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Permissão de partida: um cuidado espiritual de enfermagem na finitude humana

RESUMO

Objetivos:

refletir sobre a experiência docente na aplicação do cuidado espiritual de enfermagem denominado permissão de partida.

Métodos:

trata-se de uma reflexão e descrição metodológica de uma tecnologia leve de cuidado espiritual de enfermagem denominada permissão de partida.

Resultados:

a permissão de partida é um cuidado espiritual que facilita uma relação terapêutica intencional de confiança e segurança entre o profissional, o paciente e a família, propiciando a expressão de sentimentos, crenças e rituais religiosos ou espirituais que auxiliam na situação de morte e morrer.

Considerações Finais:

cunhou-se um conceito estruturado por palavras e atitudes que reforçam o positivo, buscando um estado de consciência de paz e a promoção da dignidade no processo de morte e morrer, bem como um tempo para que o paciente, a família e a equipe possam vivenciar recolhimento e despedida.

Descritores:
Espiritualidade; Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida; Enfermagem de Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida

ABSTRACT

Objectives:

To reflect on teaching experience in the application of the spiritual nursing care called permission for departing.

Methods:

It is a methodological reflection and description of a subtle technology for spiritual nursing care called permission for departing.

Results:

the permission for departing is a spiritual care that allows for an intentional therapeutic relationship of trust and safety among the professional, patients, and the family, enabling the expression of feelings, beliefs, and religious or spiritual rites that help in death and dying situations.

Final Considerations:

a concept structured by words and attitudes reinforcing what is positive was coined, aiming at a consciousness state of peace and the promotion of dignity in the death and dying process, as well as for time for the patients, their families and the team to experience contemplation and parting.

Descriptors:
Spirituality; Nursing; Nursing Care; Hospice Care; Hospice and Palliative Care Nursing

RESUMEN

Objetivos:

reflexionar sobre la experiencia docente en la práctica del cuidado espiritual de enfermería llamado permiso para partir.

Métodos:

se trata de reflexión y descripción metodológica de una tecnología sutil de cuidado espiritual de enfermería llamada permiso para partir.

Resultados:

el permiso para partir es un cuidado espiritual que proporciona una relación terapéutica intencional de confianza y seguridad entre el profesional, el paciente y la familia, además propicia la expresión de sentimientos, de creencias y de rituales religiosos o espirituales que auxilian en la situación de muerte y del morir.

Consideraciones Finales:

se ha acuñado un concepto estructurado con palabras y actitudes que refuerzan lo positivo, que busca un estado de conciencia de paz y la promoción de la dignidad en el proceso de muerte y del morir, así como un tiempo para que el paciente, la familia y el personal puedan experimentar la recogida y la despedida.

Descriptores:
Espiritualidad; Enfermería; Atención de Enfermería; Cuidados Paliativos al Final de la Vida; Enfermería de Cuidados Paliativos al Final de la Vida

INTRODUÇÃO

A vida e a finitude entrelaçam-se indissociavelmente como parte da jornada humana e, desde tempos imemoriais, essas questões permanecem como fonte de reflexão. Desde os povos primitivos até a sociedade atualmente constituída, nenhuma civilização deixou incólume a historicidade e a complexidade da dimensão espiritual do humano(11 Costa MF, Soares JC. Free as a butterfly: symbology and palliative care. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2015 [cited 2018 Jul 24];18(3):631-41. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v18n3/en_1809-9823-rbgg-18-03-00631.pdf
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) para além do corpo físico. Portanto a morte, configurando-se como certeza, pode desencadear sofrimento físico e espiritual diante do despreparo dos seres humanos para lidar com esta realidade. Essa dificuldade, percebida e desenhada no contexto social, reflete nas relações profissionais e em seus respectivos processos de trabalho, endossando, por exemplo, no campo da saúde, uma das justificativas plausíveis para o engessamento de profissionais mediante o cuidado espiritual em saúde.

Diante da conjuntura cultural e social que impacta sobre o despreparo profissional para acolher as pessoas no processo de morte e morrer, criou-se, em janeiro de 2017, um projeto de extensão da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus de Chapecó, em parceria com o Hospital Regional do Oeste (HRO), com o objetivo de sensibilizar a tríade paciente-família-profissional, envolvidos nesta situação de saúde, e promover alívio das dores psíquicas relacionadas à terminalidade da vida, favorecendo uma condição digna e suportável no viver e no morrer, além de fortalecer e aliviar a dor dos que ficam, os familiares e as pessoas significativas para o paciente.

