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Ações da equipe multiprofissional do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas

RESUMO

Objetivo:

investigar os critérios utilizados pelos profissionais da saúde para identificar a fase do consumo em que se encontram os usuários de álcool e drogas, e as ações que realizam para o cuidado dos mesmos.

Método:

estudo qualitativo, desenvolvido com 14 profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, localizado no sul do país. Os dados foram coletados em junho/2017, através de entrevistas semiestruturadas e submetidos à análise temática.

Resultados:

os critérios utilizados pelos profissionais foram: periodicidade do uso; quantidade e tipo de droga ingerida; repercussões do uso indevido; e lugar que a droga ocupa na vida da pessoa. As ações desenvolvidas foram orientação e encaminhamento para grupos de apoio, oficinas terapêuticas e atendimentos individuais.

Considerações finais:

a natureza crônica do uso/dependência de álcool e drogas requer cuidados específicos em cada fase, e critérios objetivos para identificar e intervir nas fases iniciais, visando à prevenção da dependência química.

Descritores:
Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Equipe Multiprofissional; Saúde Mental; Alcoolismo; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to investigate the criteria used by health professionals to identify the phase of consumption of alcohol and drug users, and actions directed to their care.

Method:

a qualitative study developed with 14 professionals from a Brazilian Psychosocial Care Center for Alcohol and Drugs (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) based in the south of the country. Data were collected in June 2017 through semi-structured interviews and then submitted to thematic analysis.

Results:

the criteria used by the professionals were: periodicity of use; amount and type of drug used; repercussions of misuse; and place that the drug occupies in the person’s life. The actions developed were orientation and referral to support groups, therapeutic workshops and individual care.

Final considerations:

the chronic nature of alcohol/drug use/dependence requires specific care in each phase, and objective criteria to identify and intervene in early phases, aiming at the prevention of chemical dependence.

Descriptors:
Substance-Related Disorders; Patient Care Team; Mental health; Alcoholism; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

investigar los criterios utilizados por los profesionales de la salud para identificar la fase del consumo en que se encuentran los usuarios de alcohol y drogas y las acciones que realizan para el cuidado de los mismos.

Método:

estudio cualitativo, desarrollado con 14 profesionales de un Centro de Atención Psicosocial Alcohol y Drogas, ubicado en el sur del país. Los datos fueron recolectados en junio/2017, a través de entrevistas semiestructuradas y sometidos al análisis temático.

Resultados:

los criterios utilizados por los profesionales fueron: periodicidad del uso; cantidad y tipo de droga ingerida; repercusiones del uso indebido; y lugar que la droga ocupa en la vida de la persona. Las acciones desarrolladas fueron orientación y encaminamiento para grupos de apoyo, talleres terapéuticos y atendimientos individuales.

Consideraciones finales:

la naturaleza crónica del uso/dependencia de alcohol y drogas requiere cuidados específicos en cada fase, y criterios objetivos para identificar e intervenir en las fases iniciales, buscando la prevención de la dependencia química.

Descriptores:
Trastornos Relacionados con Sustancias; Grupo de Atención al Paciente; Salud Mental; Alcoholismo; Enfermería

INTRODUÇÃO

A dependência química em álcool e outras drogas é um problema de saúde que atinge diferentes dimensões da vida humana. O processo de adoecimento é crônico, gradativo, se estende ao longo do tempo, podendo levar muitos anos até ser diagnosticado. Essa característica precisa ser levada em consideração pela equipe multiprofissional que atua na área da Saúde Mental, pois está associada à singularidade de cada pessoa e ao tipo de droga utilizada.

Embora não seja possível estabelecer a extensão de tempo que transcorre até que uma pessoa se torne dependente, a natureza crônica e gradativa desta condição sugere que ela passa por diferentes fases, desde os primeiros contatos com o álcool e/outras drogas até a instalação da dependência. Neste estudo, apoiados na classificação utilizada pela Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD)(11 Ministério da Justiça (BR). Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). A prevenção do uso de drogas e a terapia comunitária. Brasília: SENAD; 2006.), consideramos como sendo a fase inicial do processo, aquela em que a pessoa, chamada de usuário ocasional, tem os primeiros contatos com a droga, podendo utilizar uma ou várias substâncias, quando disponíveis, em ambientes favoráveis e em situações específicas ou de lazer. Os efeitos do uso, nesta fase, não interferem em seu relacionamento familiar, com seus pares, amigos, na sua vida social, no rendimento escolar ou profissional, porque a dosagem da droga ainda é pequena e o uso é controlado(11 Ministério da Justiça (BR). Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). A prevenção do uso de drogas e a terapia comunitária. Brasília: SENAD; 2006.). Nesta fase, o usuário ocasional é motivado, entre outras razões, pela curiosidade, para inserir-se em grupo de amigos, ou por dificuldades que possa estar enfrentando. Apesar disso, o fato de experimentar a droga não significa que irá se tornar dependente químico, porém, dependendo da droga que utiliza, as chances são maiores devido ao grau de esta causar a dependência.

Na segunda fase, a pessoa passa a ser chamada de “usuário habitual” devido ao uso da substância ser frequente, embora ainda não ocorram rupturas afetivas, sociais ou profissionais, nem perda do controle em relação ao consumo(11 Ministério da Justiça (BR). Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). A prevenção do uso de drogas e a terapia comunitária. Brasília: SENAD; 2006.). No entanto, o uso da droga assume importância significativa na vida da pessoa, podendo gerar problemas familiares e ocasionar malefícios à saúde. Além disso, nessa fase, o consumo sistemático e repetitivo pode levar à dependência.

