Acessibilidade / Reportar erro

Malformação fetal com possibilidade de interrupção legal: dilemas maternos

RESUMO

Objetivo:

Identificar os dilemas maternos sobre o diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida.

Método:

Utilizou-se o método qualitativo do tipo exploratório-descritivo. Oito mulheres participaram da pesquisa no período entre setembro/2016 e janeiro/2017 através de entrevistas semiestruturadas. Os dados foram analisados a partir da análise temática juntamente à ferramenta de software ATLAS.ti.

Resultados:

As experiências deste estudo foram pautadas por sofrimento e emoções. A escolha da interrupção esteve alicerçada a fatores pessoais das mulheres e famílias, como informação da patologia e religião. Os diagnósticos de malformações fetais incompatíveis trazem os mais diferentes sentimentos aos envolvidos. É de extrema importância que se estabeleça uma comunicação transparente entre mulher, família e equipe interdisciplinar no transcorrer da gestação e parto, com elucidação quanto ao prognóstico e as possibilidades terapêuticas.

Considerações finais:

Visualizou-se a importância do acolhimento, comunicação e tratamento dado pela equipe multiprofissional de saúde.

Descritores:
Enfermagem Obstétrica; Gestação; Aborto Legal; Anormalidades Congênitas; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To identify maternal dilemmas about the diagnosis of fetal abnormality incompatible with life.

Method:

The exploratory-descriptive qualitative method was used. Eight women participated in the research between September/2016 and January/2017 through semi-structured interviews. The data were analyzed from the thematic analysis together with the ATLAS.ti software.

Results:

The experiences of this study were based on suffering and emotions. The termination choice was based on personal factors of women and families, such as information on pathology and religion. Diagnoses of incompatible fetal abnormalities bring the most different feelings to those involved. It is extremely important to establish a clear communication between woman, family and interdisciplinary team in the course of gestation and delivery, with elucidation about prognosis and therapeutic possibilities.

Final considerations:

It was visualized the importance of embracement, communication and treatment given by the multiprofessional health team.

Descriptors:
Obstetric Nursing; Gestation; Legal Abortion; Congenital Abnormalities; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Identificar los dilemas maternos sobre el diagnóstico de malformación fetal incompatible con la vida.

Método:

Se utilizó el método cualitativo del tipo exploratorio-descriptivo. Ocho mujeres participaron de la investigación en el período entre septiembre/2016 y enero/2017 a través de entrevistas semiestructuradas. Los datos se analizaron a partir del análisis temático junto a la herramienta de software ATLAS.ti.

Resultados:

Las experiencias de este estudio fueron pautadas por sufrimiento y emociones. La elección de la interrupción estuvo basada en factores personales de las mujeres y las familias, como información de la patología y la religión. Los diagnósticos de malformaciones fetales incompatibles traen los más diferentes sentimientos a los involucrados. Es de extrema importancia que se establezca una comunicación transparente entre mujer, familia y equipo interdisciplinario en el transcurso de la gestación y parto, con elucidación en cuanto al pronóstico y las posibilidades terapéuticas.

Consideraciones finales:

Se visualizó la importancia de la acogida, comunicación y tratamiento dado por el equipo multiprofesional de salud.

Descriptores:
Enfermería Obstétrica; Embarazo; Aborto Legal; Anormalidades Congénitas; Enfermería

INTRODUÇÃO

No mundo, as malformações fetais representam uma importante causa de manutenção das taxas de mortalidade infantil, especialmente nos países desenvolvidos, onde existem menos registros de mortes no primeiro ano de vida por causas evitáveis (11 Ministério da Saúde (BR). Protocolos da Atenção Básica: saúde das mulheres, Brasília (DF): Ministério da Saúde, Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2016.).

Dentre as malformações, podemos destacar como malformações fetais incompatíveis com a vida alguns erros de fechamento neural, cardíaco, abdominal, displasias ósseas e as trissomias envolvendo os cromossomos 13 e 18 sendo estas, as mais frequentemente diagnosticadas (22 Tessaro A. A anomalia fetal incompatível com a vida como causa de justificação para o abortamento [Internet]. 2016. [cited 2017 Dec 08]. Available from: https://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/handle/123456789/11574
https://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/handle/...
-33 Emer CSC, Duque JAP, Müller ALL, Gus R, Sanseverino MTV, Silva AA, et al. Prevalência das malformações congênitas identificadas em fetos com trissomia dos cromossomos 13, 18 e 21. Rev Bras Ginecol Obstet [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 08];37(7):333-8. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-720320150005373
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032015...
).

Tais diagnósticos de malformações fetais incompatíveis trazem os mais diferentes sentimentos aos envolvidos neste contexto, tornando-se de extrema importância que se estabeleça uma relação transparente entre mulher, família e equipe interdisciplinar no transcorrer do pré-natal, com elucidação quanto ao prognóstico e as possibilidades terapêuticas futuras, bem como o bem-estar materno.

Em 2016, nasceram 96.138 bebês em Santa Catarina, 836 foram a óbito no primeiro ano, sendo 203 por causa relacionada à “anomalia congênita” (44 Secretaria de Saúde de Santa Catarina. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) [Internet]. 2015[cited 2017 Jul 07]. Available from http://www.saude.sc.gov.br/index.php/pesquisar?searchword=Sistema%20de%20Informa%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20Nascidos%20Vivos%20(SINASC)&searchphrase=all
http://www.saude.sc.gov.br/index.php/pes...
).

