Contribuições da prática clínica do enfermeiro para o cuidado na Atenção Primária

RESUMO

Objetivo:

Compreender como a prática clínica do enfermeiro repercute no cuidado aos usuários na Atenção Primária à Saúde.

Método:

Pesquisa qualitativa com aporte teórico metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados. A coleta de dados ocorreu entre maio e outubro de 2016 no serviço de Atenção Primária de Florianópolis. A amostragem teórica compreendeu 18 enfermeiros divididos em dois grupos.

Resultados:

A prática clínica do enfermeiro repercute na consolidação do vínculo de confiança com os indivíduos, família e comunidade através da ampliação da resolutividade da prática clínica do profissional na Atenção Primária à Saúde pela implementação dos protocolos clínicos de enfermagem e, também, do uso da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem nesse cenário e suas contribuições para uma prática clínica efetiva e de qualidade.

Considerações finais:

A prática clínica do enfermeiro repercute de maneira positiva no cuidado à saúde dos usuários na Atenção Primária à Saúde.

Descritores:
Enfermagem; Atenção Primária à Saúde; Prática Clínica Baseada em Evidências; Avaliação em Enfermagem; Terminologia Padronizada em Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To understand the repercussions of the nurse’s clinical practice on Primary Health Care.

Method:

Qualitative research with the theoretical and methodological contribution of Grounded Theory. Data collection took place between May and October 2016 in Florianópolis’ Primary Care service. The theoretical sample was comprised of 18 nurses divided into two groups.

Results:

nurses’ clinical practice has repercussions on the consolidation of the trust bond between individuals, families and communities, by amplifying the problem-solving efficacy of the Primary Health Care professional’s clinical practice. This is due to the implementation of clinical nursing protocols, and also the use of the International Classification for Nursing Practice.

Final considerations:

Nurses’ clinical practice has positive repercussions on the health of Primary Health Care users.

Keywords:
Nursing; Primary Health Care; Evidence-Based Practice; Nursing Evaluation Research; Standardized Nursing Terminology

RESUMEN

Objetivo:

Identificar cómo la práctica clínica del enfermero influye en la asistencia a los usuarios de la Atención Primaria a la Salud.

Método:

Investigación cualitativa, utilizándose como marco teórico-metodológico la Teoría Fundamentada en los Datos. La recolección de datos ocurrió entre mayo y octubre de 2016, en el servicio de Atención Primaria de Florianópolis, Brasil. El muestreo teórico comprendió a 18 enfermeros, siendo que fueron divididos en dos grupos.

Resultados:

La práctica clínica del enfermero influye en la consolidación del vínculo de confianza con los individuos, la familia y la comunidad por medio de la ampliación de resolutividad de la práctica clínica del profesional en la Atención Primaria a la Salud por la implementación de los protocolos clínicos de enfermería y por el uso de la Clasificación Internacional para la Práctica de Enfermería, en este escenario, y sus contribuciones a una práctica clínica efectiva y de calidad.

Consideraciones Finales:

La práctica clínica del enfermero influye positivamente en la asistencia a los usuarios de la Atención Primaria a la Salud.

Descriptores:
Enfermería; Atención Primaria de Salud; Práctica Clínica Basada en la Evidencia; Evaluación en Enfermería; Terminología Normalizada de Enfermería

INTRODUÇÃO

A prática clínica, desenvolvida nas ações diárias de cuidado do enfermeiro, pode ser compreendida como um complexo de atividades e ações que, amparadas pela prática baseada em evidência, almejam uma atenção integral à saúde dos usuários, família e comunidade⁽¹⁾.

No contexto da Atenção Primária à Saúde (APS), que desempenha papel ordenador do sistema de saúde dentro das Redes de Atenção à Saúde⁽²⁾, a prática clínica incide na superação de uma lógica curativa para operar em sentido à promoção da saúde e prevenção de doenças e/ou agravos, por meio de atitudes clínicas multiprofissionais junto à comunidade nas diferentes demandas conhecidas nesse cenário. Para tanto, é necessário que as relações emergidas entre os sujeitos durante o exercício da prática clínica sejam dialógicas, horizontais, acolhedoras e com corresponsabilização no cuidado⁽³⁾.

