A participação em atividades universitárias para idosos: motivações de brasileiros e espanhóis

RESUMO

Objetivo:

Compreender os motivos que levam idosos brasileiros e espanhóis a matricularem-se na universidade aberta à terceira idade.

Método:

Estudo qualitativo que utilizou o Interacionismo Simbólico como referencial teórico e a Teoria Fundamentada nos Dados como referencial metodológico. Foram entrevistados 44 idosos matriculados em universidades abertas à terceira idade de dois países (Brasil e Espanha) no período de outubro de 2014 a maio de 2016.

Resultados:

As motivações vincularam-se à necessidade de ocupação do tempo disponível, inclusive para melhoria da saúde; à oportunidade de acesso ao aprendizado na universidade sem os critérios do ensino formal e; à ampliação das relações sociais, buscada por meio da criação de novas amizades, pelo anseio em conhecer as experiências vivenciadas por outras pessoas e pela troca de saberes.

Considerações finais:

Os idosos buscaram nas universidades abertas à terceira idade uma forma prazerosa de aprender e ocupar o tempo disponível.

Descritores:
Envelhecimento; Idoso; Aprendizagem; Universidades; Aposentadoria

ABSTRACT

Objective:

To understand the reasons that lead Brazilian and Spanish seniors to enroll in a university for the elderly.

Method:

A qualitative study that used Symbolic Interactionism as a theoretical reference and the Grounded Theory as a methodological reference. We interviewed 44 seniors enrolled in universities for the elderly from two countries (Brazil and Spain) between October 2014 and May 2016.

Results:

The motivations were related to the necessity of occupying the free time, even for improving health; to the opportunity of access to university learning bypassing formal education criteria; to the expansion of social relations, sought through the creation of new friendships, the desire to know other people’s life experiences, and the exchange of knowledge.

Final considerations:

Older people have sought in universities for the elderly a pleasurable way of learning and occupying the free time.

Descriptors:
Aging; Aged; Learning; Universities; Retirement

RESUMEN

Objetivo:

Conocer cuáles fueron las razones de ancianos brasileños y españoles para inscribirse en la universidad abierta a la tercera edad.

Método:

Estudio cualitativo que utilizó como referencial teórico el Interaccionismo Simbólico y como referencial metodológico la Teoría Fundamentada en los Datos. Se entrevistaron 44 ancianos matriculados en universidades abiertas a la tercera edad de dos países (Brasil y España), en el período de octubre de 2014 a mayo de 2016.

Resultados:

Las motivaciones fueron las siguientes: la necesidad de ocupar el tiempo libre, incluso para mejorar la salud; la oportunidad de acceder al aprendizaje en la universidad sin los criterios de la enseñanza formal; y la ampliación de las relaciones sociales, por medio de nuevas amistades, por el anhelo de conocer las experiencias vivenciadas por otras personas y por el intercambio de saberes.

Consideraciones finales:

Los ancianos buscaron una forma placentera de aprender y de ocupar el tiempo libre en las universidades abiertas a la tercera edad.

Descriptores:
Envejecimiento; Anciano; Aprendizaje; Universidades; Jubilación

INTRODUÇÃO

O envelhecimento tem se destacado como uma fase de aprendizado e não mais como período de declínio funcional e perdas. Com isso, as universidades de muitos países ofertam programas educacionais para idosos ⁽¹ que comumente são chamados de universidades abertas à terceira idade (UNATI). Tais iniciativas configuram-se como programas que ofertam a educação permanente não formal para que os idosos possam adquirir, validar e compartilhar conhecimentos com seus pares e com outras gerações ^(2-3).

Diferente da educação formal ofertada pelas universidades tradicionais, que tem o papel de formar as pessoas para uma variedade de profissões e carreiras ⁽⁴, as atividades da UNATI não têm a intenção de profissionalizar os alunos idosos, mas de ofertar diversas possibilidades de aprendizagens e relacionamentos ^(2-3). Nas UNATI são ofertadas atividades intelectuais, físicas e sociais, para que os idosos se adaptem a um contexto em reformulação constante, que engloba mudanças sociais, culturais, econômicas e científicas ⁽³⁾. A finalidade disso é proporcionar um envelhecimento ativo ⁽⁵ e com qualidade de vida ⁽⁶⁾.

