O cuidado de si no cotidiano do enfermeiro: revisão integrativa

RESUMO

Objetivos:

identificar se os enfermeiros cuidam de si e descrever esse cuidado.

Métodos:

revisão integrativa da literatura publicada entre 2006 e 2018 e indexada nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online e Web of Science.

Resultados:

a amostra totalizou 20 artigos, agrupados por similaridade de conteúdo nas categorias temáticas “limites e possibilidades para o cuidado de si”, “conhecendo práticas para cuidar de si” e “implicações do cuidado de si na prática profissional”.

Considerações finais:

o conhecimento das técnicas para o cuidado de si permite que o enfermeiro se desenvolva pessoal e profissionalmente. Sugere-se aos gestores um redirecionamento da prática que contemple o fortalecimento do enfermeiro como gestor do cuidado e líder da equipe, bem como a inclusão do cuidado de si nos currículos de graduação e pós-graduação.

Descritores:
Enfermagem; Cuidado de Si; Autocuidado; Saúde do Trabalhador; Recursos Humanos de Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to identify if nurses care for themselves and describe such practices.

Methods:

this is an integrative review of the literature published between 2006 and 2018 and indexed in the Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online and Web of Science databases.

Results:

the sample totaled 20 articles, grouped by content similarity in the thematic categories “limits and possibilities for the care of the self”, “knowledge about practices on the care of the self” and “implications of care of the self in professional practice”.

Final considerations:

the knowledge about techniques on caring for the self allows nurses to develop themselves personally and professionally. We suggest to managers and administrators a redirection of the nursing practice that contemplates the strengthening of the nurse as the manager of care and leader of the team, as well as the inclusion of the concept of care of the self in the curricula of undergraduate and graduate nursing courses.

Descriptors:
Nursing; Care of the Self; Self-Care; Occupational Health; Nursing Human Resources

RESUMEN

Objetivos:

identificar si los enfermeros cuidan de sí mismos y describir dicho cuidado.

Métodos:

revisión integrativa de la literatura publicada entre 2006 y 2018 e indexada en las bases de datos Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online y Web of Science.

Resultados:

la muestra totalizó 20 artículos, agrupados por similitud de contenido en las categorías temáticas “Los límites y posibilidades en el cuidado de sí mismo”, “Conociendo prácticas para cuidar de sí mismo” y “Las implicaciones del cuidado de sí mismo en la práctica profesional”.

Consideraciones finales:

el conocimiento de las técnicas para el cuidado de sí le permite al enfermero el desarrollo personal y profesional. Se sugiere a los gestores una reorientación de la práctica que contemple el fortalecimiento del enfermero como gestor del cuidado y líder del equipo, así como la inclusión del cuidado de sí en los planes de estudios del grado y posgrado.

Descriptores:
Enfermería; Cuidado de Sí; Autocuidado; Salud Laboral; Personal de Enfermería

INTRODUÇÃO

No desenvolvimento histórico da Enfermagem, o cuidado às pessoas tem sido apontado como objeto epistemológico da profissão. O enfermeiro é o profissional que cuida das pessoas desde o nascimento até o momento da morte. Mas será que esse profissional cuida de si mesmo? Diversos estudos têm apontado estresse, sobrecarga de trabalho e outros problemas que denotam certo descuidado de si entre os enfermeiros^(1-4). Associados a esses fatores, estão a grande pressão no ambiente de trabalho, a alta responsabilidade ética e as baixas remunerações.

O cuidado de si não deve ser visto como algo teórico, dissociado da vida cotidiana. Desde a antiguidade, ele é estudado e relatado, por exemplo entre os antigos gregos, que se preocupavam com os aspectos que perpassam todo o processo vital, desde a atenção com os alimentos até a atividade física e momentos reflexivos, visando o amadurecimento da mente e o fortalecimento do espírito⁽⁵⁾.