Neste contexto, houve em 2012 a definição do Supremo Tribunal Federal Brasileiro (STF) quanto à antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia, descriminalizando-a. Fato historicamente discutido na sociedade e no campo da saúde (55 Almeida JJ. Aborto de feto anencéfalo: nova perspectiva após decisão do STF. Rev CEJ[Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 08];18(64). Available from: http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/1936
http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revc...
). A partir da decisão do STF, houve uma ampliação da discussão dos demais casos de malformação fetal incompatível no âmbito jurídico, considerando seus aspectos bioéticos (66 Silva AC, Feijó AGS, Rocha AR, Almeida Neto JB. Análise das decisões judiciais de aborto de malformações fetais e a problematização do slippery slope. Rev AMRIGS [Internet]. 2012[cited 2017 Dec 10]; 56(2):175-82. Available from: http://www.amrigs.org.br/revista/56-02/bioetica.pdf
http://www.amrigs.org.br/revista/56-02/b...
).

A busca literária realizada em bases indexadas BIREME, SciELO, Lilacs e Pubmed, viabilizou estudos relacionados à área da Psicologia e Direito, mostrando, portanto, a escassez de publicações referentes a área da Enfermagem e demais componentes da equipe multiprofissional, quando relacionado a esta temática.

Emerge então, como pergunta de pesquisa: quais os dilemas enfrentados pelas mulheres grávidas com diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida frente à possibilidade de interrupção ou não da gestação?

Nesse sentido, esta pesquisa se justifica pela relevância do tema no âmbito da atenção à saúde das mulheres, além do impacto das malformações fetais nos índices de mortalidade infantil.

OBJETIVO

Identificar os dilemas maternos sobre o diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida.

MÉTODO

Aspectos éticos

Este estudo se apresenta como resultado do macroprojeto de pesquisa intitulado “Mulheres grávidas com diagnóstico de malformação fetal grave e/ou incompatível com a vida do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina: demanda e itinerário terapêutico”, e seguiu as normas para pesquisa envolvendo seres humanos definidas na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (77 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466 de 2012. Diretrizes e norma regulamentadora de pesquisas envolvendo seres Humanos. Brasília (DF): MS; 2012.), aprovado pelo comitê de ética da Instituição investigada. Para participação na pesquisa, as mulheres assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para preservar o anonimato das participantes, as mesmas foram identificadas por nomes de flores, sequenciadas pelo diagnóstico da malformação fetal.

Tipo de estudo

Para viabilizar o objetivo da pesquisa, foi utilizado o método qualitativo do tipo exploratório-descritivo. Esta abordagem possibilita obter dados acerca do fenômeno estudado.

Cenário do estudo

O estudo ocorreu no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HUUFSC), a partir da entrada formal das mulheres no Ambulatório de Atenção à Saúde da Mulher ou entrada com diagnóstico confirmado de malformação fetal incompatível com a vida no Centro Obstétrico do HU.

Participantes do estudo e coleta de dados

As abordagens para participação da pesquisa ocorreram de duas formas. Realizou-se o acolhimento das gestantes em conjunto com a equipe multiprofissional no Ambulatório, sendo posteriormente apresentada a pesquisa à gestante e a mesma convidada a participar do estudo. Outra forma utilizada procedeu de uma aproximação da Enfermagem do Centro Obstétrico com as mulheres que foram internadas por malformação fetal incompatível com a vida para término da gestação (interrupção legal / parto vaginal / cesárea).

Os encontros seguiram uma entrevista semiestruturada, realizadas em local e horário sugerido pelas mulheres grávidas. Os mesmos ocorreram em um ambiente reservado no HU/UFSC. Para maior homogeneidade dos dados, foram estabelecidos critérios de inclusão e exclusão. Foram incluídas as mulheres grávidas acima de 18 anos de idade, com diagnóstico confirmatório de malformação fetal incompatível com a vida, realizado através de ultrassonografia. Foram excluídas as mulheres grávidas com diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida que, a partir desta primeira consulta, não realizaram o seu seguimento no ambulatório do HU-UFSC.

Nove mulheres atenderam aos critérios de inclusão da pesquisa, sendo selecionadas entre setembro/2016 e janeiro/2017, porém destas, oito mulheres aceitaram participar do estudo. Tratou-se de uma amostragem intencional com base em entrevistas semiestruturadas.

As entrevistas foram realizadas por uma das pesquisadoras do estudo, sendo gravadas com duração aproximada de 20 minutos, e foram posteriormente transcritas na íntegra.

Análise dos dados

Para análise dos dados, foi usada a análise temática (88 Minayo MCS. Qualitative analysis: theory, steps and reliability. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-626. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012...
) juntamente à ferramenta de software ATLAS.ti que lida com diversas e grandes quantidades de documentos, notas e arquivos multimídia, para identificar as falas significativas nos testemunhos das mulheres através de categorização dos dados e uso de palavras-chave.

Trata-se de um processo permanente envolvendo reflexões contínuas sobre os dados, ou seja, a análise dos dados foi conduzida juntamente à coleta dos dados.

Sendo assim, as entrevistas foram transcritas logo após sua coleta, os dados foram organizados e analisados, segundo este método de análise constituída de três fases: 1º - Pré-análise; 2º - Exploração do material; 3º - Tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

Na pré-análise, foi realizada a escolha dos documentos que foram analisados e a retomada do objetivo do estudo. A operacionalização desta etapa ocorreu através do ATLAS.ti, com a construção de um projeto denominado hermaneutic unit. Esta foi composta pelo conjunto de todas as entrevistas. Cada uma das entrevistas foi inserida no ATLAS.ti como um documento primário (primary document).

A etapa de Exploração do material é a operação classificatória que almeja alcançar o núcleo de compreensão do texto, unidades que contêm dados brutos agregados por características relacionadas aos conteúdos, delimitando categorias temáticas. Busca a classificação dos elementos de acordo com as semelhanças e diferenciações, com posterior reagrupamento em função de características comuns. Assim, foram realizados recortes dos trechos relevantes das entrevistas, denominados quotations nas ferramentas do ATLAS.ti. A análise detalhada foi realizada com a identificação das unidades de registro com a ferramenta de codificação (code) do programa ATLAS.ti, relacionando-as aos trechos dos depoimentos (quotations) com mesmo sentido. O processo de codificação gerou as categorias temáticas com a ferramenta families.