Ao considerar a importância social da UNATI, julga-se necessário compreender quais são as motivações que levam os idosos a procurarem por estas. Existem pesquisas que exploram o tema ^(1,7-9, no entanto, não foi encontrado até o momento, em um único estudo, a compreensão dos anseios de idosos de países diferentes para matricularem-se nas UNATI. Pondera-se que o conhecimento sobre essa temática ainda é incipiente para informar profissionais, formuladores de políticas e pesquisadores da área sobre como ocorre tal processo.

Na ótica do Interacionismo Simbólico, o indivíduo ao deparar-se com determinada situação, elabora significados, os interpreta e molda sob o seu ponto de vista, para dar direção aos seus atos ⁽¹⁰⁾. A partir desse pressuposto, e ao ponderar que idosos de países e culturas distintas vivenciam e experimentam diferentes oportunidades; que suas motivações são repletas de significados e configuram-se como fundamentais para entender seus comportamentos, questiona-se: quais são as motivações que levam idosos brasileiros e espanhóis a procurarem pelas UNATI? As motivações são influenciadas pelo contexto socioeconômico e cultural no qual os idosos estão inseridos?

OBJETIVO

Compreender os motivos que levam idosos brasileiros e espanhóis a matricularem-se nas UNATI.

MÉTODO

Aspectos éticos

Foram seguidos todos os preceitos éticos vigentes para pesquisas que envolvem seres humanos. Na Espanha, o projeto obteve aprovação da Comissão de Bioética da Universidade de Barcelona (UB), e no Brasil foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Todos os sujeitos foram esclarecidos acerca da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os participantes foram identificados com a letra E, correspondente ao termo Entrevistado, seguido de algarismos arábicos e da instituição em que estavam matriculados.

Hipótese

Idosos brasileiros e espanhóis, por estarem inseridos em contextos socioeconômicos e culturais distintos, possuem diferentes motivações para buscarem as UNATI.

Tipo de estudo e referencial teórico-metodológico

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que utilizou o Interacionismo Simbólico como referencial teórico ⁽¹⁰ e a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como referencial metodológico ⁽¹¹⁾. Para o desenvolvimento do estudo foram observados os preceitos do Consolidated criteria for reporting qualitative research ⁽¹²⁾.

Cenário de estudo

Este estudo foi realizado com idosos em dois países, Espanha e Brasil. A Espanha tem 46.122.000 habitantes, expectativa de vida ao nascer de 80,2 anos e 30% de população idosa. Já o Brasil possui 207.848.000 habitantes, expectativa de vida de 75,4 anos e 13,2% de contingente de idosos ⁽¹³⁾.

O cenário de estudo na Espanha foi a UNATI da UB, localizada na cidade de Barcelona, que pertence à comunidade autônoma da Catalunha. A UNATI/UB oferta 970 vagas e todas são preenchidas por pessoas com idade igual ou superior a 55 anos, que para ingressar nela necessitam efetuar o pagamento de uma taxa de matrícula. O programa possui 11 disciplinas, que são: alimentação e gastronomia, astronomia e meteorologia, artes, biblioteca e arquivos na era digital, biologia do homem e da biodiversidade, ciências da saúde, filosofia, história da arte, história e território, línguas e literatura, e psicologia.

O segundo cenário foi a UNATI da UEM – situada em Maringá/PR, no Brasil – que oferta vagas para 400 alunos, com idade igual ou superior a 60 anos. Não cobra taxa de inscrição e todas as vagas são ocupadas. Oferta 40 disciplinas incluídas em seis diferentes áreas do conhecimento: arte e cultura, processos e procedimentos comunicativos, saúde física e mental, meio físico e social, direito e cidadania, e humanidades.