A vivência docente com essa tríade na condição do processo de morte e morrer foi pano de fundo para criar e desenvolver o cuidado espiritual de enfermagem que se intitula permissão de partida (PP). Esse cuidado se justifica diante das resistências e angústias experimentadas pelo profissional de enfermagem no manejo do paciente e de sua família no processo de morte e morrer, apontadas pela literatura(22 Bitencourt JVOV, Leo MMF, Zenevicz LT, Souza SS, Silva TG, Santos MG. Avaliação das necessidades humanas básicas: espiritualidade (crenças e valores), segurança emocional, sexualidade e educação para a saúde/consumo de álcool e drogas. In: Vargas MAO, Nascimento ERP, compilers. Programa de atualização em enfermagem terapia intensiva. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2017. p. 81-132.) e observadas empiricamente pelos autores no cotidiano profissional, implicando uma - não única, certamente - estratégia relevante e aplicável de cuidado espiritual.

Portanto, acreditamos ser fundamental refletir acerca do processo de morte e morrer para que os profissionais de saúde tenham subsídios teórico-metodológicos para manejar a finitude da vida durante o processo de cuidado e, assim, produzir melhores práticas na atenção à saúde.

OBJETIVOS

Refletir sobre a experiência docente na aplicação do cuidado espiritual de enfermagem denominado permissão de partida.

O desenvolvimento do cuidado espiritual: permissão de partida

a permissão de partida (PP) é um cuidado espiritual que oportuniza um contato terapêutico intencional de confiança e segurança entre o profissional, o paciente e a família, facilitando a expressão livre e segura de sentimentos, crenças e rituais religiosos ou espirituais que se podem engendrar na situação de morte e morrer. A PP se configura como um cuidado espiritual, enquanto tecnologia leve, ou seja, enquanto tecnologia de relações, que produz vínculo, media o acolhimento dos pacientes, além de gerenciar, de modo subjetivo, os processos de trabalho em saúde e de operar sistematicamente por meio do vínculo interpessoal, do manejo ambiental e da condução de frases estruturadas que serão elucidadas ao longo deste estudo. Nesse sentido, espera-se que a PP propicie a condição terapêutica necessária à manifestação de dores, angústias, expectativas e medos experenciados pelo paciente e familiares, facilitando a superação de resistências e culpas para ressignificar o processo de morte do paciente, bem como a vida dos demais, quando de sua ausência.

A aplicabilidade desta tecnologia de cuidado espiritual tem se mostrado promissora para diminuir efetivamente o sofrimento espiritual do paciente e dos familiares frente à finitude da vida, e sensibilizar profissionais da saúde a respeito do sofrimento espiritual e da necessidade de cuidados nesta dimensão de atenção à saúde, concebida sob uma lógica ampliada de assistência à integralidade do ser. Factualmente, o objetivo desta tecnologia se assegura à medida que o profissional de enfermagem se instrumentaliza para a PP e se dedica a elaborar psiquicamente suas próprias crenças e sentimentos a respeito da morte, da vida e da relação profissional-paciente, a ponto de se abster de julgamentos e tendências pessoais sobre o cenário que ali se estabelece.

Dessa forma, são critérios para o desenvolvimento da PP: o respeito à crença religiosa ou espiritual do paciente e familiares no momento da aplicação deste cuidado; a garantia de plena liberdade religiosa aos participantes; o resguardo de informações sigilosas que, por ventura, sejam confidenciadas pelo paciente ou familiar ao profissional (salvo informações resguardadas pelos códigos de deontologia, que ensejem sua notificação a entidades específicas); a anuência esclarecida dos partícipes; e o apoio emocional ao paciente e familiar antes, durante e após o procedimento.

Metodologicamente, a PP requer contato prévio para esclarecimento e consentimento da família e do paciente, quando consciente, uma vez que são eles o objeto do cuidado. Esta condição inicial é determinante para o resultado dessa prática e requer habilidades comunicacionais e postura ética empática do profissional para identificar o campo para a aplicação do cuidado.

Alguns questionamentos são imprescindíveis para o desenvolvimento do cuidado: está estabelecida clinicamente uma situação de morte e morrer? Paciente e familiar estão esclarecidos sobre este fenômeno? Paciente e/ou familiar precisam da PP para facilitar o desenlace e/ou aliviar algum nível percebido de sofrimento espiritual e/ou para desenvolver um esclarecimento sobre esta condição de proximidade da morte? O paciente entende e aceita o cuidado espiritual proposto? O familiar entende e aceita o cuidado espiritual proposto? Está o familiar disposto a oferecer ao paciente a PP?

