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O envelhecimento de famílias com integrantes com deficiência intelectual

RESUMO

Objetivo:

conhecer a estrutura e a dinâmica de famílias no estágio tardio do ciclo vital que possuam um integrante com deficiência intelectual (PCDI).

Método:

pesquisa qualitativa com uso do Modelo Calgary de Avaliação Familiar (MCAF) como referencial metodológico. Participaram 38 sujeitos, distribuídos em dez famílias que possuíam um integrante com deficiência intelectual e cujos pais eram idosos. As entrevistas foram analisadas com a técnica de análise de conteúdo.

Resultados:

evidenciaram-se as seguintes categorias analíticas: “convivendo com a deficiência intelectual”, “comunicação como estratégia de encontro”, “isolamento familiar e a necessidade de apoio” e “preocupações com o cuidado no futuro”.

Considerações finais:

as famílias no ciclo tardio da vida que possuíam um integrante com deficiência intelectual se estruturavam de modo a sobrecarregar uma única cuidadora (mãe), possuíam pouca rede de apoio, usavam a comunicação como um instrumento de compreensão de si e do outro, além de terem dificuldades de projeção para o futuro.

Descritores:
Enfermagem; Enfermagem de Família; Deficiência Intelectual; Envelhecimento; Idoso

ABSTRACT

Objective:

to understand the structure and dynamics of families in the late stage of the life cycle that have a member with intellectual disability.

Method:

qualitative research using the Calgary Family Assessment Model as methodological framework. The study had 38 participants, distributed into 10 families that had a member with intellectual disability and whose parents were elderly. The interviews were analyzed with content analysis technique.

Results:

the following analytical categories were evidenced: “living with intellectual disability”, “communication as a strategy for encounter”, “family isolation and the need for support” and “concerns about care in the future”.

Conclusion:

families in the late life cycle who had a member with intellectual disability are arranged in a structure that overloads a single caregiver (mother), has little support network, uses communication as an instrument for understanding themselves and the other, besides having difficulties in projecting the future.

Descriptors:
Nursing; Family Nursing; Intellectual Disability; Aging; Aged

RESUMEN

Objetivo:

conocer la estructura y la dinámica de familias en la etapa tardía del ciclo vital que tienen un integrante con discapacidad intelectual.

Método:

investigación cualitativa que utiliza el Modelo Calgary de Evaluación Familiar (MCEF) como referencial metodológico. Participaron 38 individuos, distribuidos en 10 familias que tienen un integrante con discapacidad intelectual y cuyos padres eran adultos mayores. Se analizaron las entrevistas mediante la técnica de análisis de contenido.

Resultados:

se destacaron las siguientes categorías analíticas: “Conviviendo con la discapacidad intelectual”, “Comunicación como estrategia de encuentro”, “Aislamiento familiar y la necesidad de apoyo” y “Preocupaciones con el cuidado en el futuro”.

Consideraciones finales:

las familias en el ciclo tardío de vida que tienen un integrante con discapacidad intelectual se estructuran con una sobrecarga a una sola cuidadora (la madre), cuentan con poca red de apoyo, utilizan la comunicación como un instrumento de entendimiento de sí misma y del otro, además de enfrentarse a dificultades para hacer planes para el futuro.

Descriptores:
Enfermería; Enfermería de la Familia; Discapacidad Intelectual; Envejecimiento; Anciano

INTRODUÇÃO

Pessoas com deficiência (PCD) são aquelas com impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade (11 Fiorati RC, Elui VMC. Social determinants of health, inequality and social inclusion among people with disabilities. São Paulo (SP): Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 14];23(2):329-36. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n2/0104-1169-rlae-23-02-00329.pdf
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). Em outras palavras, a deficiência pode ser entendida como limitação física, intelectual ou sensorial, permanente ou transitória, que prejudique a capacidade de a pessoa desempenhar suas atividades básicas da vida diária (ABVD) (22 Dias SS, Oliveira MCSL. Intellectual disability according to the cultural-historical approach: a path to adult development. Bauru (SP): Rev Bras Educ Espec [Internet]. 2013 [cited 2017 Mar 13];19(2):169-82. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbee/v19n2/a03v19n2.pdf
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).

A classificação de deficiência intelectual, que outrora era baseada apenas no coeficiente de inteligência, hoje leva em conta o funcionamento cognitivo, o comportamento adaptativo e o período de desenvolvimento, podendo ser caracterizada por limitações significativas em uma dessas dimensões antes dos 18 anos de idade (11 Fiorati RC, Elui VMC. Social determinants of health, inequality and social inclusion among people with disabilities. São Paulo (SP): Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 14];23(2):329-36. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n2/0104-1169-rlae-23-02-00329.pdf
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).

Muitas famílias enfrentam a realidade da deficiência intelectual em um de seus membros, levando a demandas de cuidados específicos de acordo com o grau de autonomia e funcionamento do indivíduo (33 Crnic KA, Neece CL, McIntyre LL, Blacher J, Baker BL. Intellectual disability and development risk: promoting intervention to improve child and family well-being. Child Dev. 2017;88(2):436-45. doi: 10.1111/cdev.12740
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).