Estudo de revisão com objetivo de elencar e analisar fatores potencializadores e dificultadores da prática clínica do enfermeiro na Estratégia Saúde da Família (ESF) destacou a clínica ampliada como fator potencializador, sendo ela adotada pelo acolhimento e sistematização da assistência de enfermagem. Já entre os aspectos dificultadores, ressaltaram-se a influência do modelo biomédico, a escassa qualificação dos enfermeiros para a implementação do processo de enfermagem e condições organizacionais e de infraestrutura inadequadas⁽⁴⁾.

Nesse campo, a prática clínica baseada em evidência emerge para impulsionar o raciocínio e julgamento crítico do enfermeiro frente às demandas de saúde-doença da população, contribuindo para uma tomada de decisão mais segura e compatível aos problemas apresentados⁽⁵⁾. Diante das especificidades do cenário da APS, das potencialidades e dificuldades encontradas na atuação profissional, importa ao enfermeiro, junto à equipe multiprofissional, adotar estratégias que contornem potenciais implicações à sua prática clínica, de modo que ela repercuta em cuidado à saúde integral e de qualidade. Deste modo, questiona-se: como a prática clínica desenvolvida pelo enfermeiro na APS repercute no cuidado aos usuários nesse cenário?

OBJETIVO

Compreender como a prática clínica do enfermeiro repercute no cuidado aos usuários na Atenção Primária à Saúde.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo atendeu aos preceitos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, conforme normas e diretrizes presentes na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, com projeto aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina.

Os participantes, esclarecidos quanto ao objetivo do estudo e aspectos éticos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aceitando participar da pesquisa. Para preservar sua identidade e garantir seu anonimato foram identificados nas falas por um código representado pela letra E (Enfermeiro), seguida do número de ordem da entrevista (E1, E2, E3...), e da letra G (Grupo) com o número referente ao grupo amostral (G1, G2).

Referencial teórico metodológico

Adotou-se como referencial teórico metodológico a vertente straussiana da Teoria Fundamentada nos Dados, que busca a criação de oportunidade de explicação dos fenômenos sociais pelos significados atribuídos a estes pelas pessoas que o experimentam, respondendo quem, o que, onde, por que, como e com quais consequências os fenômenos ocorrem⁽⁶⁾.

Tipo de estudo

Estudo de abordagem qualitativa.

Procedimentos metodológicos

Este artigo é oriundo da dissertação de mestrado intitulada “Significando a prática clínica do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde”, que teve como fenômeno “Desvelando a integralidade na prática clínica do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde alicerçada pela Sistematização da Assistência de Enfermagem”, sustentado por três componentes, ou categorias, conforme preconiza a vertente do método adotado.

O primeiro componente “condições” diz respeito às condições e às justificativas dadas pelas pessoas sobre o porquê de determinado fenômeno ocorrer de determinada maneira. O segundo se refere às “ações-interações”, que apresenta, em suma, as respostas dadas pelas pessoas às situações problemáticas vivenciadas em determinado contexto. Já o último componente “consequências” corresponde às repercussões reais ou esperadas pelos participantes para resolução de situações problemáticas oriundas das relações, ações e interações estabelecidas pelas pessoas envolvidas no processo/fenômeno estudado⁽⁶⁾. Dada^.à relevância do último, optou-se por aprofundar a discussão sobre seus achados neste artigo.

Hipóteses

Nas entrevistas realizadas com o primeiro grupo amostral, os enfermeiros reportaram o uso dos protocolos de enfermagem como ferramenta de auxílio e base para seus atendimentos à população, reforçando ainda o incremento que ele ocasionou no desenvolvimento de sua prática clínica, por ampliar suas ações nas demandas da APS. Os protocolos foram idealizados e desenvolvidos pela Comissão Permanente de Sistematização da Assistência de Enfermagem (CSAE), também formada por enfermeiros da Rede junto à representação técnica de APS no município. Assim, emergiu a hipótese de que a CSAE apresenta grande importância no incentivo à ampliação da prática clínica e autonomia do enfermeiro na APS, diante da elaboração de protocolos clínicos de enfermagem, de modo que a participação destes no presente estudo traria contribuições para a compreensão do fenômeno estudado.

