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Representações sociais de idosos soropositivos acerca do hiv/aids

RESUMO

Objetivo:

apreender os conteúdos representacionais acerca do HIV/Aids entre pessoas idosas soropositivas.

Método:

pesquisa qualitativa, realizada de abril a maio de 2017, no município de Recife/PE, com 48 pessoas idosas soropositivas, por meio de entrevista semiestruturada. Utilizou-se a Teoria das Representações Sociais como referencial teórico e o método de análise lexical através do software IRAMUTEQ.

Resultados:

observou-se que a representação social do HIV se estrutura em torno da proximidade da morte e de que é uma doença de grupos restritos, levando a sentimentos de tristeza. Por outro lado, evidencia-se uma transformação da representação ligada ao conhecimento reificado, conduzindo ao processo de naturalização da doença.

Considerações finais:

conclui-se que os idosos que vivem com HIV, ao passarem por um processo de ressignificação acerca da doença, se tornam mais flexíveis para lidar com a sua condição de soropositividade.

Descritores:
Percepção Social; HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Idoso; Psicologia Social

ABSTRACT

Objective:

to understand the representational content about HIV/AIDS among seropositive elderly people.

Method:

a qualitative study carried out from April to May 2017, in the city of Recife/PE, with 48 seropositive elderly people, through a semi-structured interview. The Social Representations Theory was used as theoretical framework and the method of lexical analysis through IRAMUTEQ software.

Results:

it was observed that the social representation of HIV is structured around the proximity of death and that it is a disease of restricted groups, leading to feelings of sadness. On the other hand, it is evident a transformation of the representation linked to the reified knowledge, leading to the process of naturalization of the disease.

Final considerations:

it is concluded that the elderly living with HIV, when they undergo a process of reframing about the disease, become more flexible to deal with their condition of seropositivity.

Descriptors:
Social Perception; HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Aged; Psychology, Social

RESUMEN

Objetivo:

aprehender los contenidos representacionales acerca del VIH/SIDA entre personas mayores seropositivas.

Método:

la investigación cualitativa, realizada de abril a mayo de 2017, en el municipio de Recife/PE, con 48 personas ancianas seropositivas, por medio de una entrevista semiestructurada. Se utilizó la Teoría de las Representaciones Sociales como referencial teórico y el método de análisis léxico a través del software IRAMUTEQ.

Resultados:

se observó que la representación social del VIH se estructura en torno a la proximidad de la muerte y de que es una enfermedad de grupos restringidos, llevando a sentimientos de tristeza. Por otro lado, se evidencia una transformación de la representación ligada al conocimiento reificado, conduciendo al proceso de naturalización de la enfermedad.

Consideraciones finales:

se concluye que los ancianos que viven con VIH, al pasar por un proceso de resignificación sobre la enfermedad, se vuelven más flexibles para lidiar con su condición de seropositividad.

Descriptores:
Percepción Social; VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Anciano; Psicología Social

INTRODUÇÃO

A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) evoluiu de uma condição fatal para uma condição de doença crônica, levando a um aumento da sobrevida de indivíduos infectados pelo HIV, resultando em um envelhecimento prematuro dessa população(11 Fontela C, Castela J, Juanbeltz R, Martínez-Baz I, Rivero M, O'Leary A, et al. Comorbidities and cardiovascular risk factors in an aged cohort of HIV-infected patients on antiretroviral treatment in a Spanish hospital in 2016. Postgrad Med J [Internet]. 2018 [cited 2018 Apr 01];130(3):317-24. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29486621
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2948...
-22 Ronel J, Dinkel A, Wolf E, Marten-Mittag B, Mueck B, Mayr C, et al. Anxiety, depression, and health-related quality of life in aging people living with HIV compared to diabetes patients and patients with minor health conditions: a longitudinal study. Psychol Health Med [Internet]. 2018 [cited 2018 Apr 01];23(1):1-8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29430957
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2943...
).

Embora a maior concentração dos casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) no Brasil esteja nos indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, constatou-se uma mudança no curso da epidemia nos últimos anos, visto que o perfil epidemiológico tem mostrado um aumento significativo de casos por ano, na faixa etária de 50 anos ou mais, em ambos os sexos(33 Okuno MFP, Gomes AC, Meazzini L, Scherrer Jr G, Belasco Jr D, Belasco AGS. Qualidade de vida de pacientes idosos vivendo com HIV/Aids. Cad Saúde Pública [Internet]. 2014 [cited 2018 Apr 02];30(7):1551-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n7/0102-311X-csp-30-7-1551.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n7/0102-...
-44 Ministério da Saúde (BR). Boletim Epidemiológico - Aids e DST [Internet]. 2015 [cited 2018 Apr 02]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/boletim-epidemiologico-hivaids-2015
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/bo...
). Nesse contexto, ressalta-se que, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), os pacientes com sorologia positiva para o HIV a partir dos 50 anos já podem ser considerados idosos(55 Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Report on the global HIV/AIDS epidemic: June 1998 [Internet]. 1998 [cited 2018 Apr 02]. Available from: http://data.unaids.org/pub/report/1998/19981125_global_epidemic_report_en.pdf
http://data.unaids.org/pub/report/1998/1...
).