Porém, uma nova realidade surgiu nas últimas décadas: o aumento da longevidade no Brasil e em outros países em desenvolvimento devido ao avanço das tecnologias biomédicas, às melhores condições de saúde e à diminuição de mortalidade por doenças transmissíveis. Desse modo, pessoas com deficiência intelectual (PCDI) também passaram a ter expectativa de vida elevada, exigindo cuidados na fase adulta ou mesmo na velhice (44 Reppermund S, Trollor JN. Successful ageing for people with an intellectual disability. Curr Opin Psychiatry. 2016;29(2):149-54. doi: 10.1097/YCO.0000000000000228
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). Além deles, seus pais, responsáveis e familiares também envelhecem e adentram na fase tardia do ciclo vital (velhice) em que necessitam, por vezes, de auxílio nas ABVD. Quem sempre cuidou pode deparar com limitações para manter o próprio cuidado e o cuidado com o outro.

O apoio para a realização das ABVD durante toda vida é frequente nas famílias que possuem uma PCDI. Com o envelhecimento, essas pessoas podem necessitar de um apoio mais amplo, e seu núcleo familiar, também envelhecendo, tende a carecer de cuidados, podendo potencializar a vulnerabilidade dessa família (55 Grey JM, Totsika V, Hastings RP. Physical and psychological health of family carers co-residing with an adult relative with an intellectual disability. J Appl Res Intellect Disabil. 2017;31(Suppl 2):191-202. doi: 10.1111/jar.12353
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).

Conforme apontado por revisão integrativa sobre atuação de enfermeiros às pessoas com deficiência, ainda há escassez de estudos sobre a temática envolvendo as famílias (66 Alves TJL, Pires MNA, Servo MLS. A look at the role of the nurse in the care for people with disabilities: integrative review. REUOL. 2013;7(7):4892-98. doi: 10.5205/reuol.4700-39563-1-ED.0707esp201310
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). Logo, este estudo é justificado pelo reconhecimento da lacuna existente na literatura e pela compreensão de que o enfermeiro necessita conhecer as dinâmicas e estruturas das famílias que vivenciam essa realidade, a fim de planejar e executar cuidados centrados na família, e não apenas em um de seus membros.

Diante do exposto, surgiu o seguinte questionamento: como são as estruturas e as dinâmicas de famílias durante o estágio tardio do ciclo de vida tendo um integrante com deficiência intelectual?

OBJETIVO

Conhecer a estrutura e a dinâmica de famílias no estágio tardio do ciclo vital que possuam um integrante com deficiência intelectual.

MÉTODO

Aspectos éticos

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa com seres humanos e teve aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, sob os respectivos processos de nº 1.135.497/2015 e nº 1.159.893/2015.

Tipo de estudo

Tratou-se de uma pesquisa exploratório descritiva de abordagem qualitativa. Utilizou-se o Modelo Calgary de Avaliação de Família (MCAF) como referencial metodológico.

O MCAF tem sido um recurso metodológico para avaliação familiar de modo multidimensional. Criado no Canadá, na década de 1990, é atualmente usado por escolas de enfermagem em vários países, sua organização inclui três dimensões de avaliação das famílias. A primeira delas é a dimensão estrutural, que inclui a investigação sobre quem faz parte desse sistema e qual seu contexto (como classe social, religião, etnia, entre outros). A segunda é chamada de dimensão de desenvolvimento, pois volta-se para as considerações a respeito do estágio do ciclo vital em que a família se encontra, das tarefas dos membros e dos vínculos existentes. Por fim, a terceira dimensão é chamada de funcional e busca investigar aspectos instrumentais, como as atividades de vida diárias, e aspectos expressivos, como as formas de comunicação adotadas, a forma de solução de problemas, os papéis, as influências, as crenças e as alianças existentes (77 Patton R, Chappelle N, Fisher U, McDowell-Burns M, Pennington M, Smith S, et al. Teaching general systems theory concepts through open space technology: reflections from practice. J Syst Therap. 2016;35(4):1-10. doi: 10.1521/jsyt.2016.35.4.1
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-88 Monteiro GRSS, Moraes JCO, Costa SFG, Gomes BMR, França ISX, Oliveira RC. Application of the Calgary Family Assessment model in hospitals and in primary health care: an integrative review. Aquichan. 2016;16(4):487-500. doi: 10.5294/aqui.2016.16.4.7
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).

Critérios de elegibilidade

Os critérios de inclusão foram famílias no ciclo vital tardio que possuíam ao menos um integrante com deficiência intelectual com idade igual ou superior a 35 anos, atendidas pela Estratégia Acompanhante de Saúde da Pessoa com Deficiência (APD) da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, no mínimo há um ano. A APD é um serviço especializado, existente no município de São Paulo desde 2010, inserido na Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, cujo principal objetivo é fornecer suporte às pessoas com deficiência para que alcancem no território e locais adstritos recursos para seu cuidado, estimulando o protagonismo e independência dos atendidos. Sua população-alvo são PCDI que precisam de suporte para o cuidado da sua saúde. A equipe que compõe essa estratégia deve ser composta por um coordenador enfermeiro, um terapeuta ocupacional, um psicólogo, um fonoaudiólogo e, no mínimo, seis acompanhantes de saúde da pessoa com deficiência. Cada equipe acompanha pelo menos 80 PCDI (99 São Paulo. Estratégia acompanhante de saúde da pessoa com deficiência - documento norteador [Internet]. São Paulo: Secretaria Municipal de Saúde; 2016 [cited 2017 Apr 28]. Available from: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/APD%20DOCUMENTO%20NORTEADOR%2017112016.pdf
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).

