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O acesso ao Sistema Único de Saúde na percepção de homossexuais masculinos

RESUMO

Objetivos:

Analisar a percepção de homossexuais masculinos a respeito do acesso ao Sistema Único de Saúde.

Métodos:

Estudo qualitativo realizado com homossexuais masculinos em uma cidade do Nordeste do Brasil. Participaram oito sujeitos, sendo utilizado para coleta de dados um questionário socioeconômico e realizado um grupo focal, no qual as narrativas foram gravadas e posteriormente transcritas. Para análise das falas empregou-se a análise de conteúdo temática.

Resultados:

A análise revelou cinco categorias temáticas que expressam as limitações na humanização e no acolhimento, bem como na qualidade do atendimento à saúde oferecido aos sujeitos, desconsiderando as demandas psicossociais e relacionadas ao estilo de vida.

Considerações finais:

Destaca-se que a técnica do grupo focal contribuiu para a aproximação da pesquisa com a percepção dos homossexuais masculinos marcada por preconceito e discriminação, refletindo a insatisfação dos sujeitos com o atendimento recebido nos serviços de saúde.

Descritores:
Homossexualidade Masculina; Minorias Sexuais e de Gênero; Saúde Pública; Acesso aos Serviços de Saúde; Assistência Integral à Saúde

ABSTRACT

Objectives:

To analyze the perception of male homosexuals regarding the access to the Unified Health System.

Methods:

A qualitative study with male homosexuals in a city in the Northeast Brazil. Eight subjects participated, a socioeconomic questionnaire was used for data collection and a focal group was carried out, in which the narratives were recorded and later transcribed. For the analysis of the speeches, the analysis of thematic content was used.

Results:

The analysis revealed five thematic categories that express the limitations on humanization and reception, as well as in the quality of health care offered to subjects, disregarding the psychosocial and lifestyle-related demands.

Final considerations:

It was emphasized that the focus group technique contributed to the approach of the research with the perception of male homosexuals marked by prejudice and discrimination, reflecting the subjects’ dissatisfaction with the care received in the health services.

Descriptors:
Male Homosexuality; Sexual and Gender Minorities; Public Health; Access to Health Services; Comprehensive Health Care

RESUMEN

Objetivos:

Analizar la percepción de los hombres homosexuales sobre el acceso al Sistema Único de Salud.

Métodos:

Un estudio cualitativo con hombres homosexuales en una ciudad en el noreste de Brasil. Participaron ocho sujetos, se utilizó un cuestionario socioeconómico para la recolección de datos y se llevó a cabo un grupo focal, en el que se registraron las narrativas y luego se transcribieron. Para el análisis de los discursos, se utilizó el análisis de contenido temático.

Resultados:

El análisis reveló cinco categorías temáticas que expresan las limitaciones en la humanización y la recepción, así como en la calidad de la atención médica que se ofrece a los sujetos, sin tener en cuenta las demandas psicosociales y relacionadas con el estilo de vida.

Consideraciones finales:

Se destacó que la técnica del grupo focal contribuyó al enfoque de la investigación con la percepción de los homosexuales masculinos marcados por el prejuicio y la discriminación, lo que refleja la insatisfacción de los sujetos con la atención recibida en los servicios de salud.

Descriptores:
Homosexualidad Masculina; Minorías Sexuales y de Género; Salud Pública; Accesibilidad a los Servicios de Salud; Atención Integral de Salud

INTRODUÇÃO

O direito à saúde é assegurado pela Constituição Brasileira e concretizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS); porém, referente às demandas de saúde de grupos sociais vulneráveis, como a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), ainda são observadas algumas barreiras diante de uma sociedade em que a heteronormatividade prevalece(11 Cardoso MR, Ferro LF. Saúde e população LGBT: demandas e especificidades em questão. Psicol Cienc Prof[Internet]. 2012 [cited 2018 Jun 20];32(3):552-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v32n3/v32n3a03.pdf
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).

O acesso da população LGBT à saúde é marcado por obstáculos, como condutas inadequadas e atendimento discriminatório dos profissionais de saúde, os quais acabam por afastá-los dos serviços de saúde. A relação entre homossexualidade e saúde tem sido discutida com frequência no último século, passando a ser motivo de debates e contestações tanto no campo das ciências médicas quanto nas ciências sociais(22 Cesaro CGK. Políticas públicas de saúde à população LGBT: percepção das travestis que se prostituem diante da realidade da cidade de Confresa - MT. ACENO[Internet]. 2016 [cited 2018 Jul 5];3(5):223-41. Available from: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/3812/pdf
http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs...
).

A complexidade da situação de saúde do grupo LGBT e as evidências da influência que a orientação sexual e a identidade de gênero têm na determinação social da saúde implicam a construção de ações integradas para a promoção da inclusão social, de modo que o acesso e a qualidade dos serviços de saúde possam contribuir para o enfrentamento das iniquidades(33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.).