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido na Atenção Primária do município de Florianópolis, que conta com 49 centros de saúde distribuídos em cinco distritos sanitários. Participaram do estudo 11 centros de saúde, os quais contavam com o maior número de atendimento à demanda espontânea, contemplando todos os distritos sanitários, conforme critérios de inclusão adotados.

Fonte de dados

Participaram do estudo 18 enfermeiros divididos em dois grupos amostrais. Compuseram o primeiro grupo amostral dez enfermeiros, selecionados de maneira intencional, dentre os dez centros de saúde com maior número de consultas de demanda espontânea, através de dados obtidos na Secretaria Municipal de Saúde do município.

Os critérios de inclusão do grupo foram: enfermeiros que integrassem a ESF há pelo menos seis meses e realizassem assistência direta aos usuários de saúde através das consultas de demandas espontânea.

O segundo grupo amostral foi composto por oito enfermeiros que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: participar da CSAE e também atuar na assistência direta à população no centro de saúde.

O critério de exclusão para ambos os grupos foi estar afastado do trabalho durante a coleta de dados. Assim, foram excluídos dois enfermeiros do segundo grupo amostral que se encontravam de licença do trabalho.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados no período de maio a outubro de 2016 por meio de entrevistas abertas que tiveram a seguinte questão norteadora: “Fale-me sobre a sua prática clínica no cuidado aos usuários na Atenção Primária à Saúde”. As entrevistas foram realizadas no próprio centro de saúde, em sala reservada de escolha dos participantes, com duração média de 30 minutos, audiogravadas e posteriormente transcritas na íntegra. Para auxiliar na organização dos dados no momento da análise foi utilizado o software NVivo^® 11.

Análise dos dados

A análise dos dados foi comparativa, na qual determina-se diferenças e similaridades entre as informações, reduzindo-as em conceitos em suas propriedades e dimensões⁽⁶⁾.

O processo de análise ocorreu em três etapas interdependentes: I) codificação aberta, na qual os conceitos foram identificados e sua propriedades e dimensões descobertas, agrupando-se os fatos e acontecimentos similares sobre um mesmo tópico; II) codificação axial, onde as categorias foram relacionadas às subcategorias, a fim de obter uma explicação mais completa sobre o fenômeno; III) integração, o processo final do desenvolvimento da teoria, que consistiu na ligação das categorias, criadas anteriormente, em torno de uma categoria central.

O estudo seguiu o modelo paradigmático proposto por Corbin e Strauss, composto por três componentes: condições; ações-interações; e, consequências⁽⁶⁾, apresentado neste artigo.

A partir da repetição de informações e ausência de novos elementos relevantes para a pesquisa e consolidação das categorias para compreensão do fenômeno, obteve-se a saturação teórica. Para auxiliar o processo de análise, memorandos e diagramas também foram utilizados, conforme preconizado pelo método⁽⁶⁾.

RESULTADOS

Os achados do estudo convergem para as repercussões da prática clínica do enfermeiro no cuidado aos usuários de saúde na APS. Tais achados são representados pela categoria “Consolidando o vínculo de confiança com a comunidade por meio da ampliação da autonomia e resolutividade do enfermeiro”, sustentada por duas subcategorias que estão apresentadas a seguir.

Ampliando a resolutividade da prática clínica a partir dos protocolos de enfermagem

Os enfermeiros destacaram os protocolos clínicos de enfermagem como uma ferramenta que auxilia a consulta do profissional e concede maior subsídio para o desenvolvimento da prática clínica na APS, trazendo possibilidades de ações de rastreio, diagnóstico e indicação da melhor e mais indicada conduta a ser tomada.