Ambas as UNATI iniciaram as atividades em 2010 e não exigem requisito de formação prévia do aluno. Distribuem as vagas disponíveis por sorteio, devido à procura por estas ser maior que a oferta.

Fonte de dados

Foram adotados como critérios de inclusão: ser idoso e estar matriculado em, pelo menos, uma disciplina na UNATI/UB ou UNATI/UEM no período de desenvolvimento do estudo. Os indivíduos foram abordados via telefone sobre o interesse em participar da pesquisa e mediante aceite verbal as entrevistas foram agendadas em local de preferência do idoso. Quatro entrevistas ocorreram no domicílio dos entrevistados e as demais nas dependências da UNATI. Não houve nenhuma recusa em participar do estudo.

As pesquisadoras receberam das UNATI uma listagem que continha dados dos idosos matriculados, como o nome, sexo, idade, tempo que frequentava a UNATI, disciplinas em curso e concluídas em anos anteriores, contato telefônico, entre outros. Os primeiros idosos entrevistados foram indicados pela coordenação da UNATI/UB, sendo um do sexo feminino e um do sexo masculino. Conforme as inferências surgidas no processo de coleta e análise de dados concomitante, julgou-se necessário a inclusão de idosos com diferentes características, iniciando-se assim, o uso da amostragem teórica.

Para tanto, foram abordados idosos matriculados em diferentes disciplinas e com características sociodemográficas distintas, como idade (entre 60 e 69 anos, 70 e 79 anos e 80 e mais), estado civil (casado, divorciado, viúvo e solteiro), escolaridade (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior) e ocupação (aposentado, exercendo alguma ocupação laboral ou aposentando e exercendo ocupação laboral). Assim, foi composto o primeiro Grupo Amostral (GA), com 22 idosos espanhóis matriculados na UNATI/UB.

Ponderou-se importante ainda, variar os sujeitos quanto ao contexto sociocultural em que estavam inseridos, para ampliar os pontos de vista para a compreensão do fenômeno. Dessa forma, o segundo GA foi composto por 22 idosos vinculados a uma UNATI brasileira, a UNATI/UEM. Este grupo também foi iniciado com um indivíduo do sexo feminino e um do sexo masculino, ambos indicados pela UNATI/UEM e conforme as inferências surgidas buscou-se variar as características da mesma forma que ocorreu com o primeiro GA.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados aconteceu entre outubro de 2014 a junho de 2016 por meio de entrevistas individuais realizadas por pesquisadoras que não possuíam nenhuma relação com os participantes. As entrevistas foram guiadas pela seguinte questão norteadora: Por que você decidiu se matricular na UNATI? As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos e os áudios foram gravados em aparelho digital e transcritos na íntegra.

A coleta e a análise dos dados ocorreram de forma concomitante, conforme preconiza o método ⁽¹¹⁾. Os memorandos foram utilizados em todo processo de pesquisa para informar sobre o direcionamento da amostragem, coleta e análise de dados. Não houve a necessidade de modificação do instrumento durante a pesquisa e cada idoso foi entrevistado apenas uma vez.

Os dados foram codificados até ocorrer a saturação teórica. Isto permitiu que a coleta de dados fosse interrompida no momento em que nenhuma informação acrescentasse ou modificasse as já existentes e também determinou o número de participantes. Os dados oriundos das entrevistas com os idosos da UNATI/UB, em espanhol, foram transcritos e traduzidos para o português por uma das pesquisadoras, que possui fluência em ambas as línguas. Não houve validação da tradução.

Análise dos dados

Para a análise dos dados utilizaram-se as etapas da codificação aberta, axial e seletiva. Na codificação aberta procedeu-se a leitura atenta da entrevista transcrita. Os dados foram analisados linha a linha e os incidentes foram nomeados com códigos preliminares e, posteriormente, agrupados e reorganizados por semelhanças e diferenças para a elaboração dos códigos conceituais ⁽¹¹⁾.

