalidade paradoxal a posteriori, inclui-se uma nova concepção da formação, potencialmente desencadeadora de uma ruptura epistemológica, que permite introduzir outras questões e problemáticas nesse campo. A última seria, então, a “verdadeira formação”, de tipo transcendental, na medida em que extravasa as estratificações sociais e educativas tradicionais, podendo levar o indivíduo à autonomia.

OBJETIVO

Este estudo objetiva compreender a educação/formação dos enfermeiros que trabalham em uma unidade de cuidados intensivos de um Hospital Universitário (HU).

MÉTODO

Aspectos éticos

A investigação empírica teve início após se obter a autorização do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da USP. Uma vez obtidos os pareceres favoráveis desses Comitês, foi agendada reunião prévia com o Enfermeiro Responsável pela UTI, a fim de explicitar os objetivos do estudo, expor a metodologia planejada para a coleta de dados e definir a melhor estratégia para a sua implementação, isto é, para obter a participação voluntária dos sujeitos alvos de estudo (enfermeiros). O anonimato e a confidencialidade dos dados foram preservados ao longo de toda a investigação.

Tipo de estudo

Tratou-se de um estudo de caso, cuja abordagem é qualitativa(99 Yin R. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2015.).

Procedimentos metodológicos

Cenário do Estudo

O estudo de caso foi desenvolvido em uma UTI, de um HU do Estado de São Paulo. A opção por tal unidade de cuidados prendeu-se com o fato de nela se conjugarem alguns aspectos, sobretudo por se encontrar inserida em um HU, localizado num país distinto ao da investigadora, e, por isso, existir o interesse em conhecer a formatividade do grupo de enfermeiros.

Fonte de dados

O tema foi analisado dentro de um quadro global muito próximo da metodologia de investigação etnográfica, ou seja, situamo-nos num paradigma de investigação naturalista e recorremos a diversas técnicas, como a análise de documentos, a entrevista e a observação(1010 Macedo A. Nursing Supervision: studying the "Case" of the phenomenon of interorganizational articulation Nursing School and Hospital. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 15];8(Esp2):200-207. Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=361035360028
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).

Corpus documental

Embora tenhamos escolhido a atualidade como o período da investigação, esse recorte histórico levou-nos à procura da origem dos fatos e, nesse sentido, investigamos o passado. Quanto à questão espacial, o desenvolvimento do tema exigiu informações de nível nacional, principalmente nos aspectos legais, no que diz respeito às políticas de educação e de formação dos enfermeiros. No que concerne à pesquisa sobre as dimensões de análise de nível meso e microsocial, foi importante a coleta de dados relativos à caracterização geral do hospital e concretamente à UTI. O uso do sistema de registro do Nursing Activities Score - NAS, disponível na unidade, subsidiou a compreensão da carga de trabalho dos enfermeiros e a sua relação com a formação naquele contexto.

Inquérito por entrevista

A opção pela entrevista semiestruturada, como principal técnica de coleta de dados de campo, justificou-se pela sua adequação à coleta de testemunhos dos diversos enfermeiros sobre as suas práticas e perspectivas de atuação no cotidiano das unidades de cuidados intensivos. A escolha dos enfermeiros participantes no estudo foi intencional, sendo referenciados à investigadora pelo enfermeiro responsável. Após esse momento, foi marcada uma reunião a fim de se proceder ao esclarecimento dos propósitos do estudo. O período de coleta de dados decorreu durante quinze dias consecutivos na unidade de cuidados, no turno da manhã, tendo sido entrevistados oito enfermeiros. A proximidade estabelecida com os entrevistados e a natureza compreensiva das entrevistas levou-nos a optar pela sua gravação para posteriormente serem transcritas na íntegra. A integração de cada participante na entrevista foi feita após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo entregue uma cópia do Termo para cada entrevistado.