Na terceira fase, a pessoa é identificada como usuário dependente, uma vez que esta condição já está instalada e a pessoa não consegue sozinha deixar de usar a droga, mesmo sendo evidentes as consequências nocivas do uso abusivo(11 Ministério da Justiça (BR). Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). A prevenção do uso de drogas e a terapia comunitária. Brasília: SENAD; 2006.). São frequentes a Síndrome de Abstinência e o desenvolvimento da tolerância à droga, o que leva à necessidade de aumentar a quantidade da dose para ter os mesmos efeitos e sintomas anteriores. Com isso, a pessoa tende a abandonar seus interesses e compromissos, com a finalidade de conseguir a droga para sentir os prazeres proporcionados anteriormente. As repercussões físicas, emocionais e sociais nesta fase, são de maior gravidade, se comparadas com as fases anteriores(22 Freitas ER, Joaquim RM, Tabaquim MLM, Camargo AP. Avaliação neuropsicológica das funções executivas de mulheres em estado de dependência química. Arch Health Invest. 2016;5(1):14-24. doi: http://dx.doi.org/10.21270/archi.v5i1.1296
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).

Apesar de preconizado pelo Ministério da Saúde(33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas [Internet]. Brasília; 2004 [cited 2017 jul. 16]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_atencao_alcool_drogas.pdf
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), que os profissionais devem atuar de maneira integral, atendendo às necessidades individuais de cada pessoa, de acordo com o contexto em que estão inseridas, sabe-se que algumas características relacionadas ao usuário de drogas nem sempre são consideradas. Dentre estas características estão: o tipo de droga utilizada, o tempo de efeito no organismo e o potencial da substância causar dependência. Dessa forma, destaca-se a importância de definir os cuidados conforme a fase em que a pessoa se encontra.

Sendo assim, o tipo de droga utilizada e o tempo que demora para causar a dependência interferem no tratamento, pois cada uma delas tem suas características próprias e estas indicam a melhor maneira de intervir. As drogas estimulantes, como, por exemplo, a cocaína e o crack, têm efeito mais rápido se comparadas ao álcool. Então, quanto mais rápido for o início e o término do efeito da droga, maior será a velocidade de estabelecimento de dependência, o que explica a rapidez da instalação da dependência quando se trata de drogas injetáveis ou fumadas. Portanto, a chance da pessoa tornar-se dependente torna-se muito maior, quando o tempo para o início do efeito da droga for rápido e a duração curta, como acontece com o crack(44 Ministério da Justiça (BR). Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). Efeitos de substâncias psicoativas: módulo 2. 7ª ed. Brasília: SENAD; 2014. Available from: https://www.supera.org.br/wp-content/uploads/2016/03/SUP7_Mod2.pdf
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).

As características pessoais também precisam ser levadas em consideração para que o tratamento seja efetivo. Dentre essas, predisposição genética, aspectos ambientais (sociais, culturais, educacionais), aspectos comportamentais, como curiosidade, perda de um familiar, baixa autoestima, excesso de responsabilidade, conflitos familiares, entre outros. Além disso, algumas pessoas demoram mais tempo para atingir a condição da dependência, enquanto que para outras, esse processo se desenvolve mais rapidamente(44 Ministério da Justiça (BR). Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). Efeitos de substâncias psicoativas: módulo 2. 7ª ed. Brasília: SENAD; 2014. Available from: https://www.supera.org.br/wp-content/uploads/2016/03/SUP7_Mod2.pdf
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).

Sendo assim, com base nas características insidiosa e gradativa da dependência ao álcool e a outras drogas, torna-se importante que os profissionais adequem suas ações a essas características.

OBJETIVO

Investigar os critérios utilizados pelos profissionais da saúde para identificar a fase do consumo em que se encontram os usuários de álcool e drogas, e as ações que realizam para o cuidado dos mesmos.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (CEPAS - FURG). Todos os preceitos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, vigente na época da coleta de dados, foram respeitados. Após exposição dos objetivos do estudo e esclarecimentos, todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo exploratório, desenvolvido com abordagem qualitativa, focado na atuação da equipe multidisciplinar nas diferentes etapas do processo de tornar-se dependente de álcool e/ou outras drogas.

Procedimentos metodológicos

O estudo foi desenvolvido com 14 profissionais integrantes da equipe multiprofissional do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) localizado em Rio Grande – Rio Grande do Sul/Brasil. Foi realizada uma entrevista semiestruturada baseada em questões norteadoras, no CAPS AD, em um ambiente reservado, de acordo com a disponibilidade dos sujeitos do estudo, sem causar prejuízos na sua rotina de atendimentos. A primeira parte do instrumento abordou questões fechadas referindo-se à caracterização dos participantes como: idade, sexo, raça, formação, especialização/área, tempo de formação, tempo de atuação no CAPS AD. A segunda parte foi composta por cinco questões abertas, no intuito de responder os objetivos do estudo, conforme a experiência na assistência aos usuários de álcool e outras drogas. A escolha desse serviço justificou-se pelo fato de ser composto por uma equipe multiprofissional e que atua especificamente no cuidado de pessoas usuárias de álcool e outras drogas.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados no mês de junho de 2017, em horário previamente combinado. No total, foram realizadas 14 entrevistas, com duração aproximada de 50 minutos, as quais foram gravadas na íntegra, transcritas e organizadas. Para garantir o anonimato dos participantes, os profissionais foram identificados com um código através da letra P (Profissional), seguido de um número que indica a ordem de realização das entrevistas.

