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O mercado de trabalho em enfermagem gerontológica no Brasil

RESUMO

Objetivo:

analisar o desenvolvimento do mercado de trabalho na Enfermagem Gerontológica brasileira, entre 1970 e 1996.

Método:

estudo descritivo-qualitativo, com abordagem histórica, que utiliza a história oral de 14 enfermeiras pesquisadoras atuantes no período histórico, fundamentada nas ideias de Eliot Freidson.

Resultados:

a Enfermagem venceu barreiras para a transformação das práticas do cuidado ao idoso no período descrito, considerando a inexistência de mercado de trabalho específico; necessidade de conhecimento teórico para o atendimento em Gerontologia; a escassez de pesquisas e pesquisadoras na área; o surgimento do cuidador de idosos; a construção da multidisciplinaridade e a transformação das instituições de longa permanência.

Considerações finais:

a expansão do mercado de trabalho na época foi fundamentada por avanços na produção do conhecimento sobre o processo de envelhecimento, respaldado pela transição demográfica, que determinou o aumento na demanda de idosos nos serviços de saúde e a promulgação de leis específicas de proteção aos idosos.

Descritores:
História da Enfermagem; Enfermagem Geriátrica; Idoso; Mercado de Trabalho; Geriatria

ABSTRACT

Objective:

to analyze the development of the labor market in Gerontological Nursing in Brazil, between 1970 and 1996.

Method:

a descriptive-qualitative study with a historical approach that uses the oral history of 14 research nurses working in the historical period, based on the ideas of Eliot Freidson.

Results:

Nursing overcame barriers to change the care practices to elderly people in the period described, considering the lack of a specific labor market; the need for theoretical knowledge for Gerontology care; the scarcity of research and researchers in the field; the emergence of caregivers for elderly people; the construction of multidisciplinarity and the transformation of institutions for a long-term stay.

Final considerations:

the expansion of the labor market at the time was grounded on advances on the production of knowledge of the aging process, supported by the demographic transition, that determined the increase in the demand by elderly people for health services and the enactment of specific laws protecting this population.

Descriptors:
History of Nursing; Geriatric Nursing; Elderly People; Labor Market; Geriatrics

RESUMEN

Objetivo:

analizar el desarrollo del mercado de trabajo en la Enfermería Gerontológica brasileña, entre 1970 y 1996.

Método:

estudio descriptivo-cualitativo, con abordaje histórico, que utiliza la historia oral de 14 enfermeras investigadores y actuantes en el período histórico, fundamentada en las ideas de Eliot Freidson.

Resultados:

la Enfermería superó barreras para transformar las prácticas del cuidado a los ancianos en el período descrito, considerando la inexistencia del mercado de trabajo específico; la necesidad de conocimiento teórico para la atención en Gerontología; la escasez de investigaciones e investigadores en el área; el surgimiento del cuidador de ancianos; la construcción de la multidisciplinariedad y la transformación de las instituciones de larga permanencia.

Consideraciones finales:

la expansión del mercado de trabajo en la época fue motivada por avances en la producción del conocimiento sobre el proceso de envejecimiento, respaldado por la transición demográfica, que determinó el aumento en la demanda de ancianos en los servicios de salud y la promulgación de leyes específicas de protección a los ancianos.

Descriptores:
Historia de la Enfermería; Enfermería Geriátrica; Ancianos; Mercado de Trabajo; Geriatría

INTRODUÇÃO

A Enfermagem Gerontológica foi declarada como especialidade pela American Nurses Association (ANA) em 1966 (11 Burnside IM. Enfermagem e os idosos. São Paulo: Organização Andrei; 1979.). No Brasil, estudos (22 Neri AL. A pesquisa em gerontologia no Brasil: análise de conteúdos de amostra de pesquisa em psicologia no período de 1975-1996. Texto Contexto Enferm. 1997;6(2):69-105.-33 Santos SSC. Enfermagem gerontológica: reflexão sobre o processo de trabalho. Rev Gaúcha Enferm[Internet]. 2000 [cited 2016 Jul 18];21(2):70-86. Available from: http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/4318/2279
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apontam que o interesse pela Gerontologia surgiu a partir de 1961, com a criação da Sociedade Brasileira de Geriatria, que posteriormente passou a ser designada Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Na década de 1970, houve avanços na prática e no ensino, quando alguns serviços de saúde, geralmente ligados às universidades, começaram a oferecer serviços a idosos doentes. Nos anos de 1980, essas iniciativas se proliferaram e iniciaram um atendimento mais sistemático à pessoa idosa, oferecendo também atividades voltadas à promoção da saúde e à prevenção das doenças (33 Santos SSC. Enfermagem gerontológica: reflexão sobre o processo de trabalho. Rev Gaúcha Enferm[Internet]. 2000 [cited 2016 Jul 18];21(2):70-86. Available from: http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/4318/2279
http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGa...
).

