Percepções de enfermeiras espanholas sobre a crise econômica e os impactos no sistema de saúde

RESUMO

Objetivo:

analisar as perceções de enfermeiras espanholas quanto à conjuntura de crise econômica e seus impactos no trabalho, no sistema de saúde e na saúde da população.

Método:

abordagem qualitativa; coleta de dados por questionário publicado na internet e em entrevistas individuais. Análise com base na Análise de Conteúdo Temático-Categorial, apoiada pela perspectiva teórica do materialismo histórico-dialético.

Resultados:

as categorias produzidas abordam temas como: cortes financeiros e seus impactos de não reposição da força de trabalho, sobrecarga de trabalho, impacto salarial e na oferta de emprego; ênfase em um modelo de saúde biomédico; impactos negativos na saúde da população.

Discussão:

destacam-se impactos no trabalho e na saúde, sobretudo nos grupos vulneráveis, assim como sobre o modelo assistencial reforçando a perspectiva biomédica.

Considerações finais:

as percepções da enfermagem espanhola apontam para o acirramento das políticas liberais e sua expressão na saúde e para o papel da enfermagem nos sistemas de saúde.

Descritores:
Enfermeiras e Enfermeiros; Atenção Primária à Saúde; Serviços de Saúde Comunitária; Economia; Impactos na Saúde

ABSTRACT

Objective:

to analyze the perceptions of Spanish nurses regarding the country’s economic crisis situation, and its impacts on nursing work, health system and population’s health.

Methods:

qualitative approach, with data collection using an internet-based questionnaire and individual in-depth interviews. Data were analyzed according to Thematic-Categorical Content Analysis, supported by Historical and Dialectical Materialism perspective.

Results:

the categories produced discuss themes as: cutbacks in health care and the consequences of workforce non-replacement and work overload; salary impact; care model changes; negative impacts on population health. The impact on population health and work was discussed, especially regarding vulnerable groups, as well as in assistance model reconfiguration, reinforcing the biomedical and assistance perspective.

Final considerations:
the perspective of Spanish nursing points to the increase of liberal policies and their expression in health sector; and to the role of nursing in universal health care systems

Descriptors:
Nurses; Primary Health Care; Community Health Services; Economics; Impacts on Health

RESUMEN

Objetivo:

analizar las percepciones de las enfermeras españolas en cuanto a la coyuntura de crisis económica vivenciada por el país y sus impactos en el trabajo, en el sistema de salud y en la salud de la población.

Métodos:

enfoque cualitativo, con recolección de datos por medio de un cuestionario publicado en Internet y a partir de entrevistas individuales en profundidad. Los datos fueron analizados con base en el Análisis de Contenido Temático-Categorial, con suporte teórico del Materialismo Histórico y Dialético.

Resultados:

las categorías discuten temas como: los cortes financieros y sus impactos de no-reposición de la fuerza de trabajo, sobrecarga de trabajo, impacto salarial y en las plazas de trabajo; énfasis en un modelo asistencial biomedico; impactos negativos en la salud de la población. Se discutieron los impactos en el trabajo y la salud de la población, sobre todo en los grupos vulnerables, así como en la reconfiguración del modelo asistencial, reforzando la perspectiva biomédica y asistencial.

Consideraciones finales:

la perspectiva de la enfermería española apunta hacia el agravamiento de las políticas liberales y su expresión en la salud, y para el papel de la enfermería en los sistemas universales de salud.

Descriptores:
Enfermeras y Enfermeros; Atención Primaria de Salud; Servicios de Atención Comunitaria; Economía; Impactos en la Salud

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) é um dos marcos históricos do processo civilizatório ocidental. A partir da segunda metade do Século XX, é considerada uma das principais inovações tecnológicas de saúde. A APS propôs transformações epistemológicas e conceituais, e mudou estratégias e práticas do trabalho em saúde⁽¹⁾. É sobretudo a partir das proposições oriundas da Declaração de Alma-Ata de 1978 que a APS se reconfigura como estratégia preferencial de acesso aos cuidados de saúde balizados em torno dos conceitos de universalidade e integralidade, e como política pública inseparável do desenvolvimento econômico e social dos países. A partir de então, os rumos que a APS tomou em cada país foi contingenciado pela complexa interação de fatores como: percurso histórico de desenvolvimento, bases econômicas e políticas e relação estado-sociedade, entre outros. É importante notar que esse não foi um percurso isento de tensões e retrocessos, com a produção de contradições, sobretudo entre as características de atenção universal e as perspectivas de focalização e seletividade.

Países do mundo ocidental, em especial os europeus, adotaram modelos de sistemas universais fortemente apoiados por uma APS resolutiva voltada para os principais problemas de saúde da população e com centralidade da figura do médico generalista⁽²⁾. A enfermagem vem integrando estes sistemas de diversas formas, com diferenças importantes quanto aos níveis de formação profissional. Assim, os modos como a enfermagem integra o nível da APS também se configurou de maneira diversa entre os países.