A prevalência de pessoas infectadas pelo HIV com 50 anos ou mais está aumentando rapidamente. Além disso, indivíduos infectados pelo HIV podem ser mais vulneráveis a condições relacionadas à idade. Há evidências crescentes de que a prevalência de comorbidades e fatores de risco para doenças crônicas são muito comuns em pacientes com HIV com idade maior ou igual a 50 anos e aumentam com a idade. Além do que, é maior na população infectada pelo HIV quando comparado com indivíduos não infectados(11 Fontela C, Castela J, Juanbeltz R, Martínez-Baz I, Rivero M, O'Leary A, et al. Comorbidities and cardiovascular risk factors in an aged cohort of HIV-infected patients on antiretroviral treatment in a Spanish hospital in 2016. Postgrad Med J [Internet]. 2018 [cited 2018 Apr 01];130(3):317-24. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29486621
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2948...
,66 Negredo E, Back D, Blanco JR, Blanco J, Erlandson KM, Garolera M, et al. Aging in HIV-infected subjects: a new scenario and a new view. Biomed Res Int [Internet]. 2017 [cited 2018 Apr 02];2017:1-9. Available from: https://www.hindawi.com/journals/bmri/2017/5897298/
https://www.hindawi.com/journals/bmri/20...
).

Assim, é importante compreender os aspectos psicossociais particulares de pessoas idosas com HIV, a forma como elas veem e pensam a doença e os impactos desta sobre sua vida, para que estes dados sirvam de base para o planejamento de uma assistência que valorize esse grupo em suas singularidades e melhor contemple suas necessidades sociais e de saúde.

Para tanto, a representação social do grupo sobre determinado objeto configura-se pela forma como os indivíduos constroem, percebem e lidam com a doença, estando relacionada à sua visão de mundo, sendo, em grande parte, influenciada por atitudes, crenças e valores construídos socialmente, envolvendo informações tanto do senso comum quanto do pensamento científico(77 Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2001. p. 17-44.).

Desse modo, considerando o sujeito como o autor da sua realidade, a partir dos padrões traçados pelo grupo social, percebe-se a importância de embasar este estudo à luz da Teoria das Representações Sociais, que consiste em um sistema de interpretação da realidade, que compreende determinado fenômeno e, por isso, rege as relações dos indivíduos com o mundo e com os outros, orientando seus comportamentos e servindo de alicerce e instrumento para direcionar e facilitar as relações com o meio, as pessoas e o mundo social(88 Moscovici S. Representações sociais: investigação em psicologia social. 11ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.).

OBJETIVO

Apreender os conteúdos representacionais acerca do HIV/Aids entre pessoas idosas soropositivas.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Foram respeitados os princípios éticos e legais da pesquisa envolvendo seres humanos, conforme Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz/Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco (CEP HUOC/PROCAPE).

Referencial teórico-metodológico

Este estudo foi fundamentado na abordagem processual da Teoria das Representações Sociais (TRS). Compreende-se por representação social, “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”(77 Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2001. p. 17-44.).

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

Este estudo foi desenvolvido em dois Serviços de Assistência Especializada (SAE) em HIV/Aids, localizados em hospitais públicos na região metropolitana de Recife, Pernambuco.

Fonte de dados

Participaram, deste estudo, 48 idosos escolhidos intencionalmente, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 50 anos (visto que esta pesquisa adotou o conceito de idoso soropositivo proposto pelo UNAIDS, conforme mencionado na introdução), com diagnóstico de HIV/Aids há pelo menos 6 meses e que fizessem acompanhamento ambulatorial em um dos SAE incluídos na pesquisa. Foram excluídas desse estudo as pessoas sem condições cognitivas para participarem.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados foi realizada no período de abril a maio de 2017, por meio de um questionário sociodemográfico e clínico, e de um roteiro semiestruturado de entrevista contendo questões referentes aos conteúdos da representação social do HIV/Aids, descoberta, significado e revelação do diagnóstico e sobre o cotidiano após o diagnóstico.