Esses avanços estão pautados no aumento progressivo do índice de envelhecimento no Brasil, apontado em pesquisa recente, demonstrando que de 1970 a 1980 houve uma variação de 30,54%; de 1980 a 1991, 32,26%; de 1991 a 2000, 37,42%; e de 2000 a 2010, 55,11% (44 Closs VE, Schwanke CHA. A evolução do índice de envelhecimento no Brasil, nas suas regiões e unidades federativas no período de 1970 a 2010. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):443-58. doi: 10.1590/S1809-98232012000300006
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). O desenvolvimento da Enfermagem Gerontológica esteve relacionado diretamente com o processo de transição demográfica e epidemiológica no Brasil, que resultou no aumento da população idosa no país e, consequentemente, em uma demanda crescente dessa clientela nos serviços de saúde.

Surgiu, assim, uma preocupação maior com essa camada da população, originando novos espaços de atuação profissional, que requeriam formação qualificada para esse atendimento, fomentando a construção do conhecimento e a consolidação dessa especialização da Enfermagem. Essa constatação está em consonância com o pensamento do sociólogo Eliot Freidson quando argumenta que as profissões chamadas de “consulta” oferecem, à uma clientela leiga, serviços que procuram resolver problemas. Portanto, a profissão prática tem a tarefa de aplicar o conhecimento à vida cotidiana e deve estar, de alguma maneira, vinculada à vida diária e ao homem comum (55 Freidson E. Professional powers: a study of the institutionalization of formal knowledge. Chicago: The University of Chicago Press; 1986.).

No Brasil, a Enfermagem Gerontológica foi reconhecida como especialidade em 2001, pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEn), por meio da Resolução nº 260/2001 (66 Conselho Federal de Enfermagem - COFEN. Resolução nº 260. Fixa as Especialidades de Enfermagem [Internet]. Brasília; 2001. [cited 2017 Aug. 18]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-260-2001_66705.html
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
). O respaldo do COFEn para a criação das especialidades ilustra o referencial de Eliot Freidson quando disserta que é a combinação entre o treinamento no conhecimento formal e o credenciamento, que garante às profissões um acesso exclusivo às suas posições de mercado. É justamente esse controle rigoroso que sustenta o poder e os privilégios profissionais (55 Freidson E. Professional powers: a study of the institutionalization of formal knowledge. Chicago: The University of Chicago Press; 1986.).

A reserva de mercado de trabalho é apontada por Freidson como constituinte do status profissional pela exigência de que somente aqueles com credenciais ocupacionalmente emitidas, que certificam sua competência, possam ser empregados para executar uma série definida de tarefas. Assim, o profissionalismo representa um método logicamente distinto de organizar uma divisão de trabalho. O autor expressa uma circunstância em que as ocupações negociam limites jurisdicionais entre si, estabelecem e controlam sua própria divisão do trabalho (55 Freidson E. Professional powers: a study of the institutionalization of formal knowledge. Chicago: The University of Chicago Press; 1986.).

Nas últimas décadas, o mercado de trabalho na Enfermagem tem mostrado um crescimento positivo no setor Saúde. Essa perspectiva ascendente vem se mantendo, pois segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a profissão gerou 27.282 postos de trabalho entre 2009 e 2012 (77 Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicada (IPEA). Ranking traz ocupações com os maiores salários. [Internet]. Brasilia; 2013 [cited 2017 Sep 28]. Available from: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=18829
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?...
). Entretanto, em uma pesquisa recente, publicada em 2016 sobre o perfil da Enfermagem brasileira, identifica-se problemas de empregabilidade plena (88 Machado MH, Oliveira E, Lemos W, Lacerda WF, Aguiar Filho W, Wermelinger M, et. al. Mercado de trabalho da enfermagem: aspectos gerais. Enferm Foco. 2016;7(ESP):35-62. doi: 10.21675/2357-707X.2016.v7.nESP.691
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). A profissão engloba mais de 1.800.000 profissionais, de um total de 3,5 milhões de trabalhadores de saúde, o que representa mais da metade de todos os trabalhadores na área da Saúde. No entanto, esse contingente dá sinais de problemas de empregabilidade quando aponta quase 5% de desemprego e 4,5% de afastamento temporário. Dos mais de 121 mil profissionais que declararam estarem desempregados recentemente, 66,7% afirmam ter tido problemas de encontrar um novo emprego.

O aumento quantitativo de profissionais impactou também o desenvolvimento da Enfermagem Gerontológica na atualidade, iniciando ações educacionais e produzindo conhecimentos na área. A realização das Jornadas que congregaram profissionais e estudantes foram mola propulsora para a criação do Departamento de Enfermagem Gerontologica (DEGER), na Associação Brasileira de Enfermagem, em 2009, durante o 61º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Esse departamento constitui-se em um importante passo na representatividade da área, para o debate da política de formação no contexto da própria Enfermagem e de políticas públicas de atenção às pessoas idosas (99 Alvarez AM, Reiners AAO, Polaro SHI, Gonçalves LHT, Caldas CP, Unicovsky MAR. Departamento Científico de Enfermagem Gerontológica da Associação Brasileira de Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2013;66(esp):177-81. doi: 10.1590/S0034-71672013000700023.
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).

Diante das considerações apresentadas, historicizar a construção do mercado de trabalho em Enfermagem Gerontológica se faz necessário para releitura histórica da especialidade e da profissão, à medida que traz os componentes para o desenvolvimento do conhecimento especializado no atendimento à pessoa idosa. Entretanto, essa temática exige um novo olhar, uma nova percepção de pesquisa sobre a profissão, ao reportar-se à visão da especialidade do conhecimento como um importante instrumento na busca do status profissional.