Análise dos dados

Os dados foram submetidos à análise temática(55 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo: Hucitec; 2010.), seguindo três etapas: a primeira consistiu na pré-análise, na qual foram organizados os discursos dos profissionais. Após, buscaram-se os núcleos de sentido, realizou-se o agrupamento dos dados por semelhanças e extraiu-se o recorte das respostas dos profissionais em relação à questão central. E por último, buscou-se identificar as categorias entre si, o que permitiu aproximar os aspectos que se inter-relacionavam e identificar as unidades de registro por meio de recortes direcionados pelos temas, identificando os núcleos de significados.

RESULTADOS

A análise dos dados possibilitou realizar uma caracterização geral dos participantes do estudo e agrupar os resultados em dois núcleos: (1) parâmetros utilizados pelos profissionais como definidores do processo de dependência e (2) ações prioritariamente desenvolvidas pela equipe multiprofissional.

1) Parâmetros utilizados pelos profissionais como definidores do processo de dependência

Periodicidade de uso da droga

O critério de periodicidade para identificar a fase que a pessoa está vivenciando, é mensurado através da frequência de uso da droga, expressa em anos, semanas ou dias. Quando é mais apropriado expressar por anos de ingesta, segundo os participantes, a dependência do álcool é considerada incontestável, pois nestes casos, já está estabelecida na vida da pessoa há muito tempo. Já a periodicidade semanal é representada pelo número de vezes na semana que a pessoa utiliza determinada substância. Na fase ocasional, em geral, o usuário faz uso da droga em eventos, como aniversários, festas de família, festas noturnas. Na fase habitual, a droga é utilizada com maior frequência, nos finais de semana ou duas a três vezes na semana, começando a fazer parte da rotina da pessoa. No entanto, quando o uso é diário, o profissional considera que o usuário se encontra na fase de dependência.

[Observamos] a priorização do uso como, por exemplo, se ele diz que está usando aos fins de semana, eu questiono se durante a semana ele também tem vontade. O ocasional, geralmente, é envolvido com algum evento, só 15 anos ou em aniversários ou [festas] .(P1)

Geralmente, o usuário que nos procura já é alcoolista há muitos anos. Já bebe há dez anos, há cinco anos [...]. Então, nestes casos, nem tem que questionar a dependência. (P6)

A pessoa diz que usa todos os dias. Bebe à tardinha, então ele é um dependente. Ele trabalha todos os dias, mas ele é um dependente. Não consegue sair disso, todos os dias. (P12)

Quantidade da droga ingerida

A dosagem da droga é outro critério utilizado para estabelecer a fase que a pessoa está vivenciando. Neste caso, não existe uma medida exata, pois depende do tipo de substância consumida, podendo ser expressa nos parâmetros de pequena, moderada ou altas doses. Quando se trata da dependência por uso de álcool, além da quantidade ingerida, é considerado o tipo de bebida alcoólica, como destilados ou fermentados.

Tabela 1
Caracterização dos participantes do estudo, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil, 2017

A fase da dependência pode ser considerada se o uso for diário, mesmo que em quantidades pequenas. A tolerância por determinada substância também é um critério que condiciona o usuário ao aumento da dosagem ou a substituição por outras substâncias. O usuário ocasional começa ingerindo uma quantidade pequena de uma substância e posteriormente aumenta essa quantidade de forma gradativa para melhor satisfação, podendo tornar-se dependente.

Outros pacientes têm aquele chamado “uso social de pequenas doses diárias”, doses supostamente pequenas, mas todos os dias e que, de alguma forma, também podem repercutir do ponto de vista pessoal ou profissional e também caracterizar uma dependência. (P4)

Na dependência, ela [usuário de drogas] não consegue parar porque realmente no início ela usa “x”, depois vai aumentando esse “x”, porque aquilo não satisfaz mais [...] Chega aqui [no CAPS AD] de manhã e diz que tomou cinco martelinhos. (P12)

Tipo de droga consumida

O tipo de droga consumida pelo usuário também é um critério utilizado para estabelecer a fase em que se encontra. A fase da dependência é definida conforme a droga consumida, pois o crack e a cocaína têm esse processo acelerado quando comparados à maconha. O álcool, na fase ocasional e habitual, geralmente é referido como uma droga socialmente aceita e com efeitos gradativos. Segundo os participantes, é difícil estabelecer quando a pessoa passa do uso habitual para a dependência, pois esta é uma fronteira muito tênue. Os usuários de álcool procuram tratamento quando a dependência já está instalada, ou seja, quando os prejuízos para sua vida se tornam evidentes. De acordo com os participantes, a maconha é associada com a fase do usuário ocasional e habitual, usada por adolescentes em fase de experimentação ou por adultos como lazer, sem repercussões nas relações pessoais e profissionais. O usuário de maconha, geralmente consegue manter o uso por muitos anos sem que isso comprometa seu dia a dia. A maconha passa a ser problema quando combinada com outras drogas, como o crack e a cocaína.

