O cuidado prestado por pais a lactentes com sonda alimentadora: repercussões psicossociais

RESUMO

Objetivos:

compreender as repercussões psicossociais vivenciadas por pais cuidadores, decorrentes do cuidado do filho com fissura labiopalatina, disfágico e em uso de sonda alimentadora.

Métodos:

estudo qualitativo, desenvolvido em um hospital terciário em setembro de 2016. A amostra definida por saturação teórica constou sete mães. A coleta de dados foi realizada por entrevista não estruturada, audiogravada e transcrita na íntegra. Utilizou-se como referencial teórico o Interacionismo Simbólico e como referencial metodológico, a Análise de Conteúdo Temática.

Resultados:

foram elucidadas cinco categorias: impacto e enfrentamento do diagnóstico; enfrentamento da sobrecarga e o estresse; interação entre cuidadores como estratégia de aceitação e enfrentamento; impacto no convívio familiar e social dos cuidadores; e enfrentamento da curiosidade e o preconceito familiar e comunitário.

Considerações finais:

apesar da sobrecarga física e emocional, a figura materna exerce o papel principal e determinante no cuidado, refletindo a complexidade do processo de cuidar.

Descritores:
Transtornos da Deglutição; Relações Familiares; Fenda Labial; Fissura Palatina; Cuidadores

ABSTRACT

Objectives:

to understand the psychosocial repercussions experienced by caregiving parents, resulting from care for the child with dysphagic cleft lip and palate.

Methods:

qualitative study, developed in a tertiary hospital in September 2016. The sample defined by theoretical saturation consisted of seven mothers. Data collection was performed by unstructured interview, being audio-recorded and fully transcribed. Symbolic Interactionism was used as theoretical framework, and Thematic Content Analysis as methodological framework.

Results:

the following themes emerged: diagnosisimpact and coping; coping with overload and stress; interaction between caregivers as an acceptance and coping strategy; impact on family and social life of caregivers; and curiosity coping, and family and community prejudice.

Final considerations:

despite the physical and emotional overload, the mother figure plays the main and determining role in care, reflecting the complexity of care.

Descriptors:
Deglutition Disorders; Family Relations; Cleft Lip; Cleft Palate; Caregivers

RESUMEN

Objetivos:

comprender las repercusiones psicosociales experimentadas por los padres cuidadores, como resultado del cuidado del niño con labio leporino y paladar hendido disfagico.

Métodos:

estudio cualitativo, desarrollado en un hospital terciario en septiembre de 2016. La muestra definida por saturación teórica consistió en siete madres. La recopilación de datos se realizó mediante entrevista no estructurada, grabada en audio y totalmente transcrita. Se utilizó como referencia teórica el interaccionismo simbólico y como referencia metodológica, el análisis de contenido temático.

Resultados:

se aclararon cinco categorías: impacto y afrontamiento del diagnóstico; hacer frente a la sobrecarga y el estrés; interacción entre cuidadores como una estrategia de aceptación y afrontamiento; impacto en la vida familiar y social de los cuidadores; y afrontamiento de curiosidad y prejuicio familiar y comunitario.

Consideraciones finales:

a pesar de la sobrecarga física y emocional, la figura materna desempeña el papel principal y determinante en la atención, lo que refleja la complejidad del proceso de lo cuidado.

Descriptores:
Trastornos de la Deglución; Relaciones Familiares; Labio Leporino; Paladar Hendido; Cuidadores

INTRODUÇÃO

As fissuras labiopalatinas estão entre as malformações craniofaciais mais comuns, podendo acometer isoladamente ou em associação com o lábio, o rebordo alveolar e o palato. A incidência é de 1:650 nascidos vivos. A etiologia é multifatorial e incluiu fatores genéticos e ambientais. Podem acarretar problemas de ordem funcional, estética e psicossocial^(1-2).

Cerca de 30% a 50% dos pacientes com fissura labiopalatina apresentam outras malformações ou síndromes associadas. Nesses casos, em especial, os problemas de ordem funcional apresentam-se com maior intensidade, incluindo os alimentares⁽²⁾.Desse modo, a preocupação com a alimentação ocupa lugar de destaque entre pais e cuidadores, manifestando-se logo após o diagnóstico da fissura labiopalatina, mesmo quando intrauterino⁽³⁾.

Crianças com fissura labiopalatina isolada geralmente apresentam problemas alimentares transitórios vinculados à sucção ineficaz, selamento labial deficitário, refluxo nasal de alimentos e engasgos. Essas, por meio de intervenções orientadas por profissionais habilitados e em centros de referência, apresentam prognóstico bastante favorável, com crescimento e desenvolvimento adequados à idade, embora necessitem de acompanhamento quanto ao ganho ponderal⁽⁴⁾.