Quando o enfermeiro não dá a devida importância a esses aspectos, pode haver uma interferência direta em sua vida e seu trabalho. Algumas variáveis estão relacionadas a esse fato: a primeira delas é a liderança que o enfermeiro deve exercer, sendo um elo entre a equipe de enfermagem e toda a equipe multiprofissional⁽⁶⁾. Para desenvolvê-la, é necessário domínio da autoconsciência, pois cuidando de si o enfermeiro poderá conhecer e cuidar também dos seus liderados, consolidando as ações profissionais de acordo com a filosofia institucional, visando, dentre outras coisas, a segurança dos pacientes. Segundo, como profissional gestor do cuidado, também é importante que o enfermeiro tenha claro como determinadas emoções e posturas podem afetar a sua vida e a do outro, pois para consolidar as suas ações de cuidado deve se valer da empatia⁽⁷⁾. Caso não se conheça, não saiba os seus valores e não entenda o que lhe proporciona felicidade ou desconforto, o enfermeiro dificilmente poderá estar próximo a indivíduos cuja saúde esteja desequilibrada.

A falta de cuidado de si pode acontecer quando o profissional se envolve no cuidado do outro de modo afastado de si mesmo, como se esse cuidado pudesse ser efetuado com neutralidade. Isso remete ao discurso sobre profissionais de saúde como isentos de doença, comparados a “sacerdotes ascéticos” que em seu exercício profissional utilizam seu instinto, sua arte, suas habilidades e até uma espécie de felicidade própria para cumprir todas as suas tarefas e estarem inteiros, imunes a doenças⁽⁸⁾.

Algumas revisões de literatura sobre este tema já foram realizadas^(9-11), todavia, nestas revisões, não foram incluídos estudos internacionais nem propostas de ação para efetivar o cuidado de si. Tentando preencher essas lacunas, o presente estudo buscou na literatura trabalhos que respondessem às seguintes questões de pesquisa: os enfermeiros cuidam de si? E como ocorre esta prática?

OBJETIVOs

Identificar se os enfermeiros cuidam de si e descrever esse cuidado.

MÉTODOs

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, método que contribui para o aprofundamento do conhecimento sobre o objeto investigado, evidenciando as conclusões da literatura sobre um fenômeno particular e possibilitando identificar lacunas do conhecimento sobre esse fenômeno⁽¹²⁾. Foram empregadas as seguintes etapas: definição da questão de pesquisa, busca nas bases de dados, categorização dos estudos, avaliação dos estudos incluídos na revisão, interpretação dos resultados e síntese do conhecimento produzido⁽¹³⁾.

Foi estabelecida a questão norteadora: “o que foi produzido de 2006 a 2018 sobre o cuidado de si dos enfermeiros?” Optou-se por este período pois o recorte temporal complementaria os estudos já apresentados^(9-11) - realizados entre 2006 e 2013 -, traçando assim um panorama ampliado.

Foram considerados elegíveis artigos sobre o tema com texto completo, disponíveis em inglês, espanhol ou português e publicados no período de janeiro de 2006 a maio de 2018 em periódicos indexados nas bases de dados Web of Science, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) - por meio do buscador PubMed - e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), acessada por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Para as buscas foram combinados, por meio dos conectores booleanos AND e OR, os descritores self care, nurses e nursing - de acordo com o Medical Subject Heading (MeSH) -, e seus equivalentes na língua portuguesa: “cuidado de si”, “autocuidado” “enfermeiro”, “enfermeira” e “enfermagem”, estabelecidos pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Na base de dados Web of Science também foi utilizado o descritor care of the self. As buscas foram realizadas em maio de 2018, sendo excluídas teses, dissertações, monografias, livros e revisões de qualquer estilo.

Foram encontrados 1.164 artigos, 860 na Lilacs, 299 na Medline e 5 na Web of Science, selecionados conforme fluxograma da Figura 1. A fim de garantir o rigor da seleção das publicações, todos os autores participaram desse processo. Os resumos dos 1.164 artigos foram lidos e, destes, 1.113 foram excluídos por não se adequarem à questão norteadora, 10 por serem duplicados (encontrados em mais de uma base consultada), 8 por não serem acessíveis na íntegra pela Medline e 13 por serem metanálises ou revisões.

Figura 1
Fluxograma representativo da busca nas bases de dados Lilacs, Medline e Web of Science

Os artigos foram classificados segundo o nível de evidência, conforme a classificação de Melnik e Fineout-Overholt⁽¹⁴⁾, que estabelece:

• Nível 1: evidências provenientes de revisão sistemática ou metanálise.

• Nível 2: evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado e bem delineado.

• Nível 3: evidências obtidas em ensaios clínicos bem delineados, sem randomização.