Claro que em outro tipo de droga, como o crack, a cocaína, a gente já estabelece a dependência, em uma única visualização, em uma única entrevista. Mas, em geral, depende muito da droga porque o poder de dependência é diferente. (P1)

A maconha não tira ninguém da família, não deixa de estudar, de trabalhar porque usa maconha. Já o álcool e o crack, são as piores [drogas], no sentido de arrasar a vida das pessoas [...]. (P12)

Repercussões causadas pelo uso

Este critério está associado ao anterior, uma vez que cada tipo de droga tem repercussão diferenciada na vida das pessoas. Na fase ocasional, o usuário, seja de maconha, cocaína ou álcool, segue sua rotina normalmente, frequenta a escola, o trabalho, cumpre suas atividades diárias sem que a droga repercuta, pois tem o controle. Na fase habitual, o uso dessas substâncias é esporádico, mas em altas doses, pode alterar o sono, repercutir no trabalho com atrasos ou nas atividades universitárias. Na fase de dependência, incluindo, também, o crack, os prejuízos são progressivos na saúde, no âmbito social, familiar, no trabalho, nas condições de moradia, nas perdas materiais e afetivas. As relações familiares são bastante prejudicadas, pois, nessa fase, o usuário perde o controle da situação, fica agressivo e, muitas vezes, rouba bens da própria família para obter a droga. Os aspectos físicos são visivelmente identificados com o emagrecimento da pessoa, a falta de asseio corporal, desleixo, depressão e desmotivação. Os usuários em fase crítica da dependência são comparados com “zumbis”, porque perambulam pelas ruas, denegridos, sem perspectivas de vida, encontram-se no “fundo do poço”. As mulheres dependentes de álcool e outras drogas encontram-se em condições precárias, deprimidas, abandonadas pelos familiares e conforme o caso, seus filhos são encaminhados para o Conselho Tutelar, pois elas não têm condições de criá-los.

[...] principalmente, o dependente do crack ele vai ficando muito desleixado, a aparência muda, parece que o crack enegrece a pessoa [...] quando ele está em um uso muito pesado, fica muito deprimido, choroso, principalmente as mulheres. (P2)

Perguntamos se a pessoa consegue seguir sua rotina. Quando é jovem precisa estar na escola, fazer as tarefas de casa que os pais estabelecem. Se ela consegue e fuma eventualmente um cigarro de maconha, eu não considero uma dependente química da maconha [...]. (P14)

Lugar que a droga ocupa na vida da pessoa

O lugar que a droga ocupa na vida da pessoa é um critério referido por P1, P7, P12, para identificar a fase que o indivíduo se encontra. Na fase de usuário ocasional, a droga é utilizada por curiosidade, não tem muita importância na vida da pessoa. Na fase habitual, a droga é utilizada pelos efeitos causados, pelas sensações, pois já começa a ocupar um lugar na rotina do usuário, mesmo que esporadicamente. Na fase de dependência, a droga passa a fazer parte da rotina, torna-se presente e quando não está em uso, a pessoa está pensando na próxima dose, sente falta dela. A alimentação começa a ser substituída pela substância e também é consumida para dar coragem e ânimo para a pessoa enfrentar problemas.

Quando percebemos que a pessoa só consegue realizar tarefas importantes sob o uso [da droga], ou enfrentar problemas, já se caracteriza a dependência. Não é apenas o uso, o efeito da droga, e sim o que ela representa na vida da pessoa. (P1)

Tem que ver o dia a dia daquela pessoa, como é a dinâmica da vida dela [rotina]. (P12)

2) Ações prioritárias desenvolvidas pela equipe multiprofissional

Duas ações foram apontadas pela maioria dos participantes deste estudo, a orientação dos usuários e familiares em relação ao processo de tornar-se dependente e os encaminhamentos, majoritariamente para atividades desenvolvidas no próprio CAPS AD.

Orientação

Na fase de usuário ocasional, as orientações referidas pelos participantes estão relacionadas aos prejuízos afetivos, financeiros, sociais e fisiológicos que podem ser causados pela droga. Os participantes (P4, P10, P12 e P13) realizam um trabalho de reflexão com os usuários ocasionais, durante a Psicoterapia, sobre a percepção da dependência química como problema para que eles percebessem o comprometimento que o uso indevido das drogas pode provocar em suas vidas, tanto no presente quanto, particularmente, no futuro, dependendo da droga que consomem. Nas escolas, quando solicitado ao CAPS AD, é realizado um trabalho preventivo com os adolescentes. P6 realiza esse trabalho através da orientação sobre os efeitos da droga, os serviços disponíveis aos usuários de álcool e outras drogas e a Saúde Mental como um todo.

Os usuários habituais são orientados pelos profissionais sobre os riscos de tornar-se dependente químico devido ao aumento da frequência do uso, ou seja, usava a droga apenas nos finais de semana e começou a usar também durante a semana, pois é importante que a pessoa reconheça essa insatisfação em usar a droga esporadicamente, além das repercussões negativas que podem ser causadas pelo uso indevido e contínuo. Com isso, os usuários habituais são orientados a diminuir o consumo ou parar totalmente. Assim, segundo os participantes, é preciso que aconteça uma mudança de hábitos, no qual os usuários precisam organizar sua rotina de maneira que seus compromissos e afazeres diários não remetam ao uso da droga, bem como o meio social que frequenta, seja amigos que também fazem o uso indevido, seja lugares que facilitam esse uso.

Assim, percebe-se, através das falas, que os profissionais orientam os usuários dependentes durante os grupos de apoio e os atendimentos individuais, sobre a reestruturação das relações sociais, pessoais, familiares e afetivas que foram prejudicadas com a dependência química, no qual, o objetivo do tratamento consiste na reinserção social da pessoa dependente de álcool e outras drogas e não a abstinência.