As entrevistas tiveram o áudio gravado, mediante anuência dos participantes, com posterior transcrição e preparação do corpus para análise. A duração média de cada entrevista foi de 24 minutos. Com objetivo de preservar a identidade dos participantes, optou-se por identificá-los com a letra “E”, oriunda da palavra Entrevistado, junto ao número sequencial da entrevista (Exemplo: E1).

Análise dos dados

Após a organização do banco de dados, o mesmo foi inserido e processado pelo softwareInterface de R pour lês Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ), na qual se obteve uma breve descrição do seu conteúdo. Posteriormente, optou-se pela análise por meio do método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD).

Através da CHD, cada texto foi avaliado e dividido em segmentos de texto, que foram classificados de acordo com seus vocabulários, constituindo classes lexicais. Neste estudo, foram analisados e discutidos os conteúdos de duas classes que abordaram elementos representacionais de idosos soropositivos acerca do HIV/Aids, descoberta e impacto do diagnóstico, pois foram nestas que se encontrou o objeto recortado para discussão. Dessa forma, foram elaboradas as seguintes categorias: “A descoberta do HIV/Aids e o impacto do diagnóstico” e “Conteúdos representacionais atribuídos ao HIV/Aids”.

RESULTADOS

O perfil sociodemográfico dos participantes do estudo demonstrou que estes se encontravam com idade entre 51 e 72 anos, sendo 31,2% na faixa etária de 61 a 65 anos, 58,3% do sexo masculino, 39,6% solteiros, 75,0% heterossexuais, 41,7% com ensino fundamental incompleto, 47,9% católicos e 29,2% com tempo de diagnóstico entre 5 e 10 anos.

A análise dos dados permitiu a identificação de duas categorias: “A descoberta do HIV/Aids e o impacto do diagnóstico”; e “Conteúdos representacionais atribuídos ao HIV/Aids”.

A descoberta do HIV/Aids e o impacto do diagnóstico

A primeira categoria abrange os fatores relacionados à forma de contaminação e ao processo de descoberta do HIV/Aids, bem como o impacto inicial do diagnóstico na vida de idosos soropositivos.

A principal forma de contaminação pelo HIV, de acordo com os relatos, foi via sexual, geralmente oriunda de relacionamentos estáveis.

[...] Ele me traía, já era doente e sabia, eu é que não sabia. Depois de ver que ele já sabia e me escondeu, eu larguei dele. Ele continua colocando isso em várias pessoas [...] (E17)

Eu nunca imaginei, nunca pensei nos meus piores pesadelos que ele ia contrair uma doença dessa e me transmitir. Foi muito difícil, minha vida era só chorar. [...] Em um momento ou outro, quando lembro que tenho isso, começo a chorar, me lastimar, a pensar no meu esposo, com raiva. (E26)

Ela disse pra mim que não gostava de relação sexual com preservativo, veio argumentar dizendo que a gente já estava há um tempo juntos e que não precisava mais disso. [...] O filho dela menor precisou fazer uma cirurgia no nariz e um desses exames que ele fez acusou que ele tinha HIV. Foi necessário fazer o exame nela também e o resultado deu que ela tinha. Ela me chamou pra fazer também e aí veio a notícia ruim. (E41)

Em relação ao impacto da descoberta da soropositividade ao HIV, foram comuns os relatos de idosos que adotaram uma postura negativa, com reações voltadas à depressão, susto, choque, sofrimento, trauma e possibilidade ou medo de morrer.

Quando chegou o resultado, foi triste, eu perdi tudo na minha vida. (E17)

Eu pensei que ia morrer. (E20)

Eu tomei um susto, chorei muito e quase que eu entrava em depressão. (E42)

Foi traumático. Eu fui primeiro na praia, fiquei lá sentada, chorando, pensando que ia morrer. Naquele tempo eram 3 meses pra morrer, no máximo. (E30)

Eu chorei muito, estava derrubado, além de perceber o olhar de preconceito das pessoas. (E32)

No entanto, existem casos em que os idosos vivendo com HIV/Aids aparentemente se apresentam indiferentes diante do diagnóstico:

Eu nem liguei, enfrentei normalmente. (E13)

Como tenho uma cabeça muito aberta pra essas doenças contagiosas, eu encarei como uma fatalidade, eu fiquei na minha. (E24)

Eu fiquei neutro, calado. Eu não fiquei assombrado que nem a maioria das pessoas fica. (E43)

Também existem situações em que, em um primeiro momento, houve o choque e a tristeza, mas depois os idosos se sentiram melhor e se mostraram resignados:

Eu tive muito pesadelo, me senti depressivo, mas logo depois melhorou e passei a ser otimista. (E1)

Na hora o mundo caiu, mas depois, eu me sentei e pensei ‘eu vou conviver com ele [HIV], ele não vai me derrubar’ e, até hoje, se eu tiver qualquer coisa [problema de saúde] eu penso que foi alguma coisa que comi que me fez mal [...] nada que eu tenho eu relaciono a ele [HIV]. (E27)

Conteúdos representacionais atribuídos ao HIV/Aids

A segunda categoria revela conhecimentos, sentimentos e imagens construídas pelos idosos soropositivos acerca do HIV/Aids, exprimindo a forma como o grupo simboliza a doença.

Alguns idosos compreendem o HIV/Aids como algo perigoso, digno de medo e semelhante a uma sentença de morte.

[...] Eu penso que é uma doença que não presta e que não tem solução. A pessoa com HIV não tem como ficar boa. Eu choro muito porque eu penso que eu vou morrer a qualquer hora e a qualquer momento. (E3)

Para mim, a Aids é uma doença mortal; é algo que pode levar a pessoa à morte. Na minha vida, ter HIV é algo constrangedor, porque as pessoas têm muito preconceito e isso causa muito sofrimento na minha vida. (E21)

Como eu disse, é uma coisa horrível, é triste, é uma doença em que a gente fica restrito a muitas coisas. A gente se relaciona com as pessoas, mas não é normal. [...] Significa morte pra mim. (E28)

Vale salientar que permanecem, nas construções sócio-cognitivas de idosos soropositivos, as representações da faceta cruel e massacrante do HIV/Aids, fazendo-se referência ao início da propagação da epidemia do HIV/Aids, posto que, na mídia, foram divulgadas as constantes dificuldades e características de pessoas famosas acometidas por esse fenômeno, caracterizando imagens que marcaram a doença e o vírus.

Eu acho que a Aids é uma doença muito, muito cruel. Aquele menino Cazuza e vários artistas na época morreram por causa da Aids. É uma doença muito perigosa. (E2)

O HIV é uma coisa que, se não se cuidar, a pessoa com HIV vai embora. Se os artistas que tinham dinheiro morreram disso, aí eu pensei ‘e eu que sou pobre? Com certeza vou morrer’. (E20)

Sei que muita gente já morreu disso, eu fiquei perguntando ‘será, meu Deus, que isso vai acontecer comigo?’. Eu pensei que ia morrer naquele momento porque do jeito que estava a situação, muita gente morrendo disso, eu fiquei com medo. (E38)

Foram identificados, ainda, aspectos oriundos do início da epidemia, como a percepção de que a infecção pelo HIV é decorrente de grupos de risco ou de comportamentos reprovados socialmente. Esse processo se assemelha à atribuição da contaminação como uma responsabilidade “do outro” e fruto de uma falha moral. Esse aspecto se expressa na surpresa e incompreensão quando alguém que se julga correto e de conduta ilibada descobre que tem HIV, conforme falas abaixo:

É muito difícil. Quando é homem, o povo pensa logo que é gay ou que a pessoa é noiada e gosta de farra. Mas, comigo não foi assim, eu nunca enrolei ninguém, sempre fui homem sério e de respeito com meus relacionamentos, mas aconteceu. (E13)

Fizeram todo tipo de exame em mim de todo tipo de doença. Como eu não usava droga e não tinha relação sexual com homossexual, descartei que era esse negócio. Além disso, eu era casado e não tinha uma vida promíscua. (E24)

Eu sempre fui uma mulher correta. [...] Eu não esperava isso, porque eu não era de farra, sempre fui costureira, sempre trabalhei em casa, só me relacionava com meu esposo. (E42)

Observa-se, por meio dos relatos, que o conhecimento reificado sobre o HIV está incorporado à representação, através de conteúdos que remetem às formas de transmissão, a possibilidade de viver com o vírus e tratá-lo. Mas, também, a associação a grupos de risco permanece nas representações desse grupo. Essa permanência representacional provavelmente é determinada pelo forte conteúdo estigmatizante ainda presente nas representações da Aids.

Sei que através do beijo não pega, porque não transmite através da saliva, mas do sexo, sim. (E15)

Hoje, eu já vejo como uma epidemia fora do controle, pouca prevenção e que tem um tratamento que não tem cura, mas tem medicamento antirretroviral pra controlar. Antes, era sentença de morte, mas hoje, não, porque se eu me tratar, posso viver tranquilamente com ele [HIV]. (E32)

Ainda nessa linha de pensamento, ressalta-se que o advento da disponibilização universal e gratuita da Terapia Antirretroviral (TARV) possa ter colaborado com a naturalização do convívio com o vírus, sendo considerado como uma doença igual a qualquer outra.