• Nível 4: evidências provenientes de estudos de coorte e de caso-controle bem delineados.

• Nível 5: evidências derivadas de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos.

• Nível 6: evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo.

• Nível 7: evidências oriundas de opinião de autoridades ou relatório de especialistas.

Foram selecionados 20 artigos para avaliação na íntegra^(15-34). Após a caracterização, que levou em conta as variáveis título, objetivo e desfecho dos artigos, estabeleceram-se três categorias, por similaridade de conteúdo: “limites e possibilidades para o cuidado de si”, “conhecendo práticas para cuidar de si” e “implicações do cuidado de si na prática profissional”.

RESULTADOS

Caracterização dos artigos

A partir dos estudos incluídos, foi elaborado um quadro contendo as características dessas publicações e as categorias que originaram.

Quadro 1
Características e categorização dos artigos selecionados

Categoria	Título	Objetivo	Desfechos	Evidência
Limites e possibilidades para o cuidado de si	Relações humanas no ambiente de trabalho: (des)cuidado de si do profissional de enfermagem(15)	Compreender o significado do (des)cuidado de si dos profissionais de enfermagem, bem como as relações existentes entre o cuidar do outro e o cuidar de si.	Revelado um déficit de comunicação entre a equipe multiprofissional, gerando insatisfação e competição no ambiente laboral.	6
	Cuidar de si para cuidar do outro: reflexões de profissionais de enfermagem acerca do autocuidado(16)	Analisar práticas direcionadas ao autocuidado dos profissionais de enfermagem de um hospital de urgência e emergência.	As práticas dos profissionais de enfermagem direcionadas ao autocuidado demonstraram aspectos negativos.	6
	Significados do cuidado-de-si-mesma de mulheres profissionais de enfermagem em uma unidade de pronto atendimento(17)	Compreender o significado da vivência da mulher profissional de enfermagem no cuidado de si mesma no cotidiano assistencial de uma UPA.	As ações de cuidado foram visualizadas, mas nem sempre as profissionais conseguem colocá-las em prática, pois, em decorrência das ocupações cotidianas, falta tempo para si mesmas.	6
	Falatório e ocupação no cotidiano das profissionais de enfermagem no cuidado de si e do outro(18)	Analisar compreensivamente o cuidado de si e do outro e o significado de ser mulher-profissional de enfermagem atuante em uma UPA.	O significado de ser mulher profissional de enfermagem atuante em uma UPA tem sua essência na dedicação do cuidado integral ao ser humano. Esse cuidado, porém,sóse torna completo quando o ser que cuida tambémécuidado .	6
	Enfermagem e cuidado de si no mundo do cuidado em psiquiatria(19)	Compreender o cuidado de si dos profissionais de enfermagem em saúde mental.	O cuidado desvela-se como palco de intensas trocas interpessoais, encontros e desencontros com o outro, e interfere no cuidado do outro e no cuidado de si de cada profissional de enfermagem.	6
	Profissional de enfermagem: compreendendo o autocuidado(20)	Compreender o significado do (des)cuidado de si para o profissional de enfermagem.	A negligência do cuidado de si parece decorrer da falta de tempo para alimentar-se adequadamente, cuidar-se física e esteticamente e, ainda, de abdicar do tempo para si em prol do trabalho.	6
	Automedicação: desvelando o descuidado de si dos profissionais de enfermagem(21)	Abordando o problema da automedicação, compreender o significado do (des)cuidado de si dos profissionais de enfermagem.	A automedicação desvela o descuidado de si dos profissionais de enfermagem, que buscam minimizar sintomas físicos ou psíquicos sem a recomendação médica adequada.	6
	O cuidado e suas dimensões: subsídios para o cuidar de si de docentes de enfermagem(22)	Descrever a concepção dos docentes de enfermagem sobre o cuidado e suas dimensões na perspectiva da saúde do trabalhador.	O cuidado está direcionado quase que exclusivamente ao outro. Nãohouve relatos que destacassem a importância do cuidado de si .	6
	Enfermagem e cuidado de si: percepção de si como corpo existencial no mundo(23)	Compreender o cuidado de si do profissional de enfermagem em saúde mental.	O cuidado de si acontece na medida em que o profissional se valoriza, coloca-se no mundo como corpo próprio, existencial, e se relaciona com os outros de forma dialógica.	6