Observação

O trabalho de campo correu no mês novembro de 2015. As deslocações à UTI implicaram na presença da investigadora durante algumas horas, pela importância das dimensões sociais que lá se observavam, com o confronto sistemático entre, por um lado, a visão do mundo e da sociedade dos atores sociais locais obtida por meio de vários tipos de depoimentos verbais e, por outro, dos dados obtidos por observação direta. O recurso a esse método implicou a utilização de um diário de campo para registro de observações e de acontecimentos significativos apropriados ao tipo de estudo, constituído por dois tópicos: i) dinâmicas de trabalho na UTI (espaços, tempos, profissionais, pacientes, métodos de trabalho) e ii) atores, contexto de trabalho e formação (processos de formação, carga de trabalho).

Coleta e análise dos dados

Todos os textos das entrevistas com os enfermeiros foram submetidos a uma análise de conteúdo temática, que permitiu uma compreensão e percepção genéricas do sentido das falas dos atores(1111 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011. p. 73). Relativamente à estruturação da entrevista semidiretiva, as questões foram sistematizadas de acordo com as dimensões de análise coincidentes, em grande parte, com a nossa proposta de modelo teórico para a compreensão da educação e formação em contexto de trabalho hospitalar tal como foi por nós apresentado. Nesse sentido, as unidades de registro identificadas foram organizadas e classificadas de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação, designado por categorização, reagrupando duas rubricas de análise: i) Categoria 1 - Modos de gestão da UCI integrada em um HU; ii) Categoria 2 - Práticas profissionais de educação e formação dos enfermeiros no contexto de trabalho. O tratamento passou por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das falas que permitiram inferir conhecimentos relativos às condições de sua produção. Cada categoria exibiu “temas ou items de significação”, tal como protagonizado por Bardin(1111 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011. p. 73), sendo possível operacionalizar a partir da fala do entrevistado a frase como unidade de codificação. Todos os recortes, obtidos dos depoimentos, estavam identificados por letra E (Enfermeiro), seguida da sequência numérica que representava a ordem em que as entrevistas foram realizadas. Assim, a presente investigação obedeceu à organização cronológica das três fases da análise de conteúdo: a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos resultados, a inferência e interpretação(1111 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011. p. 73).

RESULTADOS

Categoria 1 - Modos de gestão da UTI integrada em um Hospital Universitário

O HU era considerado de referência para os enfermeiros entrevistados. A sua estrutura de gestão mais horizontalizada permitia que os seus atores adotassem um estilo participativo e de trabalho em parceria, multiprofissional. A administração do hospital, além de incentivar o estudo, a formação e a progressão na carreira, parecia permitir aos seus profissionais trabalharem com qualidade, na medida em que era possível garantir os melhores cuidados prestados. A esse propósito alguns entrevistados referiram o seguinte:

[…] o incentivo à formação acadêmica também, eu acho que é diferenciado e diferente dos outros lugares […] além disso, a política de recursos humanos, o salário é muito atrativo comparado com os outros hospitais do estado […]. (E2)

Ah, o hospital é de referência para os enfermeiros, é um hospital que tem a quantidade de enfermeiros que é adequada para cada unidade, […] as atividades do enfermeiro são voltadas sempre para a qualidade assistencial. (E4)

Tema 1- Organização do trabalho dos enfermeiros na UTI

No que diz respeito à organização do trabalho dos enfermeiros dentro da UCI, existiam turnos fixos. Os profissionais mais novos estavam quase sempre alocados no turno noturno, embora numa primeira fase da sua integração passassem obrigatoriamente pelo turno da manhã. A carga de trabalho encontra-se intimamente ligada à qualidade e à segurança da assistência, sendo considerada fundamental para o cálculo do dimensionamento em enfermagem por meio do instrumento que avalia a carga de trabalho dos enfermeiros (NAS). Os entrevistados seguintes expuseram alguns fatos relacionados com a carga de trabalho, tais como as características do ambiente das práticas de enfermagem, as medidas de segurança implementadas na organização, as condições de trabalho e a satisfação profissional:

A gente tem um instrumento que é o NAS e todos os dias atualizaum documento regulador e pode realmente detectar se é necessário mais do que um enfermeiro nos primeiros dias, por exemplo.(E3)

A carga de trabalho acaba sendo excessiva porque você acaba desempenhando dois trabalhos, né, você tem o trabalho direto, a responsabilidade do paciente e a responsabilidade também de supervisionar, de fazer uma tutoria dos alunos. Mas o que eu acho que mais cansa na gente, pelo menos na minha visão, é você não ter fim de semana […]. (E6)

A UTI é caracterizada pela sofisticação tecnológica, onde os avanços e a intervenção profissional, nos mais diferenciados graus de complexidade, estão destinados à sobrevivência da pessoa em situação crítica. No entanto, a utilização de ferramentas exige tempo e disponibilidade por parte dos profissionais, sendo mais uma atividade a acrescentar à carga de trabalho do enfermeiro.