Durante a codificação axial, os códigos conceituais foram reagrupados para gerar e desenvolver sistematicamente as categorias e suas subcategorias, bem como relacioná-las. Na última etapa, a codificação seletiva, as categorias foram refinadas. A partir desse processo, obteve-se a categoria central ou fenômeno “A busca pela educação permanente não formal como forma prazerosa de ocupar o tempo disponível” e suas categorias “a UNATI enquanto estratégia para utilização do tempo disponível”, “a oportunidade de acesso ao aprendizado na Universidade” e “a busca pela ampliação e/ou melhoria das relações sociais”.

RESULTADOS

Participaram do estudo 44 idosos, dos quais 22 eram do sexo feminino. A idade variou entre 60 a 83 anos, com média de 71 anos. Em relação ao estado civil, 29 eram casados, três divorciados, 10 viúvos e dois solteiros. Três possuíam ensino fundamental, 16 ensino médio, 19 ensino superior e seis ensino superior incompleto. Quanto à ocupação laboral, 37 eram aposentados e não exerciam qualquer atividade remunerada, quatro possuíam atividade laboral remunerada e não eram aposentados e três, apesar de aposentados, possuíam vínculo empregatício remunerado. Do total, 36 referiram a presença de, pelo menos, uma condição crônica e as mais citadas estavam relacionadas aos sistemas cardiovascular, osteoarticular, endocrinológico e oftalmológico.

A análise dos dados permitiu desenvolver a compreensão dos motivos que levaram idosos brasileiros e espanhóis a buscar as atividades em âmbito da UNATI. Tais motivações resultaram da interpretação simbólica feita pelos idosos a respeito das situações vividas e impulsionaram a busca pela UNATI.

As universidades abertas à terceira idade enquanto estratégia para utilização do tempo disponível

Para idosos brasileiros e espanhóis o processo de aposentadoria foi expresso por um conjunto de significados vinculados à ociosidade, que decorreu da ampla disponibilidade de tempo e da escassez de atividades, em especial das laborais, sociais e de lazer. A situação vivenciada pelos indivíduos quando economicamente ativos, com as demandas do trabalho, somada às atividades domésticas e obrigações familiares, fez com que tivessem dificuldade de acesso às atividades educativas. Ao libertarem-se total ou parcialmente de tais obrigações buscaram a UNATI como forma de preencher o tempo disponível.

Um ano após a aposentadoria decidi que gostaria de continuar estudando. É o que me agrada e por isso busquei a universidade da experiência […] depois de 40 anos levando uma vida muito ativa, trabalhando fora, em casa, cuidando dos filhos e fazendo cursos e, de repente, ficar em casa tirando o pó percebi que poderia ficar louca. (E-2 UNATI/UB)

Os idosos aposentados e não aposentados que continuavam a exercer atividades remuneradas possuíam cargos com flexibilidade de agenda, ou ainda, trabalhavam com carga horária inferior à realizada em fases anteriores da vida. Isto permitiu que pudessem conciliar outras demandas, de modo que a UNATI foi uma opção.

Tenho um trabalho que não me exige 15 horas diárias e, portanto, estou mais tranquilo, mas necessito ter a mente criativa, porque me dedico a comunicação e ao marketing. (E-10 UNATI/UB)

Faço a UNATI para preencher o tempo, para ter mais alguma coisa a fazer e para não ficar preso somente ao meu trabalho. (E-36 UNATI/UEM)

A interpretação de que UNATI ocupa o tempo disponível com aprendizado vinculou-se à melhoria da saúde. Isso porque, a percepção de saúde dos idosos contemplou os aspectos físico, mental e social e convergiu com as atividades propostas da UNATI, vistas como benéficas para moldar comportamentos com a finalidade de manter e/ou melhorar a saúde.