Acho que na primeira [fase], na ocasional é mais ainda a prevenção. Na questão que pode se tornar uma dependência. Se a pessoa está percebendo isso, se já enxerga algum prejuízo ou que pode vir a se tornar dependente. (P5)

A gente pede, ou preconiza, ou indica que ele mude os hábitos, mude a sua rotina para que não se lembre do uso. (P1)

É um resgate total da pessoa, de autoestima, de capacidade de se reconhecer como alguma coisa positiva. Não ficar só olhando o que perdeu. Porque a depressão vem com tudo. (P5)

O tratamento é fazer as atividades propostas, interagir com o familiar, reorganizar melhor a sua vida, não é somente parar o uso [da droga]. (P11)

Encaminhamento

Os usuários ocasionais que eventualmente chegam ao CAPS AD atendidos, separadamente, para não se sentirem estimulados com os depoimentos dos usuários que fazem uso de uma ou múltiplas drogas a mais tempo. Os adolescentes que estão no início do uso, são encaminhados para atendimento individual com psicólogos, psiquiatra e, se necessário, para as oficinas terapêuticas de artes ou música, conforme seu interesse. Somente maiores de 18 anos participam dos grupos de apoio.

Os usuários habituais são encaminhados para atendimentos individuais com os psicólogos, grupos de apoio (múltiplas drogas) e oficinas terapêuticas, de acordo com as habilidades de cada um. Os familiares, que acompanham os usuários até o serviço, são encaminhados para o grupo de apoio aos familiares e, quando solicitado, podem conversar individualmente com um profissional da equipe que esteja disponível. O grupo de familiares é realizado uma vez por semana e somente um familiar por grupo pode assistir, em um próximo encontro outro familiar participar.

Para o usuário dependente, é elaborado pelo psicólogo um Projeto Terapêutico Singular (PTS) que, posteriormente, é discutido nas reuniões de equipe. Este PTS é realizado com base na avaliação das necessidades de cada usuário. A partir dessa avaliação, o usuário é encaminhado para os atendimentos oferecidos no próprio CAPS AD. São disponibilizados atendimentos com a equipe multiprofissional, como consulta psiquiátrica, psicoterapia, consulta de enfermagem, grupos de apoio, oficinas terapêuticas individuais e em grupos.

O encaminhamento para grupos de apoio é prioridade de atendimento do CAPS AD, já que a proposta é de reinserção social dessas pessoas. São oferecidos grupos de apoio às múltiplas drogas, grupo de alcoolistas, grupo de mulheres e grupo de apoio aos familiares. Os grupos são realizados semanalmente e ministrados por um dos profissionais da equipe. Nas oficinas terapêuticas, realizadas pelos arte terapeutas, são realizadas atividades, como pinturas, desenho, artesanato e música, com atividades artísticas conforme a aptidão e criatividade de cada usuário do serviço. Nos grupos de apoio, são abordados temas relacionados às repercussões causadas pelo abuso das substâncias no âmbito social, familiar, no trabalho, nos aspectos físicos e psicológicos. Com as mulheres usuárias de álcool e outras drogas, também são realizadas atividades específicas, abordando, por exemplo, a questão de ser mulher e mãe dependente, assim como a prostituição que muitas delas estão sujeitas para obtenção da droga.

Os usuários dependentes também são encaminhados para consulta com o médico psiquiatra para a realização de tratamento medicamentoso para alívio de sinais e sintomas, como insônia, ansiedade, irritabilidade, depressão, psicoses causadas pelo uso abusivo de substâncias. Essas consultas são agendadas uma vez por mês ou a cada dois meses, conforme solicitação do médico. Em casos mais avançados, que o usuário está mais comprometido fisiologicamente, como a demência alcoólica ou outros transtornos decorrentes do abuso/dependência, os usuários são encaminhados apenas para o tratamento medicamentoso, já que não se beneficiam dos grupos de apoio e oficinas terapêuticas. Particularmente, P4 refere encaminhar os usuários dependentes para avaliações clínicas de função hepática, neurológicas, entre outras, uma vez que essas alterações são frequentemente quando a dependência química está instalada por muitos anos.

Os familiares são encaminhados para um grupo de apoio específico. Neste grupo, o profissional realiza um trabalho de orientação sobre o contexto que envolve o usuário de drogas, o cuidado e apoio de que necessita e a compreensão da dependência química como doença. Além disso, busca uma reaproximação das famílias com a pessoa usuária ou dependente.

Nossos grupos cruzados, de múltiplas drogas, têm um objetivo e a gente sabe mais ou menos que tipo de paciente tem nele. Não vou colocar um usuário de maconha habitual junto com um dependente de crack. (P1)

[...] os dependentes, muitas vezes, vão exigir uma abordagem que encaminhe para outras avaliações médicas do ponto de vista clinico geral. (P4)

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo mostram que a maioria dos participantes reconhece a dependência química como um transtorno crônico que se desenvolve ao longo do tempo, através de diferentes fases. Mostram, também, que os critérios que utilizam para identificar a fase do consumo em que se encontram os usuários de álcool e drogas não são diferentes dos estabelecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5, os quais incluem a periodicidade do uso, a dose usada, as características da pessoa que faz uso da substância ou do contexto, incluindo a tolerância, taxa de absorção, cronicidade de uso, contexto no qual a droga é consumida(66 American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.). Entretanto, é preciso considerar que os critérios do DSM-5 estão voltados prioritariamente para identificação de situações já definidas como transtornos, ou seja, a ênfase ainda é para as situações em que a dependência está em estágio avançado, o que aponta a necessidade de maior investimento para identificar e agir nas etapas de usuário ocasional e habitual.