Por fim, o tratamento dos resultados obtidos e interpretação consistiram na etapa de análise dos dados empíricos com base em fundamentos teóricos, desvelando o fenômeno estudado. Nesta etapa, o ATLAS.ti colaborou com a construção de diagramas (networks), auxiliando na visualização das categorias temáticas.

Assim, os resultados foram organizados em cinco categorias: Diagnóstico de Malformação Fetal Incompatível com a vida; Possibilidade de interromper ou não a gestação; Solicitação da autorização judicial para interrupção legal; Término da gestação; Assistência da equipe de saúde multiprofissional.

RESULTADOS

As mulheres participantes desta pesquisa tinham idade média de 33 anos. Em relação à escolaridade, quatro apresentavam ensino superior completo e as demais alternaram entre ensino fundamental e médio completo. Todas viviam com o companheiro há pelo menos seis meses. Destas, quatro eram primigestas e as demais multigestas. Com relação à região de residência, três gestantes moravam na macrorregião do Sul Catarinense e cinco na macrorregião da Grande Florianópolis. A idade gestacional em que foi detectada a malformação fetal variou entre 15 e 37 semanas. As malformações diagnosticadas e envolvidas neste estudo são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Número de participantes de acordo com a malformação diagnosticada, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2017

Das entrevistadas, cinco optaram pela interrupção legal, porém três estavam de acordo com a legislação vigente devido ao diagnóstico de anencefalia. Duas entraram com o pedido judicial, onde apenas uma teve parecer favorável para a realização.

A seguir, apresentaremos as categorias que emergiram da análise dos dados:

Diagnóstico de Malformação Fetal Incompatível com a vida

A notícia foi um choque e resultou em uma variedade de sentimentos/emoções, entre os mais mencionados estão o desespero e os sentimentos de inutilidade, sendo expresso na forma de choro, tristeza e dúvidas frente ao desconhecimento do diagnóstico, patologia e negação da notícia.

Na hora assim, não teve reação, daí depois que começou a cair a ficha [...] É, na hora eu fiquei em choque e depois eu comecei a chorar [...] No começo, eu me senti sem chão, eu não conseguia aceitar. (Astromélia - Anencefalia)

A gente ficou bem chocado, porque a gente nem ia fazer esse ultrassom. [...] Primeiro do diagnóstico, que a gente ficou sem saber, daí deu um sentimento de tristeza, choque com tristeza e muita dúvida. (Girassol - Encefalocele Occipital)

Possibilidade de interromper ou não a gestação

A escolha das mulheres frente à possibilidade de interromper ou não a gestação foi influenciada por informações e conhecimento acerca da doença, fatores religiosos, familiares e morais.

As três participantes, que obtiveram o laudo confirmatório para anencefalia, interromperam a gestação, sendo realizado o procedimento entre a 15º e a 26º semana de gestação. Destas, duas eram católicas e uma declarou-se sem religião. Das demais malformações fetais incompatíveis com a vida, duas mulheres escolheram a possibilidade de interromper a gestação através de solicitação judicial.

Com relação à religião, uma declarou-se sem religião e outra católica. As que escolheram a interrupção acreditaram que isto aliviaria tanto o sofrimento do feto como o seu. A decisão final em relação ao procedimento foi feita pelas mulheres, que contaram como apoio de seus parceiros. Contudo, foram momentos de muito desespero e sofrimento.

O fato de evitar sofrimento, sabe? A partir do momento que tu já começas a sentir chutar, começa a sentir mexer, já é uma ligação. [...] Ele [referindo-se ao marido] na verdade não quis influenciar na decisão, porque ele disse que era o meu corpo. (Astromélia - Anencefalia)

Na primeira consulta aqui no HU, o médico falou que teria essa possibilidade [referindo-se a interrupção] dependendo da evolução. Só que ele falou que poderia ser um pouco difícil porque os juízes são conservadores. (Girassol - Encefalocele Occiptal)

As três mulheres que optaram por continuar a gestação, também tiveram o apoio familiar e principalmente religioso, mantendo-se crentes em um milagre. Destas mulheres, uma era da religião espírita, uma evangélica e uma católica. Além disso, acreditavam que era necessário vivenciar essa experiência como um todo para uma aprendizagem pessoal de vida.

A gente queria crer em um milagre, por isso decidimos não interromper. (Azaleia - Síndrome de Patau)

Sou contra o aborto, da forma que for. Acho que se aconteceu, eu precisava passar por isso. (Cerejeira - Limb Body Wall Complex)

Solicitação da autorização judicial para interrupção legal

Obter a autorização judicial para interromper a gravidez foi difícil tanto emocional quanto burocraticamente para uma das duas participantes. A mulher se sentiu desrespeitada por ser obrigada a conseguir permissão legal num período tão doloroso, e ter que enfrentar julgamentos quanto ao seu direito de decidir sobre sua vida e sobre a gravidez.

Mas o que mais doeu foi ser encaminhada para juíza criminal. Eu me senti invadida, constrangida demais, parecia que eu estava querendo cometer um crime. [...] Foi muito doloroso passar por todos os trâmites que passamos e no final não resultou em nada, foi só mais um desgaste no meio desse furacão todo que as nossas vidas se tornaram. (Violeta - Múltiplas malformações (Acrania/Gastrosquise/Encefalocele/Pé torto)

A outra entrevistada, no entanto, referiu apreensão ao entrar com pedido para interrupção, mas surpreendeu-se com a rede de assistência formada para resolução do caso e com a forma rápida que o judiciário apresentou o parecer em favor da interrupção.