Em contrapartida, nos casos associados a síndromes e outras malformações, o comprometimento funcional, particularmente o alimentar, é mais preocupante. Assim, essas crianças podem evoluir com quadros de disfagia orofaríngea, e com frequência utilizam sondas alimentadoras⁽⁵⁾.

Entende-se por disfagia o distúrbio que dificulta a ingestão segura, eficiente e confortável de qualquer consistência de alimento ou saliva. Podem ser divididas em orofaríngeas ou altas e esofagianas ou baixas. As orofaríngeas podem ser classificadas em leve, moderada e grave, conforme o grau de penetração de alimentos na região laríngea, histórico de pneumonias de repetição e diminuição do prazer alimentar⁽⁶⁾.

A utilização da sonda alimentadora não contraindica a alta hospitalar. Contudo, pais ou cuidadores informais devem receber treinamento para garantir a continuidade dos cuidados no domicílio, após a alta hospitalar^(5,7).

Os cuidados à criança com disfagia em uso de sonda alimentadora incluem o seu posicionamento supino continuamente, o preparo e administração da dieta, a manutenção da permeabilidade da sonda, a fixação adequada da sonda, a higiene nasal e oral, e o monitoramento de complicações, como náuseas, vômito, diarreia, empachamento, refluxo, entre outros. Esses cuidados exigem vigilância e dedicação, que, somados aos cuidados inerentes ao lactente, podem gerar estresse e sobrecarga aos cuidadores^(5,7).

O atraso na definição terapêutica, associado ao tempo prolongado de internação e à necessidade de viagens a centros especializados, é condição dispendiosa aos familiares, podendo impactar diretamente em aspectos pessoais, na dinâmica familiar e social. A falta de conhecimento sobre o curso da patologia, bem como as crenças sobre o dever moral dos membros da família de fornecer cuidados, em particular dos pais, incide em relutância ou dificuldade de solicitar apoio, com consequente isolamento social, podendo ocasionar solidão e depressão ao cuidador⁽⁸⁾.

Associado à dificuldade alimentar, a figura do filho malformado desmorona a fantasia narcísica de perfeição, revelando limitações e sensação de incapacidade de gerar um bebê saudável, dificultando o processo de aceitação pelos pais. Nesse momento, os pais precisam se desfazer da imagem criada durante a gestação e iniciar o processo de ajustamento do bebê real, oscilando entre a experiência de crescimento pessoal e o sentimento de luto pela perda do filho idealizado⁽⁸⁾.

O cuidado prestado por pais assume contornos de dramaticidade devido ao seu caráter crônico. Assim, os pais experimentam sentimentos conflitantes, como desespero e medo. Observa-se associação do cuidado à diminuição da qualidade de vida e deterioração da saúde, especialmente nos casos de cronicidade e maior dependência do paciente ou familiar que recebe o cuidado⁽⁹⁾.

Diante do exposto questiona-se: quais são os significados e sentidos atribuídos por pais cuidadores referentes às implicações psicossociais por eles vivenciadas, decorrentes do cuidado do filho com disfagia em uso de sonda alimentadora?

Embora estudos sobre crianças com disfagia estejam disponíveis, aqueles referentes ao universo das implicações sociais vivenciadas por pais cuidadores são incipientes. Deve-se considerar que o sucesso do processo reabilitador e a qualidade dos cuidados prestados dependem muito da saúde física, emocional e psicossocial dos cuidadores. Portanto, esses motivos justificam o desenvolvimento desta investigação.

OBJETIVOs

Compreender as repercussões psicossociais vivenciadas por pais cuidadores, decorrentes do cuidado do filho com fissura labiopalatina, disfágico, e em uso de sonda alimentadora.

MÉTODOs

Aspectos éticos

A pesquisa ocorreu após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital. Os participantes formalizaram a adesão por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e todos os preceitos éticos foram observados.

Para identificar a fala e garantir a manutenção do anonimato dos participantes, utilizou-se a letra “C” de Cuidador para cada sujeito, bem como números arábicos sequenciais.

Referencial teórico-metodológico

Como referencial teórico, utilizou-se o Interacionismo Simbólico. A definição da situação vivenciada é central para direcionar a ação, uma vez que são causadas por um processo ativo de tomada de decisão pelo indivíduo, além da interação consigo mesmo e com os outros. Compreende cinco ideias centrais, incluindo: o papel da interação social, do pensamento, da definição, do presente e do ser humano ativo. Em suma, a partir do estabelecimento de significados, ocorre à ação, assim, o indivíduo, ao interagir, influencia suas ações. Neste sentido, todo fenômeno precisa ser apreendido e compreendido da perspectiva daquele que o vive⁽¹⁰⁾.