	A espiritualidade no cuidado de si para profissionais de enfermagem em terapia intensiva(24)	Compreender como a espiritualidade permeia o processo do cuidar de si e do outro no mundo da terapia intensiva sob o olhar das profissionais de enfermagem.	Para serem capazes de cuidar da espiritualidade de seus pacientes, as cuidadoras de enfermagem precisam cuidar delas mesmas através da contínua busca por harmonia e integridade.	6
Limites e possibilidades para o cuidado de si	Cuidando de si, do outro e "do nós" na perspectiva da complexidade(25)	Realizar uma prática reflexiva, junto com profissionais de enfermagem, sobre o significado das relações de cuidado que permeiam o ambiente laboral.	Houve uma aproximação da compreensão das interações e associações estabelecidas entre pessoas que convivem num mundo/cenário complexo.	6
	Relações múltiplas do cuidado de enfermagem: o emergir do cuidado "do nós"(26)	Compreender as relações de cuidado de si, do outro e "do nós" nas diferentes dimensões do cuidado.	O cuidado "do nós" é tema emergente, em construção, que impele à preocupação com o coletivo e remete à compreensão dos fenômenos múltiplos e inesgotáveis do constante movimento entre os seres e desses com seu ambiente, modificando as redes de relações.	6
Conhecendo práticas para cuidar si	Cuidando do cuidador no ambiente de trabalho: uma proposta de ação(27)	Estimular a sensibilização da equipe de enfermagem para o cuidado de si e desenvolver dentro do ambiente de trabalho ações que o promovam.	As ações e interações desenvolvidas estimularam e propiciaram o cuidado de si dentro e fora do ambiente de trabalho, despertando nos profissionais a consciência de sua importância nas práticas de trabalho.	6
	Nurses as instruments of healing: self-care practices of nurses in a rural hospital setting(28)	Compreender práticas de autocuidado e comportamentos de promoção da saúde de enfermeiras de um hospital rural e determinar se há a necessidade de desenvolver um programa de autocuidado holístico para o quadro de enfermeiros do hospital.	A maioria dos profissionais de enfermagem reconhece a importância do autocuidado. Há uma forte preferência por programas fitness e de educação nutricional em detrimento de outros programas.	6
	"Not just a theory": the relationship between Jin Shin Jyutsu® self-care training for nurses and stress, physical health, emotional health, and caring efficacy(29)	Avaliar a eficácia de treinar enfermeiras no Jin Shin Jyutsu e correlacionar o treinamento com a mensuração do stress pessoal e organizacional e o cuidado aos pacientes.	Ferramenta valiosa para enfermeiras, o Jin Shin Jyutsu diminui o stress físico e emocional e intensifica a eficácia do cuidado. O investimento em programas de Jin Shin Jyutsu poderia aumentar a qualidade do cuidado prestado.	6
	Nurses' lived experience of Reiki for self-care(30)	Explorar a experiência de enfermeiros que praticaram Reiki para o autocuidado.	Os achados têm implicações diretas para os líderes de enfermagem e educadores, visando explorar modos inovadores de recrutar e reter enfermeiros nos serviços e propiciando bem-estar.	6
Implicações do cuidado de si na prática profissional	A relevância do cuidado de si para profissionais de enfermagem(31)	Identificar a percepção dos trabalhadores de enfermagem sobre o cuidado de si	O cuidado de si é relevante, pois as ações desenvolvidas para a manutenção desse cuidado melhoram a qualidade de vida pessoal e profissional.	6
	Ampliando a consciência do eu: o cuidador olhando-se no espelho(32)	Compreender de que forma os cuidadores de enfermagem se percebem no ampliar da consciência de si, cuidando do outro.	Acredita-se ser necessária a criação de espaços formais de cuidado ao cuidador, considerando como este percebe a si mesmo, o outro e o mundo de cuidado no hospital.	6
	Helping nurses care for self, family, and patients through the nurses living fit intervention(33)	Através do programa Nurses Living Fit (NLF), ajudar as enfermeiras a terem uma melhor qualidade de vida.	Líderes de enfermagem precisam promover ambientes de trabalho mais saudáveis, o que pode ser feito com programas de exercício e nutrição como o NLF, que ajudam as enfermeiras a cuidar melhor de si, das suas famílias e dos pacientes.	6
	Job satisfaction as self-care within a restrictive regulatory environment: Nevada's study(34)	Verificar características dos profissionais de enfermagem e satisfação no trabalho.	Os dados mostram que a satisfação no trabalho ajuda os líderes a melhorar o cuidado ao paciente.	6

• Nota: UPA: Unidade de pronto atendimento.