A gente pensava que o judiciário ia ser demorado ou que eles iam ser muito conservadores. [...] a evolução foi péssima, aumentou muito o tamanho da Encefalocele [...] então a gente ficou muito desesperado, sem saber o que fazer. Eu pensei em interromper por minha conta, tinha até comprado os comprimidos [...] Então eu procurei uma amiga que passou o nome de uma médica particular, eu falei com ela, porque eu queria uma orientação de como tomar. Daí ela que me deu mais encorajamento para procurar a justiça. Então foi muito legal assim essa rede. [...] Entramos com o pedido na quarta e no domingo eu estava internando para fazer a interrupção. (Girassol - Encefalocele Occipital)

Ainda sobre esta questão, podemos notar a falta de conhecimento por parte dos profissionais da Saúde sobre as legislações já vigentes no Brasil, porque orientaram uma das mulheres que obtiveram o laudo de anencefalia na gestação, ao entrar no judiciário para interrupção legal.

Ele disse que era anencefalia e que eu ia ter que entrar na justiça para poder realizar o processo. [...] Mas depois que eu fiquei sabendo que existe lei para isso. (Astromélia - Anencefalia)

Término da gestação

As mulheres que optaram pela interrupção da gravidez consideraram necessário falar sobre o procedimento. Para elas, foi algo que aliviaria o sofrimento passado.

Agora, sabendo do que vai acontecer eu estou mais aliviada, mas no início me deu um desespero. Eu conheci um médico lá [referindo-se a um médico da sua cidade] e ele nos tratou super mal, falou que nem com pedido judicial ele faria o procedimento. (Astromélia - Anencefalia)

Essas mesmas mulheres também citaram o despreparo de não saber o que fazer após o nascimento e não ter conhecimento da forma como ocorreria.

[...] Não saber o que fazer na hora que o bebê sai [choro] . De não saber se você olha ouse você não olha. Eu não me preparei para isso. [...] depois eu fiquei pensando “Nossa, por que que eu não peguei ele, por que eu não fiz uma oração ali?”. (Girassol - Encefalocele Occipital)

As demais mulheres tiveram como término da gestação óbito intrauterino e óbito após o nascimento, onde uma das participantes realizou histerectomia total após cesárea devido à aderência dos órgãos abdominais do feto no útero da mãe. Dessas, três foram encaminhadas para cesárea e uma realizou parto vaginal induzido.

Duas mulheres estavam preocupadas com os riscos que o término da gestação poderia representar para sua própria saúde psíquica em função da malformação fetal.

Eu estou bastante preocupada com relação ao parto. Não me agrada a ideia de induzir um parto, de sofrer com dor. [...] já que eu não posso fazer mais nada, eu estou pensando em mim agora. (Azaleia - Síndrome de Patau)

Assistência da equipe de saúde multiprofissional

Segundo avaliação das mulheres referente à assistência multiprofissional realizada no âmbito da Saúde durante o período da gestação e parto, algumas informações referentes ao diagnóstico poderiam ser melhores abordadas para entendimento da família, por meio de uma comunicação mais simples e abordagem sensível.

Outro ponto importante encontrado no estudo foi com relação à palavra “inviável”, utilizada muitas vezes de forma imperceptível, pela equipe, à mulher com diagnóstico de malformação fetal incompatível com vida.

As redes de assistência utilizadas pelas mulheres supriram a necessidade de informações dos casos, sendo um importante elo no processo decisório.

Essa coisa de tu falar algo e o outro não entender. [...] ela [referindo-se à médica particular] veio com uma linguagem que eu desconheci total. Mas é tratado como se tivesse estabelecido uma conversa. [...] você deve ter uma linguagem da qual você espera estabelecer uma comunicação. Precisa de uma tradução. (Girassol - Encefalocele Occipital)

A primeira consulta no hospital eu fui pra casa decepcionada. É que para o médico do hospital é tão normal atender pessoas com problemas, que eu achei meio frio! Gostei mais da consulta do posto do que daqui. Ele [médico do posto] me orientou, foi conversando comigo e para o doutor do hospital é tão normal que eu que tenho que perguntar, se não ele não me fala. Essa palavra inviável que o médico do hospital falou é muito forte. (Cerejeira - Limb Body Wall Complex)

DISCUSSÃO

As experiências deste estudo foram pautadas por sofrimento e emoções. Os sentimentos de choque, desespero e angústia que as mulheres vivenciaram quando receberam o diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida, acompanhados por sensação de inutilidade e negação da notícia, são similares a outros estudos encontrados no Brasil (99 Costa LLF, Hardy E, Osis MJD, Faúndes A. Interrupção da gravidez por anormalidade fetal incompatível com a vida: a vivência de mulheres brasileiras. Questões Saúde Reprod. 2006 Apr; 1(1);92-100.-1010 Bellas GO. A moralidade do aborto de fetos com mielomeningocele [Dissertação] Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011.). Este processo deve-se ao imaginário do filho perfeito confrontado com a realidade de uma incompatibilidade com a vida. A notícia de uma malformação fetal pode causar vários problemas e reações de depressão, rejeição e rompimento do apego, seja transitório ou permanente, desencadeando grande estresse físico e emocional, onde uma demanda de sentimentos torna-se presente (1111 Santos MM, Böing E, Oliveira ZAC, Crepaldi MA. Diagnóstico pré-natal de malformação incompatível com a vida: implicações psicológicas e possibilidades de intervenção. Rev Psicol Saúde [Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 10];6(1):64-73. Available from:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpsaude/v6n1/v6n1a09.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpsaude/v6...
).