Como referencial metodológico, utilizou-se a Análise de Conteúdo Temática. Esse referencial consiste em uma técnica de análise de discursos visando compreende-los, onde são subtraídos temas, categorias e subcategorias, ou seja, possibilita descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação⁽¹¹⁾.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo descritivo, de enfoque qualitativo. A pesquisa qualitativa busca trabalhar com o universo de significados, motivos, crenças e valores como parte da realidade social dos indivíduos^(11-12).

Cenário do estudo

A presente investigação foi desenvolvida em um hospital público, terciário, de referência no atendimento de pacientes com anomalias craniofaciais e síndromes relacionadas, situado no interior de São Paulo, Brasil. Possui 91 leitos e é gerido com recursos da Universidade de São Paulo e do Sistema Único de Saúde.

A unidade hospitalar contemplada no presente estudo foi a Semi-Intensiva. É composta por oito leitos destinados ao atendimento de recém-nascidos a crianças com até dois anos completos de idade que, frequentemente, apresentavam problemas respiratórios e alimentares. Além disso, os pais e/ou cuidadores informais permanecem durante o período diurno para receberem treinamento referente aos cuidados da criança visando à manutenção no domicílio após a alta hospitalar.

Procedimentos metodológicos

A amostra intencional e por conveniência foi definida por saturação teórica^(11-12), que aconteceu na sétima entrevista, ou seja, participaram sete mães cuidadoras. Os critérios de inclusão compreenderam: ser pai/mãe ou cuidador informal responsável, de lactentes em uso de sonda alimentadora, por período superior a 30 dias e que já tivessem recebido alta hospitalar.

Para a coleta de dados, utilizou-se a entrevista não estruturada e as seguintes perguntas: como tem sido para você cuidar de um filho que usa sonda para se alimentar? Quais foram as principais mudanças em suas atividades diárias depois que começou a cuidar de seu filho? Quais são as suas maiores dificuldades em cuidar de seu filho? Você se sente apoiado?

As entrevistas ocorreram em ambiente privativo, durante a internação dos lactentes, em horário pertinente aos pais, sendo gravadas em aparelho de áudio digital. Após cada entrevista, o conteúdo das gravações foi transcrito na íntegra visando facilitar o processo de análise dos dados emergentes, além de aprimorar e aprofundar a entrevista posterior^(11-12).

O tempo médio de duração da entrevista foi 40 minutos. A análise dos dados aconteceu concomitantemente à realização das entrevistas visando identificar quando as falas se tornaram recorrentes⁽¹²⁾.

Ressalta-se que os pesquisadores não possuíam contato direto com os participantes e tampouco com os lactentes durante a internação, uma vez que não atuavam na unidade onde se encontravam hospitalizados.

Os participantes foram caracterizados segundo a idade, sexo, estado civil, número de filhos, escolaridade e classificação socioeconômica⁽¹³⁾. A coleta de dados ocorreu em setembro de 2016.

Análise dos dados

O tratamento dos resultados foi realizado pela inferência e interpretação dos conteúdos por categorias e similaridade, seguindo a metodologia da Análise de Conteúdo Temática, que foi sistematizada nas seguintes fases: pré-análise - ocorreu a leitura flutuante dos conteúdos das entrevistas por meio dos princípios da exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência; exploração do material - houve construção das operações de codificação por meio da identificação de palavras-chave e temas correlatos, com posterior agregação das informações em categorias temáticas; interpretação - houve tratamento dos resultados, inferência e intrepretação respaldado no referencial teórico do Interacionismo Simbólico^(10-12).

RESULTADOS

Participaram do presente estudo sete mães, com faixa etária entre 20 e 35 anos. Prevaleceram as casadas, pertencentes à classe social baixa e com ensino médio incompleto.

A partir das análises dos conteúdos, elencaram-se cinco categorias: (1) impacto e enfrentamento do diagnóstico; (2) enfrentamento da sobrecarga e o estresse; (3) interação entre cuidadores como estratégia de aceitação e enfrentamento; (4) impacto no convívio familiar e social dos cuidadores; (5) enfrentamento da curiosidade e o preconceito familiar e comunitário.