Os critérios de exclusão foram famílias cujos responsáveis eram menores de 60 anos e aquelas em que houvesse transtornos psiquiátricos ou neurológicos que impossibilitassem a coleta de dados. As famílias elegíveis foram apresentadas à primeira pesquisadora pelos gestores da APD, o que facilitou a criação de vínculo e permitiu que a cientista pudesse expor os objetivos e a justificativa do estudo com clareza aos sujeitos. A equipe de pesquisadores que participou dos processos de construção e de análise do material foi composta por enfermeiros e uma pedagoga. Os gestores da APD não participaram como pesquisadores.

Coleta e organização dos dados

Participaram do estudo dez famílias, totalizando 38 sujeitos entrevistados, apresentados com as denominações de parentesco e o número de identificação das famílias (exemplo: Pai 1, Mãe 1, Filho 1 etc.). As narrativas das PCDI foram identificadas com essa sigla, e o número atribuído à família foi ao final (exemplo: PCDI 1). As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade das famílias e em seu domicílio. Foram divididas em três momentos, priorizando-se as dimensões do MCAF, a saber, no primeiro momento: buscou-se conhecer as dimensões estruturais e de desenvolvimento das famílias; no segundo momento: avaliaram-se os aspectos relacionados à funcionalidade instrumental e expressiva das famílias; e no terceiro momento: os dados coletados foram devolvidos aos sujeitos para sua validação.

A coleta foi realizada nos domicílios das famílias, após agendamento. Foi procedida pela primeira pesquisadora, que é enfermeira, especialista em saúde mental e terapia familiar, além de possuir experiência e qualificação em pesquisa qualitativa. Utilizou-se o recurso da entrevista semiestruturada, tendo como questão norteadora: “como tem sido para vocês a vivência da deficiência intelectual de um de seus membros?” A gravação das narrativas foi feita em dispositivo eletrônico Mp4, durou em média 90 minutos e foi posteriormente transcrita. O período de coleta foi de março a outubro de 2016.

Análise dos dados

Para proceder à análise das entrevistas, seguiram-se as etapas da análise de conteúdo desenvolvidas por Bardin, que foram a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados (1010 Urquiza MA, Marques DB. Content analysis in terms of Bardin applied to corporate communications under the sign of a theoretical and empirical approach. Entretextos. 2016;16(1):115-144. doi: 10.5433/1519-5392.2016v16n1p115
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). Na pré-análise, os autores realizaram a leitura flutuante do material transcrito das entrevistas feitas com as famílias e a busca dos elementos que pudessem compor o corpus da análise. Já na exploração do material, buscou-se a definição das categorias por meio da classificação dos elementos constitutivos em grupos analógicos por frequência das unidades de registro. Por fim, procederam-se a inferência e a interpretação dos dados.

RESULTADOS

A maioria das famílias pesquisadas (80%) apresentava como tipo de formação a família nuclear heterossexual e com mais de um filho. Quase a totalidade (90%) descobriu tardiamente que um dos entes (em todos os casos eram filhos) possuía deficiência intelectual (após 3 anos de vida). Grande parte (60%) integrava ou possuía vínculos com instituições religiosas evangélicas e participava de atividades voltadas à espiritualidade. Todas as famílias tinham renda de até três salários mínimos e apenas três PCDI recebiam benefício assistencial ao idoso e à pessoa com deficiência (BPC) do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). As PCDI tinham idade entre 35 e 46 anos, e os responsáveis tinham idade média de 65 anos.

Os resultados evidenciaram que as famílias possuem formas particulares de estrutura, de desenvolvimento e de funcionalidade após a descoberta de que um de seus membros possui deficiência intelectual. No processo de análise das narrativas surgiram quatro categorias temáticas: “convivendo com a deficiência intelectual”, “a comunicação como estratégia de encontro”, “o isolamento familiar e a necessidade de apoio” e “preocupações com o cuidado no futuro”.

A categoria temática “Convivendo com a deficiência intelectual” apresentou aspectos relacionados a diagnóstico, atividades de vida diária (básicas e instrumentais), papel do cuidador, potenciais e necessidade de apoio para a PCDI, relacionamentos interpessoais, preocupações e anseios.

Antes de ter o diagnóstico, as famílias acreditavam que a diferença comportamental e a dificuldade de aprendizagem consistiam em uma questão de personalidade, e não em um sintoma da deficiência.

Quando ela [PCDI 10] recebeu alta, no posto não tinha diagnóstico nenhum, então ficou por isso mesmo. Então, como ela era uma pessoa muito nervosa, demorou para andar, demorou falar, então pra gente era normal. (Irmã mais velha 10)

O pouco que eu me lembro, minha mãe sempre falava para os médicos que ele pisava meio torto, né?! Que ele não tinha conhecimento de dinheiro, de lugar, de pegar condução sozinho, fazer essas coisas sozinho, a gente sabia que ele não tinha. Só que ninguém nunca foi procurar saber, simplesmente foi deixando, deixando… (Irmã caçula 10)

Outra crença que surgiu nessa categoria foi sobre a causa da deficiência, na qual a culpabilização familiar se tornou evidente, por questões da negação da gestação, ou colocando a culpa na família de origem paterna ou materna por conta de casos semelhantes.