DISCUSSÃO

Limites e possibilidades para o cuidado de si

Os artigos agrupados nesta categoria^(15-26) demonstraram que o cuidado de si é essencial e compreende hábitos, costumes, crenças e valores individuais. A autonegligência, observada como principal limite para tal cuidado, pode ocorrer pelo fato de a formação do enfermeiro visar o cuidado do outro, não direcionando a atenção ao cuidado de si mesmo⁽³⁵⁾.

Associadas a esses fatores, a fragmentação, a comunicação inadequada entre os membros da equipe e a falta de atribuição de significado ao trabalho são determinantes para sua desqualificação ^(15-16). Um trabalho fragmentado e executado de forma automática, sem uma prática reflexiva associada, mostra uma tendência de alienação⁽³⁶⁾ dos profissionais que compromete a percepção quanto a necessidade de cuidar de si.

Muitas vezes, embora haja a percepção da necessidade de cuidar-se, os profissionais não conseguem colocá-la em prática. As ocupações cotidianas consomem o tempo que os enfermeiros poderiam dedicar a si mesmos, de modo que o cuidar-se fica em segundo plano e, às vezes, é até esquecido^(17-19).

A negligência do cuidado de si parece decorrer da falta de tempo para alimentar-se adequadamente e cuidar-se física e esteticamente e da necessidade de abdicar do tempo para si em prol do trabalho⁽²⁰⁾. Muitos profissionais possuem mais de um vínculo empregatício, o que reduz o tempo livre e prejudica o cuidado consigo. A falta de tempo, que pode ser interpretada como ausência de prioridade para si, tem grande possibilidade de acarretar estresse e outros transtornos psíquicos. Além disso, a ausência de repouso adequado, somada à exposição do profissional às condições adversas do mercado de trabalho, pode ocasionar dores crônicas, agitação, insônia, ansiedade e, consequentemente, automedicação⁽²⁰⁾.

O uso indiscriminado de medicamentos a fim de minimizar sintomas físicos ou psíquicos desvela o descuidado de si e aumenta os riscos à saúde⁽²¹⁾. Muitos profissionais já se encontram em sofrimento psíquico, mas utilizam principalmente ansiolíticos e analgésicos para mascarar a sintomatologia e continuar exercendo suas atividades cotidianas⁽³⁷⁾.

Além destes, outros fatores limitantes do cuidado de si foram descritos por enfermeiros: horário inadequado de trabalho, burocracia excessiva, baixa remuneração, submissão, impotência, competitividade e incompatibilidade entre afazeres, família e lazer⁽²²⁾.

A atribuição de importância ao cuidado de si acontece à medida que o indivíduo se valoriza, coloca-se no mundo como corpo próprio, existencial, e se relaciona com os outros de forma dialógica⁽²³⁾. Como possibilidade para o cuidado de si, foi demonstrada a eficácia do estabelecimento de uma rede de apoio entre os profissionais que contemple e favoreça a comunicação e o cuidado solidário, incluindo sensibilidade, empatia e cooperação em situações de sofrimento, estresse e desamparo no cotidiano de trabalho^(24-26).

Acredita-se que a espiritualidade, o autoconhecimento e a valorização de si mesmo são fatores facilitadores para o cuidado de si entre os enfermeiros^(23-24). A busca pelo desenvolvimento interior passa pelo desejo de evoluir e se aprimorar como ser humano a fim de obter realização pessoal, profissional, econômica e social⁽³⁸⁾.

Conhecendo práticas para o cuidar de si

O conhecimento sobre o cuidado de si ainda é incipiente no discurso de profissionais que cuidam da saúde de outras pessoas. Isso pode ocorrer pelo fato de as práticas de saúde ainda estarem fortemente ancoradas no modelo biomédico e por interferências organizacionais no ambiente de trabalho, de modo que os enfermeiros não identificam a necessidade de cuidar de si para poder, então, efetivamente cuidar de outras pessoas⁽³⁹⁾.