Tema 2- A presença do líder

Todos os entrevistados consideraram essencial a presença do enfermeiro chefe para realizar a gestão da unidade e para motivar os profissionais para o trabalho. Um outro aspecto referido pelos participantes como sendo importante foi a formação do enfermeiro chefe em gestão, associado a um estilo de liderança de proximidade com os seus pares e outros profissionais. Um dos entrevistados diz:

[…] o nosso chefe, por exemplo, fez mestrado em gestão, agora ele faz doutorado em gestão.Ele sabe as leis, ele sabe razão profissional/paciente que tem que ter. Então, se você conversa com ele e ele te responde com esses argumentos, isso te dá segurança […]. (E1)

Nesse contexto, o enfermeiro chefe era visto como o elo de motivação para a educação e formação em contexto de trabalho:

[…] a gente consegue ter uma relação boa com o chefe e com os outros colegas para manter as nossas atividades fora do trabalho. Agora estou fazendo especialização em infecção hospitalar e é bom isso também para o hospital, só que é preciso também uma colaboração para poder fazer.(E1)

Tema 3- A articulação interorganizacional Escola e Hospital Universitário

As opiniões foram unânimes em relação à existência de uma política de recursos humanos de referência, pelo fato do hospital e a escola estarem articulados a uma universidade renomada, de ter uma política de incentivo acadêmico e de incentivo à educação em contexto de trabalho:

[…] a administração deste hospital tem um enfoque grande em incentivar o estudo, incentivar a formação, a carreira profissional também […]. (E2)

A formação articulada com a escola foi considerada de “excelência” e desafiante, quando se tratava de acompanhar os estudantes em estágio:

[…] a gente tenta dar o máximo de conhecimento em terapia intensiva para os alunos.É um dos campos mais elogiados da Escola de Enfermagem.(E8)

Categoria 2 - Práticas profissionais de educação e formação dos enfermeiros no contexto de trabalho

No que diz respeito à educação e à formação que acontecia no HU e no contexto de trabalho, pareciam existir dinâmicas de educação e de formação permanentes como recompensa, instituindo-se uma estreita relação entre o formal, o não formal e o informal. Neste estudo, o formal é estimulado pelos próprios indivíduos, que o consideraram fundamental para fazer face ao contexto de trabalho altamente especializado:

[…] a maioria dos enfermeiros aqui faz mestrado, faz doutorado. A formação é muito boa … então, nos cuidados de UTI é importante você ter um enfermeiro que faça pesquisa. (E4)

O não formal, que tem como objetivo o desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores, nesse caso, ocorria por meio de eventos organizados e estruturados ou pelo próprio hospital/Escola ou por pequenos grupos constituídos a partir dos contextos de trabalho. Para além de serem intencionais, tinham uma duração, apoio institucional e objetivos de aprendizagem determinados e conhecidos pelos participantes:

[…] existem grupos de estudo aqui dentro, por exemplo, em terapia intravenosa, em estomaterapia, em enfermagem baseada em evidências. Então, além da formação acadêmica há um estímulo grande para a formação profissional. (E2)

Finalmente, a UTI permitia a aquisição de conhecimentos ou habilidades fora dos programas educacionais instituídos. Significa que estamos perante contextos ricos em experiências que dão origem a aprendizagens informais. Os saberes adquiridos logo na experiência inicial no contexto de trabalho são marcantes, configurando “mais do que os conhecimentos teóricos da escola”, como nos referiu a entrevistada:

A experiência inicial, os exemplos que você tem com os enfermeiros, o primeiro enfermeiro que você encontra quando vai trabalhar para um hospital, dependendo de como ele é, as habilidades dele, as atitudes dele, o conhecimento dele, você meio que se molda ou porque você admira muito ou o contrário.(E2)