Vim para a UNATI para me ocupar. Eu sei que o negócio é que o idoso tem que se ocupar, porque parado você enlouquece. O idoso tem que se ocupar, se mexer, pela saúde física e mental. Você estando ativo, você frequentando as coisas, você se sente útil para muita coisa. (E-35 UNATI/UEM)

Ficou explícito que o entendimento sobre o tempo disponível é uma construção individual, amparada nas vivências e experiências e, consequentemente, na construção simbólica elaborada por meio destas. Tal percepção exerce influência nas atitudes dos idosos de ambas as nacionalidades, que agem ajustando-se à sua disponibilidade.

A oportunidade de acesso ao aprendizado na Universidade

Entre os idosos das duas nacionalidades, o desejo de estudar e aprender foram inerentes à vida e não surgiram somente na terceira idade, no entanto, esta foi a fase em que puderam efetivá-lo. Em diversas situações, devido à situação financeira familiar que sobrepunha à necessidade de trabalhar pelo anseio de estudar e, no caso das mulheres pelas questões culturais da época, alguns idosos não tiveram a oportunidade de cursar o nível superior ou sequer concluir o ensino formal quando jovens. Na terceira idade, ao refletir sobre as alternativas possíveis para compensar as vivências anteriores, buscaram a universidade, tendo seu acesso estratégico por meio da UNATI.

Não pude estudar quando era jovem por problemas financeiros. Comecei a trabalhar muito cedo. Então o dia em que as portas da universidade se abriram para mim eu disse ‘agora é o meu momento’. (E-18 UNATI/UB)

Eu não estudei no meu tempo. Meu pai achava que tinha que casar e seguir outro caminho. Eu sempre gostei de estudar, sempre quis estudar e essa oportunidade veio a calhar mesmo. Eu falo que fui privilegiada. (E-23 UNATI/UEM)

Para uma parcela dos idosos, a dificuldade em ingressar na universidade por meio de processos seletivos requeridos pelos cursos de nível superior e o abandono de cursos de graduação ou pós-graduação devido às exigências e critérios estabelecidos, trouxeram reflexões acerca das obrigações que envolvem o ensino formal. Ao reconhecer tais dificuldades, a ação empreendida foi buscar pela UNATI.

Na minha condição de infartado, frágil, eu estava num curso [Direito] que exigia muita leitura e trabalho. Eu ia dormir tarde porque ficava fazendo trabalho. A UNATI leva você a fazer leituras sobre a matéria que você escolheu fazer, sem a obrigação de fazer uma prova e ficar preocupado se vai passar. Esse era o meu problema na faculdade de direito, eu, marmanjo de 77 anos tirando nota baixa. O dia que tirei menos de 60 entrei em parafuso, fiquei com vergonha. Aqui na UNATI é diferente, não tenho essa cobrança. (E-29 UNATI/UEM)

Neste sentido, a razão que induziu a busca pelo aprendizado na UNATI foi a oportunidade de estudar sem os critérios do ensino formal, uma vez que nesta não são realizados processos seletivos pautados em provas, não existem avaliações formais e os critérios a serem cumpridos para a certificação das disciplinas são flexíveis. Tais arranjos não acarretaram em demasiadas preocupações dos idosos e foram vistos como formas prazerosas de aprender.

Eu tinha a ilusão de voltar aos estudos, porque quando jovem tive que interromper. E como a essa altura da vida um título é desnecessário, não ter que fazer exames e estudar por prazer é muito bom. (E-20 UNATI/UB)

A oportunidade de acesso à UNATI atenuou o desejo de ter feito um curso de graduação, uma vez que esta oferta uma variedade de disciplinas, que inclusive, tratam de temas afins às áreas que os idosos pretendiam, em fases anteriores da vida, aprofundar-se em um curso formal.

Sempre desejei estudar medicina, mas não pude fazê-lo e por isso ingressei neste curso [saúde e bem-estar]. Era um assunto pendente em minha vida. Não tenho que viver do passado, vivo do presente. (E-6 UNATI/UB)

O fato de a UNATI viabilizar a oportunidade dos idosos optarem pelas disciplinas que pretendem cursar foi um forte influenciador para o ingresso nesse tipo de programa. Nesta modalidade, os idosos podem direcionar seus esforços aos tópicos que são do seu interesse e avançar no sentido de ter mais autonomia sobre o assunto em questão. A exemplo, cita-se os idosos que mantinham vínculo empregatício e buscaram matricular-se em disciplinas para aprenderem conteúdos que fossem proveitosos e facilitassem o manejo das questões de ordem laboral.