Aí eu levei na APAE [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais], eles fizeram os exames e deu que ela tinha retardo… eles falaram pra mim que foi porque eu reneguei ela e ela nasceu com retardo… E lá no fundo eu me sinto culpada. Por que lá no passado eu reneguei, né?! (Mãe 5)

O preconceito apareceu como dificuldade familiar e no convívio social, apresentando dados com falas pejorativas e indicando que a deficiência intelectual era um problema às famílias.

É que é muito difícil, sabe?! Ah… acho que todas as pessoas que têm uma pessoa assim na família sabem o quanto é difícil dentro da própria família de aceitar isso. Olha, eu tenho nove irmãos, ele tem seis. Nossa… O que a gente escutou e tudo, né, bem?! Sabe?! (Mãe 3)

É, ultimamente não porque ele cativou a maioria assim, como o jeito dele hoje ele é muito querido, mas teve um período que ele era assim meio que rejeitado pela família. Ouvimos: o vídeo gravado pela família tava tão bonito, pena que esse retardado estragou. (Pai 3)

A adaptação familiar à deficiência intelectual e os rearranjos do sistema foram percebidos por meio da avaliação funcional instrumental e expressiva durante as ABVD, observando os papéis, as alianças, as uniões, as influências, e o poder dentro da dinâmica familiar. Foi notória a participação dos pais na criação de limites à PCDI, com relatos do uso de repetições diárias para fixação desses limites, sempre valorizando a hierarquia familiar. Além disso, evidenciou-se que o cuidado era revezado entre o pai e a mãe, embora o predomínio fosse materno. Destaca-se ainda o fato de a PCDI necessitar que os outros fizessem as ABVD por eles.

Obedece mais a mãe, PCDI 8? (Pesquisadora)

Obedece! Porque eu falo: o buraco aqui é mais embaixo, você não pode falar isso, você não pode fazer isso, você tem que respeitar seu pai, porque pai você só tem um, mãe você só tem uma… Eu explico tudo, tudo… a mesma ladainha todo dia! (Mãe 8)

É sua mãe que cuida de você? (Pesquisadora)

Sim, faz tudo. (PCDI 5)

Eu só não dou banho nela. De primeiro eu dava banho, depois que a moça veio aqui ela cortou. Não, senhora, ela tem que deixar. Por exemplo, quando ela está menstruada, eu que tenho que por absorvente pra ela. (Mãe 5)

É que nem eu falo né?! Não é pra sempre que a mãe vai estar aqui junto com ela, nem com o irmão. Então, tem que estimular ela a fazer um pouquinho, fazer as coisinha dela íntima também. (Cunhada 5)

Muitos familiares solicitaram o auxílio da PCDI nas tarefas domésticas, sendo possível verificar seus potencias, inclusive em situações que demandavam cuidados com a terapia medicamentosa. Além disso, perceberam gradualmente os potenciais da PCDI, valorizaram sua autonomia e independência, e verificaram sua melhora comportamental com o passar dos anos.

Ele faz bastante coisa. (Mãe 1)

Esse servicinho grosseiro… ela faz. (Mãe 8)

É, eu faço a mesma coisa que ela falou aí, meu ritmo… limpo o quintal, eu… eu, né?! Pego bacia de roupa pra minha mãe estender, ela não pode pegar a bacia por conta da escada aí, tem problema do joelho dela, então eu pego. (PCDI 8)

A categoria temática “A comunicação como estratégia de encontro” emerge de narrativas nos aspectos da comunicação emocional, circular, da influência e do poder, além da busca de solução de problemas, e compreensão de si e do outro. A principal dificuldade de comunicação foi expressa pelo comportamento agitado da PCDI. Já os facilitadores são expressos pela percepção do outro, enquanto comunicação não verbal, e pelo entendimento do que era dito na comunicação verbal, mesmo que não fosse claro a outrem.

Aí, se ele fica nervoso, como que vocês lidam com a situação? (Pesquisadora)

Eu tento brincar com ele, porque ele tem hora que ele vem para cima… né?! Aí, tem hora que eu falo pra tia: é melhor eu sair porque ele acha que todo mundo está no espaço dele. (Primo 4)

E aí são 5 minutos, 20 minutos no máximo! Aí já deu. Não adianta porque a coisa fica ruim, né, filho?! (Mãe 3)

E tem o humor que é muito variável, né?! Na mesma hora que ele tá assim de boa e tal, de repente ele muda… Quantas vezes na rua eu já passei vergonha, porque qualquer coisa ele dava uns 5 minutos, e aí… quanto mais você fala mais piora! (Pai 3)

Mas ele fala alto? (Pesquisadora)

Fala! Fica fazendo assim… sabe? [demonstra gestos]. (Mãe 3)

Fica agressivo. Fica agressivo, mas não chega a bater. Isso ele não faz. (Pai 3)

As formas de comunicação verbal e não verbal apareceram como ferramentas necessárias para o entendimento do contexto e das relações que implicaram na compreensão das emoções e das atitudes demonstradas.