Ao mesmo tempo, embora os participantes deste estudo não tenham referido a utilização de instrumentos específicos para identificar estágio em que o usuário/dependente se encontra, os dados mostram que eles utilizam critérios consolidados. Nesse sentido, pode-se dizer que são critérios reconhecidos na literatura sobre o tema.

Com relação à periodicidade, um estudo recente a identificou através da frequência do uso de crack em usuários de um CAPS AD, considerando o uso diário, semanal ou mensal. A maioria dos usuários usava frequentemente a droga, mais de quatro vezes na semana(77 Almeida CS, Luis MAV. Sociodemographic characteristics and pattern of use of crack and other drugs in a CAPS AD. Rev Enferm UFPE. 2017;11(Suppl. 4):1716-23. doi: 10.5205/reuol.10438-93070-1-RV.1104sup201714
https://doi.org/10.5205/reuol.10438-9307...
). Outro estudo sobre o padrão de uso de drogas, mostrou que o uso do álcool entre os usuários de crack, ocorreu predominantemente na juventude, com uma característica de dependência por um período superior a dez anos(88 Seleghim MR, Oliveira MLF. Padrão do uso de drogas de abuso em usuários de crack em tratamento em uma comunidade terapêutica. Rev Neurocienc. 2013;21(3):339-48. doi: 10.4181/RNC.2013.21.800.10p
https://doi.org/10.4181/RNC.2013.21.800....
). Essa frequência também foi mensurada pelos participantes do presente estudo em outras drogas, como o álcool, no qual os profissionais relatam que quando o usuário chega ao serviço para tratamento, a dependência já está estabelecida há anos.

O uso exclusivo da maconha é percebido pelos participantes do estudo como uma droga que não causa repercussões sociais, familiares, financeiras e no trabalho. No entanto, de acordo com os critérios de dependência do DSM-5, cerca de 9% dos que experimentam maconha se tornarão dependentes, podendo desenvolver sintomas, como irritabilidade, dificuldades para dormir, disforia e ansiedade. Além disso, o uso precoce e regular de maconha prevê um aumento do risco de dependência de maconha o que, por sua vez, é preditor de um risco maior de uso de outras drogas ilícitas(66 American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.).

A cocaína, em sua forma aspirada, é utilizada ocasionalmente em festas e, geralmente, associada ao álcool, com a finalidade de potencializar os efeitos(99 Tarter RE, Kirisci L, Reynolds M, Horner M, Zhai Z, Gathuru I, et al. Longitudinal modeling of the association between transmissible risk, affect during drug use and development of substance use disorder. J Addict Med. 2015;9(6):464-9. doi: 10.1097/ADM.0000000000000163
https://doi.org/10.1097/ADM.000000000000...
). Neste estudo, a cocaína foi relacionada aos usuários ocasionais, incluindo, por exemplo, os trabalhadores encaminhados para o CAPS AD pelas empresas, mas os quais têm o controle sobre a droga.

O álcool é estimado pela quantidade ingerida, sendo expressa por doses pequenas, moderadas ou altas e o tipo de bebida alcoólica, podendo ser destilada ou fermentada. Esses critérios utilizados para estabelecer a dependência também são evidenciados em estudo sobre o padrão do uso de álcool, mostrando que mais da metade dos entrevistados consome altas doses de bebidas alcoólicas, todos os finais de semana, havendo maior preferência pela cerveja, seguida do vinho(1010 Anjos KF, Santos VC, Almeida OS. Caracterização do consumo de álcool entre estudantes do ensino médio. Rev Baiana Saúde Pública. 2012;36(2):418-31. doi: 10.22278/2318-2660.2012.v36.N2
https://doi.org/10.22278/2318-2660.2012....
). Além disso, o uso ocasional de drogas, como o álcool, o tabaco e a maconha podem estar associados à dependência de drogas consideradas mais “pesadas”, pois são consumidas na busca de melhores efeitos e redução de efeitos indesejados(1111 Olthuis JV, Darredeau C, Barrett SP. Substance use initiation: the role of simultaneous polysubstance use. Drug Alcohol Rev. 2013;32(1):67-71. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1465-3362.2012.00470.x.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1465-3362.20...
).