Os protocolos foram elaborados por uma comissão de enfermeiros que atua desde a assistência direta nos centros de saúde até o setor de gestão de APS do município, a CSAE, que reúne experts nos assuntos abordados em cada protocolo, trazendo a melhor evidência científica possível para atender às necessidades dos usuários atendidos na APS. Os protocolos estão disponíveis na rede em quatro volumes, sendo eles: I) Hipertensão, Diabetes e outros fatores associados a doenças cardiovasculares; II) Doenças Sexualmente Transmissíveis e outras doenças transmissíveis de interesse em saúde coletiva (dengue e tuberculose); III) Saúde da mulher na atenção primária; e IV) Atendimento à Demanda Espontânea do Adulto. Foi relatado ainda que o uso de tais protocolos amplia as alternativas e possibilidades de diagnósticos e intervenções de enfermagem de forma unificada e fundamentada.

Com a implementação dos protocolos, os enfermeiros passaram a ter respaldo legal para a prescrição e renovação de receitas em casos especiais, nos quais há estabilidade do quadro clínico, o que aumentou sua autonomia e consequente resolutividade da prática clínica, além de proporcionar maior agilidade aos atendimentos na APS, segundo relatos.

Teve a ampliação da clínica do enfermeiro [...] eu ouço o paciente e quando eu estou atendendo a pessoa diz : “ Ah, eu quero renovar a minha receita do remédio da pressão” [...] Então, eu tenho lá [no protocolo] os critérios que eu posso prescrever, eu mesmo já prescrevo a medicação, já peço os exames de rotina e já marco uma consulta para ele vir outro dia comigo. Antes esse tipo de paciente nunca passaria com o enfermeiro, entendeu ? (E12G2)

Alguns enfermeiros percebem a execução das diretrizes do Ministério da Saúde, por meio dos protocolos, de uma maneira mais intensa no município de Florianópolis, em comparação a outros municípios em que já atuaram.

Eu trabalhava em outro município que eu não tinha tanto essa liberdade, digamos que eu atendia mais as demandas programadas, mas vindo para cá [Florianópolis] é bem diferente [...] eu comecei a atender adulto/jovem que não era de programa nenhum, ou criança com outras situações que não fossem aquelas previstas [...]. O modelo que os municípios empregam é diferente de um para o outro, mas acho bem importante [a implantação dos protocolos] ; acho que isso colabora com o trabalho do enfermeiro, mostra que nós temos essa capacidade. (E2G1)

Cabe ressaltar que os protocolos de enfermagem se encontram disponíveis para consulta on-line no site da prefeitura do município, o que é justificado pela CSAE devido às possíveis alterações e atualizações que os protocolos podem sofrer a partir da sua avaliação contínua e das necessidades identificadas pelos enfermeiros da prática em conjunto com a CSAE.

Com a implantação dos protocolos, as capacitações sobre seu uso e sobre as novas atribuições clínicas passaram a fazer parte da rotina dos enfermeiros. Regularmente, eles se reúnem para discutir dúvidas e estratégias sobre o uso dos protocolos ou sobre alguma necessidade emergida da prática profissional.

Adotando a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem na prática clínica do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde

Atrelada aos protocolos clínicos de enfermagem está a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), adotada também pela CSAE, que consiste em um sistema informatizado que visa unificar a linguagem universal entre os enfermeiros por meio da padronização nos registros das consultas de enfermagem e disponibilização de um rol de diagnósticos e intervenções específicos de enfermagem.

Os enfermeiros possuem amplas expectativas acerca das contribuições da CIPE para a prática clínica dos enfermeiros no cuidado à saúde da comunidade. Apesar de ainda estar em fase de teste nos centros de saúde-piloto do município, ela já vem sendo pauta de muitas discussões entre os enfermeiros da rede, que conseguem avaliar contribuições positivas do seu uso para a prática clínica por meio da sistematização do cuidado.