Pra mim, é normal, vou dar um exemplo à senhora. Tem doença pior que HIV, como diabetes e câncer. (E8)

Pra mim, esse HIV, hoje, não representa nada, eu digo diante de Deus que não representa nada, mesmo. É como se fosse como a pressão alta e a pressão baixa, que se você não tomar o medicamento, é claro que você vai se sentir alterado. Então, pra mim, não é nada, eu sou uma pessoa normal. (E19)

Tem pessoa com HIV que se desespera, e eu, no dia que descobri que estava, eu botei na minha cabeça que se eu tivesse descoberto que estava com diabetes, eu ia morrer com a diabetes, porque ela também não tem cura. (E27)

DISCUSSÃO

Neste estudo, foi possível apreender e descrever conceitos e sentimentos de idosos soropositivos frente à sua condição sorológica. Assim, verificou-se que o impacto negativo da descoberta do HIV pode estar atrelado à representação social do HIV/Aids como uma doença perigosa e permeada pela proximidade da morte, mesmo tendo se observado a naturalização da doença e do vírus. Além disso, evidenciaram-se sentimentos de decepção e frustração ao descobrir que a transmissão se deu pelo cônjuge.

Uma das justificativas para a disseminação do HIV são as relações pré-conjugais ou extraconjugais, em que um dos cônjuges se envolve com alguém e não utiliza proteção, favorecendo, desta forma, a disseminação do vírus. No caso em questão, é como se a pessoa ficasse vulnerável à contaminação pelo HIV, pois a relação estável ou o casamento representam amor e respeito, ocasionando um estado de confiança e fidelidade ao parceiro, o que pode levar a não adoção do uso do preservativo(99 Alexandre SG, Pereira MLD, Monte RS, Maia EG, Barbosa JSM, Moura SKB. Social representations of sexuality developed by women in the context of Aids. Rev Rene [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 22];14(1):120-9. Available from: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/39/pdf_1
http://www.revistarene.ufc.br/revista/in...
).

Estudos revelam que o desconhecimento do status sorológico de um indivíduo com HIV pode contribuir para a exposição ao HIV. Desse modo, faz-se necessário incorporar algumas estratégias que possam reduzir tal exposição, como o acesso a métodos de prevenção, o uso frequente de preservativo, a realização de teste sorológico do HIV, rotineiramente, e a conscientização das Pessoas Vivendo com HIV (PVHIV) a revelarem seu diagnóstico, particularmente, para os parceiros fixos(1010 Marcus U, Schink SB, Sherriff N, Jones AM, Gios L, Folch C, et al. HIV serostatus knowledge and serostatus disclosure with the most recent anal intercourse partner in a European MSM sample recruited in 13 cities: results from the Sialon-II study. BMC Infect Dis [Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 22];17(1):730. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29178847
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2917...
-1111 Singh S, Song R, Johnson AS, McCray E, Hall HI. HIV incidence, HIV prevalence and undiagnosed HIV infections in men who have sex with men, United States. Ann Intern Med [Internet]. 2018 [cited 2018 Mar 22];17:2082. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29554663
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2955...
).

Em relação aos significados atribuídos ao HIV/Aids, salienta-se que a cultura e os grupos sociais têm função de transmitir valores aos indivíduos que deles participam. Dessa forma, por meio das falas dos idosos, observa-se que mesmo passadas mais de três décadas do início da epidemia, ainda permeia nesse grupo a representação social ligada ao início da epidemia, que é a crença de que o HIV/Aids está associado à proximidade da morte, ao medo de morrer, à tristeza e ao sofrimento.

Estudo realizado com idosos soropositivos também constatou que um dos principais conteúdos representacionais refere-se à Aids como doença incurável e que pode levar à morte(1212 Serra A, Sardinha AHL, Pereira ANS, Lima SCVS. Percepção de vida dos idosos portadores do HIV/Aids atendidos em centro de referência estadual. Saúde Debate [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 23];37(97):294-304. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n97/v37n97a11.pdf
http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n97/v37...
). Em um estudo com profissionais de saúde sobre o impacto da descoberta do HIV em idosos, foram mencionadas que as principais atitudes e posicionamentos também são de cunho negativo, pois consideraram que os idosos reagem com tristeza, negação, constrangimento e surpresa. Esses impactos acabam fazendo com que o idoso se isole socialmente, comprometendo suas atividades cotidianas e sua relação com os grupos e pessoas(1313 Cassétte JB, Silva LC, Felício EEAA, Soares LA, Morais RA, Prado TS, et al. HIV/Aids among the elderly: stigmas in healthcare work and training. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 23];19(5):733-44. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v19n5/1809-9823-rbgg-19-05-00733.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v19n5/1809...
).