Cabe ressaltar que nem sempre todos estes momentos/reações de enfrentamento são vivenciados por todos os indivíduos envolvidos no processo de morte e morrer. Da mesma forma, sua ordem cronológica pode ser alterada de acordo com as vivências e cultura de cada indivíduo. Na malformação fetal incompatível com a vida, o processo de enfrentamento da morte se dá de acordo com a capacidade de cada mulher e de cada profissional de saúde para enfrentar a nova realidade instalada, após quebra definitiva de expectativas.

Com relação ao processo decisório de interrupção, foi observado que, embora todas as mulheres tenham contado com o apoio de seus parceiros no momento da escolha, elas responsabilizaram-se durante o processo. Essa questão apresenta-se sobreposta devido aos papéis de gênero, pois tradicionalmente a responsabilidade pela reprodução é atribuída às mulheres (1010 Bellas GO. A moralidade do aborto de fetos com mielomeningocele [Dissertação] Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011.).

A escolha da interrupção esteve alicerçada em fatores pessoais das mulheres e famílias, como informação referente à patologia e religião. As famílias encontram formas de enfrentar a situação de acordo com seu modo de ver o mundo como também com o estímulo interno ao se deparar com o desejo de preservação da vida já instituída no ventre materno (1212 Ribeiro FRG, Spink M J. Rhetorical strategies in the moral controversy over legalization of abortion: the case of anencephaly in Brazil. Interface Comunic, Saude Educ [Internet]. 2012[cited 2017 Nov 12];16(40):35-49. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v16n40/aop0712.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v16n40/aop...
).

As crenças religiosas e filosóficas funcionam como uma vertente, em grande parte, definitiva do processo de escolha da mulher referente à interrupção legal, devido a aspectos culturais existentes no Brasil e forte influência religiosa (1313 Nomura RMY, Brizot ML, Liao AW, Hernandez WR, Zugaib M. Conjoined twins and legal authorization for abortion. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2011 [cited 2017 Dec 10];57(2):205-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v57n2/en_v57n2a20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ramb/v57n2/en_v...
).

Na literatura, é encontrado que mulheres grávidas que apresentam crenças religiosas ou filosóficas, quando diagnosticadas com malformação fetal incompatível com a vida, decidem pela continuidade da gestação não só por acreditar na cura e aceitação do obstáculo como sofrimento, como pela condenação do aborto pela maioria das religiões (1212 Ribeiro FRG, Spink M J. Rhetorical strategies in the moral controversy over legalization of abortion: the case of anencephaly in Brazil. Interface Comunic, Saude Educ [Internet]. 2012[cited 2017 Nov 12];16(40):35-49. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v16n40/aop0712.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v16n40/aop...
-1313 Nomura RMY, Brizot ML, Liao AW, Hernandez WR, Zugaib M. Conjoined twins and legal authorization for abortion. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2011 [cited 2017 Dec 10];57(2):205-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v57n2/en_v57n2a20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ramb/v57n2/en_v...
). Em contraponto, neste estudo, obtém-se que mulheres religiosas também optaram pela interrupção, quando visto a inviabilidade do feto. Esta questão pode estar relacionada ao grau de escolaridade das mulheres, porque elas apresentam melhor grau de instrução para o enfrentamento da patologia associado a fatores médicos científicos, desvinculando o caráter religioso apenas. Outros autores corroboram com esta questão (1414 Mingati VS, Góes WP, Costa IG. The anencephalic fetus abortion and the constitutional issue.J Human Growth Develop [Internet]. 2012 [cited 2017 Nov 12];2(22):133-41. Available from:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v22n2/03.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v22n...
).

No Brasil, o aborto é considerado um crime contra a vida, segundo o Código Penal Brasileiro, em vigor desde 1984. Porém, não é caracterizado crime quando praticado por médico em três situações: quando há risco de morte para a mulher causada pela gravidez; quando a gravidez é resultante de um estupro ou se o feto for anencéfalo (decisão do STF pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54 (ADPF54), votada em 2012, que descreve a prática como “parto antecipado” para fim terapêutico). Nesses casos, o Sistema Único de Saúde acolhe a mulher para a realização da interrupção legal (55 Almeida JJ. Aborto de feto anencéfalo: nova perspectiva após decisão do STF. Rev CEJ[Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 08];18(64). Available from: http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/1936
http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revc...
,1515 Brasil. Código de processo penal (1988). Código de processo penal. In: ANGHER, Anne Joyce. Vademecum universitário de direito RIDEEL. 27. ed. São Paulo: RIDEEL, 2018. p. 352-395.).

Ao analisar os dados, foi observado que nos casos de pedidos judiciais, apenas uma das participantes conseguiu, por meio legal, a interrupção. Assim, abriu-se hipótese para a falta de encorajamento dos profissionais de saúde na orientação dada às mulheres que desejam realizar o pedido ou a falta de assistência jurídica, levando à reflexão frente ao encaminhamento do advocatício no julgamento destes processos.

A permissão para abortar não significa uma exceção ao ato criminoso, mas sim uma escuta absolutória (55 Almeida JJ. Aborto de feto anencéfalo: nova perspectiva após decisão do STF. Rev CEJ[Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 08];18(64). Available from: http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/1936
http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revc...
). Como parte de uma reflexão geral sobre a descriminalização, não seria absolutório permitir que mães grávidas de fetos com outras malformações fetais incompatíveis com a vida tivessem essa mesma escuta e mesmo direito?