Eu acho que vai ser positivo [...] ; é necessário que exista uma metodologia para o enfermeiro, até por que a gente faz muito e não registra. Tu estás diagnosticando diariamente, é aquela coisa corrida, como se o enfermeiro não estivesse fazendo nada, porque não registra. (E9G1)

O sistema informatizado atualmente utilizado nos centros de saúde no município estudado é o InfoSaúde, que adota o SOAP (Subjetivo, Objetivo, Análise e Plano) como uma das metodologias da assistência do enfermeiro e permite diferentes formas de registro da sua prática clínica. De maneira complementar, a CIPE será implantada nesse sistema, visando a aprimorar tanto as formas de registro quanto a comunicação entre os enfermeiros, via prontuário eletrônico e melhorar a qualidade do cuidado prestado.

Nós elencamos a CIPE para organizar a parte do registro de enfermagem [...] ; temos uma reunião mensal com os centros de saúde-piloto que ajudam a construir intervenções, a melhorar o diagnóstico [...] ; já construímos a base para fazer o InfoSaúde, como vai ser construído o prontuário eletrônico todo. (E11G2)

A partir da avaliação periódica realizada pelos centros de saúde-piloto sobre o uso da CIPE, é possível desenvolver ações de educação em saúde para os profissionais. Com as capacitações e oficinas realizadas, muitos enfermeiros acreditam que o manejo clínico e as terapêuticas empregadas serão mais bem executados, uma vez que nesses momentos há a possibilidade de discutir e planejar o melhor tratamento para os principais diagnósticos trazidos pelos pacientes.

Está sendo bem interessante [o uso da CIPE], porque a partir disso a gente já consegue ver quais diagnósticos que a gente mais usa e até pensar em educação permanente [...]. Com a CIPE você consegue enxergar melhor sua comunidade, ver qual o diagnóstico da sua comunidade.(E12G2)

Diante da possibilidade de reconhecimento do diagnóstico que mais emerge nas consultas de enfermagem é possível se ter um panorama da área de abrangência do centro de saúde, além de conhecer melhor a comunidade e assim estabelecer e até aumentar seu vínculo.

Quando tu tens vínculo, já conheces o paciente, já conheces as queixas dele, conheces a família dele, conheces os medicamentos que ele faz uso, tu até sabes se ele está aderindo ao tratamento ou não. (E7G1)

Em suma, ações desenvolvidas por meio dos protocolos clínicos de enfermagem e da CIPE fortalecem o vínculo de confiança entre enfermeiro e comunidade, que reconhece no profissional um membro da equipe da saúde que sabe avaliar e dar uma resposta efetiva à sua demanda, tornando-se um profissional de referência para a comunidade.

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo se concentram principalmente nas repercussões da prática clínica do enfermeiro no cuidado aos usuários de saúde na APS pelas contribuições dos protocolos clínicos de enfermagem e da CIPE. O uso desses protocolos na APS foi evidenciado como uma ferramenta que orienta, apoia e possibilita a ampliação da autonomia do enfermeiro durante a sua prática clínica.

Comprovando os resultados, destacam-se na literatura repercussões do uso de protocolos por enfermeiros em pacientes com condição crônica. Elas agregam valores positivos ao fortalecer a adesão terapêutica, mudanças no estilo de vida dos pacientes e fortalecimento do vínculo profissional-paciente, com consequentes melhoras nos resultados de saúde⁽⁷⁾.

De forma semelhante, estudo sobre a atuação do enfermeiro na APS no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra enfatiza a prática clínica do enfermeiro, também sendo guiada pelo uso de protocolos para o julgamento clínico em pacientes com condição crônica⁽⁸⁾. Os protocolos clínicos de enfermagem, além de auxiliarem a sistematizar a assistência, contribuem para a segurança do paciente ao controlar variações de prática de cuidado entre os profissionais e fortalecer o processo de trabalho do enfermeiro guiado por evidências clínicas atuais⁽⁹⁾.