A pesquisa histórica traz uma contribuição significativa para a Enfermagem, pois remete os profissionais à uma visão crítica dos aspectos sociopolíticos e culturais que entremearam a sua construção. Ainda, possibilita a amplitude necessária para a análise desses fatores ao revelar os avanços alcançados no período estudado, bem como as dificuldades encontradas. Desse modo, fomenta a reflexão sobre intervenções futuras que se fazem necessárias para sua consolidação profissional.

OBJETIVO

Analisar o desenvolvimento do mercado de trabalho na Enfermagem Gerontológica brasileira, entre 1970 e 1996.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa em Seres Humanos, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Santa Catarina. Os sujeitos foram esclarecidos sobre o objetivo da pesquisa e aceitaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e de cessão da entrevista. Cabe ressaltar que todas as entrevistadas abdicaram do anonimato por se tratar de um estudo histórico-social, de modo que se torna fundamental identificar as enfermeiras pesquisadoras do estudo do processo de envelhecimento no Brasil.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo descritivo e qualitativo, com abordagem sócio histórica, que utiliza a história oral temática. A história oral trata da história do tempo presente e considera-se um método de pesquisa histórica, antropológica e sociológica, que privilegia a realização de entrevistas, gerando como resultado uma fonte de consulta (entrevistas) para outros estudos (1010 Padilha MI, Bellaguarda MLR, Nelson S, Maia ARC, Costa R. The use of sources in historical research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2760017. doi: 10.1590/0104-07072017002760017
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). Utiliza como referencial teórico as ideias de Eliot Freidson, pesquisador da sociologia das profissões, que sustenta a relevância da reserva de mercado de trabalho para a consolidação do status profissional, por meio de jurisdição exclusiva, monopólio baseado em credenciais qualificacionais e divisão de trabalho controlada pela profissão (55 Freidson E. Professional powers: a study of the institutionalization of formal knowledge. Chicago: The University of Chicago Press; 1986.).

Procedimentos metodológicos

Buscando-se a historicidade da Enfermagem Gerontológica, a escolha do critério de inclusão dos sujeitos recaiu sobre as enfermeiras pesquisadoras no estudo do processo de envelhecimento, que atuaram entre 1970 e 1996. O período delimitado corresponde aos avanços da pesquisa sobre idosos no Brasil, findando com a realização da I Jornada Brasileira de Enfermagem Geriátrica e Gerontológica. Esse critério de inclusão dos sujeitos delimitou, como pesquisadoras, as enfermeiras apontadas por seus pares em forma de rede, que contribuíram para a realização daquela jornada, considerado por elas um fato desencadeante da socialização do conhecimento da Enfermagem Gerontológica no Brasil.

Para a delimitação da amostra, foi realizada a entrevista zero, que teve como objetivos: validar o instrumento de entrevista e estabelecer uma rede de relações para identificar as enfermeiras pesquisadoras na área, além de contribuir para demarcar o espaço temporal desta pesquisa. O estabelecimento da rede teve o propósito de alcançar o objetivo do estudo, segundo as orientações de seus próprios membros, excluindo-se o direcionamento das autoras deste artigo.

O primeiro contato foi feito via correio eletrônico, no qual foi explanado o objetivo da pesquisa, e feito o convite à participação das professoras como pioneiras, conferida por seus pares. Fica aqui registrado o interesse unânime de todas as professoras contatadas, algumas das quais expressaram surpresa ao serem consideradas pioneiras nessa área no Brasil.

Após esse primeiro contato, conforme disponibilidade de deslocamento geográfico, foram agendadas entrevistas em um ambiente privativo, de escolha das participantes. Cabe aqui ressaltar que todas as entrevistas tiveram como palco as instituições de ensino superior às quais as professoras são vinculadas ou nelas se aposentaram, perfazendo um total de oito cidades e cinco estados brasileiros visitados.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas de maio a novembro de 2009, a partir de rede de relações iniciada na entrevista zero e que atendiam aos critérios de inclusão da pesquisa.

Foram realizadas 14 entrevistas com enfermeiras indicadas por seus pares. Essas profissionais participaram dos primórdios da Gerontologia no país, contribuindo para a realização da I Jornada Brasileira de Enfermagem Geriátrica e Gerontológica, fato que desencadeou a socialização do conhecimento dessa especialidade no Brasil. Ressalta-se que nem todas as pesquisadoras que atendem ao critério foram incluídas na amostra, devido a distâncias geográficas, dificuldade de contato e/ou de agendamento das entrevistas.

Para a análise dos dados utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática (1111 Bardin L. Análise de conteúdo. 6ª ed. Lisboa: Edições 70; 2011., que é a significação que se desprende do texto, permitindo sua interpretação sob o enfoque da teoria que guia o estudo. A organização da análise de conteúdo temática desdobra-se em três etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Essa técnica também propicia conhecer uma realidade por meio das comunicações de indivíduos que com ela tenham vínculos. Foram identificadas duas categorias de análise: 1. Evolução das práticas do cuidado de enfermagem; e 2. Constituintes do mercado de trabalho.

RESULTADOS

Analisar a Enfermagem Gerontológica sob a perspectiva da delimitação no mercado de trabalho nos remete à compreensão da construção da prática profissional para essa população e como esse posicionamento vem buscando a expansão de espaços de atuação.