Nesse contexto, a população LGBT pode não ter suas necessidades de saúde contempladas de forma integral por estar subordinada à homofobia e outros tipos de preconceitos. Outrossim, esse grupo teme revelar a sua orientação sexual nos serviços de saúde, visualizando o impacto negativo que isso trará à qualidade da assistência(44 Araújo MAL, Galvão MTG, Saraiva MMM, Albuquerque AD. Relação usuária-profissional de saúde: experiência de uma mulher homossexual em uma unidade de saúde de referência de Fortaleza. Esc Anna Nery[Internet]. 2006 [cited 2018 Feb 10];10(2):323-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v10n2/a22v10n2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v10n2/a22v1...
).

De fato, o grupo LGBT, em decorrência da não adequação do gênero ao sexo biológico ou à identidade sexual heteronormativa, tem seus direitos humanos básicos violados e não atendidos e, muitas vezes, encontra-se em um cenário de vulnerabilidade(11 Cardoso MR, Ferro LF. Saúde e população LGBT: demandas e especificidades em questão. Psicol Cienc Prof[Internet]. 2012 [cited 2018 Jun 20];32(3):552-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v32n3/v32n3a03.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pcp/v32n3/v32n3...
). Destaca-se que uma nação como o Brasil, que propõe na maioria de suas pautas governamentais a promoção da justiça social, deve considerar as diferenças entre os grupos sociais e construir uma política de atenção integral à saúde equânime para aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade.

Nesse sentido, observam-se avanços importantes no contexto brasileiro, como o Programa Brasil sem Homofobia(55 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde[Internet]. 2004 [cited 2018 Jun 1]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_sem_homofobia.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
) e a Política de Assistência Integral à Saúde da População LGBT(33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.). No entanto, tal população ainda enfrenta dificuldades diante das diversas formas de violência e discriminações institucionais.

Dessa forma, o acesso restrito do grupo LGBT aos serviços de saúde pública requer ações urgentes do poder público para garantir recursos e capacitação dos profissionais a fim de universalizar a assistência à saúde dos homossexuais masculinos. Assim, é necessário um consenso quanto à aplicabilidade de ações dessa natureza no campo da sexualidade que sejam focadas tanto no risco individual e biológico quanto nas características estrutural e social dos mais diversos segmentos populacionais, principalmente os que se encontram em situação vulnerável.

Para avançar na qualidade da assistência à população LGBT é preciso, portanto, reconhecer as iniquidades no acesso aos serviços de saúde e os comportamentos discriminatórios que os profissionais de saúde empregam na assitência a esses sujeitos. É necessário, ainda, valorizar questões específicas e singulares enfrentadas por esse grupo, pois suas problemáticas de saúde emergem, muitas vezes, da falta de cuidados efetivos e adequados às suas demandas(66 Veale JF, Watson RJ, Peter T, Saewyc EM. Mental health disparities among Canadian transgender youth. J Adolesc Health[Internet]. 2017 [cited 2018 Jul 1];60(1):44-9. Available from: https://www.jahonline.org/article/S1054-139X(16)30358-5/fulltext
https://www.jahonline.org/article/S1054-...
).

Diante do exposto, este estudo tem como objeto a percepção dos homossexuais masculinos acerca do acesso aos serviços públicos de saúde.

OBJETIVOS

Analisar a percepção de homossexuais masculinos a respeito do acesso ao Sistema Único de Saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (CEP/FS/UnB).

Referencial metodológico

Neste estudo, optou-se como aporte teórico a técnica de análise de conteúdo, a qual apresenta três etapas: (1) pré-análise, (2) exploração do material, e (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise é caracterizada pela constituição do corpus da pesquisa por meio da organização do material a ser analisado, tornando-o, desta forma, operacional. Na exploração do material são administradas as técnicas de codificação do corpus, que corresponde à transformação dos dados brutos encontrados no texto, a qual ocorre por recorte, agregação e enumeração e permite atingir uma representação do conteúdo. Já o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação correspondem à forma como os achados são tratados. Ocorre então a condensação dos dados codificados, buscando informações para análise, o que resultará nas interpretações inferenciais(77 Lobiondo-Wood G, Haber J. Pesquisa em Enfermagem: métodos, avaliação crítica e utilização. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2001.).

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo.

Cenário do estudo

A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Picos, estado do Piauí, Brasil, no período de julho a setembro de 2015. O local escolhido para a realização do estudo com os participantes foi o auditório da Casa Brasil, que é um ambiente restrito, acolhedor, arejado e de fácil acesso.

Fonte de dados

Os sujeitos da pesquisa foram oito homossexuais masculinos. Optou-se por utilizar um método de amostragem não probabilístico, denominado bola de neve, por se tratar de uma estratégia para localizar amostras difíceis ou impossíveis de serem encontradas(88 Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016).

Coleta e organização dos dados

Foi realizado um grupo focal (GF) com os oito participantes do estudo, o qual teve duração de 1 hora e 25 minutos. No encontro buscou-se discutir sobre o acesso da população LGBT aos serviços públicos de saúde e sobre a qualidade da atenção recebida. Inicialmente foi apresentada a proposta do estudo e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Durante a realização do GF, as narrativas foram gravadas e posteriormente transcritas para subsequente análise e discussão. Foram coletados também dados sociodemográficos dos participantes por meio de um questionário contendo as variáveis: idade, escolaridade, estado civil, renda, raça e militância no movimento LGBT.