Enfermeiros são, em nível internacional, profissionais essenciais para o acesso à APS. Em seu desempenho, destacam-se a capacidade de intervenção para a promoção da saúde, o desenvolvimento de práticas de educação em saúde, a participação comunitária e o cuidado integral a indivíduos, famílias e comunidades⁽³⁾. A APS é um campo de ação predominantemente estatal. A presença de enfermeiros em todos os tipos de unidades e serviços demonstra um compromisso histórico e valores profissionais compartilhados em todo o mundo⁽⁴⁾.

A Espanha, após superar por meio de um forte sistema de bem-estar social as desigualdades regionais e a pobreza resultantes dos anos pós-guerra civil e sob o regime franquista, vem passando desde a década de 70 por um notável processo de desenvolvimento social e econômico, que resultou em uma das maiores expectativas de vida da Europa, superando a média mundial. O perfil de saúde da população hoje é marcado por uma alta prevalência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis associadas ao perfil de envelhecimento e a outros fatores. Como parte do processo de desenvolvimento do país houve, a partir dos anos 80, houve um expressivo investimento na APS como porta preferencial de entrada, sendo os demais serviços e níveis englobados sob a denominação de Atenção Especializada⁽⁵⁾. Não há oferta de serviços de APS pelo setor privado, em que pese a ausência, na carteira de serviços, de alguns procedimentos especializados, a exemplo de serviços de ortodontia e de oftalmologia.

Esse processo de desenvolvimento econômico vinha se consolidando em torno da produção industrial e da expansão do mercado imobiliário, sofrendo um profundo baque a partir de 2008, quando a crise dos mercados econômicos norte-americanos atinge a Europa, causando recessão, em maior ou menor grau, em todos os países. Trata-se de uma conjuntura de crise dentro de uma estrutura econômica de capitalismo neoliberal, que tem suas origens décadas antes nas mudanças induzidas na economia que passa a se apoiar, cada vez mais, em um modelo de expansão do capital financeiro. Esse modelo tem como uma de suas bases o endividamento das famílias, sobretudo por meio do financiamento habitacional⁽⁶⁾. Na correlação de forças entre a classe trabalhadora e o capital, a mediação dos estados europeus acabou por capitular ante às exigências dos países centrais da União Europeia, ainda que os trabalhadores sigam buscando se organizar para resistir e exigir políticas de bem-estar social.

A forma como os países europeus reagiram às quebras bancárias implicou cortes de recursos públicos, incluindo os de politicas públicas de saúde e educação, por meio das chamadas medidas de austeridade, impostas pela troika. Na Espanha, isto resultou em restrições severas na execução da política de saúde, em todas as comunidades autônomas, embora não da mesma forma⁽⁷⁾.

Os principais problemas atribuídos à crise espanhola incluem: aumento rápido e expressivo do desemprego, com maior penalização de setores como construção civil; paralização do crescimento do setor imobiliário e quebra da capacidade financeira da população endividada para o pagamento de hipotecas, resultando em um grande número de despejos imobiliários no país; agravamento das condições de vida de grupos vulneráveis pela perda do poder aquisitivo, com impactos em termos de mudanças e restrições alimentares; dificuldade por parte de moradores de baixa renda e migrantes para o acesso aos cuidados em saúde e compra de medicamentos; aumento na prevalência de problemas mentais, incluindo um aumento na taxa de suicídio localizada em alguns grupos específicos e regiões^(7-8).

Do ponto de vista do trabalho em saúde e enfermagem, a oferta de vagas de trabalho encolheu ao mesmo tempo em que a reposição da força de trabalho foi interrompida. Formas alternativas e precarizadas de contratação passaram a ser mais utilizadas, como os contratos provisórios e de curta duração. Dentre os enfermeiros espanhóis, ocorreu também um aumento no número de migrações para outros países como forma de buscar melhores remunerações e acesso a políticas de bem-estar social⁽⁹⁾. Considera-se que a Espanha ainda segue em crise, pois o ritmo de crescimento econômico não foi retomado nos patamares anteriores, ainda que nos dias atuais a gravidade da situação esteja amenizada.

Partimos do pressuposto de que os enfermeiros que atuam na APS são atores sociais estratégicos para o enfrentamento, pelo setor de saúde, das consequências das crises que afetam as políticas sociais. Sua prática profissional, no entanto, não está imune às consequências da crise no que tange ao perfil de saúde da população, em especial dos grupos vulneráveis, e a mudanças que acabam por ser impostas ao mundo do trabalho em saúde.

O Brasil veio sofrendo, nos últimos 5 ou 6 anos, de modo progressivo, os efeitos tardios desta crise, aliados a uma grave crise político-institucional e à implementação de medidas de austeridade de caráter reformista. Essas medias possuem real e potencial capacidade de impactar negativamente na política setorial de saúde. Toma-se, como exemplo, duas medidas recentes: a aprovação da Proposta de Emenda Parlamentar 241, a chamada PEC do “teto de despesas” (ou “PEC da Morte”), em 2016, que limita os gastos públicos nos próximos 20 anos; e a reforma do setor de trabalho, com medidas de flexibilização e desregulação das relações trabalhistas, aprovadas pelo Congresso Nacional em 2017⁽¹⁰⁾.