Evolução das práticas do cuidado de enfermagem

Até a década de 1960, o mercado de trabalho era quase inexistente, conforme o relato:

Na década de 1960 não existia. Quando entrei na Universidade, entrei por concurso e quando me deram o programa da prova escrita do concurso, tinha lá: Enfermagem Gerontológica. Não tinha livro para estudar. Eu não sabia o que fazer. (Profª Dra Clarice de Oliveira)

Em ordem cronológica, o depoimento elencado aponta que os estudos sobre o processo de envelhecimento tiveram um maior impulso a partir da década de 1970. Já na década de 1980, consolidaram-se os estudos de algumas das pesquisadoras na área, como os das professoras Lúcia Hisako Takase Gonçalves, Rosalina Partezani Rodrigues, Maria Manuela Rino Mendes, Maria Jalma Santana Duarte e Maria Coeli Campedelli. Os dados coletados permitem inferir que essas professoras, juntamente com a Profª Clarice de Oliveira, podem ser consideradas a primeira geração de enfermeiras pesquisadoras na área.

O interesse pela especialidade foi caracterizado pelo interesse individual dessas pesquisadoras, que, por atuarem na docência ou na prática assistencial, experienciavam constituintes antagônicos: o aumento crescente de idosos nos serviços de saúde e a escassez de conhecimento teórico no atendimento a essa faixa etária.

Entretanto, a construção desse mercado de trabalho enfrentava, desde seus primórdios, talvez sua maior dificuldade, a percepção do cuidado ao idoso naquela época.

Nem se tocava muito no assunto, o processo do envelhecimento era como uma questão de fragilidade, perto da morte. Não havia essa preocupação. A preocupação era muito maior, voltada para o diagnóstico da doença, os sintomas. (Profª Dra Maria Jalma Santana Duarte)

Desse modo, o primeiro desafio encontrado pelas pesquisadoras para modificar a prática nessa área foi o convencimento, entre seus pares, de que havia a necessidade do estudo do processo de envelhecimento para o atendimento aos idosos. Esse afastamento do profissional de enfermagem proporcionava que outros atores prestassem o cuidado ao idoso, como é o caso da Bahia, na década de 1970:

Não tinha nem auxiliar de enfermagem, nem enfermeira, e nem técnico de enfermagem. Apenas alguns atendentes, [...] mas não gostavam de cuidar de velho, estavam lá porque precisavam trabalhar, ganhar dinheiro. (Profª Dra Clarice de Oliveira)

Uma das entrevistadas parece dar uma pista para a explicação da resistência das enfermeiras em empreender esforços no cuidado ao idoso e, por consequência, na construção do conhecimento nessa área:

[...], tem que trabalhar muito. Não para melhorar, mas para não piorar. Porque se eu não trabalhar muito, ele vai piorar. (Profª Dra Aparecida Yoshitome)

Entretanto, as entrevistadas relatam que implementar os conhecimentos teóricos no atendimento ao idoso, com a escassez de pesquisas e pesquisadoras na área, foi uma luta árdua, pois as referências existentes eram, em sua maioria, livros e artigos internacionais, nem sempre adequados à realidade brasileira, o que acarretava ainda mais dificuldades:

Daí eu vi que muitas vezes aquelas orientações que eu fazia, tiradas dos livros, ipsis litteris, decoradas dos livros, chegava lá e a esposa do paciente, a filha, o familiar, fazia tudo diferente [...] comecei a entender que não era por aí. Que era eu quem precisava aprender a cuidar com elas. (Profª Dra Célia Caldas)

O processo de trabalho da enfermeira, na década de 1980, nas instituições asilares exigiu uma reestruturação:

Então, o que é que acontecia: nós, enquanto enfermeiras, tínhamos um livro que nós anotávamos as queixas, que nas 24 horas algum idoso tinha apresentado. Então, quando o geriatra chegava, ele ia no livro de queixas, e atendia apenas aqueles que tinham as queixas. (Profª Dra Tânia Menezes)

Outro aspecto que merece investigação na análise da transformação do processo de trabalho da enfermagem foi a promulgação da Política Nacional do Idoso (1212 Presidência da República (BR). Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília; 1994.). A partir disso, as opiniões das entrevistadas passam a ser convergentes quanto ao reconhecimento do avanço dos direitos dos idosos e enquanto instrumento importante de convencimento de seus pares. Acrescido de novo ator: o cuidador de idoso.

No discurso das pesquisadoras, o cuidador do idoso foi uma constante, quer como responsabilidade da Enfermagem na formação de recursos humanos, quer como ameaça de invasão de mercado de trabalho:

Os enfermeiros foram os que mais debateram, porque os mentores dessa política [Política Nacional do Idoso], que eram profissionais da área do envelhecimento, queriam embutir nessa política a questão do cuidador leigo como uma categoria profissional, assim como os agentes comunitários, e não como ocupacional, que eles são, mas como uma categoria profissional. Nós debatemos muito, porque nada mais era do que a reedição do papel do atendente de enfermagem, que recém nos estávamos conseguindo dar conta de capacitar e extinguir. (Profª Dra Sílvia Azevedo dos Santos).