Quando ela tá feliz ela canta sozinha, ela fala sozinha. (Irmã 9)

Quando o PCDI do meio 9 tá feliz ou contente? (Pesquisadora)

Ele dança, ele canta… ali ó… fica assim [rodopia]. (Irmã 9)

Quando ele tá chateado, vai dormir, ou ele fica perturbado… nervoso e fica falando não sei o quê [balbucia]… (PCDI mais velha 9)

Fico nervoso e não consigo dormir… (PCDI do meio 9)

Ele fala, fala e fica bravo. (PCDI mais velha 9)

Na categoria “O isolamento familiar e a necessidade de apoio”, a família destacou a importância da identificação da estrutura externa, ampliando a rede de apoio para dividir o cuidado e facilitar o acesso a diversos recursos de atendimento. As famílias comentaram que o isolamento surgiu devido às barreiras arquitetônicas e à dificuldade de locomoção da PCDI. Tal dificuldade foi potencializada para toda a família pelo envelhecimento dos integrantes, especialmente dos cuidadores principais. A necessidade de apoio externo foi uma característica comum. A família busca alternativas com sua família extensa e sistemas mais amplos. Algumas vezes, membros da família extensa residiam nas proximidades, mas não prestavam auxílio; já a família distante se mostrava disposta a colaborar, todavia, apenas em situações muito imprescindíveis. Assim, a família experiencia solidão, sobrecarga e dificuldade de apoio no cotidiano.

É que eu não dirijo. Nunca dirigi, não tirei carta, nem nada. O bairro que a gente mora não tem nada! Aqui não tem nada! Ela vai trabalhar o dia inteiro, fico aqui com ele… ônibus não… não… Não tem condições de subir no ônibus. (Pai 3)

Já caí com ele no ônibus. Os motoristas não têm paciência. (Mãe 3)

E quem que ajuda vocês? (Pesquisadora)

Ninguém. Somos só nós três, né, filho?! (Mãe 3)

O irmão dele passa aqui, fica com ele um pouquinho e tal, mas não se envolve. (Pai 3)

Ó, aqui tinha uns irmãos da igreja que vinham, que eles assim, eles começam vir, pra fazer visita, aí não vêm mais, tava acostumando a vir aqui em casa, aí fazia oração, eles ficavam no meio ali, batia palma, mas depois afastaram também. (Pai 1)

E quando precisa sair com o PCDI 1, quem sai? (Pesquisadora)

Ah, é difícil sair, não tá saindo não. (Mãe 1)

O irmão dela ficou 4 meses no hospital internado, veio a falecer agora… Ele tem os filhos dele. E eu tenho quem? Se eu cair no hospital? Quem vai me visitar lá? Ninguém! Tudo isso eu penso, né? Vamos supor se for fazer o tratamento, lógico que ela [esposa] vai se importar comigo, mas como ela vai lá no hospital? (Pai 1)

Na categoria “Preocupações com o cuidado no futuro”, as famílias destacaram a esperança de melhora, vinculada à ajuda divina; por outro lado, percebiam suas limitações por conta do envelhecimento. O futuro, muitas vezes, não era perceptível. Alguns negavam a impossibilidade de cuidar da PCDI, referindo estarem atentos apenas ao momento presente. Outros retratavam o envelhecimento e a proximidade com a morte, gerando a busca de outros recursos para a continuidade do cuidado da PCDI. Em algumas situações, para realizar as atividades, as famílias perceberam que, com o envelhecimento, apareceram, tanto na PCDI quanto nos cuidadores, limitações físicas de locomoção, dores articulares e lentidão para realizar atividades.

Trabalhar, eu trabalho, eu sou trabalhador. Eu gosto de fazer uma coisa, não tô aguentando fazer muita coisa… (Pai 1)

Por quê? (Pesquisadora)

Por causa da idade, por causa da idade mesmo, escada… eu gosto de fazer minha horta… Isso aqui é sem futuro porque eu sozinho não dá, ó tudo lá em cima é meu, ultimamente nem lá em cima eu vou. Eu gosto de fazer uma horta, tirar um milho, não tem problema com isso aí. Vai ficando velho, se tivesse outra pessoa pra ajudar eu… do jeito que tá não dá certo. (Pai 1)

A avaliação de desenvolvimento (estágios), juntamente da avaliação funcional (atividades de vida diária) e da avaliação expressiva (solução de problemas), teve destaque, levando a momentos de reflexão quanto ao futuro, que gerava preocupações − quanto à possibilidade de morte do cuidador. Diante de tais reflexões, as famílias visualizavam mudanças de local e/ou estrutura dos domicílios.

Ishi! Nem sei do futuro… Ah, minha irmã fala que vai comprar uma casinha pra mim e pra ela. Ela já disse que no futuro ela vai cuidar de mim. (PCDI 7)

Então, uma coisa que eu todo dia peço pra Deus é que assim, o dia que ele que tiver que levar minha vó e meu vô, que eu pelo menos tenha me formado, que eu pelo menos tenha uma estabilidade. Porque assim, minha mãe trabalha por dia, então, no caso, ela vai depender de mim, porque aí pra alugar casa, né?! (Irmã 7)

As PCDI também faziam a reflexão sobre seu futuro após a morte de seus cuidadores e relataram expectativa quanto à superação das dificuldades.