A categoria “impacto e enfrentamento do diagnóstico” foi caracterizada por uma gama variada de sentimentos que incluíram: susto, insegurança, medo, preocupação e descrédito, conforme os relatos abaixo:

Foi bem assustador no começo, fiquei bem insegura... tinha medo de levar pra casa com a sonda...fiquei abalada porque os meus outros filhos nasceram todos perfeitinhos...comiam pela boca. (C1)

Foi difícil de acreditar... foi muito traumatizante... é uma sensação muito ruim ela não poder se alimentar pela boca...pro meu marido foi como perder o chão. (C3)

Assusta porque você tem que ter muito cuidado, além da preocupação de passarem errado, a sonda...traz sofrimento pra gente. (C6)

Além dos sentimentos desvelados, observou-se a frustração ou decepção referente ao fato de não poderem amamentar seus filhos, conforme os relatos a seguir:

Eu fiquei triste porque era meu sonho amamentar, e não pude... uma sensação de frustração...mas eu ordenhava o leite materno e eles passavam pela sonda. (C4)

Dói muito não poder amamentar, é decepcionante... (C2)

O meu sonho sempre foi amamentar o meu filho, mas por conta da disfagia, não pude amamenta-lo. (C5)

Embora os sentimentos negativos e as sensações desagradáveis tenham sido explicitados, a constatação dos benefícios promoveu a consciência da necessidade do uso da sonda, repercutindo em modalidade de enfrentamento, conforme explicitado nos discursos que se seguem:

No começo, foi muito difícil, mas depois a gente sente um alivio enorme, porque você vê o ganho de peso e ela não chorar de fome. (C2)

Depois, vi que aquilo seria o melhor pra ela... eu e meu marido... só trouxe benefícios até hoje para ele. (C5)

No começo foi difícil. Eu fiquei quase um mês pra cair na real, mas depois foi tranquilo. Entendi que era para o bem dele e que era necessário. (C4)

Outra categoria desvelada a partir dos discursos foi “enfrentamento da sobrecarga e o estresse”. Os cuidadores buscaram relatar as dificuldades referentes aos aspectos psicológicos e subjetivos do cuidado, onde a grande maioria referiu ter experimentado, em algum momento, elevado nível de estresse e sentimento de sobrecarga relacionado ao ônus imposto pelo cuidado da criança com a sonda alimentadora, acrescido de cuidados com a casa, outros filhos, cônjuge, entre outros. No entanto, observou-se a fé em Deus como estratégia de enfrentamento. Os discursos a seguir exemplificam essa categoria:

No começo, senti uma sobrecarga imensa, e foi muito difícil... além de cuidar do filho tem cuidar da casa, dos outros filhos, do marido. Dá um cansaço mais psicológico do que físico. (C2)

Me senti sobrecarregada principalmente no começo, porque antes era somente eu. Eu já chorei demais, já pensei em desistir... aí eu oro pra Deus. Mas eu não vou desistir. (C3)

Me sinto muito, muito sobrecarregada porque tem que ficar mais em cima dela e tem mais meninos, cansa bastante. Mas me apago a Deus e continuo. (C6)

A sobrecarga e o estresse se relacionaram principalmente ao fato de as mães assumirem o papel de principais cuidadoras, seja por não receberem apoio do cônjuge ou dos familiares, seja por não confiarem nos cuidados prestados por outras pessoas.

Eu cuido sozinha, dia e noite. É difícil. Da minha família eu só tenho a minha sobrinha, eu já perdi minha mãe, meu pai, já perdi todo mundo...é difícil...eu fico esgotada. (C5)

Ninguém me ajuda. Só eu mesmo que cuido. O meu marido ajuda a dar mamadeira para os outros, mas mexer na sonda não...acha que ela sofre com a sonda...as pessoas tem medo de cuidar. (C6)

Só eu cuido, não tem ninguém pra me ajudar...só minha sogra que me ajuda de vez em quando. Mas ela não mexe na sonda, só eu mesmo. Eu não tenho confiança em deixar outra pessoa cuidar, prefiro eu mesma. (C7)

Outra categoria elencada referiu-se à “interação entre cuidadores como estratégia de aceitação e enfrentamento”, onde se identificaram os benefícios provenientes da troca de experiências e informações entre os cuidadores, o que contribuiu para reforçar a confiança, além de promover estratégias de enfrentamento. Os discursos a seguir exemplificam:

As mães mais experientes sempre ajudam e tranquilizam as que vão chegando. Eu aprendo muito com elas...tem até grupos de whatsapp onde tiram dúvidas e trocam experiências. (C2)

O contato com as mães que enfrentam o mesmo problema foi muito bom...fiz amizade com muitas delas...nas horas que eu tive dúvidas, eu perguntava para elas, e elas me respondiam. Foi um suporte. (C4)

Eu fui conversando com as mães e pegando mais confiança. (C6)

Outra categoria que emergiu a partir dos discursos referiu-se ao “impacto no convívio familiar e social dos cuidadores”. Envolveu a restrição no ambiente domiciliar e em receber visitas, relacionado ao receio da criança adquirir infecções; necessidade de abandono do vínculo empregatício mesmo contrariado, priorizando o cuidado a criança; impacto sobre o relacionamento conjugal demonstrado pelo medo de ter outros filhos com a mesma dificuldade e pela cobrança do cônjuge por atenção. Os discursos apresentados a seguir exemplificam essa categoria:

Mudei bastante minha rotina. Deixei de sair de casa e não recebo visitas, pelo cuidado dele e pela nossa preocupação, não que seja por vergonha. (C1)

Deixei de fazer muita coisa. Agora que eu comecei a sair com ela...não por vergonha! Só que eu e meu marido ficamos com medo de ter outro filho e acontecer tudo de novo. (C4)

Meu marido acha que eu tenho tempo só pra ela, não dedico nenhum tempo pra ele...ele costuma cobrar um pouco mais de atenção nas coisas, porque eu tenho atenção só nas coisinhas dela... ele me cobra bastante...tive que sair do meu emprego pra ficar cuidando dele. Não gostaria, mas ele é a prioridade. (C7)

Ao se contextualizar sobre a experiência dos cuidadores, emergiu a categoria “enfrentamento da curiosidade e o preconceito familiar e comunitário”, revelada a partir do descontentamento dos cuidadores quanto ao excesso de questionamentos sobre a condição do filho, seja por populares ou pela própria família. Percebeu-se, em alguns casos, que os questionamentos foram interpretados como forma de curiosidade, e não preconceito. Em contrapartida, outros cuidadores identificam um preconceito velado. Os cuidadores, visando evitar constrangimentos, muitas vezes, se isolam em seus contextos domiciliares. Os discursos a seguir são exemplos:

Só saio com ele pra ir ao médico. Para as pessoas, parece que ele é um ET. As pessoas olham e ficam querendo saber o que é... xeretando... tem muita curiosidade... eles tratam ela como deficiente. (C1)

Tem um preconceito escondido, disfarçado. Isso é ignorância, falta de conhecimento. Eu quero que tratem minha filha como uma criança normal, porque ela é uma criança normal. (C3)

Tem muito preconceito, como pessoal da minha cidade... algumas pessoas que vinham perguntar era mais curiosidade pra saber e depois sair espalhando... Tem muita gente pra te criticar e achar que é monstruoso. (C4)

DISCUSSÃO

Evidenciou-se, no presente estudo, a figura materna como principal cuidadora. Esse resultado reflete a compreensão das mães de sua obrigação moral de prover o cuidado, sendo esse, em muitos casos, interpretado como uma obrigação. Diferentes estudos apresentaram as mães como principais cuidadoras^(7,14-15).

O ato de delegar o cuidado a mulheres possui bases históricas e sociológicas originadas na divisão de funções e definição de papéis influenciados por fatores biopsicológicos, como o fato de gerar e alimentar o bebê, e, predominantemente, por fatores culturais decorrentes da visão patriarcal da mulher como responsável pelo lar e cuidados. Em contrapartida, o homem é identificado como provedor dos recursos materiais⁽¹⁵⁾.

Cabe ressaltar que a mulher, além de exercer as atividades vinculadas à maternidade, possui diversas outras atividades que incluem as remuneradas, as do cuidado e gestão do lar, os cuidados com outros filhos e do cônjuge, além dos cuidados de si própria. Esses fatores podem contribuir para aumento do estresse e da sobrecarga, podendo ocasionar alterações de ordem física e/ou psicológica, em conformidade aos encontrados nessa investigação⁽¹⁶⁾.

Na categoria que abordou sobre o impacto do diagnóstico, explicitaram-se as atitudes frente à experiência do cuidado do filho com disfagia, caracterizadas por gama variável de sentimentos e reações que incluíram susto, insegurança, medo, preocupação, descrédito, tristeza e frustração por não poder amamentar, bem como sobre a dificuldade em aceitar a realidade. Contudo, posteriormente, a partir da constatação dos benefícios da utilização da sonda alimentadora, percebeu-se a modalidade de coping. Desvelou-se, portanto, que as ações dos indivíduos são desenvolvidas segundo as interações entre as pessoas, que, ao interpretarem e definirem as situações, agem no contexto onde estão inseridas⁽¹⁰⁾.

Este estudo apontou que o sentimento dos pais de despreparo e inexperiência frente à situação vivenciada, bem como a visualização da incompreensão dos profissionais de saúde para com suas necessidades, resultou em maior procura de contato com outros pais para troca de experiências, o que evidenciou um tipo de enfrentamento⁽¹⁷⁾.

Nesse contexto, as relações com outros pais representam apoio importante, onde a oportunidade informal de observar o comportamento e as reações de outras famílias que passam por experiências semelhantes possibilita a identificação nos problemas dos outros. Dessa forma, atribui-se um significado positivo ao perceber que, na dúvida alheia, adquirem um sentido de pertencimento e não isolamento na condição diagnóstica, de não serem únicos a vivenciarem essa situação. Além disso, os pais com atitudes mais reservadas ou inseguras podem se sentir mais fortalecidos com o compartilhamento e o apoio mútuo com quem vivencia um estado semelhante^(18-19).