Outro aspecto atrelado ao uso desses protocolos é seu destaque como ferramenta importante na sistematização da assistência, entretanto, problematiza-se essa questão para que haja aproximação do campo teórico e do prático da profissão e as diferentes demandas da sociedade⁽¹⁰⁾, haja vista que a sistematização da assistência é inerente ao cuidado de enfermagem ao organizar a qualidade do cuidado prestado, unificar a linguagem utilizada pelos enfermeiros em seus diagnósticos e promover a autonomia dos profissionais⁽¹¹⁾.

Corroborando ao uso do protocolo clínico de enfermagem e à sistematização da assistência para o fortalecimento da prática clínica do enfermeiro, a CIPE é mencionada, atrelada a tais atividades. Ela é um instrumento que expõe elementos da prática clínica de enfermagem com diagnósticos, ações realizadas e seus resultados, além de sistematizar os dados identificados, aprimorando o cuidado prestado e possibilitando mudanças positivas na prática de enfermagem por meio da educação, administração e pesquisa na perspectiva individual, familiar e comunitária^(11-12).

Embora a CIPE possua muitas vantagens, a sua instrumentalização na prática clínica ainda é pouco operada no contexto da APS. A escassez de linguagem própria e unificada para os registros realizados pelos enfermeiros na APS é destacada neste estudo e também em outros como um dificultador para a prática clínica do enfermeiro^(13-14). A unificação da linguagem através da CIPE, de forma clara e simples, facilita a educação em saúde ao direcionar o cuidado educativo a partir dos resultados levantados com os diagnósticos.

Ainda, a implantação dos diagnósticos de enfermagem através da CIPE favorece a classificação de conceitos da prática do enfermeiro, proporcionando melhor visibilidade dos cuidados pelos quais ele possui responsabilidade⁽¹⁵⁾. Entretanto, chegar a um diagnóstico de enfermagem exige do profissional domínio de conhecimento teórico, experiência prática e julgamento crítico combinados às informações de saúde-doença dos indivíduos^(12,16).

A partir do diagnóstico de enfermagem, o enfermeiro é capaz de elaborar um plano de cuidados individualizado, considerando as especificidades em saúde de cada indivíduo, e ainda os aspectos psicossociais que o cercam, suas potencialidades e fragilidades⁽¹⁷⁾, envolvendo-o na elaboração do plano de cuidados.

Nesta lógica, estudo realizado no serviço de APS do Canadá, com objetivo de examinar a experiência de pacientes e seus familiares com a integração do cuidado como parte de uma intervenção de “gerenciamento de caso”, ou do inglês case management, também realizado em países desenvolvidos como o Reino Unido e os Estados Unidos da América, enfatizou a importância da participação do paciente no desenvolvimento de seu plano de cuidados⁽¹⁸⁾.

Com o envolvimento ativo dos pacientes na elaboração do plano de cuidados e nas tomadas de decisão, os pacientes reportaram sentir que suas necessidades eram consideradas e suas escolhas respeitadas. Como esse trabalho é especialmente desenvolvido pelo enfermeiro, este passa a ser considerado como profissional de referência para informar, educar, dar suporte e ainda ajudar em seu caminhar pelo sistema de saúde⁽¹⁸⁾.

Esse vínculo estabelecido entre enfermeiro e usuário transmite o comprometimento com a integralidade do cuidado e essência do trabalho na APS, articulando na consulta de enfermagem uma prática clínica consolidada à prevenção de agravos, recuperação e promoção da saúde, além do desenvolvimento de práticas de educação em saúde acessível aos indivíduos, família e comunidade^(19-20).

Limitações do estudo

Este estudo se limitou apenas a um cenário de coleta de dados, não sendo possível sua generalização a cenários distintos.