Conhecer como as enfermeiras espanholas percebem essa situação de crise de longa duração e quais as consequências para seu trabalho e para a saúde da população que identificam poderá contribuir para tornar visível os efeitos das crises econômicas no cotidiano de trabalho da APS. Também torna mais claro o papel da enfermagem, com vistas à garantia do cuidado integral e universal, mesmo em conjunturas desfavoráveis. Além disso, conforme já apontado, estudos internacionais, em perspectiva comparada sobre o trabalho da enfermagem na APS, se constituem em campo de pesquisa pouco explorado, e em relação ao qual parecem convergir aspectos importantes a serem discutidos em nível internacional, tais como o papel da enfermagem na efetivação dos sistemas universais de saúde.

OBJETIVO

Analisar as percepções de enfermeiras espanholas quanto à conjuntura de crise econômica vivenciada pelo país, e seus impactos no trabalho de enfermagem, no sistema de saúde e na saúde da população.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo foi submetido e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAAE 95196018.4.1001.5282) e da Universidad de Alicante, Espanha (Expediente UA-2018-09-14). A estrutura do artigo explicita os passos metodológicos com base nos Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Referencial teórico-metodológico

O desenho da pesquisa é qualitativo, apoiado pela perspectiva teórica do materialismo histórico-dialético, considerando aspectos micro e macro-estruturais na produção dos fenômenos e a centralidade do trabalho na vida social⁽¹¹⁾. Os procedimentos metodológicos foram mistos: i) publicação de um questionário do tipo survey, a ser respondido na internet, aberto a enfermeiros que atuam na APS e ii) entrevistas individuais em profundidade com enfermeiros de três Comunidades Autônomas espanholas.

Procedimentos metodológicos

A elaboração e testagem do questionário para o survey foi realizada pela primeira autora, validando o instrumento por meio da testagem com cinco enfermeiros de espanhol nativo. O caráter do questionário contempla variáveis quantitativas descritivas, para fins de caracterização dos participantes, não havendo indicação de validação estatística. Aos respondentes foi garantido o acesso a uma descrição dos objetivos do estudo e ao Termo de Consentimento Esclarecido, antes de começar a responder, com a opção de aceitar ou de retirar-se do local. O questionário constou de três seções: i) dados sociodemográficos (formação, dados familiares, local de nascimento e moradia); ii) dados de trabalho na APS (motivações, formas de ingresso e tempo de trabalho na APS); iii) percepção do respondente sobre os impactos da crise no seu trabalho, no trabalho da enfermagem, no perfil da população atendida e quanto ao futuro da situação de crise. O survey incluiu perguntas abertas, não obrigatórias, solicitando explicações mais detalhadas a serem registradas em campos de espaço não limitados. O questionário foi aberto para respostas em meados de fevereiro de 2019. As respostas analisadas se referem a 62 respostas obtidas até o final do mês de março de 2019. Um respondente optou por não continuar o preenchimento, o que era facultado a qualquer momento. Tratam-se de resultados parciais, já que o questionário permanecerá aberto para respostas.

Cenário do estudo

As entrevistas individuais foram realizadas face a face ou por telefone, com 7 enfermeiros de três Comunidades Autônomas: Comunidade Valenciana (4 entrevistados), Comunidade da Andaluzia (2 entrevistados) e País Basco (um entrevistado). Suas falas são identificadas com a sigla da Comunidade, seguindo-se do número (CV 1, CV 2, CV 3 e CV4; A1 e A2; PB1). Os participantes foram selecionados pelo método de snowballing, a partir de indicações de pesquisadores e enfermeiros da APS. As entrevistas duraram, em média, 45 minutos, gravadas em dispositivo móvel, e conduzidas pelo autor principal e pela terceira autora, após explicação sobre os objetivos do estudo e assinatura do Termo Livre de Consentimento Esclarecido. O roteiro foi do tipo semiaberto, com três perguntas principais: como percebe os efeitos da crise no seu trabalho e no trabalho da enfermagem da APS? Como percebe os efeitos da crise na saúde da população? Como vê o futuro do país e da APS?

Coleta e organização dos dados

Os conteúdos das respostas abertas do questionário foram transcritos e organizados em tabelas para leitura e posterior identificação de núcleos temáticos. Os conteúdos das entrevistas individuais foram integralmente transcritos e reenviados aos entrevistados para validação e eventual correção. O número de participantes nessa etapa considerou critérios de saturação dos dados e recorrência de elementos temáticos.

Análise dos dados

A sistematização se baseou nos passos da Análise de Conteúdo Temático-categorial, com leitura flutuante e intuitiva, identificação de núcleos de sentido temático, como unidades de registro (UR) e agregação dos mesmos em categorias temáticas ou temas, derivados dos dados⁽¹²⁾. Os temas foram selecionados a partir de critérios de frequência das UR. Elementos discursivos, como situações concretas, nomes de pessoas ou localidades foram omitidos da sistematização final.

As categorias temáticas identificadas nas respostas ao survey foram: cortes financeiros na APS; não reposição da força de trabalho e sobrecarga de trabalho; impacto salarial; mudanças no modelo assistencial; impactos negativos na saúde da população.