Cada dia a gente ficando mais velho e preocupado como ele fazer sem a gente, né? (Pai 2)

Posso falar que eu tô preparado pra enfrentar tudo. (PCDI 2)

A velhice pra mim não vai empatar! É bonito a pessoa de cabelo branco. Depois que meu pai falecer, eu tenho que enfrentar a vida, como diz o povo. Ir à luta, né?! (PCDI 2)

DISCUSSÃO

Apesar dos avanços no processo diagnóstico, as famílias desta pesquisa o obtiveram tardiamente. Além disso, relataram incertezas e crenças quanto a etiologia dos casos, tais como a genética de um dos pais e a rejeição materna na gestação. A literatura atual aponta que as causas da deficiência intelectual são obscuras entre 30 e 50% dos casos (1111 Tassé MJ, Luckasson R, Schalock RL. The relation between intellectual functioning and adaptive behavior in the diagnosis of intellectual disability. Intellect Dev Disabil. 2016;54(6):381-90. doi: 10.1352/1934-9556-54.6.381
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).

Pesquisadores apontam que 83,6% das PCDI são cuidadas por membros da sua família, sendo que quase 70% delas dependem de seus pais para sua sobrevivência, mesmo depois que se tornam adultos (1212 Kim G, Chung S. Elderly mothers of adult children with intellectual disability: an exploration of a stress process model for caregiving satisfaction. J Appl Res Intellect Disabil. 2016;29(2):160-71. doi: 10.1111/jar.12166
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). Neste estudo, o cuidado principal era oferecido em maior frequência pelas mães, seguido pelos pais. Os irmãos eram seus principais apoios, auxiliando nas atividades mais complexas, como compras, acesso a consultas e atividades externas, devido a limitação decorrente do envelhecimento dos pais. Estudos citam que são necessárias entre seis e oito pessoas para desempenho de apoio efetivo e seguro à PCDI, porém os resultados deste estudo apontaram até duas pessoas como elementos de apoio (1313 Qualls SH. Caregiving families within the long-term services and support system for older adults. Am Psychol. 2016;71(4):283-93. doi: 10.1037/a0040252
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).

A vulnerabilidade social pode aumentar as dificuldades financeiras, influenciando na prestação do cuidado (1212 Kim G, Chung S. Elderly mothers of adult children with intellectual disability: an exploration of a stress process model for caregiving satisfaction. J Appl Res Intellect Disabil. 2016;29(2):160-71. doi: 10.1111/jar.12166
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). Muitas vezes, um dos pais, ou o responsável, abandona seu emprego para assumir o cuidado da PCDI. Neste estudo, três famílias participantes recebiam o BPC, oferecido para famílias com renda per capita menor que 25% do salário mínimo. As famílias com um membro com deficiência intelectual têm a qualidade de vida ruim quando os níveis de renda e educação são mais baixos (1414 Vilaseca R, Gràcia M, Beltran FS, Dalmau M, Alomar E, Adam-Alcocer AL, et al. Needs and supports of people with intellectual disability and their families in Cataloni. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):33-46. doi: 10.1111/jar.12215
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).

As famílias deste estudo depositaram sua crença em Deus como uma das forças mais importantes para a sua rede de apoio. O apego à espiritualidade aumenta a capacidade das famílias em enfrentar as dificuldades e as incertezas cotidianas. Todavia, a deposição muito vigorosa de fé em entidades superiores pode levar à pouca responsabilidade da família no planejamento do futuro (1515 Pryce L, Tweed A, Hilton A, Priest HM. Tolerating Uncertainty: Perceptions of the future for ageing parent carers and their adult children with intellectual disabilities. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):84-96. doi: 10.1111/jar.12221
https://doi.org/10.1111/jar.12221...
).

Os recursos de socialização aos quais são expostas as pessoas com deficiência podem estimular ou inibir suas habilidades, além de seu senso de autonomia, independência e autoproteção (1616 Wanderer A, Pedroza RLS. Violence as cross-cutting theme in disability studies: needed interconections. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015 [cited 2017 Jul 10];15(1):178-95. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n1/v15n1a11.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n1/...
). Foram apontados a vivência do preconceito intrafamiliar e os momentos de abusos contra a PCDI, tais como ofensas verbais e constrangimentos públicos, que preocupavam as famílias, afetando sua dinâmica e gerando desconfortos entre os membros. Não é a doença em si que constitui o estigma, mas a relação que se constrói entre a sua imagem e os padrões normativos da sociedade (1717 Vieira DK, Favoreto CAO. Narratives on health: reflections on care for people with disabilities and genetic disease within the Brazilian National Health System. Interface. 2016;20(56):89-98.doi: 10.1590/1807-57622015.0203
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.02...
).

O acesso à informação pelo membro da família com deficiência intelectual, e pela família como um todo, pode aumentar o seu senso de controle e de ser capaz e autônomo o suficiente para atuar adequadamente nos diferentes contextos da vida (1414 Vilaseca R, Gràcia M, Beltran FS, Dalmau M, Alomar E, Adam-Alcocer AL, et al. Needs and supports of people with intellectual disability and their families in Cataloni. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):33-46. doi: 10.1111/jar.12215
https://doi.org/10.1111/jar.12215...
).