A dinâmica do GF deu-se em quatro momentos. O primeiro deles foi a abertura, quando os coordenadores se apresentaram e explanaram sobre o objetivo da pesquisa. O segundo momento consistiu na apresentação dos participantes, sendo solicitado a eles que se apresentassem e completassem a seguinte sentença: “Para mim, ser gay é...”. No terceiro momento, aconteceu uma reflexão, na qual os participantes foram divididos em duplas e convidados a discutir entre si sobre situações vivenciadas por eles em serviços de saúde. Por fim, no quarto momento, foi iniciado um debate, sendo dada a oportunidade para que eles pudessem expressar as experiências compartilhadas em dupla para todos os participantes do GF.

Análise dos dados

Os dados obtidos durante o GF foram analisados através da técnica de análise de conteúdo temática(77 Lobiondo-Wood G, Haber J. Pesquisa em Enfermagem: métodos, avaliação crítica e utilização. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2001.), tomando como unidade de registro o segmento de texto que continha uma assertiva completa sobre o objeto em estudo, a saber, frases completas. Em seguida, as unidades de registro foram agrupadas em subcategorias, as quais, em sequência, foram agrupadas nas categorias construídas.

RESULTADOS

Os sujeitos da pesquisa tinham faixa etária entre 19 e 34 anos, seis referiram cor da pele parda e cinco declararam-se solteiros, enquanto três viviam em união estável. Em relação à religião, três citaram religiões de matriz africana, dois afirmaram seguir o catolicismo e um, o protestantismo. Com relação à renda, seis declararam receber menos de um salário mínimo. Três afirmaram militar no movimento LGBT.

Utilização da técnica de grupo focal para elaboração das categorias temáticas

Objetivou-se discutir o acolhimento e o acesso de homossexuais masculinos por meio da técnica do GF, considerando que a Política de Assistência Integral à Saúde da População LGBT(33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.) preconiza a ampliação do acesso dessa população aos serviços públicos de saúde e o fortalecimento da participação de representações do grupo nos órgãos deliberativos do SUS.

Para isso, realizou-se um GF com os participantes, no qual eles puderam discutir seus anseios por melhorias na oferta de serviços de saúde que contemplassem suas demandas e respeitassem sua identidade. Durante a atividade, as falas dos sujeitos foram gravadas e, a partir da sua transcrição e aplicação da técnica da análise de conteúdo, emergiram cinco categorias temáticas principais: (1) acolhimento; (2) humanização; (3) o homossexual masculino na rede de saúde; (4) atendimento à saúde integral do homossexual masculino; e (5) qualificação do atendimento à população LGBT.

A análise das categorias revelou limitações na humanização e acolhimento, bem como na qualidade do atendimento oferecido aos sujeitos. O cuidado em saúde à população LGBT centrou-se, segundo os depoimentos, nos aspectos relacionados à saúde sexual dos participantes, desconsiderando as demandas psicossociais e relacionadas ao estilo de vida. Para maior clareza na descrição da coleta dos dados e das categorias apresentadas, elaborou-se um organograma (Figura 1).

Figure 1
Organograma de planejamento do grupo focal

A seguir, apresenta-se a descrição das categorias temáticas que emergiram durante a realização do GF.

Categoria 1 - Acolhimento

Compreende as percepções dos sujeitos a respeito do acolhimento que recebem no serviço de saúde. Essa categoria contempla as seguintes subcategorias: relação profissional/usuário e representações homoafetivas e foi composta por 17 unidades de registro, consistindo a categoria mais representativa nas falas dos sujeitos.

Na subcategoria relação profissional/usuários, os participantes relataram o descontentamento com a assistência à saúde prestada a eles pelos funcionários dos serviços de saúde, muitas vezes pautada em preconceito e discriminação, demonstrados pelo seguinte relato:

Porque muitos médicos e até enfermeiros mesmo veem o gay como soropositivo, o problema é só isso. (E1)

A realidade demonstrada pelo relato anterior evidencia práticas de saúde insuficientes e fragmentadas, pois são pautadas em julgamentos que partem dos próprios profissionais, dificultando a resolutividade e aplicabilidade do cuidado, uma vez que não consideram o sujeito em sua integralidade. Nesse sentido, na subcategoria representações homoafetivas, os participantes demonstram que tais concepções dos profissionais são uma barreira ao acolhimento dos sujeitos homossexuais, pois relatam desconforto ao serem questionados acerca da sua sexualidade e afirmam que o serviço de saúde não consegue acolher suas demandas específicas.

A gente não quer nunca um atendimento específico para gay, para lésbica, para travesti ou para transexuais, a gente quer que eles entendam quem nós somos, quando nós chegamos no serviço. (E5)

É importante destacar que os sujeitos veem a real necessidade de se ter uma assistência direcionada às suas singularidades, contudo, não estão ali para impor privilégios, pois o que demandam é uma reformulação das práticas no sentindo de obterem acesso efetivo à saúde.