A sensibilização da equipe de enfermagem para o cuidado de si pode ser desenvolvida no ambiente de trabalho por meio do estímulo aos profissionais e da flexibilidade dos gestores. Uma proposta de ação, desenvolvida no Sul do Brasil, visou sensibilizar a equipe de enfermagem de uma unidade de terapia intensiva para o cuidado de si, propondo diferentes atividades, tais como alongamentos, dinâmicas e atividades de relaxamento. A proposta teve um retorno positivo, uma vez que os profissionais relataram sentir-se cuidados e valorizados, conhecendo-se melhor e praticando ações de cuidado para consigo⁽²⁷⁾. Percebe-se que as práticas de cuidado de si podem e devem ser incorporadas ao cotidiano de trabalho dos enfermeiros⁽⁴⁰⁾. Essa consciência repercutirá numa prática assistencial de excelência, com melhoria da segurança do paciente.

Um estudo buscou compreender práticas de autocuidado e de promoção de saúde entre enfermeiros de um hospital dos Estados Unidos a fim de determinar se havia necessidade de desenvolver um programa de autocuidado holístico com estes profissionais⁽²⁸⁾. O estudo demonstrou que a maioria dos enfermeiros sabe da importância do cuidado de si e prefere participar de programas de atividades físicas e educação nutricional para cumprir esse objetivo. Conclui-se, portanto, que é factível desenvolver propostas de intervenção para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.

Foram identificadas práticas inovadoras em hospitais norte-americanos para promover o cuidado de si de enfermeiros, como a utilização de terapias complementares^(29-30). Avaliando a eficácia de treinar os profissionais no Jin Shin Jyutsu (uma arte de cura ancestral que usa o contato com as mãos em partes específicas do corpo para harmonizar a energia vital de cada pessoa) e correlacionando o treinamento com a percepção do estresse pessoal e organizacional e o cuidado aos pacientes, um estudo mostrou aumento de atitude positiva, gratidão, motivação, calma, comunicação efetiva e redução significativa da raiva, ressentimento, depressão, sintomas de estresse e problemas de ordem moral⁽²⁹⁾. Os enfermeiros reportaram menos dores musculares, insônia e cefaleia. Observou-se ainda o aumento na efetividade do cuidado, devido à empatia, serenidade, respeito às diferenças, individualização, habilidade em minimizar situações de estresse, planejamento de múltiplas necessidades e criatividade no cuidado.

Outro estudo apresentou resultados semelhantes ao explorar a experiência de enfermeiras que praticaram o Reiki (uma terapia que usa o toque para equilibrar os centros energéticos do organismo) para o autocuidado. Essa prática ajudou no manejo do estresse diário, no fortalecimento da autoestima e da espiritualidade e na conexão consigo, com os outros e com o todo⁽³⁰⁾.

Os estudos dessa categoria mostraram que programas de intervenções baseadas em evidências são necessários para educar enfermeiros quanto à adoção de melhores hábitos de vida, e que gestores precisam promover ambientes de trabalho mais saudáveis, o que poderia melhorar a qualidade do cuidado prestado^(41-42).

Implicações do cuidado de si na prática profissional

Nesta categoria foram agrupados os artigos que avaliaram os reflexos do cuidado de si no cuidado a outras pessoas. Foram identificados quatro estudos, dois com abordagem qualitativa^(31-32) e dois com abordagem quantitativa^(33-34).

Os achados demonstraram a relevância do cuidado de si, buscando identificar a percepção dos enfermeiros sobre tal cuidado e descrever as ações realizadas para efetivá-lo, discutindo suas repercussões para a saúde⁽³¹⁾. O cuidado de si foi relacionado às ações empreendidas pelo indivíduo para melhorar e transformar-se a partir da reflexão sobre seu modo de ser e agir⁽⁴³⁾ e observou-se que o cuidado de si é relevante para a saúde física e mental e para o trabalho, pois as ações desenvolvidas para a manutenção desse cuidado melhoram a qualidade de vida pessoal e profissional.