Durante a pesquisa, mulheres protestaram a validade da lei no que diz respeito ao seu direito de escolher sobre sua vida e sobre a interrupção da gravidez, e o fato de ter que arcar com o peso de obter permissão legal em um período tão doloroso. Este dado indica a necessidade de reflexão sobre a lei brasileira nos casos de interrupção por conta de malformação fetal incompatível com a vida. Outro estudo apresentou os mesmos resultados (1616 Lowy I. Detectando más-formações, detectando riscos: dilemas do diagnóstico pré-natal. Horiz Antropol [Internet]. 2011 [cited 2017 Nov 12];17(35):103-25. Available from:http://www.scielo.br/pdf/ha/v17n35/v17n35a04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ha/v17n35/v17n3...
).

Está sendo ainda discutida no Congresso Nacional e Senado a legalização do aborto nos três primeiros meses de gestação como forma de proporcionar escolha a todas as mulheres, porém encontra-se sem parecer final (PL 5.069/13) por questões de cunho religioso que defendem o direito do nascituro. Esta conduta é um importante passo na visão feminista e, se aprovada, será um ganho para o direito das mulheres em relação às suas escolhas frente à sociedade (1717 Pelizzari E, Valdez CM, Picetti JS, Cunha AC, Dietrich C, Fell PRK, et al. Characteristics of fetuses evaluated due to suspected anencephaly: a population-based cohort study in southern Brazil. Sao Paulo Med J [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 10];133(2):101-8. Available from:http://www.scielo.br/pdf/spmj/v133n2/1516-3180-spmj-2013-8012608.pdf
http://www.scielo.br/pdf/spmj/v133n2/151...
). Porém deve ser observado que a rede pública oferece a primeira ultrassonografia entre o período de 17 a 22 semanas de gestação, saindo, portanto do prazo estipulado para o procedimento, caso seja detectada alguma malformação incompatível com a vida. Outro fato está associado à fila de espera e demora para marcação deste exame via Sistema de Regulação do Sistema Único de Saúde – SISReg (11 Ministério da Saúde (BR). Protocolos da Atenção Básica: saúde das mulheres, Brasília (DF): Ministério da Saúde, Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2016.).

A legalização do aborto aboliria o constrangimento descrito pelas entrevistadas no estudo, e lhes permitiria o direito de decidir sobre a antecipação do desfecho da gestação que, do ponto de vista de algumas, já ocorreu, quando foi definida a gravidade da malformação.

Ainda, os dados evidenciam a falta de informação por parte dos profissionais de saúde com relação à legislação vigente, que permite a interrupção nos casos de anencefalia. A bibliografia confirma a prática encontrada, levando a questionamentos frente à atualização profissional. Para os profissionais de enfermagem, esta realidade está vinculada a não disponibilidade de métodos de Educação Permanente (1818 Duarte DA, Melo-Almeida MG. Conhecimento dos profissionais de saúde frente ao aborto legal no Brasil: uma revisão bibliográfica. Rev Baiana Saúde Pública [Internet]. 2010 [cited 2017 Dec 05];34(2):27987. Available from: http://files.bvs.br/upload/S/0100-0233/2010/v34n2/a1798.pdf
http://files.bvs.br/upload/S/0100-0233/2...
). Por serem situações consideradas atípicas dentro das setorizações existentes nos hospitais, se comparado ao número de mulheres grávidas sem intercorrências graves, os profissionais não buscam fontes e atualizações voltadas a esta realidade em prol da melhoria do atendimento, dificultando, assim, o acolhimento profissional para enfrentamento da situação pela gestante e sua família.

É importante lembrar que o modo como a equipe multiprofissional dará a informação à mulher poderá ter repercussões futuras, afetando seu processo de decisão posterior (1919 Strefling ISS, Lunardi Filho WD, Kerber NPC, Soares MC, Ribeiro JP. Nursing perceptions about abortion management and care: a qualitative study. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015[cited 2018 Dec 10];24(3):784-791. Available http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015000940014
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720150...
). É fundamental que a mulher se sinta acolhida e tratada com cuidado e respeito, recebendo, ao mesmo tempo, informações detalhadas sobre o diagnóstico do feto e o procedimento de interrupção da gravidez quando desejado.

A qualidade da comunicação entre profissionais de saúde e mulher depende, sobretudo, das percepções pessoais e da disponibilidade de o profissional estabelecer relações de ajuda e acolhimento com o outro.

No estudo, foram encontradas realidades distintas vividas pelas gestantes, em diferentes contextos (Atenção Primária e Terciária), demonstrando diferentes acolhimentos e percepções das mulheres frente à equipe multiprofissional.

Os dados mostram a importância da comunicação para com os envolvidos no diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida, por meio da observação de termos utilizados pelo comunicante e como isso afetará o comunicado, dando clareza ao assunto abordado. Ficaram evidenciadas dificuldades na comunicação dos profissionais de saúde como: a falta de diálogo direto para que as mulheres expressassem suas ansiedades; e falta de informações suficientes sobre o tratamento e o prognóstico da patologia. A causa desses problemas pode ser atribuída à falta de preparo dos profissionais para desenvolverem a comunicação adequada com as gestantes e seus familiares. Como consequência, há um considerável impacto negativo na vida das mulheres que recebem a notícia de malformação fetal incompatível com a vida.

Cabe aos profissionais de saúde, neste momento, agir com respeito diante da decisão da mulher de interromper ou não a gravidez. Este tema deve ser abordado tanto durante a formação profissional quanto em ações de capacitação da equipe para que saibam como agir diante da problemática, não perdendo a possibilidade de interagir e esclarecer dúvidas das mulheres, considerando a subjetividadede cada mulher/família no momento de planejar as ações de cuidado (1919 Strefling ISS, Lunardi Filho WD, Kerber NPC, Soares MC, Ribeiro JP. Nursing perceptions about abortion management and care: a qualitative study. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015[cited 2018 Dec 10];24(3):784-791. Available http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015000940014
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720150...
). Destaca-se também, a equipe interdisciplinar de saúde como um aspecto considerado positivo, na maioria das vezes, pelas mulheres, pois receberam ajuda para passar pela difícil experiência (2020 Rocha WB, Silva AC, Leite SML, Cunha T. Perception of health professions on legal abortion. Rev Bioética [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 02];23(2):387-99. Available from: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/1048/1293
http://revistabioetica.cfm.org.br/index....
).