Categoria 2 - Humanização

Esta categoria retrata as percepções dos sujeitos acerca da humanização do atendimento em saúde para a população homossexual masculina. Divide-se em duas subcategorias: igualdade no atendimento e identidade homossexual e expressa a segunda categoria mais representativa nas falas dos sujeitos com treze unidades de registro.

Na subcategoria igualdade no atendimento, os participantes relatam a necessidade de haver respeito e atenção às suas demandas de saúde. Dizem não se sentir respeitados pelos profissionais de saúde, que por sua vez não têm a sensibilidade de perceber e levar em consideração as inferências de sua sexualidade no processo de bem estar social.

Eu queria que não houvesse essa necessidade dessa imposição de respeito. Que eu fosse respeitado, assim como qualquer um. (E3)

Porque o que a gente quer é igualdade. É isso que o movimento levanta a bandeira: pela cidadania e pela igualdade de direito. (E5)

Para além das necessidades de uma assistência resolutiva, os relatos permitem identificar que a fragmentação do cuidado a essa população específica muitas vezes pode estar associada a atitudes de desrespeito por parte dos profissionais, conduta que se materializa na negação de seus direitos de cidadania.

Ainda nesse contexto, na subcategoria identidade homossexual, os participantes referem que o preconceito e a discriminação com sua sexualidade são uma barreira para o cuidado com a saúde, pois envolvem estigmas institucionalizados que oprimem esses sujeitos e que potencializam sua condição de vulnerabilidade.

A fragilidade. Porque muitos homossexuais eles se sentem fragilizados, pensam: ah, porque eu sou gay não vou ser ouvido. (E2)

Nós temos uma carga de preconceito, de discriminação, de traumas sociais. (E8)

Um aspecto importante a ser destacado dos depoimentos é o fato de a “fragilidade” mencionada perpassar todo o processo de saúde e doença dos sujeitos em questão desde o momento em que determinam uma maior vulnerabilidade a certos agravos e condições, provocando, na sequência, o receio de buscar o cuidado e não ser acolhido, até o momento em que, diante da possibilidade de cuidado, esse se apresenta de forma limitada, reforçando traumas e preconceitos outrora vivenciados, o que acaba distanciando-os dos serviços de saúde.

Categoria 3 - O homossexual masculino na rede de saúde

Esta categoria contempla os serviços usados pelos homossexuais e suas percepções sobre a integralidade da assistência na rede de saúde. Inclui as seguintes subcategorias: serviço de saúde mais procurado e referência e transversalidade no atendimento, representada por onze unidades de registro.

Na subcategoria serviço de saúde mais procurado, os participantes identificam o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) como o serviço de saúde mais procurado e como a base para a assistência da saúde dessa população, pois são sempre referenciados para este serviço.

É por isso que a gente tá pautando o CTA, porque o CTA é praticamente a casa dos gays. Porque eu estou no posto de saúde, ah, procura o CTA. Vou pro Regional, vai no CTA fazer teu teste de HIV. (E4)

Outra problemática identificada nesse contexto é a definição de um único serviço de saúde como ponto de apoio para essa população, pois ao procurarem outros atendimentos eles são direcionados para tal. Isso demonstra novamente o processo de fragmentação da assistência, uma vez que esses sujeitos conseguem perceber a necessidade dos serviços trabalharem de forma compartilhada.

Seguindo essa conjuntura, na subcategoria referência e transversalidade no atendimento, os participantes identificam a necessidade de inclusão de suas demandas nas redes de saúde, ampliando as ações para além de serviços específicos, ressaltando, inclusive, os limites da atenção básica para tanto, tendo em vista a carência de normatização.

Redes interligadas, profissionais treinados, não é no CTA, e sim na rede de saúde. (E2)

Fui no CTA fiz o exame e não deu nada […] Aí fica o paciente ali à solta, e agora? Quem vai me orientar? (E5)

Não existe nada, só os agentes de saúde, a ficha A que eles perguntam para você se a pessoa é gay, bissexual, lésbica, travesti, transexual. (E6)

Eles identificam não existir a transversalidade da assistência à saúde integral de LGBT no SUS e que, no processo de referência, eles sempre são encaminhados ao CTA. Reiteram ainda a necessidade da comunicação entre o SUS e os grupos sociais organizados do movimento LGBT.

Categoria 4 - Atendimento à saúde integral do homossexual masculino

Compreende a visão dos participantes acerca da resolubilidade dos serviços públicos na atenção integral à saúde do homossexual. Esta categoria estrutura-se a partir de duas subcategorias: atendimento das demandas específicas e equipe multiprofissional ou interdisciplinar e foi composta por dez unidades de registro.

A subcategoria atendimento das demandas específicas traz a carência relatada pelos participantes de serviços básicos de saúde que são essenciais para os mesmos.