Contribuições para a área da enfermagem

Esta pesquisa pode contribuir para o conhecimento e prática do enfermeiro na APS pela adoção de estratégias e ferramentas que subsidiam, de modo a ampliar o desenvolvimento da prática clínica do enfermeiro, já considerada de suma importância nesse cenário, trazendo assim consequências positivas para o cuidado em saúde e enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados deste estudo contribuem para o conhecimento sobre a temática, pontuando que o desenvolvimento da prática clínica do enfermeiro no contexto da APS repercute de maneira positiva no cuidado à saúde dos usuários por meio de duas estratégias inovadoras nesse cenário no município estudado: os protocolos clínicos de enfermagem e a adoção da CIPE. Os protocolos clínicos de enfermagem reforçam o uso da prática baseada em evidências para além do contexto hospitalar, enfatizando o julgamento crítico e a tomada de decisão na APS. A adoção da CIPE nos prontuários eletrônicos, que mesmo não oficialmente implantada em todos os centros de saúde do município, já mostrou resultados positivos ao contribuir com o fortalecimento da prática clínica do enfermeiro e maior qualidade no cuidado à saúde dos indivíduos, família e comunidade.

REFERENCES

• ¹
  Borges CL, Freitas MC, Guedes MVC, Silva MJ, Leite SFP. Nursing clinical practice in the frail elderly care: reflection study. Rev Enferm UFPE[Internet]. 2016[cited 2018 Apr 12];10(Suppl. 2):914-18. Available from: https://www.researchgate.net/publication/299305005_nursing_clinical_practice_in_the_frail_elderly_care_reflection_study_pratica_clinica_do_enfermeiro_no_cuidado_ao_idoso_fragilizado_estudo_de_reflexao_practica_clinica_del_enfermero_en_el_cuidado_al_an
  » https://www.researchgate.net/publication/299305005_nursing_clinical_practice_in_the_frail_elderly_care_reflection_study_pratica_clinica_do_enfermeiro_no_cuidado_ao_idoso_fragilizado_estudo_de_reflexao_practica_clinica_del_enfermero_en_el_cuidado_al_an
• ²
  Rodrigues LBB, Silva PCS, Peruhype RC, Palha PF, Popolin MP, Crispim JA, et al. [Primary Health Care in the coordination of health care networks: an integrative review]. Ciênc Saúde Coletiva[Internet] 2014[cited 2018 Apr 12];19(2):343-52. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n2/1413-8123-csc-19-02-00343.pdf Portuguese.
  » http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n2/1413-8123-csc-19-02-00343.pdf
• ³
  Pinto AGA, Jorge MSB. [Clinical practice in the family health strategy: relationships between team and users in urban territory]. Rev G&S[Internet]. 2015[cited 2018 Apr 12];6(2):1514-29. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/22483/16080 Portuguese.
  » http://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/22483/16080
• ⁴
  Costa RHS, Couto CRO, Silva RAR. [Clinical practice of nurses in the Family Health Strategy]. Saúde (Santa Maria)[Internet]. 2015[cited 2018 Apr 12];41(2):9-18. Available from: https://periodicos.ufsm.br/revistasaude/article/download/10841/pdf Portuguese.
  » https://periodicos.ufsm.br/revistasaude/article/download/10841/pdf
• ⁵
  Camargo FC, Garcia LAA, Santos AS, Iwamoto HH. Evidence-based practice: bibliometric review of national publications in nursing journals. REFACS[Internet]. 2017[cited 2018 Jul 10];5(3-Esp):429-39. Available from: seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/download/2137/pdf_1
  » seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/download/2137/pdf_1
• ⁶
  Corbin J, Strauss AL. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. 4th ed. Los Angeles: SAGE; 2015.
• ⁷
  Shaw RJ, McDuffle JR, Hendrix CC, Edie A, Lindsey-Davis L, Nagi A, et al. Effects of nurse-managed protocols in the outpatient management of adults with chronic conditions. Ann Intern Med[Internet]. 2014[cited 2018 Apr 19];161(2):113-21. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25210722
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25210722
• ⁸
  Toso BRGO, Filippon J, Giovanella L. Nurses' performance on primary care in the National Health Service in England. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016[cited 2018 Apr 19];69(1):169-77. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26871232
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26871232
• ⁹