Constituintes do mercado de trabalho

Visando uma melhor compreensão do desenvolvimento da reserva de mercado da Enfermagem Gerontológica no Brasil, solicitou-se aos participantes da pesquisa a sua percepção prospectiva dessa construção, permitindo vislumbrar os avanços e limitações encontrados ao longo dessa trajetória, que contribuissem para o futuro da área.

Para as entrevistadas, o mercado de trabalho em Gerontologia foi se expandindo a cada década, concomitante ao aumento no número de idosos atendidos no sistema de saúde. Se, outrora, os depoimentos mostravam que era preciso o poder de convencimento de seus pares para a importância do cuidado a essa clientela, na contemporaneidade, a realidade encontrada é outra:

Semanalmente, eu recebo aqui demandas de instituições me pedindo indicações de enfermeiros geriátricos ou gerontológicos [...] então eu vejo um campo imenso, com um mercado desocupado, numa área onde o enfermeiro é valorizado, diferente de outras áreas que o enfermeiro tem que ficar brigando para se impor, nessa área praticamente não precisa,, é só ser competente. (Profª Dra Célia Caldas)

Dentre os novos espaços de cuidado, conquistados ao longo do tempo e citados pelas entrevistadas, estão o cuidado domiciliar, home care, e casas de repouso na iniciativa privada, que são campos de mercado ocupados por outros profissionais ou leigos. No que perpassa essa discussão, foi unânime o relato das entrevistadas de que a Enfermagem ainda não ocupa esse espaço. A falta de interesse pela área acarreta um déficit de profissionais nas instituições, bem como uma desvalorização do trabalho da Enfermagem com o idoso:

E uma coisa que a gente percebe, eu levo aluno para prática, a gente vai fazer trabalho em instituições asilares, e, na visão do aluno, é o último lugar que poderia ser um local do enfermeiro trabalhar, [...]. (Profª Dra Marilene Rodrigues Portella)

Entretanto, o olhar do trabalho da Enfermagem na Gerontologia visto por outros profissionais e sob outra perspectiva, a do empreendedorismo, talvez traga novos direcionamentos:

Eu trabalho atualmente com velhos em situação de rua. Então, uma peculiaridade do meu trabalho. A Enfermagem é quem chega. [...] Então, é como se fosse uma senha de acesso, a questão do contato. E uma senha muito positiva de acesso, que às vezes eu acho que a gente usa mal. (Profª Dra Ana Cristina Brêtas)

Outro constituinte do mercado de trabalho são as relações entre os profissionais em um mesmo espaço de atuação como a área da Saúde. Contudo, a forma pela qual vem sendo desenvolvida essa integração é motivo de preocupação entre as entrevistadas:

Qual é a essência da Enfermagem? Se eu não souber qual é a essência da Enfermagem, qual é a minha competência enquanto enfermeiro, como é que eu vou dividir com outro? Porque eu divido até certo ponto. Tenho que preservar a minha competência, a minha área. [...] (Profª Dra Ângela Alvarez)

Ao serem solicitadas que opinassem sobre a avaliação do desenvolvimento da Enfermagem Gerontológica no Brasil, as entrevistadas foram unânimes em reconhecer que houve um crescimento significativo:

A avaliação que eu faço é positiva. A questão da Jornada, que já estamos na sétima, sempre tem duzentas, trezentas pessoas, que é um número expressivo. (Profª Dra Rosalina Partezani Rodrigues)

Os embates a serem travados daqui para frente deverão ter como respaldo o conhecimento especializado, que permitirá a reivindicação da competência exclusiva do cuidado de enfermagem no atendimento ao idoso. Entretanto, esse conhecimento ainda está em construção:

[...] muitas das pessoas dessa área são reconhecidas nacionalmente como pessoas que produzem um conhecimento importante para a Enfermagem. Mas eu diria, ainda se consolidando, talvez para estar marcada como área. (Profª Dra Marion Creutzberg)

DISCUSSÃO

Os depoimentos ilustram as dificuldades encontradas por essas pesquisadoras. Embora a Enfermagem vivenciasse o aumento da demanda de idosos em seus serviços, não compreendia que requeriam um cuidado especializado. Essa prática é vivenciada atualmente, pois uma pesquisa sobre a assistência do enfermeiro ao idoso na Estratégia Saúde da Família (1313 Resende JO, Silva FMR, Assunção RS, Quadros KAN. Carenurses in the elderly family health strategy. Assistência do enfermeiro ao idoso na estratégia de saúde da família. Rev Enferm Cent O Min [Internet]. 2015 [cited 2016 Jun 28];5(3):183. Available from: http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/880/935
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constatou que os idosos são atendidos de forma não sistematizada. Os profissionais são orientados a seguir alguns protocolos assistenciais, mas cada enfermeiro e equipe organizam a assistência conforme seu processo de trabalho, seguindo a dinâmica de funcionamento da unidade. As autoras concluem que a população idosa recebe assistência e cuidados em suas necessidades como um usuário de qualquer faixa etária, não sendo assistida conforme suas peculiaridades.

Esse mercado de trabalho trazia a necessidade de uma nova sistematização, um novo olhar, que mais tarde se transformaria e se consolidaria no “olhar gerontológico”, citado pelas pesquisadoras entrevistadas. Um olhar diferenciado, entendendo a velhice como uma etapa do ciclo vital e percebendo as nuances entre a senilidade e a senescência.