[…] a própria assistência … parece que existe um momento que você diz ‘nossa agora eu não tenho mais nada para aprender’, mas aí chega um caso novo, uma coisa que você nunca viu, que você não lembrava mais. (E2)

Tema 1- Processos de Formação

Os processos de formação podem sempre assumir diferentes perspectivas no modo de diagnosticar, conceber, organizar e executar. Em função de fatores como o HU como organização, os objetivos e as preferências dos seus atores, as tecnologias e os processos, o modelo de formação e os processos de formação propriamente ditos aconteciam através do formal, não formal e informal. Os vários modos de formação, assinalados pela letra M (Modo), foram explicitados pelos enfermeiros, tais como: M1- as orientações de estudantes em ensino clínico e estágio; M2 - o período de integração na profissão; M3 - os grupos de trabalho e de estudo; M4 - a instabilidade hemodinâmica dos doentes e a interação entre profissionais; M5 - as dinâmicas formativas organizadas no contexto de trabalho; M6 - as passagens de plantão. Esses modos eram expressos nos depoimentos apresentados a seguir.

M1- Orientações de estudantes em ensino clínico e estágio

[…] eu acho que existe um ciclo, mas o auge, o máximo dessa formação, é quando a gente recebe os alunos. Mas, como a gente tem aqui alunos 24h durante o ano todo, o contexto é sempre formativo […]. (Eb8)

M2 - Período de integração na profissão

[…] a pessoa entra aqui no hospital, ela fica três meses em treinamento, depois ela vai rodando de horários, mas sempre acompanhada por um enfermeiro. Ela nunca fica sozinha até seis meses. Depois disso, se ela passar na experiência, se ela tiver iniciativa, souber trabalhar em equipa, ela fica. (Eb4)

M3 - Grupos de trabalho e de estudo

[…] aqui dentro a gente faz também estudos de caso. A cada dois meses cada grupo de plantão fica responsável por um tema e depois apresenta para a unidade e assim a gente tenta falar dos assuntos da nossa prática e buscar literatura acerca daquele assunto. (Eb3)

M4- Instabilidade hemodinâmica dos pacientes e a interação entre profissionais

Há momentos assim em que o paciente está instável, em que eu tenho que aplicar os conhecimentos que eu tenho e que eu aprendi, por exemplo, numa parada cardiorrespiratória. (Eb4)

M5 - Dinâmicas formativas organizadas no contexto de trabalho

[…] a gente faz também o que a gente chama de ‘rodas da UTI’, em que os enfermeiros a cada dois meses pegam um estudo de caso, um caso com interesse para a UTI, e desenvolvem quais são os cuidados, quais são as evidências desses cuidados e é apresentado ao grupo. (Eb7)

M6 - Passagens de plantão

Aqui a gente tem esse tempo de passar a visita junto com os médicos de leito em leito. Então, isso facilita bastante o trabalho da gente porque ao mesmo tempo que eu estou vendo o paciente eu já estou vendo a conduta do médico. É tudo discutido de profissional para profissional. (Eb5)

DISCUSSÃO

Apesar do HU possuir um organograma horizontal, era uma organização predominantemente normativa, caracterizada por uma hierarquia e por profissionais que desenvolvem funções distintas de grupo para grupo. Isto é, o trabalho dos profissionais era condicionado pela sua formação (ou socialização) e, mesmo antes de começarem a trabalhar, já iam interiorizando valores e conhecimentos exigidos(1212 Mintzberg H. Estrutura e dinâmica das organizações. Lisboa: Publicações Dom Quixote; 2010.). Ainda dentro da dimensão organização hospitalar, podemos destacar uma outra característica, evidente na UTI, que é o ambiente complexo, em certa parte, pela presença da tecnologia(1313 Perrow C. Análise organizacional: um enfoque sociológico. São Paulo: Atlas; 1981.). Num ambiente dominado pela especialização e fragmentação dos processos de trabalho(1414 Evangelista V, Domingos T, Siqueira FP, Braga E. Multidisciplinary team of intensive therapy: humanization and fragmentation of the work process. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 15];69(6):1099-107. http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1099.pdf
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), a equipe, muitas vezes focalizada para o domínio dos aparelhos e máquinas para fazer face à doença, encontrava os seus maiores desafios do processo de cuidados ao perceber as tecnologias(1515 Pinho L, Santos S, Kantorski L. Analysis of The Nursing Work Process In The Intensive Care Unit. Texto & contexto enferm. [Internet]. 2007 [cited 2017 Oct 15];16(4):703-711. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v16n4/a15v16n4
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) e a sistematização da assistência(1616 Massaroli R, Martini J, Massaroli A, Lazzari D, Oliveira S, Canever B. Nursing work in the intensive care unit and its interface with care systematization. Esc Anna Nery [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 15];19(2):252-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n2/en_1414-8145-ean-19-02-0252.pdf
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).