A gente vai no CTA, não tem teste rápido. Eles dizem que é só para gestante, em caso de emergência. (E7)

Além da precariedade de materiais que deveriam estar disponíveis no serviço apontado, na subcategoria equipe multiprofissional ou interdisciplinar, observam-se depoimentos acerca da carência de profissionais especializados para atender às suas necessidades, com destaque para o apoio psicológico.

O problema da maioria dos gays é justamente essa questão da barreira psicológica, que precisava de um apoio amplo de psicólogos trabalhando essa questão. (E8)

Nesse sentido, tais sujeitos enfrentam dificuldades de forma dupla, já que percebem a falta de recursos materiais e, principalmente, de recursos humanos. Reiteram a necessidade de uma assistência multiprofissional, o que traria um maior suporte de cuidado a eles.

Categoria 5 - Qualificação do atendimento à população LGBT

Trata das percepções dos homossexuais sobre a necessidade de qualificação dos profissionais de saúde em atender as demandas específicas da população LGBT. Esta categoria possui o menor número de unidades de registro, oito, e foi composta por apenas uma subcategoria: qualificação profissional.

Aqui, os participantes identificam não haver preparo profissional que qualifique o serviço de saúde para atender às suas demandas e não haver esforços da gestão na formação desses profissionais. Compreende ainda relatos que demonstram o comportamento profissional que, muitas vezes, reproduz preconceito e discriminação inclusive no processo de aprimorar os conhecimentos.

O que existe aqui são capacitações para os profissionais atender o público em geral e então dentro dessa capacitação já deve inserir a gente. (E4)

Como profissional, fiz parte de uma capacitação sobre outubro rosa e novembro azul […] como profissional e homossexual assumido, lá dentro, eu me sinto ridicularizado pelo despreparo até de um médico e ofendido, extremamente ofendido. (E8)

Como profissional e como usuário, sei que não existe nenhuma capacitação na cidade voltada para atendimento a pessoas LGBT. (E1)

Há a necessidade dessa capacitação, do entendimento dessas pessoas entenderem esse meio, entenderem essas pessoas, os preconceitos, os traumas sofridos. (E3)

Os depoimentos trazem pontos marcantes no que diz respeito à falta de capacitação dos profissionais de saúde e denunciam que não há nenhum posicionamento da gestão em relação à implementação de ações que possam mudar essa realidade. É preocupante vislumbrar que a assistência à saúde nesses serviços não passa por um processo de reformulação diante das lacunas do cuidado presentes no dia a dia desses sujeitos.

DISCUSSÃO

Os resultados do estudo evidenciam algumas barreiras para o efetivo acesso dos homossexuais masculinos aos serviços públicos de saúde, destacando-se a ausência de acolhimento adequado como um dos principais problemas enfrentados. Sob essa ótica, o ato de acolher de forma humanizada é percebido como produto das relações no processo de atendimento, o que ocorre depois de ultrapassada a etapa do acesso aos serviços de saúde(99 Silva JL. Como os serviços de saúde acolhem a população LGBT? In: II Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais[Internet]; 2009 [cited 2018 Aug 1]; Universidade Federal da Paraíba; João Pessoa. Available from: http://www.itaporanga.net/genero/gt8/10.pdf
http://www.itaporanga.net/genero/gt8/10....
).

O acolhimento é um método pensado e implementado a fim de colaborar com a qualificação dos sistemas de saúde, de maneira que possibilite ao usuário o acesso a um atendimento justo e pautado na integralidade, com o objetivo de escutar e atender as suas necessidades(1010 Coutinho LRP, Barbieri AR, Santos MLM. Reception in Primary Health Care: an integrative review. Saúde Debate[Internet]. 2015 [cited 2018 Out 11];39(105):514-424. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v39n105/0103-1104-sdeb-39-105-00514.pdf
http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v39n105/01...
). Para tanto, é preciso avançar no cuidado à saúde da população LGBT, superando as amarras do sistema de saúde.

As percepções homoafetivas equivocadas dos profissionais de saúde, por exemplo, foram apontadas como os primeiros obstáculos encontrados pelo homossexual quando busca atendimento. De forma complementar, em um estudo brasileiro que avaliou as percepções da população LGBT sobre os serviços de saúde, observou-se que 43,3% dos entrevistados já sofreram discriminação nos serviços de saúde pública e 30% na rede privada(1111 Carvalho LS, Philippi MM. Percepção de lésbicas, gays e bissexuais em relação aos serviços de saúde. Universitas: Ciênc Saúde [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 10];11(2):83-92. Available from: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/cienciasaude/article/viewFile/1837/2286
https://www.publicacoesacademicas.uniceu...
).