Inicialmente, recomenda-se oportunizar um ambiente silencioso e privativo, que resguarde a privacidade, o respeito e o diálogo amoroso, indispensáveis a esse cuidado, e que ofereça ao profissional condições para conduzir e esclarecer a PP a essas pessoas. Sugestivamente, a depender das características do local (instituição de saúde, domicílio ou outro), podem ser utilizados objetos pessoais do paciente ou familiar, que os remetam às próprias crenças e símbolos culturais, bem como música instrumental e afins, recursos catalizadores do processo de concentração e conexão afetiva e espiritual entre os presentes.

É fundamental que o ambiente no qual se dará a PP não faça referência a qualquer crença religiosa em especial, de forma que se apresente acolhedor às crenças e rituais valorizados pela família em questão. Da mesma forma, é essencial que o profissional que desenvolverá o cuidado assuma uma atitude de respeito, abstendo-se de quaisquer manifestações relativas às suas próprias crenças e à sua própria religião. Há que se lembrar que nem todas as pessoas professam alguma religião ou creem em Deus ou em outra divindade. Assim, a tendenciosidade religiosa ou espiritual por parte do profissional pode impor barreiras à comunicação interpessoal, descaracterizando a PP.

Preferencialmente, mas não necessariamente, de mãos dadas com a família e junto ao paciente, consciente ou não, estabelece-se a seguinte sequência de passos: 1) afirma-se com a família a importância do paciente como ser humano digno de respeito (todos repetem: “Somos gratos por sua existência”); 2) reforça-se que o sentimento que os uniu não esmaecerá com o tempo e com a distância (todos repetem: “Nós o queremos bem”, a depender da relação que se apresenta e da preferência dos presentes); 3) propõe-se o perdão das falhas cometidas (todos repetem: “Nós o perdoamos e esperamos que você nos perdoe”); 4) resgata-se o compartilhamento dos momentos felizes que ficaram na memória (todos repetem: “Não o esqueceremos”) e a gratidão pela presença, pelo companheirismo e dedicação na jornada (todos repetem: “Muito obrigado”); 5) cada familiar poderá verbalizar algo que tenha marcado a existência junto daquele que está partindo, sempre reforçando o sentimento positivo; 6) os integrantes da família verbalizam, amorosamente: “Estamos aqui e está tudo bem! Podes partir em paz! Ficaremos juntos! Cuidaremos uns dos outros!”; e 7) o profissional ou um dos familiares lê ou faz um discurso, prece ou mensagem, coerente com as crenças da família e daquele que está partindo. Os presentes podem lançar mão de símbolos que acalentem e demonstrem suas crenças. Tal cuidado poderá ser realizado mais de uma vez junto ao mesmo paciente e familiares, desde que haja manifestação de vontade e disposição interior dos presentes.

A prece vem sendo estudada no âmbito da saúde enquanto atividade espiritual promotora de bem-estar que impacta sobre o estado de saúde, minimizando o estado de ansiedade, estabilizando a pressão arterial e a frequência respiratória em pessoas com doenças crônicas, bem como maximizando sua adesão ao tratamento, constituindo uma técnica simples, aplicável e sem custo, enquanto terapia coadjuvante(33 Carvalho CC, Chaves ECL, Iunes DH, Simão TP, Grasselli CSM, Braga CG. Effectiveness of prayer in reducing anxiety in cancer patients. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2018 Jul 24];48(4):684-90. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n4/0080-6234-reeusp-48-04-683.pdf
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). Nesse sentido, a prece é um instrumento para o cuidado espiritual de enfermagem, contemporaneamente pautado em evidências científicas, que pode amparar o processo de PP, desde que contextualizado. Em situações singulares em que o paciente não reconheça como legítimo um sistema de crenças ou preces, é possível trabalhar a PP com base em palavras para as quais esse indivíduo atribua sentido existencial, que poderão ser investigadas junto a ele próprio ou junto às pessoas significativas que se façam presentes ao longo da hospitalização. Trata-se, pois, de não impor ao paciente e a seus familiares qualquer tipo de crença ou fé.

Ressalta-se que o cuidado deverá ser esclarecido previamente aos participantes, os quais devem anuir com cada etapa. Sendo desejado por eles o desenvolvimento deste cuidado, porém manifestadas ressalvas em relação a alguns dos itens que compõem a PP, o profissional poderá adaptá-lo à circunstância.