Os temas derivados da análise das entrevistas foram os mesmos, permitindo aprofundar a análise em torno das causas e consequências da crise para os enfermeiros, para a população e para o sistema de saúde.

As respostas das perguntas abertas e os trechos de entrevistas têm sua apresentação mantida em língua espanhola. Os autores consideram que esta opção não prejudica o entendimento da leitura, já que são trechos curtos, de linguagem simples, estando devidamente comentados. Palavras ou termos cujo entendimento foi considerado prejudicado por estarem em espanhol foram traduzidos, seguindo-se o termo correspondente em português em itálico e entre parênteses.

RESULTADOS

Resultados do survey na internet

O perfil dos enfermeiros que responderam ao questionário era de idade média de 45 anos, variando entre 23 e 62 anos, formados em sua maioria em instituições públicas (95,7%), e trabalhando na APS, em média, há 16 anos (0-39). Informaram residir em 19 Comunidades Autônomas do país. A distribuição por sexo foi de 86% de mulheres e 14% de homens.

O tipo de contrato laboral informado mais frequente foi o do tipo contrato fixo no setor público (plaza en propiedad), com 56,1% das respostas. Foram informados contratos de tipo interino (contratação temporária para substituir vacância por férias ou licença, com tempo determinado), com 22,8%, e eventual (tipo de contrato de muito curta duração, podendo ser por dias ou até horas), com 17,5%.

A grande maioria (89,5%) trabalha em jornada completa, ou seja, 35 horas semanais, usualmente divididas em 7 horas diárias. Ocupam cargos como enfermeiras referentes na APS (73,7%) ou na coordenação/gestão (17,6%). O ingresso no cargo pode se dar por concurso, com as vagas abertas apenas dentro da Comunidade Autônoma, denominado por oposición (56,1%), por transferência de outro centro de saúde (24,6%) ou por transferência a partir da área hospitalar (19,3%). Para 40,4% dos respondentes, o trabalho como enfermeiro na APS é a única fonte de renda familiar. O salário mensal oscilou entre menos de 1.500 euros (14,0%), de 1.501 a 2.500 euros (73,7%) e mais de 2.501 euros (12,3%).

Quando perguntados se a crise afetou seu próprio trabalho, 50,9% informaram que afetou muito, e 36,8%, que afetou de algum modo. Os demais informaram que afetou pouco, nada ou não souberam dizer.

A esta pergunta seguiu-se uma outra, aberta, na qual foi pedida uma explicação para a resposta anterior. Dentre os que consideraram que a crise afetou muito ou de algum modo seu próprio trabalho, as explicações, organizadas como temas, podem ser visualizadas no Quadro 1. A primeira coluna traz também os termos em espanhol utilizados, na segunda coluna a descrição explicativa de cada tema, e na terceira o número de respostas que mencionaram os temas. O total de enfermeiros que responderam foi de 48 (77,4%). Um dos respondentes informou que ainda não trabalhava no período da crise, e os demais deixaram a resposta em branco. A contagem de temas ultrapassa o número de respondentes, já que alguns enfermeiros mencionaram mais de um tema na sua resposta.

Quadro 1
Temas extraídos das respostas à pergunta: considera que a crise afetou seu trabalho?

Tema	Descrição	N
Cortes financeiros nas políticas de saúde e da APS (recortes en sanidad, recortes han afectado el sistema de salud, recortes en inversión, recortes en recursos materiales y humanos, disminución de inversión en investigación en la APS)	Durante a crise, houve ajustes e cortes orçamentários no setor saúde de todas as Comunidades Autônomas. Tal fato resultou em paralização da expansão ou melhoria da APS, com alguma diminuição de recursos materiais (equipamentos, insumos) e estagnação do número de postos de trabalho, com aumento na lista de espera por vagas.	24
Não reposição da força de trabalho e sobrecarga (falta de sustituciones y contrato, sustituciones escasas, acumulación de trabajo, sobrecarga de trabajo, más tareas)	Não houve reposição de trabalhadores para vagas decorrentes de férias, licenças ou aposentadorias, que automaticamente deveriam gerar vagas por contratos temporários. O acúmulo de tarefas e a sobrecarga de trabalho foram as consequências mencionadas.	21
Impacto salarial (redución de salários, paralización de salarios, no pago de horas extras)	Foi mencionado que houve diminuição do salário, mas o que se pode apurar é que o pagamento de horas extra foi suspenso, impactando nos salários daqueles que contavam com este adicional.	14
Mudanças na prática assistencial da APS (recursos para la APS fueran recortados, las políticas se han ido en detrimento del sistema de salud, en especial de la APS, la APS asumió más competencias, la calidad da asistencia bajó, se hace más asistencia curativa)	Ocorreram modificações na gestão e organização do trabalho na APS, resultando na introdução de procedimentos que anteriormente eram realizados pela Atenção Especializada. Juntamente à sobrecarga de trabalho e à diminuição de postos de trabalho, resultou na piora da qualidade da atenção prestada e dificuldade para ações de promoção da saúde e prevenção, com foco maior nas ações curativas.	07
Impactos negativos na saúde da população (necesidades de la población, no podían comprar fármacos y alimentos, pacientes en situación de precariedad económica y laboral, tipo de patologías)	Dentre os grupos populacionais mais vulneráveis, o desemprego e a perda do poder aquisitivo foram mais intensos. O tipo de alimentação teve de mudar. Subsídios que haviam para a compra de medicamentos foram reduzidos ou retirados.	05

• Nota: APS: Atenção Primária à Saúde.