Em revisão sistemática da literatura, apontou-se que a população homossexual tem dificuldades no acesso aos serviços de saúde como resultado de atitudes heteronormativas impostas pelos profissionais e que o atendimento discriminatório resultante viola os direitos humanos no acesso à saúde(1212 Albuquerque GA, Garcia CL, Quirino GS, Alves MJH, Belém JM, Figueiredo FWS, et al. Access to health services by lesbian, gay, bisexual and transgender persons: systematic literature review. BMC Int Health Hum Rights[Internet]. 2016 [cited 2018 Jul 5];16(2):1-10. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4714514/pdf/12914_2015_Article_72.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Nesse cenário, a invisibilidade das questões de gênero e orientação sexual nas práticas de saúde, bem como a desconsideração dos modos de vivência da sexualidade, destacam-se negativamente no processo assistencial à saúde. Em geral, esse tipo de posicionamento gera implicações diretas na atenção à saúde da população LGBT. Assim, uma assistência pautada na heteronormatividade age aliada a outras formas de violência estrutural, gerando um ambiente hostil, estigmatizante e segregador nos serviços de saúde(1313 Ferreira BO, Edson OP, Tajra FS, Araújo ZAM, Freitas FRNN, Pedrosa JIS. Paths and experiences of the research process regarding the health of the LGBT population in a northeastern Brazilian capital. Rev Tempus[Internet]. 2017 [cited 2018 Out 11];11(1):41-49. Available from: http://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/03/880377/lgbt-3-ing.pdf
http://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/0...
).

Esses entraves podem levar o usuário homossexual a sentir-se desvalorizado e não buscar mais o serviço, deixando de exercer um direito social que lhe é resguardado por lei e que também lhe confere cidadania. É certo que pode existir dificuldade em declarar uma orientação sexual que difere do padrão cisheteronormativo; por isso, os direitos à privacidade, à autonomia e ao acesso aos serviços de saúde de pessoas homossexuais devem ser preservados e respeitados.

Acerca da relação profissional/usuário, outro estudo evidenciou que os profissionais de saúde se sentem desconfortáveis na prestação do cuidado aos pacientes com orientação não heterossexual, ratificando as percepções homoafetivas relatadas na presente pesquisa, o que torna discriminatório o atendimento aos homossexuais(1414 Sousa JC, Mallmann DG, Galindo Neto NM, Freitas NO, Vasconcelos EMR, Araújo EC. [Health promotion of lesbian woman: nursing care]. Rev Gaúcha Enferm[Internet]. 2014 [cited 2018 Jan 20]; 35(4):108-13. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v35n4/1983-1447-rgenf-35-04-00108.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v35n4/198...
).

A dimensão do acesso trazida pelos homossexuais na categoria humanização é expressa como o desejo de igualdade no atendimento. As unidades de análise que compõem essa categoria mostraram a existência de violência institucional com homossexuais masculinos como expressão dos preconceitos de muitos profissionais de saúde.

Esse dado corrobora os resultados de outra pesquisa realizada no Nordeste brasileiro acerca da percepção do cuidado recebido dos profissionais de saúde por gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, os quais enfatizaram a constante violação de seus direitos no acesso universal e equitativo ao sistema nacional de saúde(1515 Albuquerque GA, Quirino GS, Figueiredo FWS, Paiva LS, Abreu LC, Valenti VE, et al. Sexual diversity and homophobia in health care services: perceptions of homosexual and bisexual population in the cross-cultural theory. OJN[Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 23];6(6):470-82. Available from: https://file.scirp.org/pdf/OJN_2016061316203529.pdf
https://file.scirp.org/pdf/OJN_201606131...
).

Logo, a sensibilização dos profissionais da saúde quanto ao atendimento livre de preconceitos e julgamentos faz-se necessária, além da aproximação desses profissionais com as políticas públicas nacionais e com as problemáticas específicas da população LGBT, assegurando que os princípios de universalidade, integralidade e equidade constitutivos do SUS sejam a práxis desses profissionais(1616 Albuquerque GA, Garcia CL, Alves MJH, Queiroz CMHT, Adami F. Homossexualidade e o direito à saúde: um desafio para as políticas públicas de saúde no Brasil. Saúde Debate[Internet]. 2013 [cited 2018 Apr 20];37(98):516-24. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n98/a15v37n98.pdf
http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n98/a15...
).

A percepção dos participantes do estudo em relação ao uso das redes de atenção à saúde retrata a falta de serviços que atendam às demandas específicas desta população e a fragilidade nas respostas do sistema de saúde dadas às suas necessidades, externando a ideia de que a saúde do grupo se restringe a infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Percebeu-se que os atendimentos recebidos pelos participantes do estudo restringiram-se ao centro de testagem e aconselhamento, identificando-o como a base para assistência à saúde dessa população, pois a referência do profissional é sempre para esse local, independente da queixa apresentada pelo homossexual.

Resultado semelhante foi observado em outro estudo, no qual os discursos sobre a saúde LGBT centralizaram-se na busca por serviços de saúde motivada predominantemente pelo rastreio, diagnóstico ou tratamento de IST(1717 Garcia CL, Albuquerque GA, Drezett J, Adami F. Health of sexual minorities in north-eastern Brazil: representations, behaviours and obstacles. J Hum Growth Dev[Internet]. 2016 [cited 2018 Jun 23];26(1):94-100. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v26n1/14.pdf Portuguese
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v26n...
). Dessa forma, verifica-se que, ao atender este público, os profissionais de saúde priorizam o comportamento sexual e a sua vulnerabilidade para doenças relacionadas ao sexo, desconsiderando outras necessidades apresentadas por eles, como alimentação, educação e equilíbrio emocional.