Os participantes do estudo estabelecem, ainda, a dependência conforme o tipo de droga utilizada, especialmente o crack, que acelera o processo de desenvolvimento com pouco tempo de uso. Porém, outros estudos apontam que existem usuários habituais de crack, que usam por até cinco anos, embora a grande maioria da população estudada faça o uso dependente por um período de seis a noves anos. A idade dos usuários tem sido investigada devido à longevidade de consumo, o que poderia indicar uma adaptação deles à cultura da droga. As estratégias desenvolvidas por usuários para lidar com os riscos decorrentes do consumo da droga indica que as mudanças na cultura do crack podem contribuir no aumento da expectativa de vida, visto que a ocorrência de usuários com mais de cinco anos de uso tem aumentado significativamente(77 Almeida CS, Luis MAV. Sociodemographic characteristics and pattern of use of crack and other drugs in a CAPS AD. Rev Enferm UFPE. 2017;11(Suppl. 4):1716-23. doi: 10.5205/reuol.10438-93070-1-RV.1104sup201714
https://doi.org/10.5205/reuol.10438-9307...
-88 Seleghim MR, Oliveira MLF. Padrão do uso de drogas de abuso em usuários de crack em tratamento em uma comunidade terapêutica. Rev Neurocienc. 2013;21(3):339-48. doi: 10.4181/RNC.2013.21.800.10p
https://doi.org/10.4181/RNC.2013.21.800....
,1212 Carvalho MRS, Silva JRS, Gomes NP, Andrade MS, Oliveira JF, Souza MRR. Motivations and repercussions regarding crack consumption: the collective discourse of users of a Psychosocial Care Center. Esc Anna Nery. 2017;21(3):e20160178. doi: 10.1590/2177-9465-ean-2016-0178
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
-1313 Teixeira AA, Kantorski LP, Corrêa ACL, Ferreira RZ, Ferreira GB, Espírito Santo MO. Crack users - developing strategies to face the risks of the consumption. Rev Pesqui:Cuid Fundam. 2015;7(2):2393-404. doi: 10.9789/2175-5361.2015.v7i2.2393-2404
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2015.v...
). Nesse sentido, estudos investigaram algumas estratégias desenvolvidas pelos usuários de crack e descobriram que eles empregavam estratégias simples, como o uso da droga em locais protegidos, o cumprimento de compromissos, inclusive com traficantes de drogas, não despertar a atenção do bairro e da polícia e combinar o uso de crack com outras drogas, como maconha ou álcool(1414 Ribeiro LA, Sanchez ZM, Nappo SA. Surviving crack: a qualitative study of the strategies and tactics developed by Brazilian users to deal with the risks associated with the drug. BMC Public Health. 2010;10(1):671. doi: 10.1186/1471-2458-10-671
https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-671...
-1515 Valdez A, Kaplan C, Nowotny KM, Natera-Rey G, Cepeda A. Emerging patterns of crack use in Mexico City. Int J Drug Policy. 2015;26(8):739-45. doi: 10.1016/j.drugpo.2015.04.010
https://doi.org/10.1016/j.drugpo.2015.04...
).

No processo de desenvolvimento da dependência química, as repercussões causadas pelo uso indevido de álcool e outras drogas, são percebidas pelos participantes deste estudo, o que corrobora com outro estudo que mostra que a dependência prejudica o núcleo familiar, a convivência, o vínculo e a confiança, causando sofrimento e fragilidade nas relações. Sendo assim, a experiência vivida pela família pode ser devastadora no aspecto físico, financeiro e nas relações interpessoais e sociais, considerando também a vulnerabilidade social que, muitas vezes, o dependente se encontra(1616 Czarnobay J, Ferreira ACZ, Capistrano FC, Borba LO, Kalinke LP, Maftum MA. Intrapersonal and interpersonal determinants perceived by the family as a cause of relapse in drug users. REME - Rev Min Enferm. 2015;19(2):100-6. doi: 10.5935/1415-2762.20150028
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). Também foi referido que a pessoa só procura ajuda quando a dependência já está instalada, como mostra outro estudo em que os dependentes, nesta fase, encontram-se arrependidos. Com isso, ficam mais motivados para buscar ajuda, pois se encontram no “fundo do poço”, termo usado pelos próprios usuários(1717 Pedrosa SM, Reis ML, Gontijo DT, Teles SA, Medeiros M. The path to crack addiction: perceptions of people under treatment. Rev Bras Enferm. 2016;69(5):899-906. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0045
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

Por outro lado, os resultados deste estudo mostram que as ações realizadas pelos participantes do estudo são prioritariamente de orientação e encaminhamento das pessoas usuárias de álcool e outras drogas a partir do PTS para grupos de apoio, oficinas terapêuticas e atendimentos individuais. Apesar de poucos usuários ocasionais frequentarem o CAPS AD, como abordado pelos participantes, quando solicitado pelas escolas, é realizado um trabalho preventivo, corroborando com outro estudo que evidenciou que as ações direcionadas a essa população precisam ser focadas, principalmente, na prevenção do uso de drogas na adolescência, com abordagens diferenciadas e mais precoces, dando suporte aos usuários antes da instalação da dependência, evitando perdas e repercussões na fase adulta(1818 Capistrano FC, Ferreira ACZ, Silva TL, Kalinke LP, Maftum MA. Perfil sociodemográfico e clínico de dependentes químicos em tratamento: análise de prontuários. Esc Anna Nery. 2013;17(2):234-41. doi: 10.1590/S1414-81452013000200005
https://doi.org/10.1590/S1414-8145201300...
).

O profissional, ao atender esses adolescentes, precisa conhecer suas relações sociais, lugares de convivência, sua família, os motivos que o levaram ao início do uso da droga e as situações de violência vivida(1919 Moura NA, Monteiro ARM, Freitas RJM. Adolescents using (il)licit drugs and acts of violence. Rev Enferm UFPE. 2016;10(5):1685-93. doi: 10.5205/reuol.9003-78704-1-SM.1005201614
https://doi.org/10.5205/reuol.9003-78704...
). Além disso, devido à cafeína presente na bebida alcoólica, o uso nessa fase pode potencializar o consumo habitual, assim como a progressão para drogas mais potentes ou perigosas, sendo bastante importante a intervenção para que se evite o uso(2020 Kirisci L, Tarter R, Ridenour T, Reynolds M, Horner M, Vanyukov M. Externalizing behavior and emotion dysregulation are indicators of transmissible risk for substance use disorder. Addict Behav. 2015;0:57-62. doi: 10.1016/j.addbeh.2014.10.028
https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2014.10...
).