O período de duração e o momento oportuno para realizar a PP são variáveis e dependerão de uma avaliação prévia abrangente do profissional que pretende desenvolvê-la. Nessa avaliação, é necessário explorar, junto ao paciente e familiares, os sentimentos envolvidos na relação, com o objetivo de resguardar a integridade de todos e evitar danos oriundos de uma comunicação iatrogênica ou parcial, bem como a imposição de crenças e ações do próprio profissional. Em suma, é indispensável que a decisão pelo cuidado seja compartilhada e não unilateralmente tomada pelo profissional.

Referenciais teóricos dos três elementos essenciais constituintes da permissão de partida: gratidão, amor e perdão

A morte, desde os primórdios, é considerada um mistério que suscita inúmeras questões acerca de quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Diante da finitude, o ser humano experencia a urgência da vida e os conflitos inerentes a ela, dificultando, por vezes, a assistência em saúde. Apesar de reconhecermos sua existência, vislumbramos nossa própria finitude quando assistimos ao paciente em situação de morte e morrer questionando o próprio sentido da vida, pois sabe-se que o homem é o único ser vivo que tem a consciência de sua finitude(44 Zenevicz LT, Moriguichi Y, Madureira VF. O vivenciar da espiritualidade nas alegrias e tristezas experienciadas no processo de envelhecimento e atitudes tomadas frente a elas. RBCEH [Internet]. 2012 [cited 2018 Jul 24];9(1):98-108. Available from: http://seer.upf.br/index.php/rbceh/article/view/1963/pdf
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).

A psicologia, nos últimos 60 anos, estudou profundamente o sofrimento humano, principalmente durante o século XX(55 Oliveira RS, Almeida EC, Azevedo NM, Almeida MAP, Oliveira JGC. Reflections on the scientific and legal basis for application of the systematization of nursing care. Uniabeu [Internet]. 2016 [cited 2018 Jul 24];8(20):350-62. Available from: http://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article/view/1912/pdf_298
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). Paralelamente, estudos sobre o fenômeno bem-estar foram desenvolvidos e, após os anos 2000, intensificaram-se as pesquisas psicológicas cujos constructos se opõem ao sofrimento, como gratidão, amor, perdão, entre outros, concebendo-se, assim, uma nova abordagem definida por Seligman e colaboradores como Psicologia Positiva(66 Seligman MEP, Csikszentmihalyi M. Positive psychology: an introduction. Am Psychol [Internet]. 2000 [cited 2018 Jul 24];55(1):5-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.55.1.5
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). O interesse da Psicologia Positiva consiste no desenvolvimento de estratégias por meio das quais o ser humano possa otimizar as boas condições de vida e de viver. Nesse sentido, fortalecem-se os mecanismos de prevenção de agravos e promoção de saúde.

Com base nessas inciativas, foram estruturados conceitos relativos ao que os autores denominam “forças e virtudes”(77 Park N, Peterson C, Seligman MEP. Strengths of character and well-being. J Soc Clin Psychol [Internet]. 2004 [cited 2018 Jul 24];23(5):603-19. Available from: http://dx.doi.org/10.1521/jscp.23.5.603.50748
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). Para os autores, as forças são características positivas expressas em pensamentos, sentimentos e comportamentos. Elas correspondem a caminhos ou maneiras de se atingir virtudes pessoais, podem ser desenvolvidas por qualquer ser humano e, ao praticá-las, o ser torna-se virtuoso. Os autores descreveram seis virtudes e vinte e quatro forças. O presente estudo vale-se dos conceitos de virtudes e forças: gratidão, amor e perdão, inerentes à Psicologia Positiva, para sustentar o cuidado espiritual PP.

Na ótica destes autores, a gratidão é uma força que designa a atenção que se presta aos eventos bons que acontecem na vida. Associada a outras, pode levar o ser humano a desenvolver a virtude da transcendência e a transmutar para um nível superior de consciência, criando elos com o universo, com algo maior e significativo. Sob esta perspectiva, o amor é uma força de valorização dos relacionamentos próximos e íntimos, que conduz ao desenvolvimento da virtude humanidade, que envolve o cuidado nas relações interpessoais. O perdão é uma força que remete à virtude temperança, ou seja, moderação e equilíbrio no processo de viver.