A busca pela ampliação e/ou melhoria das relações sociais

A ampliação das relações sociais foi motivação exclusiva manifestada pelos idosos brasileiros. A aposentadoria fez com que as relações sociais mantidas no ambiente de trabalho fossem rompidas o que, em alguns casos, se somou a perda de amigos e companheiros conjugais e culminou na restrição dos vínculos.

Vim para a UNATI com objetivo de espantar minha depressão, que se agravou depois da morte da minha esposa […] aqui a gente vai tendo contatos com os colegas fora de aula, inclusive no fim de semana. (E-28 UNATI/UEM)

A partir do exposto e da enfática percepção de que as relações sociais trazem repercussões positivas à saúde mental, surgiu a necessidade de desenvolver novos vínculos e a UNATI foi uma alternativa para tal. A motivação deu-se pela vontade de conhecer os diferentes modos de vida das pessoas e as experiências por elas vivenciadas, pelo anseio em trocar experiências e conhecimentos e, sobretudo, pela vontade de ampliar as redes sociais.

O que me trouxe para a UNATI é poder estar mais inteirada com o mundo atual e conviver com os jovens […] Tinha medo de começar a ficar dentro de casa depressiva, pois o que eu ouvia muito quando ia aposentar era isso. (E-41 UNAT/UEM)

A formação e conhecimentos restritos foram considerados uma limitação para a interação social com seus pares, amigos e familiares. A UNATI foi buscada pelos idosos com intuito de trocar saberes e experiências com outros idosos, com professores e gerações mais jovens, cuja finalidade era ampliar as concepções sobre os mais variados assuntos e, consequentemente, melhorar o diálogo e ter relações satisfatórias com as pessoas a sua volta.

Eu vim porque com a UNATI vou conseguir discutir mais com as pessoas sobre determinados assuntos. Meus filhos têm curso superior e meu genro também. Aqui eu posso aprender e conversar melhor com eles. A gente fica mais atualizado e consegue ter um diálogo melhor com as pessoas. (E-36 UNATI/UEM)

Os idosos ao apresentarem dificuldade em manter ou ampliar as relações sociais buscaram a UNATI como forma de aumentar o ciclo de amizades. Motivaram-se ainda, para atualizar-se das constantes mudanças da sociedade e para melhorar as relações sociais existentes e as advindas da participação da UNATI.

DISCUSSÃO

A partir da interação com a situação vivida – excesso de tempo disponível com receio em ter a saúde prejudicada devido à falta de atividades; não ter tido oportunidade de acesso ao aprendizado na universidade em fases anteriores da vida; dificuldade em ingressar ou concluir cursos formais de graduação e; carência de relações sociais – os idosos construíram significados e empreenderam a ação de ingressar na UNATI com intuito de modificar comportamentos e vislumbrar uma nova realidade que atenda seus interesses.

Os resultados apresentados assemelham-se aos encontrados em outras pesquisas, nas quais os influenciadores pela busca da UNATI relacionam-se ao aprimoramento do conhecimento, à ampliação dos vínculos sociais, à ocupação do tempo disponível ^(1,7-9, ao investimento no desenvolvimento pessoal, à necessidade de ter conhecimento que possa ajudar as pessoas ^(1,9, à realização do sonho de estudar ⁽⁸ e à melhora da qualidade de vida, saúde ^(7-8 e relacionamentos familiares ⁽⁷⁾.