O movimento de busca pelo conhecimento especializado protagonizado pelas pesquisadoras condiz com o pensamento de Eliot Freidson ao afirmar que as profissões chamadas “práticas ou de consulta” devem resolver os problemas apresentados por sua clientela (1414 Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. São Paulo: UNESP; 2009.). Desse modo, os profissionais devem buscar constantemente conhecimento científico, para responder às expectativas e à resolutividade esperadas pela sociedade.

A especialização em uma determinada área é inerente ao mercado de trabalho, pois requer competência ou qualificações que somente os membros da ocupação possuem, por força de seu treinamento ocupacional, para a realização do trabalho de maneira adequada e confiável. É difícil sustentar uma pretensão de direito exclusivo para realizar uma tarefa que qualquer um possa desempenhar com igual competência (66 Conselho Federal de Enfermagem - COFEN. Resolução nº 260. Fixa as Especialidades de Enfermagem [Internet]. Brasília; 2001. [cited 2017 Aug. 18]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-260-2001_66705.html
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
). Essa expertise do conhecimento exclusivo acaba por determinar as especializações dentro das profissões. Esse discurso do monopólio do saber profissional é vivenciado na contemporaneidade pela Enfermagem, que busca, no conhecimento científico, delimitar seu espaço na área da Saúde, desenvolvendo e criando especializações que dêem conta da amplitude do saber.

Os depoimentos das enfermeiras acerca de pessoas despreparadas que outrora prestavam o cuidado ao idoso infelizmente não diferem de dados da atualidade, quando se constata problemas similares. Uma pesquisa sobre o cuidado de enfermagem a idosos institucionalizados aponta que é necessário reconhecer que a instituição não pode funcionar com base na lógica hospitalar. Por conta dessa interpretação equivocada, muitas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) se transformaram em Clínicas Geriátricas de péssima qualidade, com profissionais não qualificados, oferecendo cuidados paliativos em locais inapropriados (1515 Oliveira B, Concone MHVB, Souza SRP. A Enfermagem dá o tom no atendimento humanizado aos idosos institucionalizados? Rev Kairós [Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 27];19(1):239-54. Available from: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/view/31112/21529
https://revistas.pucsp.br/kairos/article...
).

O déficit de qualificação mostra o despreparo dos trabalhadores da Saúde para a atuação no contexto das ILPIs, o que se configura em um desafio de gerenciamento na Enfermagem. É perceptível a falta de preparo dos profissionais que atuam no cuidado com a população institucionalizada, tanto no que diz respeito ao conhecimento sobre o processo de envelhecimento quanto aos agravos recorrentes e às suas repercussões. Os desafios apontados pelos enfermeiros dizem respeito aos aspectos da gerenciamento do cuidado, vivenciado de forma solitária, trabalhando com quadro reduzido, com remuneração parca, em meio a preocupações constantes e com a exigência de qualificar a equipe, somados aos estereótipos que a sociedade tem acerca da institucionalização do idoso (1616 Portella MR, Dias RFR, Dias PS. Desafios e perspectivas da enfermagem gerontológica: o olhar das enfermeiras. RBCEH. 2012;9(2):226-37. doi: 10.5335/rbceh.2012.2282
https://doi.org/10.5335/rbceh.2012.2282...
).

A qualificação da equipe esbarra na formação de cuidadores formais de idosos, devido à predominância de cursos de curta duração, inviabilizando uma articulação teórico-prática no processo ensino-aprendizagem e uma discussão sobre as tecnologias relacionais implicadas no ato de cuidar. A escolaridade de ensino médio incompleto dificulta a realização de atividades como a administração de medicamentos. Entretanto, a polifarmácia é uma realidade comum entre idosos, sendo necessária uma observação atenta do medicamento e da dosagem administrada (1717 Silva ILS, Machado FCA, Ferreira MAF, Rodrigues MP. Formação profissional de cuidador de idosos atuantes em instituições de longa permanência. Holos. 2015;8(31):342-56. doi: 10.15628/holos.2015.3215
https://doi.org/10.15628/holos.2015.3215...
).

Os depoimentos sobre cuidadores de idosos mostram a preocupação das entrevistadas com a reserva do mercado de trabalho. A inclusão dessa ocupação tem trazido desafios e discussões frequentes ainda na atualidade, visto a tramitação do Projeto de Lei 4702/2012, que dispõe sobre o exercício da profissão de cuidador de pessoa idosa e dá providências (1818 Governo Federal (BR). Projeto de Lei n. 4702/12. Dispõe sobre o exercício da profissão de cuidador de pessoa idosa e dá outras providências. Brasília; 2012.).

A fragilidade da organização política da Enfermagem brasileira acaba por criar espaços para a elaboração de políticas públicas que se voltam contra os próprios trabalhadores. Isso aponta para o desafio de construir políticas de resistência de suas entidades de classe, a defesa dos interesses e promoção do desenvolvimento técnico, científico, cultural e político dos profissionais, exercido pela Associação Brasileira de Enfermagem, a intensificação da luta sindical e o fortalecimento do órgão de normatização e fiscalização da profissão.