Ressalta-se que as atitudes negativas são esperadas, visto que a descoberta da soropositividade ainda é considerada um momento crítico permeado por angústias e inseguranças, pois embora exista tratamento e controle, ainda não há cura, o que ajuda a cultivar crenças e interpretações sobre o HIV/Aids, como considerá-lo um sinônimo de morte. Além disso, a descoberta do HIV pode implicar em um processo de ruptura da identidade do sujeito, em virtude do HIV exigir uma reorganização do estilo de vida e seriedade no tratamento, para que exista um controle, o que representa mais um desafio, atenuando o sofrimento, principalmente no início(1414 Renesto HMF, Falbo AR, Souza E, Vasconcelos MG. Coping and perception of women with HIV infection. Rev Saúde Pública [Internet]. 2014 [cited 2018 Mar 23];48(1):36-42. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v48n1/en_0034-8910-rsp-48-01-0036.pdf
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15 Seidl EMF, Faustino QM. Pessoas vivendo com HIV/Aids: possibilidades de atuação da psicologia. In: Seidl EMF, Miyazaki MCOS (Orgs.). Psicologia da saúde: pesquisa e atuação profissional no contexto de enfermidades crônicas. Curitiba: Juruá; 2014.
-1616 Silva LC, Felício EEAA, Cassétte JB, Soares LA, Morais RA, Prado TS, et al. Psychosocial impact of HIV/aids diagnosis on elderly persons receiving care from a public healthcare service. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2015 [cited 2018 Mar 23];18(4):821-33. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v18n4/1809-9823-rbgg-18-04-00821.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v18n4/1809...
).

Vale destacar ainda conteúdos representacionais dos idosos voltados à crueldade do HIV/Aids, estabelecidos a partir de exemplos de pessoas famosas divulgadas pela mídia, construindo a percepção de doença cruel e letal(1717 Furtado FMSF, Santos JAG, Stedile L, Araújo E, Saldanha AAW, Silva J. 30 years later: social representations about AIDS and sexual practices of rural towns residents. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 24];50(spe):71-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50nspe/0080-6234-reeusp-50-esp-0074.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50nspe/...
). Os meios de comunicação têm grande influência na construção das representações sociais do HIV/Aids. Jodelet(77 Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2001. p. 17-44.), inclusive chegou a afirmar que “as representações sociais circulam nos discursos, são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas”, ou seja, como a mídia foi responsável pelo anúncio do aparecimento e das primeiras notícias sobre este fenômeno, tudo o que era divulgado contribuiu para elaborar a imagem da doença e das PVHIV.

Também foi identificada nesta pesquisa a existência de construções simbólicas que relacionam o HIV à homossexualidade ou promiscuidade. Essa imagem é formada por elementos do universo consensual das representações sociais, isto é, advindos de conhecimentos elaborados e compartilhados no início da epidemia, quando a maior parte dos casos foi observada nesses grupos sociais.

É comum o indivíduo atribuir rótulos a alguma coisa que não lhe é conhecida, completamente. Sendo assim, ao considerar o HIV distante da sua realidade e atribuir o rótulo de ligação à promiscuidade, acaba se criando um estigma, dando origem a elementos negativos e de desvalorização das PVHIV(1818 Jodelet D. Loucuras e representações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2005.). Ao considerar que somente determinado grupo pode ter HIV, a pessoa se põe em situação de vantagem, desmerecendo o outro. Logo, a imagem do HIV/Aids centrado em determinados grupos, provoca uma percepção de invulnerabilidade e distanciamento da doença, principalmente nos casos em que o indivíduo se encontra em um relacionamento estável(1919 Oliveira DC. Construction and transformation of social representations of AIDS and implications for health care. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 24];21(spe):276-86. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21nspe/34.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21nspe/34...
).