A constatação da não adequação da criança aos padrões de normalidade leva os familiares a grande surpresa e abalo devido ao contato com o novo, os sentimentos de culpa e o medo decorrente do desconhecimento sobre a patologia e preocupação quanto ao futuro^(20-21).

Os pais são as primeiras referências na formação da personalidade da criança e os responsáveis em proporcionar condições para que o filho seja compreendido pela sociedade na sua condição especial de ser. Culturalmente, as pessoas são formadas na espera e planejamento de um filho. Desde o início, sonham com o melhor para ele, desde a gestação até o nascimento, transformando-se em uma espera apreensiva e ansiosa. No entanto, em alguns casos, esse sonho acaba sendo diferente do idealizado, frustrado em sua intimidade e perante a sociedade⁽²²⁾.

A utilização da sonda alimentadora está relacionada, por cuidadores e familiares, com risco de morte e de complicações, medo da dor, do incomodo e do desconhecido. Contudo, após a constatação dos benefícios dessa terapia, principalmente na evidência de sua contribuição para o adequado ganho ponderal, reações e sentimentos negativos são minimizados ou sanados. A presente investigação apontou a angústia dos cuidadores diante da necessidade de interromper a alimentação via oral ocasionada, principalmente, pelas frequentes hospitalizações, enfermidades e fraco reflexo de sucção, repercutindo negativamente sobre a qualidade de vida dos cuidadores⁽¹⁷⁾.

Considera-se que o impacto do sofrimento psíquico, sentido pela vulnerabilidade da criança, passiva em sua condição de enferma, desestrutura todo o cotidiano familiar, pelo redirecionamento do tempo dispendido no cuidado e pela ampliação das responsabilidades do cuidador. A partir das vivências negativas e positivas atribuídas pelo cuidador, experimentam um limiar de emoções determinadas por fatores reais ou imaginários que se manifestam por sentimentos, ações e pensamentos, refletindo a maneira de lidar não somente com a situação estressante do momento, mas o seu padrão estrutural de enfrentamento. Assim, o estresse pode ser mais avassalador em pessoas com maior vulnerabilidade diante de situações ameaçadoras, em virtude de vivências anteriores e características de personalidade⁽²³⁾. Em suma, as pessoas são capazes de utilizar seu raciocínio e seu poder de simbolização para interpretar e se adaptar flexivelmente às circunstâncias, a depender de como vivenciam a situação⁽¹⁰⁾.

É indiscutível a necessidade de intervenções no sentido de promover o vínculo entre mãe e filho, fomentando a condição de apego necessário para a garantia de cuidado e ausência de negligência para com o bebê. A interrupção da amamentação desmorona a oportunidade de maior intimidade entre o binômio mãe/filho. Nesse sentido, o cuidado educativo voltado às mães, visando o fortalecimento do vínculo e do apego, torna-se imprescindível⁽²⁴⁾.

Constatou-se, a partir dos relatos das cuidadoras, a sobrecarga, vinculada à prestação do cuidado ao filho de maneira solitária, além da necessidade de reorganização e reestruturação do cotidiano. Esses fatores, isoladamente ou em associação, ocasionam isolamento social e abandono de várias atividades, incluindo a empregatícia, visando garantir assistência integral a criança^(9,15). Percebe-se, portanto, seu caráter subjetivo, uma vez que não pode ser traduzida como um atributo pessoal ou um objeto em si, mas como um produto social decorrente da ação-interação entre os envolvidos, que se manifesta, principalmente, na forma como o indivíduo sente a prestação dos cuidados ao longo do tempo⁽¹⁰⁾.

A elevada sobrecarga dos cuidadores associa-se a sintomas de estresse, ansiedade e depressão em diferentes graus, com consequente repercussão negativa sobre a qualidade de vida, além de incidir negativamente sobre a eficiência dos cuidados prestados, podendo acarretar negligencia ou abusos físicos e psicológicos^(25-26). Daí a importância de se identificar fatores de risco e encaminhar para intervenção clínica.

Ressalta-se que a maioria das cuidadoras neste estudo apresentava baixo nível de escolaridade (ensino médio incompleto), fator que pode interferir na busca por informações e acesso a melhores condições de atendimento em saúde por não estarem munidas do conhecimento sobre os seus direitos e, consequentemente, não buscar garanti-los. Em contrapartida, a maior escolaridade relaciona-se a maior percepção de sobrecarga pelos cuidadores, incidindo sobre a piora na percepção da qualidade de vida. Contudo, o nível de escolaridade influencia a visão pessoal do cuidador sobre seu papel. Assim, a maior escolaridade, os maiores recursos presentes na sociedade e a participação social tendem a incidir em melhora da qualidade dos cuidados prestados⁽¹⁸⁾.