Para Freidson, o controle ocupacional de uma divisão de trabalho requer também o controle de seu mercado de trabalho. Em um mercado de trabalho controlado, não se permite que os consumidores individuais empreguem quem eles queiram: apenas podem escolher entre os membros adequadamente autorizados da ocupação, que detêm jurisdição sobre as tarefas a serem executadas (66 Conselho Federal de Enfermagem - COFEN. Resolução nº 260. Fixa as Especialidades de Enfermagem [Internet]. Brasília; 2001. [cited 2017 Aug. 18]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-260-2001_66705.html
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
). Para que a Enfermagem se fortaleça profissionalmente, faz-se necessária uma mobilização política para defender seu espaço no mercado de trabalho, estabelecendo as atividades privativas a essa categoria profissional.

Outro constituinte nas práticas de cuidado na área da Gerontologia foi o trabalho multiprofissional, mencionado pelas enfermeiras pesquisadas, como um importante espaço para a construção do conhecimento e reserva de mercado. Para Freidson, o profissionalismo representa um método logicamente distinto de organizar uma divisão de trabalho. Expressa uma circunstância em que as ocupações negociam limites jurisdicionais entre si, estabelecem e controlam sua própria divisão do trabalho (66 Conselho Federal de Enfermagem - COFEN. Resolução nº 260. Fixa as Especialidades de Enfermagem [Internet]. Brasília; 2001. [cited 2017 Aug. 18]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-260-2001_66705.html
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
).

Conseguir um abrigo de mercado forte exige a criação de fronteiras demarcatórias, tanto horizontais quanto verticais, diante da potencial superposição ou invasão por parte de ocupações contíguas em uma divisão de trabalho que possivelmente não deverá aceitar a exclusão sem oferecer resistência (66 Conselho Federal de Enfermagem - COFEN. Resolução nº 260. Fixa as Especialidades de Enfermagem [Internet]. Brasília; 2001. [cited 2017 Aug. 18]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-260-2001_66705.html
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
). Assim, a reflexão sobre as delimitações das atividades atribuídas a cada categoria profissional é imprescindível para a reserva de mercado de trabalho para a Enfermagem Gerontológica. São necessárias discussões urgentes sobre o papel da Enfermagem na equipe multiprofissional, não só no atendimento ao idoso, mas em todas as áreas de atuação profissional.

A facilidade na acessibilidade da relação Enfermagem/população, proporcionada pela historicidade da profissão com o cuidado, mostra o fato de a categoria ter pouca tradição em atuar como profissional empreendedor. Apenas 1,8% trabalham nessa modalidade: em cooperativas (0,8%), na assistência domiciliar (homecare) (0,5%) e “outras” modalidades (0,5%) (88 Machado MH, Oliveira E, Lemos W, Lacerda WF, Aguiar Filho W, Wermelinger M, et. al. Mercado de trabalho da enfermagem: aspectos gerais. Enferm Foco. 2016;7(ESP):35-62. doi: 10.21675/2357-707X.2016.v7.nESP.691
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2016....
). Pode-se dizer que a Enfermagem é uma profissão de atividade institucionalizada em estruturas formais de emprego, público ou privado. Entretanto, ao utilizar novas áreas de trabalho em Instituições de Longa Permanência, atendimento dia ou domiciliar para idosos, ampliaria o mercado de trabalho da profissão.

Essa percepção impulsiona o empreendedorismo, condizente com uma profissão liberal como a Enfermagem, ao buscar uma nova relação laboral com a população, sem vínculo empregatício com o Estado ou instituições. As discussões sobre novas possibilidades de trabalho para a Enfermagem deveriam ser o foco de discussões acadêmicas e profissionais, pois, apesar da empregabilidade atual, a perspectiva é de aumento significativo na oferta de novos profissionais no mercado a cada ano. Um exemplo disso é o quantitativo relativamente baixo de profissionais em homecare (0,5%), apontado pela pesquisa sobre o perfil da Enfermagem brasileira, além de ser uma modalidade de prestação de serviços que traz como benefícios a diminuição dos riscos de infecção em ambientes hospitalares, a humanização do atendimento no ambiente domiciliar, a redução de complicações clínicas e a otimização do tempo de recuperação do paciente (88 Machado MH, Oliveira E, Lemos W, Lacerda WF, Aguiar Filho W, Wermelinger M, et. al. Mercado de trabalho da enfermagem: aspectos gerais. Enferm Foco. 2016;7(ESP):35-62. doi: 10.21675/2357-707X.2016.v7.nESP.691
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2016....
).

O reconhecimento da relevância do conhecimento para a delimitação da reserva no mercado de trabalho é colocado pelas pesquisadoras ao demonstrarem a preocupação com o futuro das pesquisas e a necessidade da adesão de novos pesquisadores na área. Essa percepção encontra respaldo no pensamento de Eliot Freidson quando ressalta o conhecimento como um dos constituintes do poder profissional, capaz de subsidiar as delimitações dos limites jurisdicionais entre as profissões (1919 Freidson E. Para uma análise comparada das profissões: a institucionalização do discurso e conhecimento formais. Rev Bras Cien Soc. 1996;31:141-54.).