Ainda nesse sentido, as ações de assistência dos profissionais de saúde são geradas a partir do olhar de que a necessidade de equidade se estrutura diante de uma vulnerabilidade que está relacionada à promiscuidade com sexo desprotegido e à multiplicidade de parceiros como conduta desenvolvida pela população em questão(1818 Oliveira GS, Nogueira JA, Costa GPO, Medeiros RLSFM, Oliveira T, Almeida SA. Health services for lesbians, gays, bisexuals and transvestites/transexuals. Rev Enferm UFPE[Internet]. 2018 [cited 2018 Dec 22];12(10):2598-609. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/237014/30152
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).

Na contramão desse entendimento, foi observada uma realidade diferente em outro estudo, uma vez que os resultados evidenciaram uma modelagem de assistência mais acolhedora por parte dos profissionais com essa população. A realização de consultas, atividades grupais e sessões terapêuticas possibilitavam de maneira harmoniosa a expressão de sentimentos e ajudavam no enfrentamento tanto das situações de violência, como orientações e aconselhamento frente a convivência com o HIV/aids(1919 Fernandes H, Oliveira EM, Ventura RN, Horta ALM, Daspett C. Violence and vulnerability to HIV/Aids in young homosexuals and bisexuals. Acta Paul Enferm[Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 11];30(4):390-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v30n4/en_0103-2100-ape-30-04-0390.pdf
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).

Revela-se, portanto, a necessária reformulação na forma como se faz a atenção à saúde LGBT no Brasil, pois a integralidade das ações deve permear todos os âmbitos do setor saúde, incluindo ações na atenção primária e na atenção especializada, de forma a oferecer uma assistência livre de qualquer preconceito ou discriminação e considerar todas as necessidades de saúde, além daquelas relacionadas à saúde sexual(33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.).

Na perspectiva dos homossexuais participantes deste estudo, não existe qualificação profissional para atender às suas demandas e, muitas vezes, o processo de formação dos profissionais resulta em ações de reprodução de preconceito e discriminação. A capacitação dos profissionais, portanto, deve ser promovida pelos gestores e atender às diretrizes da Política LGBT(33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.) no que se refere à participação popular e ao controle social no SUS, formando lideranças sociais e ativistas LGBT, integrando-as ao processo de decisão e organização da oferta de serviços nas unidades de saúde na perspectiva da garantia da cidadania e dos direitos humanos(2020 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Relatório do Seminário Nacional de Saúde LGBT. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.).

Ainda sobre a percepção dos homossexuais em relação ao atendimento que recebem nas unidades de saúde, outra pesquisa brasileira mostrou que 56,67% dos membros da comunidade LGBT se reconhecem como indivíduos com necessidades diferentes, logo, consideram que os servidores são desconhecedores do assunto e que necessitam ser menos preconceituosos(1111 Carvalho LS, Philippi MM. Percepção de lésbicas, gays e bissexuais em relação aos serviços de saúde. Universitas: Ciênc Saúde [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 10];11(2):83-92. Available from: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/cienciasaude/article/viewFile/1837/2286
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).

Os participantes da presente pesquisa apontam ainda a escassez de profissionais capacitados como um dos principais entraves para a resolubilidade de seus problemas de saúde, ressaltando a necessidade de apoio psicológico. Considera-se a violência perpetrada contra a população LGBT um fator estressante que pode impactar de forma negativa na saúde mental e na qualidade de vida dessas pessoas, contribuindo para a ocorrência de quadros depressivos e seus desdobramentos, como ansiedade, isolamento social, distúrbios alimentares e uso ou abuso de substâncias psicoativas(11 Cardoso MR, Ferro LF. Saúde e população LGBT: demandas e especificidades em questão. Psicol Cienc Prof[Internet]. 2012 [cited 2018 Jun 20];32(3):552-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v32n3/v32n3a03.pdf
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,2121 Albuquerque GA, Parente JS, Belém JM, Garcia CL. Violência psicológica em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no interior do Ceará, Brasil. Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 10];40(109):100-11. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40n109/0103-1104-sdeb-40-109-00100.pdf
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).

De acordo com relatório nacional(2222 Secretaria de Direitos Humanos (BR). Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012[Internet]. 2013 [cited 2018 Jul 1]. Available from: http://www.rcdh.es.gov.br/sites/default/files/RELATORIO%20VIOLENCIA%20HOMOFOBICA%20ANO%202012.pdf
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), a principal forma de violência dirigida à população LGBT é a psicológica, em um total de 83,2%. Assim, qualquer manifestação sexual diferente do sistema normativo de gênero está sujeita à violência física, sexual e/ou psicológica e pode ser percebida em diferentes contextos, como nas unidades de saúde(1919 Fernandes H, Oliveira EM, Ventura RN, Horta ALM, Daspett C. Violence and vulnerability to HIV/Aids in young homosexuals and bisexuals. Acta Paul Enferm[Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 11];30(4):390-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v30n4/en_0103-2100-ape-30-04-0390.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v30n4/en_01...
).