Neste estudo, foi observado que a interrupção da gestação ocorreu, porque o desfecho da gestação resultaria em óbito fetal, e não porque a gravidez era indesejada. Assim, vale lembrar que atualmente se tem debatido a possibilidade de que nos casos de malformação fetal incompatível com a vida, a interrupção da gravidez não deva ser classificada como aborto induzido, nem na área médica nem na jurídica, mas sim como parto prematuro terapêutico. Consequentemente, não estaria incluído no escopo das restrições legais ao aborto (2121 Cúnico SD, Faraj SP, Quintana AM, Beck CLC. Algumas considerações acerca da legalização do aborto no Brasil. Mudanças Psicol Saúde [Internet]. 2014 [cited 2018 Jan 16];22(1):41-7. Available from: https://www.metodista.br/revistas/revistasims/index.php/MUD/article/viewFile/4499/4353
https://www.metodista.br/revistas/revist...
). Neste contexto, incumbe avaliar o termo utilizado como parto prematuro terapêutico, onde só é possível denominar-se assim após a 22º semana de gestação ou se a idade gestacional for desconhecida, com o produto da concepção com peso superior a 500 gramas ou comprimento maior que 16 cm (11 Ministério da Saúde (BR). Protocolos da Atenção Básica: saúde das mulheres, Brasília (DF): Ministério da Saúde, Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2016.). Antes disso, o termo correto utilizado é aborto, podendo ser tratado nos casos de malformação fetal incompatível com a vida como aborto terapêutico.

Referente ao término da gravidez, as participantes questionaram se deveriam ver ou não o corpo do bebê imediatamente após o nascimento, porque as mesmas não se sentiam preparadas. Essa reação foi especialmente observada nas mulheres em primeira gestação, dificultando, desta forma, sua vivência do luto de forma menos traumática.

A literatura aborda que embora esse seja um momento doloroso para a mulher, é essencial que a mesma veja o bebê e confirme as malformações. Assim, marcando a realidade da perda e um estágio fundamental no processo de luto (2222 López Á, Castejón O, Pérez L, Salazar A, Rodríguez G, Urdaneta J. Alteraciones morfológicas de las vellosidades placentárias asociadas a malformaciones fetales múltiples del sistema esquelético. Rev Bras Saúde Matern Infant [Internet]. 2013[cited 2017 Dec 10];13(3):207-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v13n3/a02v13n3.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v13n3/a02...
).

Limitações do estudo

Sugere-se a realização de novos estudos que envolvam profissionais de saúde e da área jurídica, acompanhantes ou maior número de participantes, a fim de investigar outros dilemas, bem como condutas no pré-natal que possam influenciar o processo de escolha frente à interrupção legal, além de outras possibilidades nesta área.

Contribuições para área da Enfermagem

A pesquisa tem relevância para a Enfermagem Acadêmica e Assistencial, e para a comunidade por ser um tema pouco abordado e com escassez de produções cientifica no Brasil. A Enfermagem no âmbito da Assistência à Saúde da Mulher requer grande conhecimento e continuo aprendizado, visando o apoio emocional, físico e social das mulheres, tornando a prática mais qualificada e humanizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o estudo e categorização dos dados, foi possível conhecer os dilemas vividos durante a gestação por estas mulheres e famílias, alicerçados a possibilidade de interrupção da gravidez por meio legal já instituído ou pedido judicial. Neste contexto, visualizou-se a importância do acolhimento, comunicação e tratamento dado pela equipe multiprofissional de saúde no atendimento destes casos.

Os sentimentos vividos juntamente ao contexto familiar e religioso de cada mulher apresentaram-se frequentemente, podendo estes serem considerados os principais dilemas passados pelas grávidas diagnosticadas com malformação fetal incompatível com a vida.

A opção de determinadas mulheres, com relação à interrupção legal, tem como objetivo fortalecer as discussões sobre a descriminalização do aborto conforme as situações apresentadas, pautando o direito de escolha em prol do bem-estar físico da gestante que vivencia esta situação específica.

Por fim, é necessário garantir assistência integral e interdisciplinar a essas mulheres grávidas, devido à complexidade das situações vividas. A abordagem da legislação, associada aos cuidados no âmbito da Saúde Primária e Terciária, abrangentes e de qualidade, que ofereçam apoio eficaz, poderá constituir uma grande ajuda às mulheres que passam por essa experiência.