Sobre os impactos da crise na saúde da população que são atendidos nos centros de saúde, os enfermeiros mencionaram diversas condições que surgiram, como problemas mentais. Outros problemas também se agravaram, sobretudo entre os grupos mais vulneráveis: migrantes, população cigana, população idosa, sem renda, dependente de aposentadorias reduzidas ou de auxílios sociais. As questões e os problemas descritos estão sistematizados no Quadro 2, sem organização por frequência de respostas ou número de respondentes.

Quadro 2
Condições ou problemas da população atendida pelos enfermeiros durante a crise

Recortes en la Ley de Dependencia aumenta la morbimortalidad de ancianos: fracturas, úlceras, complicaciones en ingresos... Desaparición de equipos de ayuda domiciliaria para enfermos terminales. Problemas de nutrición con niños…

Pacientes que no tienen dinero para pagarse el tratamiento farmacológico o incluso no tener dinero para ir a un gimnasio (academia de ginástica).

Empeoramiento funcional/cognitivo de paciente mayores inmovilizados por retraso (atrasos) en la tramitación de recursos sociosanitarios.

Problemas mentales, ansiedad, depresión...

Hubo situaciones en el área psicosocial y emocional por la falta de empleo. También en algún caso problemas para comprar algunos fármacos. En menor orden, problemas graves para la compra básica de alimentos y otros productos. Tengo pacientes que precisan acudir al banco de alimentos de la localidad.

Empeoró el nivel adquisitivo de algunos pacientes y no podían acceder a tratamientos médicos por el copago (co-participação) farmacéutico.

Pruebas (exames) diagnósticas tardías, visitas con demora.

Algunos pacientes no siguen el tratamiento por no poder pagarlo.

Los problemas económicos de la población han derivado en problemas sociales/de salud.

Preocupación, estrés.

Personas de más de 50 años que se quedaron sin empleo y no pudieron reengancharse (reingresar) al mercado laboral. Personas que perdieron ingresos (renda) y no pudieron hacer frente a las deudas (dívidas).

Pérdidas de trabajo, deterioro de las economías familiares. Dificultad para comprar medicinas.

El copago (co-participação no pagamento) de fármacos hizo que se dejaran tratamientos. La alimentación paso a ser de supervivencia en muchas familias. Otras personas dejaron de tener actividades de ocio. Sobrevivían.

Los recortes en APS creo que no afectaron a la población realmente. Se suplió con la enorme profesionalidad de enfermería

Ansiedad, estrés.

La volatilidad del mercado laboral ha expulsado o empeorado las condiciones de trabajo de muchas personas, generando problemas de salud física, psicológica y emocional. Los proyectos de vida, en muchas ocasiones, se han visto interrumpidos.

Falta de medicación por no poder pagarla- evitar hacer pruebas (exames) necesarias.

Privar de asistencia sanitaria a grupos más vulnerables. Menos inversión (investimento) en promoción de la salud y prevención de la enfermedad

Alimentación, tratamientos, vivienda (moradia).

Mayor desempleo, aumento suicidios, alteraciones mentales y emocionales, depresión ansiedad, etc Cargas de cuidados de niños por abuelos (avós) , empeoramiento de la calidad de la comida...

Disminución del poder adquisitivo de las familias: pobreza infantil, pensionistas con cargas familiares, aumento de los trastornos emocionales en relación a las situaciones vitales desfavorables producto de la crisis económica,...

Peor alimentación. Paro (desemprego) que redunda en situaciones de estrés y economía.

Listas de espera, más demanda de visitas de urgencia.

Personas que acogía a sus hijos y familias en su domicilio y todos vivían con el dinero de uno de ellos.

Pobreza, explotación (exploração) laboral de la mujer, sobrecarga económica de los abuelos (pessoas idosas) que acaban sosteniendo a sus familias, no poder comprar medicación, no poder realizar alimentación equilibrada, desesperanza, depresión, desatención, dependientes...etc.