Seguramente idosos brasileiros e espanhóis experimentam diferentes oportunidades, principalmente, pela distinção do processo de envelhecimento populacional entre os países. A Espanha é uma nação que passa pela transição demográfica, com aumento do número de idosos, há algumas décadas e com isso possui uma melhor consolidação de políticas em prol dos idosos ⁽¹⁴⁾. Já o Brasil, iniciou o processo de envelhecimento da população há pouco tempo, vivencia-o de maneira acelerada ⁽¹³ e não teve tempo hábil para implantar soluções capazes de lidar com a situação e atender às necessidades da população idosa ⁽¹⁴⁾.

Com as diferenças entre os países, acima citadas, somadas às culturais, esperava-se encontrar distintos motivos de busca pela UNATI e que pudesse ser feito um comparativo com tais resultados. Contudo, as motivações dos idosos desses dois cenários pesquisados foram semelhantes, com exceção do anseio pela ampliação da convivência social, expresso somente pelos brasileiros. Pondera-se aqui, que o perfil dos idosos que frequentam a UNATI não reflete a realidade da população idosa espanhola e tampouco brasileira. Participantes da UNATI representam uma parcela de indivíduos que possuem características socioeconômicas e de saúde semelhantes entre si ^(1,15, mas que diferem de idosos que não frequentam programas educacionais.

Para grande parte dos idosos a aposentadoria é considerada uma fase para descansar ou para desenvolver atividades de lazer. O reflexo disto é que passam seu tempo disponível envolvidos em poucas tarefas ⁽¹⁵ e não buscam atividades educativas.

Estudo espanhol demonstra que entre a população idosa há subgrupos que tem maior interesse na participação de atividades no âmbito da UNATI. Idosos mais jovens (65-75 anos), com maior nível de escolaridade, que residem em contextos urbanos, engajados em atividades de lazer e esportivas, que frequentam centros recreativos para idosos e desenvolvem atividades produtivas (como cuidar dos netos ou participar de atividades voluntárias) são mais propensos a buscarem atividades educativas na terceira idade. Ao contrário disto, a renda e a percepção de saúde não foram fatores associados a participação ⁽¹⁵⁾.

Pesquisa brasileira explicita que existe uma correlação entre determinadas características sociodemográficas e os motivos para procura da UNATI. Idade (60-64 anos) e o ensino médio combinados foram fortes preditores para a busca de novos conhecimentos; ser solteiro e não aposentado foi preditor do motivo relacionado a investimento no desenvolvimento pessoal; ter apenas o ensino fundamental e ser casado esteve correlacionado ao anseio em aumentar a interação social; ser solteiro ou viúvo e com renda familiar entre três a quatro salários mínimos foi preditor para o motivo de ocupação do tempo livre ⁽¹⁾.

Destaca-se aqui, que a motivação para ocupar o tempo disponível talvez decorra da falta de uma política pública que disponibilize o acesso aos idosos nos diversos segmentos da sociedade, o que inclui a oferta de atividades educativas ⁽¹⁵⁾. Nas UNATI abordadas neste estudo, por exemplo, as vagas para matrículas são distribuídas por sorteio devido à procura ser maior que a oferta. Isto representa um grande desafio, pois constata-se que os idosos possuem diversas razões para ingressar na UNATI, mas deparam-se com a escassez de vagas, que impede a efetivação da participação em atividades de tal meio.

Quanto à dificuldade de acesso à universidade quando jovens, isso se dava tanto por fatores financeiros como pelos padrões culturais da época. O homem era o provedor do custeio das despesas familiares e a mulher era responsável pelo cuidado da casa e dos filhos ⁽¹⁶, e este arranjo impunha dificuldade em conciliar o aprendizado em nível universitário. Somente com o advento da aposentadoria e mudança dos padrões culturais puderam ter acesso à universidade pela UNATI.