As perspectivas são promissoras, pois a Gerontologia, além de ser uma especialidade emergente na Enfermagem, é um profícuo campo de atuação. A qualificação do cuidado da pessoa idosa tem uma estreita relação com o nível de conhecimento dos profissionais da Enfermagem, bem como com a manutenção da fiscalização das instituições, postulada tanto pelo poder público quanto pelos órgãos de classe (1616 Portella MR, Dias RFR, Dias PS. Desafios e perspectivas da enfermagem gerontológica: o olhar das enfermeiras. RBCEH. 2012;9(2):226-37. doi: 10.5335/rbceh.2012.2282
https://doi.org/10.5335/rbceh.2012.2282...
,2020 Kletemberg DF, Padilha MI. Gerontological nursing: the production of knowledge in the profession (1970-1996). Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):86-93. doi: 10.1590/S1983-14472013000100011
https://doi.org/10.1590/S1983-1447201300...
-2121 Souza EFD, Silva AG, Silva AILF. Active methodologies for graduation in nursing: focus on the health care of older adults. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 2):920-4. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0150
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...
).

O conhecimento e a autonomia propiciarão a reserva no mercado de trabalho, pois, como afirma Eliot Freidson, a negociação dos limites jurisdicionais entre as ocupações, a fim de estabelecer e controlar a divisão do trabalho, expressa o poder profissional de uma categoria. Desse modo, a Enfermagem brasileira, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, deverão estar alertas para a preservação dos espaços já conquistados e para a delimitação das ações específicas da Enfermagem dentro da equipe multiprofissional, para alcançar uma autonomia condizente com a aspiração dos participantes dessa especialidade.

Limitações do estudo

Cabe aqui ressaltar que nem todas as pesquisadoras que atendem ao critério da pesquisa foram incluídas na amostra, devido a distâncias geográficas, dificuldade de contato e agendamento das entrevistas. Entretanto, estão citadas e reconhecidas por seus pares como pesquisadoras da época: Profa. Dra. Maria Coeli Campedelli; Profa. Dra. Maria do Rosário Menezes; Profa. Dra. Maria Manuela Rino; Profa. Dra. Marlene Teda Pelzer; e Profa. Marilene Baquero.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Historicizar as especialidades da Enfermagem faz parte da releitura histórica da profissão, à medida que traz os componentes da construção do conhecimento especializado, compreendido inicialmente apenas como um meio de aperfeiçoamento da prática da Enfermagem. Entretanto, essa temática exige um novo olhar, uma nova percepção de pesquisa sobre a profissão, ao reportar-se à visão da especialidade do conhecimento como um importante instrumento na busca do status profissional. Esse estudo traz à Enfermagem Gerontológica brasileira algumas contribuições, como o relato de sua historicidade do ponto de vista das pesquisadoras, bem como fomenta reflexões sobre os direcionamentos futuros na perspectiva sociológica ao trazer os constituintes para alcançar o status profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concomitante ao avanço da Gerontologia no Brasil, a partir da década de 1970, a prática assistencial da Enfermagem na área também foi se transformando e o mercado de trabalho se expandindo, o que foi percebido pelas enfermeiras pesquisadoras que viveram esse movimento prospectivo e evolutivo, quando, por meio da motivação e recursos pessoais, construíram os fundamentos da especialidade no país.

A Enfermagem venceu as barreiras que se impuseram para a transformação das práticas do cuidado: a escassez de bibliografia especializada que levou ao autodidatismo; o convencimento de seus pares da necessidade de especialização na área, devido às diferenças no cuidado ao adulto e ao idoso; o processo de aprendizagem e a construção do trabalho multiprofissional; a contribuição na transformação das instituições de longa permanência, de “depósitos de velhos” em espaços de promoção da saúde. Tais acontecimentos ocorreram devido a vários constituintes: a crescente produção do conhecimento sobre o processo de envelhecimento; a transição demográfica que determinou o aumento na demanda de idosos nos serviços de saúde; e a promulgação de leis específicas de proteção aos idosos.

Porém, é preciso também ressaltar as lacunas nesse mercado de trabalho que, apesar das lutas coletivas, das políticas de saúde e dos movimentos sociais ao longo do tempo, ainda estão presentes na atualidade, e as justificativas não se prendem a um único motivo. Dentre eles, pode-se citar a racionalidade da cura, fortemente ainda arraigada na categoria da Enfermagem, bem como o estereótipo da velhice. Entretanto, esses constituintes são válidos também para as outras profissões na área da Saúde, que, de acordo com as entrevistadas, vêm se posicionando nesse mercado. Talvez a melhor explicação seria a percepção de empregabilidade vivenciada pela categoria, ainda que dados da atualidade demonstrem um aumento do desemprego, o que acarretaria uma acomodação quanto à conquista de novos espaços no mercado de trabalho.

Essa percepção deve ser revista, pois, como afirma Eliot Freidson, a reserva de mercado, ou seja, a negociação dos limites jurisdicionais entre as ocupações, estabelecendo e controlando a divisão do trabalho, expressa o poder profissional de uma categoria. Assim, esforços deverão ser implementados no sentido de preservar os espaços já conquistados e delimitar as ações específicas da Enfermagem dentro da equipe multidisciplinar, para o alcance de uma autonomia condizente com a aspiração dos participantes dessa especialidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov 2019

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2018
  • Aceito
    17 Nov 2018
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