Resultados das entrevistas individuais

Os entrevistados descrevem os efeitos da crise em termos amplos, relacionados e complexos, atingindo os diversos setores econômicos e agravados pelas medidas de austeridade e os consequentes cortes de recursos:

Cuando llega la crisis económica y financiera, provocando todo esto y los precios de la vivienda subieron de una manera escandalosa. Es decir que había mucha, mucha oferta, pero además oferta muy cara, pero como eran baratos para la gente, se hipoteca, va, por 25 y 50 años para pagar la vivienda [moradia] ...cuando se produce la crisis el crack, por la crisis financiera y económica y la gente no puede pagar, no puede hacer frente a eso porque empiezan los despidos masivos, la construcción se paraliza. Se paraliza, se pasa de una construcción masiva a paralizarse, entonces toda esta gente que venía trabajando en la construcción queda en el desempleo, y todo lo que la construcción llevaba, arrastraba. Es decir, pues, todas las empresas relacionadas con construcción, con materiales de construcción - aceros, mármoles, todo. Vá en cadena y cayendo, con lo cual empiezan a aumentar el número de parados en España, empiezan a aparecer los primeros desahucios [despejos]… (CV 2)

A crise atinge a todos, mas não da mesma forma. As consequências, em termos de impactos sobre a saúde da população, são apresentadas considerando variáveis de etnicidade, gênero, idade e capacidade socioeconômica, sobretudo a situação de ter ou não emprego:

Pues la crisis ha provocado que las patologías crónicas aumentaran. ¿Por qué? Porque por ejemplo, aquí en esta población, aquí todo lo que es de alimentación, el ejercicio, lo que son los hábitos saludables, pues la veo mal…por ejemplo, yo tengo pacientes crónicos diabéticos, que me dicen, sí que está muy bien que tengo que llevar unos consejos, pero, o pago la luz, o hago la dieta. Es que somos siete en la familia, todos en paro, vivimos con 400 euros de la pensión de la abuela, con dos niños, una enferma oncológica, y la persona mayor, que es la que tiene los 400 €, tiene hipoglucemias. Pero es que come una vez al día para que los niños coman dos. La crisis afecta esta población más...los niños están en la escuela, la mayoría escolariza a los críos para que coman en el colegio todos los días. (CV 1)

Lo que nadie puede negar es que aumentó de manera muy significativa en los umbrales de pobreza en España. Es decir, cada vez había más familias pobres y cuando decimos de familias pobres quiere decirse de familias que no tenían acceso a necesidades básicas. Necesidades básicas como alimentación, como calefacción, como iluminación. (CV 2)

Los problemas de salud que pueden asociarse a la crisis pienso que van directamente asociados al déficit económico de las familias. El que viviesen dos familias con los ingresos de una hizo que bajase la guardia al respecto de la vigilancia y prevención en salud, había que vivir el día a día. (A 2)

Em relação ao País Basco (Euskadi, em euskera, a língua local), o relato evidencia diferenças no impacto da crise, considerando que foi menor que o ocorrido em outras comunidades:

Aquí en Euskadi, no hubo la burbuja inmobiliaria que hubo en todo el Mediterráneo, y que hubo en gran parte del mundo. Aquí sí que se produjo, la crisis del 2008 llegó con un cierto retraso, y tuvo un impacto en la industria que hizo que parte de la población trabajadora emigrara a otras partes de Europa. Pero, muchos de estos trabajadores algunos han vuelto. Y no tuvo el peso que tuvo en otras partes la crisis. (PB 1)

Algumas normativas específicas e que foram modificadas ou suprimidas em função das medidas de austeridade foram destacadas, como a Lei da Dependência e a questão do subsídio (co-pagamento) que havia para a aquisição de medicamentos, denominado de copago:

También ocurrió que todo el tema de la Ley de Dependencia. Lo que al principio surgió como un apoyo a las personas dependientes, pues al final lo que ocurrió fue que más personas dependientes van surgiendo pero no se les da la respuesta y entonces, claro, te encontrabas con personas que habían tenido la suerte de tener la prestación antes de la crisis y después el que la solicitaba, pues, tardaba pues como 2 años, 2 años y medio…no había recursos, estaba en espera y habitualmente el paciente fallecía antes de llegar la prestación. Eso generaba también una acción por parte de la familia y por parte del propio paciente, que no se veía que a su alrededor había personas que aun estando mejor que él como habían tenido la suerte de disfrutarlo, porque antes tenían servicios de dependencia y ellos en situación peor. (A 1)

O engajamento e o compromisso dos enfermeiros e das equipes em um projeto da APS, originados na reforma sanitária anterior são ressaltados, juntamente com sentimentos de perda e retrocesso, além de mudanças no modelo assistencial quando a crise se instalou:

Hombre, que empezamos en el 85 y, bueno, veníamos… éramos eso de salud para todos en el año 2000, Alma Ata… [risas] íbamos resolver a todo en la Primaria...entonces, cuando nosotras enfermeras empezamos, estábamos dentro de las consultas de los médicos, viendo la recetas... y demás entonces era como la revolución de la Primaria, ¿no? Pasamos a tener autonomía, a ver nuestros pacientes, los programas, sabes, todo. ¡Entonces, que sí que pensábamos que, claro, como se prometía, que desarrolló, iba a ser tremendo! (CV 3)

Las condiciones de trabajo eran acumulo de tareas que se asumían, ya que en ese momento había entusiasmo por darle a la Atención Primaria la valía que tiene, y que en ese momento era poco considerada y que es hoy día el punto principal de apoyo del 2º y 3º nivel y que en esos años se intentaba conseguir el máximo rendimiento […] Se solventaron muchos problemas de salud por la cohesión de los equipos de Atención Primaria. (A 2)

Hombre, profesional que siempre ha creído, que es lo que es en si la atención primaria, que es el estar cerca del paciente y el poder intentar promover la salud y prevenir en el caso de que ya esté instalada una enfermedad…veían que se iba perdiendo, perdiendo el sentido, que no podías dedicarle tanto tiempo a esta actividad enfermera era más fácil asistencial. De hecho, en algunos centros de salud se prima más eso, el asistencial. (CV 4)

Há convergência nas respostas quanto à consideração de que a Espanha vivencia até hoje uma situação de crise, ainda que amenizada. O principal elemento destacado para sustentar esta assertiva é o de que não ocorreu ainda uma recuperação efetiva nos investimentos, comparável aos patamares anteriores à crise.