As PCDI participantes deste estudo tiveram pouca ou nenhuma estimulação em sua infância, não tendo cumprido o processo de autonomização considerado normativo e mantendo-se dependentes das famílias. Esse fator pode ter contribuído com o fato de que mais da metade das PCDI não participavam de nenhuma atividade quando foram cadastrados na APD.

Deparamo-nos somente com a inserção de uma participante deste estudo no mercado de trabalho, atuando como empregada doméstica (diarista), legitimando a literatura segundo a qual, deliberadamente, ou não, as PCDI têm sido privadas “de uma série de bens culturais e intelectuais, prejudicando-as no seu processo de inserção social e trabalhista” (1818 Redig AG, Glat R. Inclusion of people with intellectual disabilities in laboral activities: a work customization program. Ensaio Aval Pol Públ Educ [Internet]. 2017 [cited 2017 July 10];25(95):330-55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v25n95/1809-4465-ensaio-S0104-40362017002500869.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v25n95/1...
).

Fisiologicamente, o processo de envelhecimento é dinâmico e progressivo, sendo acompanhado por modificações morfológicas, funcionais e bioquímicas que alteram progressivamente o organismo, tornando-o mais vulnerável (1919 Carneiro DN, Vilela ABA, Meira SS. Evaluation of cognitive deficit, mobility and activities of daily living among elderly. Rev APS [Internet]. 2016 [cited 2016 Jun 19];19(2):203-9. Available from: http://ojs2.ufjf.emnuvens.com.br/aps/article/view/7154/3453
http://ojs2.ufjf.emnuvens.com.br/aps/art...
). Ante o exposto, o foco do profissional não deve estar apenas no problema, e sim nas relações entre as pessoas e seus contextos, pois, apesar das significativas variações na maneira como os indivíduos envelhecem, cada um vivencia esse processo de forma singular. Neste estudo, a velhice trouxe consigo mudanças físicas nos cuidadores, mas sem torná-los totalmente dependentes de terceiros para ABVD e para cumprir suas funções com a PCDI.

Os enfermeiros, além de fornecer suporte específico para as PCDI, devem aplicar uma abordagem familiar para a provisão de apoio, visando melhorar a qualidade de vida, sendo importante verificar como as famílias acreditam que suas necessidades são atendidas, ou não, estimulando o protagonismo, buscando conhecer suas histórias e reconhecer suas prioridades no cuidado (1414 Vilaseca R, Gràcia M, Beltran FS, Dalmau M, Alomar E, Adam-Alcocer AL, et al. Needs and supports of people with intellectual disability and their families in Cataloni. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):33-46. doi: 10.1111/jar.12215
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,1717 Vieira DK, Favoreto CAO. Narratives on health: reflections on care for people with disabilities and genetic disease within the Brazilian National Health System. Interface. 2016;20(56):89-98.doi: 10.1590/1807-57622015.0203
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.02...
).

O planejamento para a continuação dos cuidados com a PCDI e com sua saúde pode possuir incertezas. É necessário que os participantes possam expressar a sua incapacidade em fazer planos futuros (2020 Low LPL, Chien WT, Lam LW, Wong KKY. A qualitative study protocol of ageing carers' caregiving experiences and their planning for continuation of care for their immediate family members with intellectual disability. BMC Geriatrics. 2017;17(81):1-6. doi: 10.1186/s12877-017-0473-9
https://doi.org/10.1186/s12877-017-0473-...
). O envelhecimento familiar e a reflexão diante da possível ausência do cuidador ou de sua incapacidade para continuar protegendo a PCDI foram preocupações manifestadas neste estudo. Entre as preocupações familiares, destaca-se a manutenção do cuidado e da proteção da PCDI, além do aspecto legal, financeiro e do local de moradia após a perda do cuidador principal (1313 Qualls SH. Caregiving families within the long-term services and support system for older adults. Am Psychol. 2016;71(4):283-93. doi: 10.1037/a0040252
https://doi.org/10.1037/a0040252...
).

A principal preocupação para as mães já idosas de PCDI é que elas serão incapazes de cuidar de seus filhos à medida que envelhecerem; muitas disseram desejar viver ao menos um dia a mais do que seus filhos com deficiência, porque elas se consideravam a única fonte de proteção da PCDI (1212 Kim G, Chung S. Elderly mothers of adult children with intellectual disability: an exploration of a stress process model for caregiving satisfaction. J Appl Res Intellect Disabil. 2016;29(2):160-71. doi: 10.1111/jar.12166
https://doi.org/10.1111/jar.12166...
). A evitação, a falta de orientação e a falta de provisão residencial adequada causavam sofrimento e mostravam-se como obstáculos para a elaboração de planos futuros (1515 Pryce L, Tweed A, Hilton A, Priest HM. Tolerating Uncertainty: Perceptions of the future for ageing parent carers and their adult children with intellectual disabilities. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):84-96. doi: 10.1111/jar.12221
https://doi.org/10.1111/jar.12221...
).