Nessa investigação, desvelou-se, a partir dos relatos das mães, as implicações do cuidado de seus filhos em seus afazeres cotidianos, incluindo a realização das atividades diárias do cuidador, aumento de custos gerando dificuldades financeiras e incidência de estresse sobre os demais membros da família. Soma-se a isso o fato De a maioria das cuidadoras pertencer à classe social baixa, portanto, com renda reduzida, além de serem casadas e possuírem mais filhos, necessitando dividir o tempo pessoal entre os cuidados domésticos, atenção aos demais familiares e necessidade de prover renda junto à família^(14,20).

Faz-se necessário, portanto, abranger nos cuidados de enfermagem, não somente o paciente, mas seus cuidadores, pais e familiares, Os cuidados dispensados a criança disfágica, em uso de sonda alimentadora, incidem em diferentes contextos, incluindo o psicossocial. De fato, observa-se que o cuidado prestado a pacientes crônicos e dependentes, incluindo lactentes em uso de sonda alimentadora, repercute negativamente sobre a condição de saúde dos cuidadores, aumentando a morbimortalidade nessa população^(25-27).

O apoio familiar foi identificado como fator para diminuir a sobrecarga e reduzir o estresse dos cuidadores, embora a prestação dos cuidados tenha gerado forte impacto na família exigindo readequação e mudanças de rotina com diminuição do tempo destinado ao trabalho e lazer. O sistema familiar sente esse impacto de maneira significativa, com necessidade de reestruturação^(20,28). Nesse contexto, desvela-se que a ação é direcionada de acordo com as metas e objetivos que os indivíduos determinam como importantes⁽¹⁰⁾.

A família presta os cuidados com os recursos que dispõe e, em situações de vulnerabilidade, se exaurem devido ao prolongamento ou demasiado impacto no sistema familiar. A partir dessas situações, podem-se instalar crises e desequilíbrios, gerando adoecimento familiar⁽²⁹⁾.

Outro contexto explicitado no presente estudo constou do apontamento da interação entre cuidadores como estratégia de aceitação e enfrentamento. Revelou-se a necessidade de promover o apoio emocional considerando sua influencia sobre a qualidade dos cuidados prestados aos pacientes, uma vez que a maior pressão sobre o cuidador está associada a menor qualidade de vida dos pacientes⁽¹⁶⁾.

No presente estudo, as cuidadoras apresentavam faixa etária entre 20 e 35 anos, portanto, jovens. Essa variável pode estar associada a menor habilidade no contato social e estabelecimento de menor rede social de apoio, incidindo em aumento do isolamento social e maior sobrecarga.

O apoio social constitui-se em ferramenta de coping frente aos problemas relacionados à situação de adoecimento crônico, ajudando os sujeitos a terem maior controle das situações estressantes. É uma das variáveis que interferem na qualidade de vida do cuidador familiar e, consequentemente, no processo de reabilitação. A experiência da ausência de suporte leva a sentimentos de desamparo e insegurança^(9,18).

Percebe-se, portanto, que os seres humanos se envolvem em um contínuo fluxo de ação que pode ser tanto aberta quanto encoberta, cujas ações resultam da influência da interação social. Assim, o direcionamento de suas vidas estará pautado em decisões positivas ou negativas⁽¹⁰⁾.

Outra categoria elucidada dos discursos relacionou-se ao impacto referente ao cuidado da criança sobre o convívio familiar e social dos cuidadores. O ato de cuidar implica disponibilidade de tempo, exigindo na maioria das vezes, exclusividade. Essa realidade incide diretamente sobre o convívio social, familiar e conjugal dos cuidadores, refletindo negativamente sobre seu bem-estar e qualidade de vida. Nesse contexto, observa-se com frequência a necessidade de reorganização familiar, onde, geralmente, o cuidado recai quase exclusivamente sobre o cuidador primário, por tempo integral, levando-o a abandonar o trabalho extradomiciliar, com impacto na condição financeira da família, diminuindo suas oportunidades de lazer e podendo ocasionar impactos negativos em seus relacionamentos afetivos além de isolamento social⁽²¹⁾.

Em contrapartida, são crescentes as transformações existenciais para o cuidador, que incluem a ressignificação da vida embasada em um enfrentamento positivo com mudança nas diretrizes de seu cotidiano, emergindo sentimentos de satisfação e de dever cumprido^(25,30).