DISCUSSÃO

As consequências para a saúde da crise vivenciada na Espanha são parte de um processo complexo de interação entre fatores sociais, político-econômicos e culturais, que também têm referência geopolítica internacional. Deve-se considerar que na União Europeia as decisões macropolíticas foram influenciadas pelas instituições comunitárias europeias, com efeitos especiais em países como Espanha, Portugal e Grécia⁽⁸⁾, e consequências sobre os pactos sociais em torno de políticas de bem-estar social⁽¹³⁾. A troika, expressão que se refere a um tipo de triunvirato decisório composto pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, conduziu a imposição de exigências de cortes financeiros com foco nas políticas sociais de trabalho, educação e saúde por meio das chamadas medidas de austeridade. No entanto, é notório e público o fato de o socorro às instituições financeiras privadas ter se dado por meio de megapacotes utilizando dinheiro público, o que foi amplamente noticiado pela mídia jornalística do mundo ocidental.

A crise, para os enfermeiros espanhóis, teve diferentes repercussões, dependendo de como as Comunidades Autônomas gerenciaram os recursos de saúde. Embora não existam dados nacionais, na Catalunha, por exemplo, os enfermeiros identificaram como aspectos negativos importantes a redução de salários, o aumento da pressão e a precariedade no trabalho⁽¹⁴⁾. A crise afetou, em termos de diminuição de pessoal, mais o setor da Atenção Especializada do que a Atenção Primária, embora em termos de gastos em geral, tenha sido mais afetada a APS. Os profissionais mais afetados por essa diminuição da força de trabalho foram as categorias não-médicas, entre as quais a da enfermagem⁽⁹⁾. Tais medidas, no entanto, não se distribuem de forma igual entre as Comunidades Autônomas. O mesmo estudo aponta que no País Basco houve incremento no número de profissionais de saúde no mesmo período analisado, assim como no número de leitos hospitalares, denotando a continuidade dos investimentos no setor de saúde. Ainda assim, as enfermeiras bascas também apontaram para a ocorrência de sobrecarga de trabalho, em especial na APS, o que pode estar relacionado ao perfil de adoecimento prevalente e ao predomínio do enfoque biomédico.

Os efeitos das medidas de austeridade, que resultaram nos cortes orçamentários e nas restrições de recursos para o setor saúde, também resultaram em consequências desiguais para a população. Embora se considere que toda a população sofreu, em maior ou menor grau, os efeitos da crise, esta afetou de forma mais grave os grupos populacionais já penalizados pelo aumento das taxas de desemprego, como os trabalhadores da construção civil ou de algumas indústrias, os que já vinham de trajetórias históricas de exclusão e exploração, como migrantes e ciganos, ou os mais idosos, dependentes da assistência social, e dentre estes, as mulheres^(15-17).

Dentre as situações mencionadas pelos entrevistados e no survey, temos a exclusão do acesso ao sistema de saúde por parte dos imigrantes sem autorização de residência e a inclusão de co-pagamentos em medicamentos para idosos, após a publicação do Real Decreto-Lei (RDL) 16/2012. Profissionais de saúde de Madrid consideraram que estas medidas não foram adequadamente explicadas em relação aos seus objetivos, afirmando que foram orientadas pela ideia de “poupar a qualquer preço”⁽¹⁷⁾. O acesso de migrantes ao sistema de saúde foi reestabelecido por medida governamental em 2018, mas os efeitos restritivos anteriores ainda são percebidos pelos enfermeiros.

Sobre os problemas de saúde percebidos na população atendida, algumas pesquisas identificaram que, durante a fase inicial da crise, entre 2008 e 2012, um aumento de problemas foi observado em áreas, como diagnóstico de patologias mentais, qualidade de vida relacionada à saúde da criança e saúde mental do homem⁽⁶⁾. Em Castilla-la-Mancha, foram identificadas correlações entre o aumento das taxas padronizadas de suicídio nos anos de 2007-2008 e a Taxa de Desemprego (correlação positiva) e o Produto Interno Bruto - PIB (correlação negativa), comparadas com as taxas no período pré-crise⁽¹⁸⁾.