É importante ressaltar que as aspirações de idosos que frequentam as UNATI e programas universitários formais são discretamente diferentes. Para o último, as motivações são a atualização de conhecimentos e habilidades, a necessidade de ajustar-se à competitividade do mercado de trabalho, manter-se atualizado das mudanças sociais e possuir um título de graduação ⁽⁴⁾. Embora a UNATI tenha sido alternativa à graduação e a pós-graduação devido à dificuldade em ingressar ou manter-se em tal nível de ensino, destaca-se que a idade, até a oitava década de vida, não se associa à dificuldade de desempenho acadêmico ⁽¹⁷⁾. Reafirma-se aqui, que a opção pela UNATI deu-se pela possibilidade de escolha das disciplinas e flexibilidade das avaliações.

Mesmo que não tenha sido motivação enfatizada pelos espanhóis, talvez por questões socioculturais, a ampliação das relações sociais ocorre quando idosos se envolvem em atividades universitárias ^(18-19, tanto em âmbito geracional como intergeracional. Isso traz satisfação aos idosos diante da oportunidade de trocar conhecimentos e debater ideias com seus pares, alunos da graduação e professores, além de aprofundar sua compreensão sobre os diversos assuntos ⁽¹⁹⁾.

Por fim, a universidade, ao ofertar programas educacionais como a UNATI, cumpre sua função social. Isso porque o aprender é um anseio inerente ao ser humano, um processo contínuo e interminável e, sobretudo, uma necessidade que traz a garantia da realização pessoal, possibilita o exercício intelectual e melhora a saúde e o bem-estar ⁽³⁾. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), as oportunidades de aprendizado na terceira idade são determinantes do envelhecimento ativo, pois otimizam as oportunidades de saúde, participação, segurança e melhor qualidade de vida ^(17-18). Tais afirmações reforçam que deve haver mais atenção dos formuladores de políticas e autoridades sobre a necessidade de ampliação do acesso a tais programas, e que estes atendam as necessidades dos idosos ⁽¹⁸⁾.

Limitações do estudo

Considera-se como limitação do estudo o fato de terem participado idosos de apenas duas UNATI, as quais apesar de estarem localizadas em países e contextos socioculturais distintos, possuem idosos com características socioeconômicas e de saúde semelhantes.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A compreensão dos motivos que levam idosos brasileiros e espanhóis a matricularem-se nas UNATI contribui para o avanço teórico do tema em questão. Este estudo proporciona subsídios e oportunidades de intervenção para que os responsáveis pelas UNATI possam organizar programas que respondam de forma eficiente às expectativas dos seus estudantes.

Para a enfermagem, o estudo sugere relevante contribuição, em especial por sua apreciável proximidade com o público idoso nos diversos pontos de atenção à saúde. Embora a categoria não tenha a prática assistencial vinculada diretamente à UNATI, poderá se apropriar das reflexões acerca dos motivos de procura por tais programas e estimular, quando pertinente, a participação dos idosos nestes, como alternativas de cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As motivações que levaram os idosos a matricularem-se nas UNATI estavam vinculadas à necessidade de ocupar o tempo disponível, inclusive para melhoria da saúde; à oportunidade de acesso ao aprendizado contínuo para a vida na universidade; e à ampliação das relações sociais, sendo essa última motivação descrita, expressa unicamente pelos idosos brasileiros. Ao ponderar as diferenças no contexto socioeconômico e cultural entre Brasil e Espanha, esperava-se encontrar diferentes motivos que levassem idosos a buscar pelas UNATI, mas ao considerar que o perfil dos idosos matriculados em ambos os países é parecido, as motivações foram semelhantes.

Ao considerar o avanço das pesquisas relacionadas a aprendizagem de idosos, torna-se primordial a implantação de políticas baseadas em evidências que incorporem oportunidades de aprendizado adequadas para esses cidadãos, uma vez que trata-se de um caminho claro para o alcance de inúmeros benefícios à saúde, e em aspectos sociais e econômicos. Para tanto, ainda fazem-se necessários novos estudos que apontem se as motivações e os anseios dos idosos ao ingressarem nas UNATI são atendidos, bem como apreender a satisfação dos idosos que participaram de tais programas.

• FOMENTO
  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  Nov 2019

Histórico

• Recebido
  01 Abr 2018
• Aceito
  11 Nov 2018