Quanto ao impacto do diagnóstico, foi possível identificar, além de sentimentos de frustração, idosos que se mostraram indiferentes ou resignados depois do diagnóstico. Isto acontece, pois é comum que a notícia da soropositividade provoque, a princípio, uma sensação de amargura e falta de direção. No entanto, após o impacto inicial, é possível que ocorra uma reorganização diante da nova realidade, sendo que a PVHIV passa a encarar melhor a sua condição, sendo otimista e confiando em novas perspectivas para sua vida(2020 Wagner TMC, Bosi DR. Mulheres com HIV/AIDS: reações ao diagnóstico. Contextos Clín [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 25];6(2):164-73. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v6n2/v6n2a10.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v6n2...
). Por outro lado, os sentimentos em face do diagnóstico também são determinados pela representação do HIV/Aids, tornando mais ou menos sofrido o processo de descoberta.

Foi possível evidenciar que alguns idosos enfrentam a descoberta do HIV de forma indiferente ou resiliente, o que pode estar associado à representação social do HIV/Aids como uma doença normal e comparada a outras doenças crônicas, o que é evidenciado através de conhecimentos reificados acerca da doença e do tratamento.

Uma representação social sempre simboliza alguma coisa, permitindo uma construção simbólica e constituindo uma nova leitura do objeto que representa, influenciando nas manifestações afetivas, modos de pensamento, práticas e condutas de cada pessoa, coerentes com seu grupo social(77 Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2001. p. 17-44.). Assim, as manifestações frente ao diagnóstico podem sofrer transformações ao longo do convívio com a doença, posto que o sujeito passa a integrar novos conhecimentos acerca do HIV. E, assim, incorpora novas condutas que podem ser orientadas de acordo com os avanços científicos.

Após a introdução da TARV, possibilitando uma maior sobrevida às PVHIV, o HIV/Aids assumiu um status de doença crônica, afastando as representações antigas de doença letal. Desse modo, o tratamento tornou-se responsável pela longevidade e maior qualidade de vida dos indivíduos. Sendo assim, o HIV/Aids passou a ser considerado, muitas vezes, como algo normal, equiparado a outras doenças crônicas e tido como algo mais fácil de conviver do que outros problemas de saúde.

Estudo demonstrou que, com o passar do tempo, as PVHIV desenvolveram discursos de melhor aceitação, reflexão e adaptação à nova realidade, depositando expectativas ampliadas no futuro, com a possibilidade de se imaginarem bem em diversas situações do cenário social em que está inserido. Esta postura revela a busca de viver com qualidade de vida, mesmo diante de incertezas(2121 Hipólito RL, Oliveira DC, Gomes AMT, Costa TL. Social representations of quality of life in HIV/AIDS: the role of time since diagnosis. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014 [cited 2018 Mar 26];22(6):753-9. Available from: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/12840/13474
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.p...
).

Outra pesquisa revela que a decisão de viver um dia de cada vez e fazer planos, pode decorrer do desejo incessante de não ficar remoendo o passado, visto que não existe a possibilidade de voltar atrás e evitar a contaminação pelo HIV. Logo, as PVHIV devem preocupar-se apenas com o presente, o futuro e em manter o controle e estabilidade da doença(2222 Kaplan RL, Khoury CE, Field ERS, Mokhbat J. Living day by day: the meaning of living with HIV/AIDS among women in Lebanon. Glob Qual Nurs Res [Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 26];3:1-13. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/2333393616650082
http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1...
).

No rol de atitudes positivas perante o HIV/Aids, também se pode citar a ressignificação da doença para alguns idosos. A ressignificação proporciona uma transformação interior, modificando sentimentos e ações em relação a si própria e ao outro através de uma reorientação das práticas e do modo de significar o mundo, marcando a transição de uma conotação de dor e angústia para uma postura de força e enfrentamento(2323 Santo CCE, Gomes AMT, Oliveira DC. A espiritualidade de pessoas com HIV/aids: um estudo de representações sociais. Rev Enf Ref [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 26];3(10):15-24. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/ref/vserIIIn10/serIIIn10a03.pdf
http://www.scielo.mec.pt/pdf/ref/vserIII...
).

Em meio à naturalização ou ressignificação do HIV/Aids como conteúdo das representações sociais do HIV/Aids ligadas ao conhecimento reificado, hoje, a doença já é tida como algo crônico, diferentemente da década de 80, em que a Aids era vista como uma doença aguda, pois se manifestava rapidamente e, em pouco tempo, levava à morte(2424 Pinheiro CVQ, Medeiros NM. Práticas de prevenção do HIV/Aids e modos de subjetivação. Physis [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 27];23(2):629-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v23n2/v23n2a16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/physis/v23n2/v2...
). Nesse sentido, é importante que os profissionais de saúde ultrapassem as barreiras que interferem na prestação de cuidado às PVHIV, desconstruindo os significados que definiram a epidemia no seu início e atrelando ao HIV/Aids o novo sentido de uma condição crônica, permitindo sua ressignificação social e a construção de estratégias de cuidado dedicadas aos pacientes(2525 Persson A, Newman CE, Hopwood M, Kidd MR, Canavan PG, Kippax SC, et al. No ordinary mainstream illness: how HIV doctors perceive the virus. Qual Health Res [Internet]. 2014 [cited 2018 Mar 27]; 24(1):6-17. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24259535
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2425...
).