Para minimizar esse aspecto, é interessante que existam investimentos sociais para propiciar a tais sujeitos condições de desenvolvimento que lhes permitam aprender sobre a existência e a utilidade da própria voz, bem como sobre seu direito e as formas de empregá-lo (1616 Wanderer A, Pedroza RLS. Violence as cross-cutting theme in disability studies: needed interconections. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015 [cited 2017 Jul 10];15(1):178-95. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n1/v15n1a11.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n1/...
).

As PCDI também manifestaram preocupações com seus pais envelhecidos, despertando a necessidade de ajudar nas atividades domésticas e adquirir maior autonomia após o falecimento deles. Para alguns, pensar nisso gera angústia e negação, elucidadas por mudanças comportamentais e agitação.

Algumas famílias não se sentiam ouvidas e precisavam lidar com as limitações das perspectivas futuras de modo solitário (1515 Pryce L, Tweed A, Hilton A, Priest HM. Tolerating Uncertainty: Perceptions of the future for ageing parent carers and their adult children with intellectual disabilities. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):84-96. doi: 10.1111/jar.12221
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). Assim, enfermeiros podem ser peças fundamentais no cuidado com as famílias. Aponta-se que o processo de comunicação com o outro não é resumido apenas em palavras. A linguagem do corpo se expressa nos gestos, nos olhares e nas emoções. Algumas PCDI têm menos capacidade de verbalizar sentimentos, mas, por vezes, podem fazê-lo por meio de comportamentos desafiadores, sendo necessário habilidade e empatia dos cuidadores para compreender suas necessidades (2121 Collins K, Gratton C, Heneage C, Dagnan D. Employed carers' empathy towards people with intellectual disabilities: the development of a new measure and some initial theory. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):133-46. doi: 10.1111/jar.12226
https://doi.org/10.1111/jar.12226...
).

O aspecto expressivo citado pelo MCAF foi apresentado de várias formas pelas famílias, como nas crenças, no estabelecimento de papéis, nas influências e nas relações de poder. Porém, houve maior destaque à comunicação nas suas diversas formas (emocional, verbal, não verbal e circular). Sugere-se, assim, que as intervenções voltadas à comunicação, tais como a escuta qualificada e o diálogo, sejam adaptadas para atender às necessidades dessas famílias na fase tardia do ciclo vital, reduzindo o sofrimento mental, aliviando ansiedades sobre o futuro, buscando evitar momentos de crise e promovendo melhorias no bem-estar e na qualidade de vida dos envolvidos (1515 Pryce L, Tweed A, Hilton A, Priest HM. Tolerating Uncertainty: Perceptions of the future for ageing parent carers and their adult children with intellectual disabilities. J Appl Res Intellect Disabil. 2015;30(1):84-96. doi: 10.1111/jar.12221
https://doi.org/10.1111/jar.12221...
).

Limitações do estudo

Esta pesquisa possui como limitação o fato de que as famílias são cadastradas em uma estratégia de reabilitação existente, até o momento, apenas no município de São Paulo. Assim, famílias que residem em outras áreas ou não possuem serviços similares podem apresentar vivências distintas durante o estágio tardio do ciclo vital.

Contribuições para a área de enfermagem

O enfermeiro deve estar aberto à compreensão ampla dos contextos, integrando o saber prático e o teórico para reconhecer novos significados sobre o envelhecimento e a deficiência intelectual. Deve ainda valorizar a família como detentora de um saber conquistado com sua experiência de vida e competente para resolver e viver suas dificuldades buscando novas estratégias de enfrentamento.

Como avanços para o conhecimento científico, destaca-se o uso do MCAF como forma de facilitar a compreensão da estrutura e da dinâmica de famílias no estágio tardio do ciclo vital, ou na velhice. Enfermeiros podem utilizar esse instrumento como uma estratégia facilitadora para a ampliação da visão do sistema familiar na avaliação e na proposta de intervenção de cuidados necessários. Aprofundar o conhecimento nas dinâmicas e vivências das famílias que contêm uma PCDI permite a criação de subsídios para intervenções e práticas de enfermagem que favoreçam maior autonomia dos sujeitos e harmonia do sistema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As famílias em situação de envelhecimento e que possuem um integrante com deficiência intelectual criaram estratégias de adaptação à realidade do diagnóstico do ente, muitas vezes ocorrido tardiamente. Todas as famílias sofreram mudanças ocasionadas pelo envelhecimento tanto da PCDI como, especialmente, de seus cuidadores ou responsáveis.

As mães foram as mais sobrecarregadas com as tarefas voltadas ao cuidar, e mesmo idosas, permaneceram com essa atribuição, tendo também que enfrentar as dificuldades de cuidar de si em virtude das limitações decorrentes do envelhecimento. Além disso, as famílias estudadas apresentavam grande preocupação com o futuro em virtude da pouca rede de apoio existente, afetando seu funcionamento e dinâmica.

A comunicação mostrou-se como uma forma de partilhar sentimentos e compreender o outro, especialmente as PCDI, haja vista as particularidades de expressões criadas ao longo dos anos.

Por fim, ressalta-se que outras investigações sobre a temática devem ser realizadas, e seus resultados compartilhados para fomentar cuidados de saúde inclusivos, seguros e centrados não apenas na pessoa, mas em todo o sistema familiar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov 2019

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2018
  • Aceito
    07 Out 2018
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