  Diniz IA, Cavalcante RB, Otoni A, Mata LRF. Perception of primary healthcare management nurses on the nursing process. Rev Bras Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Apr 19];68(2):182-9. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680204i
  » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680204i
• ¹⁰
  Yakuwa MS, Andrade RD, Wernet M, Fonseca LMM, Furtado MCC, Mello DF. Nurses' knowledge in child health primary care primary. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016[cited 2018 Apr 19];25(4):1-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n4/0104-0707-tce-25-04-2670015.pdf
  » http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n4/0104-0707-tce-25-04-2670015.pdf
• ¹¹
  Silva ES, Castro DS, Romero WG, Garcia TR, Primo CC. Nursing protocol for psychosocial and spiritual alterations of the person with colostomy. Cogitare Enferm[Internet]. 2015[cited Apr 25];20(3):466-73. Available from: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/40664/26187
  » https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/40664/26187
• ¹²
  Bittencourt GR, Oliveira FM, Santana RF, Marques D, Rocha ICM, Cavalcanti ACD. [Knowledge and practices of nursing students on nursing classification systems]. Enferm Cent O Min[Internet]. 2016[cited 2018 Apr 25];6(2):2247-57. Available from: http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/969/1107 Portuguese.
  » http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/969/1107
• ¹³
  Avelino CCV, Costa LCS, Buchhorn SMM, Nogueira DA, Goyatá SLT. Teaching-learning evaluation on the ICNP(r) using virtual learning environment. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Apr 25];70(3):602-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n3/0034-7167-reben-70-03-0602.pdf
  » http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n3/0034-7167-reben-70-03-0602.pdf
• ¹⁴
  Clares JWB, Nóbrega MML, Guedes MVC, Silva LF, Freitas MC. Bank of terms for clinical nursing practice with community elderly. Rev Eletr Enf[Internet]. 2016[cited 2018 Apr 25];18(e1167):1-8. Available from: https://revistas.ufg.br/fen/article/view/37759/21672
  » https://revistas.ufg.br/fen/article/view/37759/21672
• ¹⁵
  Coelho MMF, Miranda KCL, Guedes MVC, Monteiro ARM, Silva LF, Leite ACS. [Applicability of ICNP(r) based on the theory of modeling and role-modeling]. Rev Bras Enferm[Internet] . 2014[cited 2018 Apr 28];67(3):438-42. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n3/0034-7167-reben-67-03-0438.pdf Portuguese.
  » http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n3/0034-7167-reben-67-03-0438.pdf
• ¹⁶
  Forsberg E, Ziegert K, Hult H, Fors U. Clinical reasoning in nursing, a think-aloud study using virtual patients - a base for an innovative assessment. Nurs Educ Today[Internet]. 2014[cited 2018 May 3];34(4):538-42. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23938093
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23938093
• ¹⁷
  Parsons LC, Revell MA. Clinical Updates in Pathophysiology and Care Protocols for Nursing Management. Nurs Clin North Am[Internet]. 2015[cited 2018 May 3];50(4):xv-xvi. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26596667
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26596667
• ¹⁸
  Hudon C, Diadiou F, Lambert M, Bouliane D. Case management in primary care for frequent users of health care services with chronic diseases: a qualitative study of patient and family experience. Ann Fam Med[Internet]. 2015[cited 2018 May 3];13(6):523-28. Available from: http://www.annfammed.org/content/13/6/523.full
  » http://www.annfammed.org/content/13/6/523.full
• ¹⁹
  Backes DS, Pereira AD, Marchiori MT, Rupolo I, Backes MTS, Büscher A. Bonding professional-user: competence to act in the Family Health Strategy Team. Av Enferm [Internet]. 2015[cited 2018 Jul 10];33(2):222-9. Available from: http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v33n2.50418
  » http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v33n2.50418
• ²⁰
  Silva CS, Souza KV, Alves VH, Cabrita BAC, Silva LR. Nurse's performance in prenatal consultation: limits and capabilities. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Jul 10];8(2):4087-98. Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/2009/pdf_1840
  » http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/2009/pdf_1840

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Abr 2019
• Data do Fascículo
  Mar-Apr 2019

Histórico

• Recebido
  22 Maio 2018
• Aceito
  18 Ago 2018