O Interacionismo Simbólico possibilita a compreensão da ação social humana, incluindo as inúmeras decisões e as escolhas que as pessoas fazem quando agem de uma maneira ou de outra. A interação é sempre importante, pois é ela que conduz o caminho do indivíduo⁽¹⁰⁾. Assim, as mães, frente à realidade do cuidado do filho com necessidade especial, repensam suas ações, dando sentido ao que realmente é importante para o momento.

No âmbito das relações conjugais, pode configurar-se em fator de apoio com desenvolvimento de maior intimidade ou de estresse para a pessoa que cuida, por meio de atitudes de cobrança, conforme verificado nos relatos dos cuidadores. Explicitou-se que a relação conjugal pode ter efeito devastador e ser considerado um fator de estresse em alguns casos ou ser identificada como fator de fortalecimento para o cuidador^(14,25).

De fato, a empatia torna-se indispensável, uma vez que colocar-se no lugar do outro é essencial à comunicação simbólica e ao desenvolvimento de si, sendo considerada uma das mais importantes atividades mentais. Esta característica permite ao indivíduo, entre outros, controlar e perceber as consequências de suas ações⁽¹⁰⁾. Assim, é possível conceber a prestação dos cuidados como uma ação humana decorrente das ações e interações dos envolvidos.

A última categoria, desvelada neste estudo, referiu-se ao enfrentamento da curiosidade e do preconceito. Destacou as dificuldades dos cuidadores em lidar com situações nos contextos familiar e comunitário, decorrente do fato da criança se alimentar por sonda alimentadora, ocasionando, muitas vezes, isolamento social no domicílio.

Observa-se, frente ao desconhecido, a reação natural humana de estranhamento e repulsa quanto ao novo ou ao diferente, sendo objeto de repúdio ou piedade, o que foge do padrão considerado de normalidade e beleza pela sociedade. Esses fatores são agravados pelo pré-julgamento e preconcepção, caracterizado pela ausência de embasamento sobre informações referentes à realidade vivenciada. A exposição a essas situações contribui para a permanência na residência tanto das crianças como seus cuidadores, aumentando o isolamento social⁽¹⁶⁾. Entende-se que a educação é a chave para mudança de concepção, respeito à noção de cidadania e senso de compartilhamento de direitos iguais para todos. Em outras palavras, nos tornamos objetos sociais uns para outros por meio de símbolos, onde direcionamos a favor das prioridades, engajamo-nos em ações que resultam em tomada de decisões, nos redirecionamos, compartilhamos perspectivas e assumimos papéis⁽¹⁰⁾.

Neste contexto, é possível elucidar o processo vivenciado por esses pais, ao assumirem a responsabilidade do cuidado de seus filhos em situação especial, como quando em uso da sonda alimentadora, seja ao buscar o conhecimento necessário para o cuidado ou na busca de recursos ou apoio de familiares e da comunidade, ainda que se faça necessário, renunciar ou subestimar questões relacionadas ao seu bem-estar social e físico⁽³⁰⁾.

Limitações do estudo

Considera-se importante relatar que um único encontro ou entrevista pode não ter sido suficiente para capturar os sentidos e significados atribuídos pelos participantes, podendo caracterizar uma limitação.

Contribuições para a área de enfermagem

Os benefícios deste estudo são evidentes, uma vez que os achados refletem a complexidade do processo de cuidar que vai além dos cuidados propriamente ditos, reforçando a necessidade de inserção dos cuidadores no contexto do cuidado de enfermagem. Ainda, os resultados aqui firmados reforçam a importância da inserção da família e da comunidade como suporte psicossocial ao cuidador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não obstante a sobrecarga física e emocional, estressante e conflituosa, com repercussões no convívio familiar e social, a figura materna exerce o papel principal e determinante no cuidado ao lactente com fissura labiopalatina, disfágico, em uso de sonda alimentadora.

Percebeu-se a complexidade do processo de cuidar que vai além dos cuidados propriamente ditos, bem como sobre a importância da inserção da família e da comunidade como suporte psicossocial ao cuidador.

Assim, profissionais de saúde de instituições públicas e privadas, dentre eles os da enfermagem, devem incluir no processo de cuidar do monitoramento do bem-estar físico e mental dos cuidadores informais.

Os cuidados fornecidos à criança com fissura labiopalatina e disfágica devem ser compartilhados com outros membros da família, evitando possíveis danos ao cuidador principal, como sobrecarga, estresse e pior percepção da qualidade de vida.

Por fim, elucidar os fatores envolvidos no processo de cuidar dessas crianças, por seus cuidadores informais, pode ajudar no planejamento e implementação de cuidados e intervenções, além do provimento de estratégias de orientação e acompanhamento.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Broca

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Mar 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  25 Maio 2018
• Aceito
  29 Set 2018