Outra população, assistida no CAPS AD do estudo, são as mulheres usuárias de álcool e outras drogas que, muitas vezes, são encaminhadas pelos Conselhos Tutelares locais, pois a guarda de seus filhos está sendo ameaçada ou já foram retirados. Nesse CAPS AD específico, são abordadas as particularidades dessas mulheres que sofrem muitas perdas devido ao abuso de substâncias. Estudos mostram que a dependência do crack entre mulheres causa grandes repercussões, pois geralmente são solteiras, mães em idade fértil e sem renda própria, suscetíveis a situações de violência e prostituição em troca da droga(77 Almeida CS, Luis MAV. Sociodemographic characteristics and pattern of use of crack and other drugs in a CAPS AD. Rev Enferm UFPE. 2017;11(Suppl. 4):1716-23. doi: 10.5205/reuol.10438-93070-1-RV.1104sup201714
https://doi.org/10.5205/reuol.10438-9307...
,1818 Capistrano FC, Ferreira ACZ, Silva TL, Kalinke LP, Maftum MA. Perfil sociodemográfico e clínico de dependentes químicos em tratamento: análise de prontuários. Esc Anna Nery. 2013;17(2):234-41. doi: 10.1590/S1414-81452013000200005
https://doi.org/10.1590/S1414-8145201300...
).

O encaminhamento dos familiares para o grupo de apoio também é importante para o tratamento do dependente, pois favorece na reestruturação do estilo de vida e mudanças de comportamento do usuário de drogas. A dificuldade da família para lidar com a dependência química pode ser diminuída por acompanhamentos terapêuticos específicos que ofereçam suporte emocional e promovam o desenvolvimento de habilidades no manejo e enfrentamento de situações de riscos à recaída do usuário dependente. Além disso, a participação no grupo auxilia as famílias a compreender a dependência química como uma doença crônica(1919 Moura NA, Monteiro ARM, Freitas RJM. Adolescents using (il)licit drugs and acts of violence. Rev Enferm UFPE. 2016;10(5):1685-93. doi: 10.5205/reuol.9003-78704-1-SM.1005201614
https://doi.org/10.5205/reuol.9003-78704...

20 Kirisci L, Tarter R, Ridenour T, Reynolds M, Horner M, Vanyukov M. Externalizing behavior and emotion dysregulation are indicators of transmissible risk for substance use disorder. Addict Behav. 2015;0:57-62. doi: 10.1016/j.addbeh.2014.10.028
https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2014.10...
-2121 Horta ALM, Daspett C, Egito JHT, Macedo RMS. Experience and coping strategies in relatives of addicts. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(6):962-8. doi: 10.1590/0034-7167-2015-0044
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0...
).

Limitações do estudo

Devido às limitações do estudo, devido ao tamanho da amostra, são sugeridos estudos que considerem outros contextos de atuação da equipe multiprofissional, como, por exemplo, entrevistas com os usuários de drogas e familiares, para conhecer a perspectiva de quem é assistido nos serviços de saúde mental. Acredita-se, também, que a pesquisa pode ser realizada em outros serviços da rede de atenção, a fim de avaliar se as formas de diagnóstico, ações e encaminhamentos realizados consideram as diferentes fases do processo de adoecimento dos transtornos do abuso e dependência de álcool e drogas, garantindo, assim, um cuidado convergente com a necessidade do usuário do serviço.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Os resultados deste estudo evidenciaram que, apesar do distanciamento que frequentemente é referido entre a formação profissional e a prática na área da Saúde Mental, os enfermeiros têm capacidade para desempenhar seu trabalho integrado na equipe multiprofissional. O estudo contribui, também, para mostrar a necessidade de os profissionais e os enfermeiros particularmente apropriarem-se do conhecimento sobre a natureza crônica e progressiva do processo de tornar-se dependente químico para planejar as ações de sua competência com eficácia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao identificar, com base na percepção dos profissionais sobre a dependência química, as intervenções que consideram pertinentes em relação às diferentes fases do processo de tornar-se dependente químico, constatou-se que apesar de os profissionais demonstrarem conhecimento sobre a cronicidade da doença, suas intervenções no CAPS AD contemplam majoritariamente o usuário dependente, correspondendo a terceira fase denominada no estudo.

Considerando as características da dependência química como uma doença crônica que atinge um significativo contingente da população mundial, o estudo mostrou que o trabalho com a dependência é um desafio para os profissionais que integram a equipe multiprofissional de um CAPS AD, pois requer conhecimento e preparo, sendo este através de capacitações e especializações na área. O estudo apontou também a necessidade de conhecer quais estratégias de cuidado são preconizadas para essas pessoas, adequando suas ações conforme as fases específicas, não se limitando a encaminhamentos e orientações nos serviços, conforme apontaram os resultados.

Nesse sentido, nossos resultados evidenciam a importância da qualificação na formação do profissional e do desenvolvimento de programas de treinamento das equipes de atendimento aos usuários de álcool e outras drogas. Além disso, o desenvolvimento e implementação de políticas públicas que visem à identificação e intervenção em casos de uso de drogas na fase inicial consistem em ações eficazes para prevenção da dependência química.

  • FOMENTO
    Pesquisa realizada com o apoio da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2018
  • Aceito
    18 Mar 2019
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