A análise da articulação Escola e HU assumiu um papel decisivo para a compreensão “(…) dos atores coletivos, profissionais (professores e enfermeiros) e agentes beneficiários (alunos e doentes) que necessitam de cuidados (…)”(1717 Macedo AP. Internship supervision in nursing: between the school and hospital. Rev Enf Ref. 2013;3(11):49-58. doi: http://dx.doi.org/10.12707/RIII1304
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). A liderança organizacional e a influência pessoal do líder têm sido referidos em vários estudos como sendo responsáveis pela criação de ambientes de prática profissional de alta qualidade para os enfermeiros(1818 Balsanelli A, Cunha I. Nursing leadership in intensive care units and its relationship to the work environment. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 15];23(1):106-13. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n1/0104-1169-rlae-23-01-00106.pdf
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19 Coventry T, Maslin-Prothero S, & Smith G. Organizational impact of nurse supply and workload on nurses continuing professional development opportunities: an integrative review. J Adv Nurs [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 15];71(12):2715-27. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26148213
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20 Lankshear S, Kerr M, Laschinger H, Wong C. Professional practice leadership roles: the role of organizational power and personal influence in creating a professional practice environment for nurses. Health Care Manage Rev [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 15];38(4):349-60. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23044835
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-2121 Soares MI, Camelo SHH, Resck ZMR, Terra FS. Nurses' managerial knowledge in the hospital setting. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 15];69(4):631-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n4/en_0034-7167-reben-69-04-0676.pdf
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). O HU do estudo apresentava laços evidentes criados com os atores da Escola de Enfermagem e ainda pelo tipo de liderança organizacional, que no nosso entender desempenha um papel importante no apoio ao desenvolvimento profissional contínuo, considerado pelos entrevistados como um investimento para o futuro. A descrição dos entrevistados acerca do líder desse contexto de trabalho aproximava-se das qualidades do executivo, tais como lealdade à organização, aos seus objetivos, coragem e tato, flexibilidade, entre outras(2222 Barnard C. As funções do executivo. S. Paulo: Atlas; 1971.). A capacidade de liderança, para esse autor, está no poder que os indivíduos têm de inspirar a cooperação, através da crença na compreensão comum. Nesse sentido, o verdadeiro trabalho do líder ou do “executivo” não consiste tanto em organizar, mas em como manter “a organização em funcionamento eficaz”. Aqui, parece estarmos na presença de um dos postulados específicos do movimento das relações humanas e, como tal, dentro de algumas dimensões do modelo de sistema social(44 Ellström P. Four faces of educational organizations. Higher education. 1983;12:231-241. doi: https://doi.org/10.1007/BF00136639
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).

As falas dos enfermeiros acerca da organização HU, os seus modos de gestão e a educação e formação em contexto de trabalho, à luz do nosso quadro teórico, revelaram ênfases distintas no que diz respeito às unidades de análise evidenciadas. Se por um lado parece existir um trabalho desenvolvido pelos enfermeiros, no qual a presença das dimensões burocráticas surge como inevitável, por outro há processos de trabalho que nos levam a acreditar que também existem outras dimensões próximas de um modelo mais político ou até anárquico(44 Ellström P. Four faces of educational organizations. Higher education. 1983;12:231-241. doi: https://doi.org/10.1007/BF00136639
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), que surtem efeito positivo na educação e formação desses profissionais. As decisões dentro da organização hospitalar baseiam-se no poder e influência dos diversos indivíduos e grupos, desenrolando-se basicamente a partir de processos que visam atingir os seus interesses. Desse modo, as metas organizacionais tornam-se ambíguas e sujeitas a interpretações políticas nem sempre coincidentes. O conflito faz parte de um processo natural e inevitável, podendo originar melhorias no funcionamento dos serviços. Alguns entrevistados referiram-se ao conflito como sendo originado pela hierarquização das atividades fruto das suas formações, porque os grupos profissionais tinham expectativas próprias ou mesmo preocupações com o reconhecimento social de enfermagem.