Outra questão importante diz respeito à forma como os enfermeiros se percebem no ampliar da consciência de si, cuidando do outro⁽³²⁾. Os trabalhos desvelam como constituinte da ampliação da consciência de si mesmo a autopercepção do profissional como ser de sensibilidade, estético, de possibilidades, crenças e valores. O aprofundamento na relação do indivíduo consigo mesmo pode melhorar também o modo como se relaciona com os outros, pois a condução correta nas relações necessita do pleno e efetivo cuidado de si, sem a perspectiva de interesse individual egoísta, mas de busca pelo aperfeiçoamento individual, superação de limites e estabelecimento de objetivos.

Um importante eixo norteador desses estudos é a importância da ética na relação com o paciente, compreendida como produto das práticas efetivas de cuidado de si. É necessário o exercício da crítica, não somente dos outros, mas principalmente de si mesmo, pois administrando bem a sua própria vida o indivíduo estará em condições de conduzir e cuidar bem de outras pessoas.

Uma intervenção para ajudar enfermeiros americanos a melhorar sua qualidade de vida foi demonstrada em outro estudo, que teve como objeto o programa Nurses Living Fit (NLF), desenvolvido para diminuir o índice de massa corpórea (IMC) dos participantes e ajudar, além dos enfermeiros, seus pacientes e familiares⁽³³⁾. Sendo o ser humano constituído de modo multidimensional, é extremamente relevante discutir o cuidado com o corpo como eixo norteador para o cuidado de si. Como resultados, o estudo mostrou que os participantes apresentaram significativa redução do IMC e circunferência abdominal, além de melhora na prática de exercícios e nutrição.

Outro estudo abordou a transição demográfica norte-americana, especificamente no estado de Nevada⁽³⁴⁾. O grande crescimento populacional, associado à falta de prestadores de cuidados de saúde, pode gerar uma sobrecarga nos profissionais disponíveis para cuidar de outras pessoas. Assim, um mesmo indivíduo pode estar submetido a múltiplas jornadas de trabalho, ficando mais sujeito a repercussões negativas na saúde, como adoecimentos e diminuição da satisfação e da produtividade, o que indica a necessidade de compreender a importância do cuidado de si.

Percebe-se assim que as práticas relacionadas ao cuidado de si podem beneficiar não só o profissional, mas também seus pacientes e familiares⁽⁴⁴⁾.

Limitações do estudo

As possíveis limitações deste estudo referem-se à amostra - visto que foram incluídos apenas os artigos disponíveis on-line e gratuitamente, o que pode ter levado à não inclusão de alguns estudos relacionados à temática - e o baixo nível de evidência dos estudos utilizados segundo a classificação adotada⁽¹⁴⁾.

Contribuições para a área da enfermagem

A partir dos resultados encontrados, sugere-se aos gestores um redirecionamento na condução da prática que esteja ancorado no autoconhecimento e contemple o fortalecimento do enfermeiro como gestor do cuidado e líder imediato da equipe assistencial. Sugere-se, ainda, a inclusão do cuidado de si nos currículos de graduação e pós-graduação em enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento das técnicas para o cuidado de si envolve a percepção efetiva do significado do trabalho e da vida, permitindo que o enfermeiro se desenvolva pessoal e profissionalmente. Cuidar de si é cuidar da própria alma, aprender a viver e ter a possibilidade e o dever de ocupar-se de si.

Como fatores limitantes para o cuidado efetivo de si entre enfermeiros foram colocados a demanda de trabalho, o dimensionamento inadequado de pessoal, as jornadas de trabalho exaustivas, condições insalubres, burocracia, falta de autonomia e incompatibilidade entre afazeres, família e lazer.

Um claro diferencial desta em relação a outras revisões de literatura com a mesma temática foi a inclusão de estudos internacionais. Após a análise, observou-se que, no Brasil, estudos sobre a consolidação de práticas de cuidado de si, principalmente no ambiente laboral, ainda são incipientes.

A partir dos resultados encontrados, sugere-se aos gestores um redirecionamento na condução da prática que esteja ancorado no autoconhecimento e contemple o fortalecimento do enfermeiro como gestor do cuidado e líder imediato da equipe assistencial. Sugere-se, ainda, a inclusão do cuidado de si nos currículos de graduação e pós-graduação em enfermagem.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Italo Rodolfo Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Mar 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  18 Mar 2018
• Aceito
  19 Fev 2019