REFERENCES

  • 1
    Ministério da Saúde (BR). Protocolos da Atenção Básica: saúde das mulheres, Brasília (DF): Ministério da Saúde, Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2016.
  • 2
    Tessaro A. A anomalia fetal incompatível com a vida como causa de justificação para o abortamento [Internet]. 2016. [cited 2017 Dec 08]. Available from: https://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/handle/123456789/11574
    » https://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/handle/123456789/11574
  • 3
    Emer CSC, Duque JAP, Müller ALL, Gus R, Sanseverino MTV, Silva AA, et al. Prevalência das malformações congênitas identificadas em fetos com trissomia dos cromossomos 13, 18 e 21. Rev Bras Ginecol Obstet [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 08];37(7):333-8. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-720320150005373
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0100-720320150005373
  • 4
    Secretaria de Saúde de Santa Catarina. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) [Internet]. 2015[cited 2017 Jul 07]. Available from http://www.saude.sc.gov.br/index.php/pesquisar?searchword=Sistema%20de%20Informa%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20Nascidos%20Vivos%20(SINASC)&searchphrase=all
    » http://www.saude.sc.gov.br/index.php/pesquisar?searchword=Sistema%20de%20Informa%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20Nascidos%20Vivos%20(SINASC)&searchphrase=all
  • 5
    Almeida JJ. Aborto de feto anencéfalo: nova perspectiva após decisão do STF. Rev CEJ[Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 08];18(64). Available from: http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/1936
    » http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/1936
  • 6
    Silva AC, Feijó AGS, Rocha AR, Almeida Neto JB. Análise das decisões judiciais de aborto de malformações fetais e a problematização do slippery slope. Rev AMRIGS [Internet]. 2012[cited 2017 Dec 10]; 56(2):175-82. Available from: http://www.amrigs.org.br/revista/56-02/bioetica.pdf
    » http://www.amrigs.org.br/revista/56-02/bioetica.pdf
  • 7
    Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466 de 2012. Diretrizes e norma regulamentadora de pesquisas envolvendo seres Humanos. Brasília (DF): MS; 2012.
  • 8
    Minayo MCS. Qualitative analysis: theory, steps and reliability. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-626. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007
  • 9
    Costa LLF, Hardy E, Osis MJD, Faúndes A. Interrupção da gravidez por anormalidade fetal incompatível com a vida: a vivência de mulheres brasileiras. Questões Saúde Reprod. 2006 Apr; 1(1);92-100.
  • 10
    Bellas GO. A moralidade do aborto de fetos com mielomeningocele [Dissertação] Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011.
  • 11
    Santos MM, Böing E, Oliveira ZAC, Crepaldi MA. Diagnóstico pré-natal de malformação incompatível com a vida: implicações psicológicas e possibilidades de intervenção. Rev Psicol Saúde [Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 10];6(1):64-73. Available from:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpsaude/v6n1/v6n1a09.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpsaude/v6n1/v6n1a09.pdf
  • 12
    Ribeiro FRG, Spink M J. Rhetorical strategies in the moral controversy over legalization of abortion: the case of anencephaly in Brazil. Interface Comunic, Saude Educ [Internet]. 2012[cited 2017 Nov 12];16(40):35-49. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v16n40/aop0712.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/icse/v16n40/aop0712.pdf
  • 13
    Nomura RMY, Brizot ML, Liao AW, Hernandez WR, Zugaib M. Conjoined twins and legal authorization for abortion. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2011 [cited 2017 Dec 10];57(2):205-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v57n2/en_v57n2a20.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/ramb/v57n2/en_v57n2a20.pdf
  • 14
    Mingati VS, Góes WP, Costa IG. The anencephalic fetus abortion and the constitutional issue.J Human Growth Develop [Internet]. 2012 [cited 2017 Nov 12];2(22):133-41. Available from:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v22n2/03.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v22n2/03.pdf
  • 15
    Brasil. Código de processo penal (1988). Código de processo penal. In: ANGHER, Anne Joyce. Vademecum universitário de direito RIDEEL. 27. ed. São Paulo: RIDEEL, 2018. p. 352-395.
  • 16
    Lowy I. Detectando más-formações, detectando riscos: dilemas do diagnóstico pré-natal. Horiz Antropol [Internet]. 2011 [cited 2017 Nov 12];17(35):103-25. Available from:http://www.scielo.br/pdf/ha/v17n35/v17n35a04.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/ha/v17n35/v17n35a04.pdf
  • 17
    Pelizzari E, Valdez CM, Picetti JS, Cunha AC, Dietrich C, Fell PRK, et al. Characteristics of fetuses evaluated due to suspected anencephaly: a population-based cohort study in southern Brazil. Sao Paulo Med J [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 10];133(2):101-8. Available from:http://www.scielo.br/pdf/spmj/v133n2/1516-3180-spmj-2013-8012608.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/spmj/v133n2/1516-3180-spmj-2013-8012608.pdf
  • 18
    Duarte DA, Melo-Almeida MG. Conhecimento dos profissionais de saúde frente ao aborto legal no Brasil: uma revisão bibliográfica. Rev Baiana Saúde Pública [Internet]. 2010 [cited 2017 Dec 05];34(2):27987. Available from: http://files.bvs.br/upload/S/0100-0233/2010/v34n2/a1798.pdf
    » http://files.bvs.br/upload/S/0100-0233/2010/v34n2/a1798.pdf
  • 19
    Strefling ISS, Lunardi Filho WD, Kerber NPC, Soares MC, Ribeiro JP. Nursing perceptions about abortion management and care: a qualitative study. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015[cited 2018 Dec 10];24(3):784-791. Available http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015000940014
    » http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015000940014
  • 20
    Rocha WB, Silva AC, Leite SML, Cunha T. Perception of health professions on legal abortion. Rev Bioética [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 02];23(2):387-99. Available from: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/1048/1293
    » http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/1048/1293
  • 21
    Cúnico SD, Faraj SP, Quintana AM, Beck CLC. Algumas considerações acerca da legalização do aborto no Brasil. Mudanças Psicol Saúde [Internet]. 2014 [cited 2018 Jan 16];22(1):41-7. Available from: https://www.metodista.br/revistas/revistasims/index.php/MUD/article/viewFile/4499/4353
    » https://www.metodista.br/revistas/revistasims/index.php/MUD/article/viewFile/4499/4353
  • 22
    López Á, Castejón O, Pérez L, Salazar A, Rodríguez G, Urdaneta J. Alteraciones morfológicas de las vellosidades placentárias asociadas a malformaciones fetales múltiples del sistema esquelético. Rev Bras Saúde Matern Infant [Internet]. 2013[cited 2017 Dec 10];13(3):207-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v13n3/a02v13n3.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v13n3/a02v13n3.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2018
  • Aceito
    07 Fev 2019
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br