A organização HU parece credibilizar a formação adquirida pelos participantes do estudo. Essa formação foi vista como a base fundamental para aquisição de uma qualificação, sendo capaz de lhe dar algum suporte, mesmo que a educação permanente tenha lacunas. Um aspecto interessante mencionado por um dos entrevistados foi o fato dessa educação ser capaz de padronizar os comportamentos dos indivíduos às características do hospital. Tal visão inclina-se para uma aproximação entre os objetivos da organização e os interesses e preferências dos atores organizacionais. Ora, sabemos que há uma tendência atual, principalmente em grandes organizações, em acentuar nas pessoas modos de ser que favorecem a fácil inserção no meio social das organizações. Dessa forma, favorece-se a aceitação de indivíduos que sejam facilmente adaptáveis à inserção em grupos diversos, fazendo coincidir as suas motivações ou as suas aspirações de sucesso com os perfis de carreira dentro das organizações(2323 Etzioni A. Organizações modernas. São Paulo: Pioneira; 1984.).

Para quem chega à UTI, parece ser “quase inevitável” a procura por uma pós-graduação. Dois fatores são apontados por um dos entrevistados como sendo geradores da autoformação e da formação formal: o fato do ambiente em cuidados intensivos ser complexo, gerador de prazer, sofrimento e stresse(2424 Cruz E, Souza N, Correa R. Dialectic feelings of the intensive care nurse about the work in Intensive Care. Esc Anna Nery [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 15];18(3):479-85. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v18n3/en_1414-8145-ean-18-03-0479.pdf
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); e o contato com os estudantes. A formação na unidade de cuidados segue, portanto, vias distintas, com ações mais ou menos organizadas, ou até com ações de formação espontâneas, mas em interdependência. O imprevisto e a incerteza de algumas situações que se vivem no contexto de trabalho hospitalar contrariam, de certa forma, as representações do senso comum que supõem que tudo obedece a regras rígidas. A necessidade de interação entre pares é vista como muito formativa para os enfermeiros, pois, nesse cenário, podem existir jogos de poder, conflitos e consensos, constituindo-se muitas vezes os indutores da procura da formação. Esse compromisso no processo de cuidar interfere e caracteriza percursos de formação singulares, levando os profissionais a serem mais autônomos. Na sequência do que foi mencionado, a participação dos atores na formação pode ser intensa, mas simultaneamente inconstante, consoante às iniciativas e às margens de liberdade dos atores(2525 Ferry G. El trayecto de la formación: los enseñantes entre la teoría y la práctica. Barcelona: Paidós Educador; 1991.

26 Lesne M. Trabalho pedagógico e formação de adultos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; 1984.
-2727 Barbier J, Lesne M. L'analyse des besoins en formation. Paris: Robert Jauze; 1986.). Assim, os processos de formação podem ser vistos como constituintes de um sistema interativo que congrega indivíduos e subgrupos que perseguem interesses, exigências e ideologias diferentes. Pela nossa observação em campo, também foi possível identificar processos de formação que originam aprendizagens, as quais alguns autores caracterizam de acidentais, realizadas em situações não estruturadas ou pensadas pela educação. Esses processos formativos acontecem na vida quotidiana, nos momentos de lazer, durante os entretenimentos etc.(2828 Berry V, Garcia A. Éducation formelle et éducation informelle: regards croisés sur la notion de compétence (transversale). Éducation et socialisation [Internet]. 2016 [cited 2018 Feb 1];(41). Available from: http://journals.openedition.org/edso/1636
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). Nesse caso, os objetivos são ignorados, embora os momentos formativos originem uma maior mudança de comportamento dos profissionais brasileiros, sendo eles: o contato com o paciente, o encontro com os colegas e grupos profissionais, as reuniões das passagens de plantão multidisciplinar, entre outros.