Esta possibilidade de viver mais tempo desencadeou um processo de normalização do HIV pelas PVHIV, o que sinaliza a transformação dos conteúdos da representação social, substituindo o conceito de morte pelo de vida, ancorando o HIV/Aids em patologias, como DM e hipertensão, com a concepção de que embora seja para o resto da vida, existe controle através de fármacos(2626 McGrath JW, Winchester MS, Kaawa-Mafigiri D, Walakira E, Namutiibwa F, Birungi J, et al. Challeging the paradigm: anthropological perspectives on HIV as a chronic disease. Med Anthropol [Internet]. 2014 [cited 2018 Mar 27];33(4):303-17. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4390365/pdf/nihms675502.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Vale ressaltar que a naturalização do HIV/Aids é evidenciada por um discurso de caráter científico, onde o conhecimento é marcado pela busca de evidências empíricas(2727 Chirinos NEC, Meirelles BHS, Bousfield ABS. Relationship between the social representations of health professionals and people with tuberculosis and treatment abandonment. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 28];26(1):e5650015. 2017. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n1/0104-0707-tce-26-01-5650015.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n1/0104-...
). A partir disso, conhecimentos advindos do universo reificado passam a ser incorporados ao senso comum, transformando-os em saberes significativos para o cotidiano(2828 Ferreira MCG, Tura LFR, Silva RC, Ferreira MA. Social representations of older adults regarding quality of life. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 28];70(4):806-13. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n4/0034-7167-reben-70-04-0806.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n4/003...
). Tal atitude fica evidente neste estudo quando os idosos demonstram conhecer as formas de transmissão e que é possível conviver com o vírus e receber tratamento, incorporando a ideia de que é algo normal.

Limitações do estudo

Este estudo teve como limitação o fato de a maioria dos participantes apresentar baixa escolaridade, com decorrente dificuldade em produzir uma fala mais aprofundada sobre o objeto de estudo, o que poderia ter permitido uma análise de outros elementos constituintes da representação da Aids, resgatando o campo representacional.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Destaca-se a contribuição deste estudo para a comunidade científica, em especial à equipe de enfermagem e demais profissionais que trabalham nos SAE, visto que, sabendo das representações sociais acerca do HIV/Aids, bem como do impacto do diagnóstico e das formas com que os idosos convivem com a doença, é possível identificar os principais pontos a serem trabalhados e, dessa forma, traçar uma assistência mais eficaz, visando à adesão ao tratamento e, por conseguinte, favorecendo um melhor prognóstico e contribuindo para a melhora ou manutenção da qualidade de vida dos idosos soropositivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Investigando as representações sociais acerca do HIV/Aids, bem como o impacto do diagnóstico na vida dos idosos soropositivos, foram identificados sentimentos de decepção, tristeza e desespero. No entanto, houve idosos que se mostraram indiferentes ou resignados diante do diagnóstico. Observou-se que ainda existe a concepção do HIV/Aids como algo digno de medo, destacando a influência da mídia na construção destas representações, e também a ideia de que o HIV/Aids é uma doença de grupo restrito.

Percebeu-se, ainda, a ressignificação do HIV, servindo para reorientar seus comportamentos e atitudes, ao identificar conteúdos representacionais ligados ao conhecimento reificado, que remetem à possibilidade de tratamento e convivência com o vírus, o que reflete em uma maior sobrevida, levando ao processo de naturalização do viver com HIV/Aids e desconstruindo o conceito de letal para considerá-lo uma doença crônica, como qualquer outra.

Sugere-se que os profissionais de saúde deem atenção à possibilidade de haver uma fragilidade cognitiva neste grupo, associada à idade, visto que perturbações neurocognitivas podem ter repercussões na adesão ao regime terapêutico, podendo levar a uma menor proteção durante o ato sexual, conduzindo a uma maior facilidade de disseminação do vírus.

De modo geral, os dados reforçam a necessidade de ampliar ações de promoção e proteção da saúde de pessoas idosas, oferecendo orientações quanto às práticas sexuais protegidas, tirando dúvidas sobre o HIV/Aids e desmistificando concepções equivocadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2018
  • Aceito
    03 Fev 2019
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