As transformações necessárias para o maior acesso aos serviços de saúde e o pleno reconhecimento e promoção dos direitos humanos da população LGBT requerem mudanças em um sistema que não prevê atendimento para identidades e corpos não normativos e suas necessidades. A efetivação da desigualdade nestes serviços se dá mediante a associação da escolha de viver uma sexualidade contrária à heteronormativa, mostrando lacunas sobre o entendimento dos reais acontecimentos e necessidades que geram as verdadeiras vulnerabilidades ao grupo LGBT. Ademais, a lógica binária e cisgênera que orienta o sistema de saúde influenciam de modo subjetivo o atendimento em saúde e as relações sociais, gerando situações de preconceito e discriminação(1818 Oliveira GS, Nogueira JA, Costa GPO, Medeiros RLSFM, Oliveira T, Almeida SA. Health services for lesbians, gays, bisexuals and transvestites/transexuals. Rev Enferm UFPE[Internet]. 2018 [cited 2018 Dec 22];12(10):2598-609. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/237014/30152
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
,2323 Gomes R, Murta D, Facchini R, Meneghel SN. Gender and sexual rights: their implications on health and healthcare. Ciênc Saúde Coletiva[Internet]. 2018 [cited 2018 Jul 17];23(6):1997-2005. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v23n6/en_1413-8123-csc-23-06-1997.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v23n6/en_14...
).

Limitações do estudo

A limitação do estudo está relacionada ao contexto singular dos participantes, não permitindo a generalização dos resultados obtidos a partir da análise dos depoimentos coletados, sendo necessários estudos em outros cenários.

Contribuições para a área da saúde

O estudo discute questões pertinentes à saúde de homossexuais masculinos, tema permeado de preconceitos que revela um descompasso entre os princípios e diretrizes do SUS e as práticas de cuidado no cotidiano da atenção à saúde.

Reitera a importância de discutir as lacunas estruturais que existem do âmbito da assistência à saúde da população LGBT. Essa discussão não deve ser considerada apenas na vertente epistemológica, mas, também, a partir da necessidade de se compreender as reais condições de vida e percepções desses sujeitos, uma vez que os agravos à saúde desse grupo estão determinados socialmente.

Portanto, os resultados do estudo impulsionam novas pesquisas na área da saúde pública que possibilitem desvelar a realidade do cuidado a esse grupo, em seus limites e possibilidades, dando fundamento ao desenvolvimento de estratégias que permitam, sobretudo, qualificar esse cuidado, para garantia de seus direitos mais fundamentais, em direção à superação dos diferentes tipos de violência que demarcam suas existências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do estudo mostram que a percepção dos homossexuais masculinos sobre o acesso ao SUS revela algumas barreiras, como o acolhimento marcado por preconceito e discriminação, o atendimento dos profissionais de saúde pautado na orientação sexual dos usuários e em comportamentos discriminatórios e excludentes.

Destacou-se, entre as categorias de análise, o acolhimento e a humanização, o que reflete a insatisfação dos sujeitos com o atendimento recebido nos serviços de saúde e o desejo de ter suas necessidades de saúde contempladas de forma integral.

Outra evidência do estudo é a percepção da necessidade de qualificação do profissional de saúde como medida que se alinha às diretrizes da legislação brasileira e que deve ser preconizada pelos gestores em saúde, pois a capacitação desses profissionais poderá contribuir na superação da padronização das expressões da sexualidade de acordo com a lógica heteronormativa.

A atitude dos profissionais nas unidades de saúde em relação ao usuário LGBT determina, em parte, a qualidade do atendimento a partir do reconhecimento da singularidade e subjetividade de cada sujeito, bem como dos modos de viver e interagir no mundo que não se adequam ao que é socialmente aceito e legitimado. Não obstante, na realidade investigada, tais atitudes têm sido marcadamente pautadas por preconceitos que levam os profissionais, em seu potencial terapêutico e de promotor de saúde, a propor e desenvolver ações limitadas que apenas contribuem para legitimar estereótipos em relação a esse público, a exemplo do que ocorre quando são apenas encaminhados ao CTA, o qual é tido como único espaço possível para atendimento às complexas demandas de saúde em pauta.

Diante desse cenário, o olhar integral e a humanização do atendimento pelos profissionais de saúde torna-se urgente, tendo em vista que foram observados relatos acerca da violência institucional contra homossexuais masculinos, bem como a falta de resolubilidade do serviço em atender as demandas específicas dessa população.

Com a consolidação dos princípios e diretrizes das políticas públicas de saúde LGBT e a escuta ativa dos seus representantes, espera-se que o distanciamento entre esses usuários e os serviços públicos de saúde diminua progressivamente a fim de que o setor de saúde se constitua como um parceiro efetivo na proteção dos direitos e garantia da participação social dos homossexuais masculinos.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2018
  • Aceito
    27 Fev 2019
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