Com os dados desta pesquisa, é possível afirmar que os enfermeiros evidenciam valores de bem-estar, satisfação e motivação para a educação e formação. Algumas práticas organizacionais parecem promover as relações interpessoais e, consequentemente, a disposição dos profissionais para adotar dinâmicas de educação e formação permanente como recompensa, instituindo-se uma estreita relação entre o formal, o não formal e o informal.

Limitações do estudo

Gostaríamos, finalmente, de explicitar algumas limitações que reconhecemos no nosso trabalho. Apesar de um dos seus propósitos ser a interpretação dos dados recolhidos à luz de um quadro teórico, possibilitando-nos uma aproximação compreensiva da educação e formação em contexto hospitalar, bem como a reconstrução de algumas das suas dimensões, reconhecemos claramente o carácter construído e contingente da nossa análise, resultante de opções investigativas algo arbitrárias, apesar do esforço que despendemos na evidenciação empírica, na credibilização e plausibilidade da sua descrição e interpretação, procurando aclarar de um modo diferente a realidade concreta que estudamos. Por mais evidente que possa parecer a nossa proposta de configuração teórica e de confronto empírico aqui produzidos, tais procedimentos, no entanto, foram difíceis de operacionalizar com os instrumentos usuais de coleta de dados, como a análise de documentos, a entrevista semiestruturada e o diário de observação, uma vez que, entre outros aspectos, o caminho desta interpretação estava em grande medida por percorrer no que concerne às tensões produzidas entre as dimensões organizacionais e as dimensões da formação em contexto de trabalho de um hospital universitário.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A retomada das diferentes dimensões dos modelos organizacionais presentes neste estudo, ao serem salientadas de forma distinta pelos atores que privilegiamos, permite-nos compreender melhor o hospital como organização e a educação/formação no contexto de uma UTI.

Finalmente, com os dados aqui apresentados, é possível gerar uma reflexão aprofundada por parte das organizações de saúde e UTIs em geral, projetando condições gestionárias, melhorias e estratégias relevantes para o desenvolvimento da educação/formação que acontece no contexto de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu compreender a educação/formação dos enfermeiros que trabalham numa unidade de cuidados intensivos de um Hospital Universitário (HU) brasileiro. Embora a literatura a partir das teorias organizacionais e da administração, por nós analisada, tenda a dar uma grande centralidade ao modelo racional-burocrático na compreensão dos modos de gestão e das práticas profissionais dos enfermeiros em UTIs, esta investigação confirmou que há dimensões do hospital como organização que só podem ser explicadas por outros modelos teóricos.

Ao optarmos pelo estudo do HU como organização, não era possível fugirmos da questão de fundo que se prende com os modelos teóricos de análise, dos quais dependeria a leitura que viríamos a fazer do HU e concretamente da educação e formação que acontece numa UTI. Esse tipo de unidade caracteriza-se pelo seu ambiente complexo e exigente para os profissionais que têm por principal atividade a supervisão/monitorização contínua de cuidados especializados, tais como: i) conhecimentos complexos e multifacetados, baseados em evidências científicas; ii) carga de trabalho avaliada através do NAS; iii) modelo biomédico enfatizado na prestação de cuidados; iv) dados clínicos fracionados pelas equipes (médicos/enfermeiros). No entanto, a unidade é distinta de muitas outras, desde logo, pela estrutura tecnológica, pelo ambiente, pelas dinâmicas de trabalho e pelo tipo de educação e formação que acontece no local de trabalho. Esse destaque aponta para as condições gestionárias e motivações dos enfermeiros para a educação e formação em contexto de trabalho. A capacidade de atração dos profissionais ao hospital está na valorização e reconhecimento que essa organização consegue oferecer-lhes. Assim, parece existir uma reciprocidade entre o hospital que legitima a assistência atualizada e os profissionais que procuram a evidência científica.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos enfermeiros da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo pela participação no estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2018
  • Aceito
    05 Ago 2018
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