O tema das doenças crônicas, que representa uma importante fatia dos gastos e impactos na saúde da população na Espanha foi considerado pelos enfermeiros à luz das situações de restrição financeira impostas pela crise: o grupo mais afetado por problemas relacionados às condições crônicas foram os mais penalizados do ponto de vista econômico. O tema da educação e apoio para a alimentação saudável e dos hábitos de vida, que é central na atenção de enfermagem a este grupo⁽¹⁹⁾, perde a importância em uma situação onde o desemprego e o desamparo levam a opções como a mencionada pela CV2. As pessoas mais velhas, que possuem uma renda mínima, porém insuficiente, sustentam a família toda, e tendem a fazer sacrifícios em favor das crianças, tanto diminuindo o número de refeições como optando por alimentos de menor custo, que são também os que tendem a ser os considerados menos saudáveis.

O conjunto de mudanças aponta para uma mudança importante no processo de trabalho da enfermeira comunitária espanhola, com dificuldades e barreiras para cumprir tarefas assistenciais de atendimento individual, em detrimento do trabalho comunitário. Estas dificuldades resultam em tensões entre os princípios norteadores da enfermagem comunitária espanhola e as muitas pressões e restrições sofridas pelos enfermeiros.

Alguns enfermeiros apontaram que, na conjuntura de crise que vivenciam, há um giro na direção de uma concepção de saúde de caraterísticas biomédicas e hospitalocêntricas, o que, por sua vez, é coerente com os enfoques econômicos e políticos neoliberais acerca das políticas públicas sociais e de bem-estar, cujas bases vêm sofrendo uma corrosão após a crise, inclusive no Brasil. Considera-se que a superação deste dilema, na perspectiva da enfermagem comunitária espanhola, só ocorrerá a partir da inter-relação de elementos organizativos, administrativos, formativos e de uma postura ético-política que defenda a centralidade da pessoa, da família e da comunidade para um cuidado integrado, integral e integrador de enfermagem⁽²⁰⁾. Nesse sentido, é preciso considerar a indissociabilidade entre o mundo do trabalho, onde se produzem as práticas de cuidado; e o mundo da formação profissional, que deve ser entendida para além da dimensão técnica e assistencial do trabalho de enfermagem, reconhecendo seu papel como prática social que contribui para a saúde como direito⁽²¹⁾.

Limitações do estudo

A utilização de método de coleta de dados com base em questionário autoaplicável, divulgado e respondido pela internet, dificulta a validação de informações qualitativas de caráter narrativo, e exigiu a exclusão de algumas respostas, pela pouca clareza do texto registrado. O número de respondentes também pode ser considerado um limite, embora a recorrência das informações também seja um fator a ser considerado.

Não foi possível acessar textos técnicos específicos que apresentassem a natureza e o volume exato dos cortes orçamentários e financeiros que ocorreram em função das medidas de austeridade, contando-se apenas com as informações de artigos e relatórios publicados para discutir este aspecto.

Contribuições para a enfermagem e para a saúde pública

Conhecer os impactos das crises político-econômicas sobre a saúde e os sistemas de saúde dos países é relevante para a enfermagem, em nível internacional, já que permite identificar estratégias e modos de produção do cuidado capazes de serem compartilhados e de fortalecer a profissão nas suas bases ético-políticas comuns, em todo o mundo. Ademais, reforça-se um entendimento a respeito do valor da enfermagem como prática social global em defesa da vida e do acesso universal à saúde, para além de sua dimensão técnica. As contribuições, nesse sentido, inclui as áreas da assistência, da gestão do cuidado e da formação profissional.

Dado o caráter cíclico destas crises dentro do modo de acumulação capitalista, estudos em perspectiva comparada permitem aprofundar e ampliar o conhecimento acerca das ameaças e potencialidades dessas crises para os sistemas universais de saúde, apontando, ao mesmo tempo, para a atualização dos temas relevantes para a saúde pública em nível internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece-nos que para além das consequências sobre a saúde e a perda de qualidade de vida da população, os impactos da crise econômica afetam os modelos de atenção à saúde e a autonomia profissional de profissionais de saúde, sobretudo enfermeiras, quanto determinam mudanças e pressões sobre os processos de trabalho a partir de interesses que desconsideram as competências profissionais e realidades sanitárias.

Apesar do grande impacto sobre as populações em geral, o foco maior nas populações vulneráveis indica o acirramento das políticas liberais e sua expressão na saúde, indicando que as crises na saúde afetarão de modo diferente as populações, ajudando a aumentar os nichos de desigualdade social. Porém, processo de trabalho tende a se centrar no atendimento às demandas individuais, sem lograr avançar em uma abordagem sobre os processos de determinação mais amplos da saúde, comprometendo um cuidado integral, integrado e integrador por parte da enfermagem junto a estes grupos.

As enfermeiras espanholas entrevistadas indicam possuir alguma visão crítica sobre os impactos da crise e sobre o seu papel social. No entanto, não apontam claramente a expressão da crise sobre suas práticas e processo coletivo de trabalho. Nesse sentido, considera-se fundamental refletir sobre o papel dos enfermeiros como coletivo trabalhador e produtor de respostas e propostas para a APS que podem colaborar para o enfrentamento das conjunturas de crise, de precarização e desconstrução dos processos de trabalho e de ameaças às políticas de direito à saúde.

• FOMENTO
  O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Apoio de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fonte de financiamento 001.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Abr 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  29 Mar 2019
• Aceito
  06 Out 2019