Além do referencial teórico da Psicologia Positiva, há outras concepções atuais sobre gratidão amor e perdão, que contribuem com a estruturação da PP. A gratidão envolve um sentimento de dívida ou o reconhecimento por algum benefício realizado, a partir de uma postura empática de quem agradece e valoriza a presença do outro, no caso o paciente em situação de morte e morrer(88 Pieta MAM, Freitas LBL. On gratitude. Arq Bras Psicol [Internet]. 2009 [cited 2018 Jul 24];61(1):100-8. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v61n1/v61n1a10.pdf
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). É também considerada energia de foro intímo, com possibilidades de auxiliar na cura dos padrões negativos do pensamento, doenças físicas e limitações da consciência. Estes sentimentos, quando verbalizados, asseguram estados mentais positivos, tornando os profissionais mais atentos e determinados, bem como os pacientes amados e cuidados, pois são respeitados em sua singularidade, gerando um bem-estar emocional.

O amor é um sentimento retratado como um admirável cordão que implica responsabilidade, empatia e compaixão(99 Franco DP. Amor, imbatível amor. Salvador: Leal; 2013.). Na PP, o amor, expresso na frase “Nós o queremos bem!”, é verbalizado para trazer à consciência a conexão entre as pessoas significativas presentes e aquele que está fora de possibilidades terapêuticas, com o objetivo de romper resistências para a despedida e oportunizar um contato interpessoal verdadeiro, confortando a todos.

Para além disso, os profissionais de saúde que se disponibilizam a cuidar do outro na finitude, de forma afetiva, conseguirão confortar e apoiar verdadeiramente o paciente e seus familiares. O perdão, habilidade sociocognitiva e interpessoal, não conhece limites e constitui-se em atitude moral na qual a pessoa considera abdicar do direito ao ressentimento, julgamentos e comportamentos negativos. Por fim, destaca-se a função dos componentes linguísticos “Não lhe esqueceremos”, “Estamos aqui e está tudo bem! Podes partir em paz! Ficaremos juntos! Cuidaremos uns dos outros!”, que estão imbricados nos elementos essenciais da PP. “Não lhe esqueceremos” pretende confortar a quem está prestes a partir desta existência. É uma medida que reforça seu legado e suas marcas pessoais, sugerindo que a sua presença será eternizada. “Estamos aqui e está tudo bem! Podes partir em paz! Ficaremos juntos! Cuidaremos uns dos outros!” pretende tranquilizar o paciente sobre sua responsabilidade para com os demais, reforçando verbalmente que este é o momento do seu preparo espiritual, para sentir o desapego, para a entrega. Todas as frases estão conectadas entre si e foram desenvolvidas empiricamente a partir da observação sistemática de demandas do paciente e familiares vivenciando o processo de morte e morrer.

Ainda vale reforçar a interface existente entre o referencial da Psicologia Positiva, que pretende conduzir ao bom funcionamento psicossocial e à resiliência(55 Oliveira RS, Almeida EC, Azevedo NM, Almeida MAP, Oliveira JGC. Reflections on the scientific and legal basis for application of the systematization of nursing care. Uniabeu [Internet]. 2016 [cited 2018 Jul 24];8(20):350-62. Available from: http://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article/view/1912/pdf_298
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), e o caráter terapêutico da PP que, ao se utilizar das forças gratidão, amor e perdão, subsidia o desenvolvimento de virtudes pessoais que auxiliarão no enfrentamento de adversidades e na superação do luto.

Permissão de partida: desafios para a enfermagem

as primeiras experiências com esta tecnologia de cuidado podem ser desafiadoras, tal como outras múltiplas técnicas de cuidado, porém a repetição do procedimento deverá resultar em maior segurança para o profissional e alcance de resultados. Entretanto, se prevê resistências à PP, enquanto tecnologia leve de cuidado a ser utilizada no exercício cotidiano da enfermagem, em virtude de múltiplos fatores, tais como o possível conflito entre essa tecnologia e o sistema de crenças do profissional, o impacto da herança biomédica sobre a enfermagem, paradigmática, que cultua a tecnologia dura e leve-dura em detrimento do cuidado espiritual, a inexistência de evidências científicas sobre os resultados da PP ou, ainda, a resistência institucional ou profissional ao novo, tão comumente observada. Ressaltamos, porém, a necessidade de superar uma ortodoxia biomédica para incluir, no cuidado, a dimensão espiritual. Trata-se aqui de ousar outras formas de cuidado no processo de morte e morrer, que enriqueçam as relações profissional-paciente-família no desenvolvimento de práticas ampliadas e integrativas de saúde.

A PP, como tecnologia de cuidado, desafia os limites físicos do cuidado e vem ampliando uma rede de profissionais ocupados de cuidar da dimensão espiritual do paciente e família, em diferentes cenários de cuidado, como o domicílio, o ambiente hospitalar, a atenção primária à saúde, em múltiplas condições de morte/morrer. Para que realize seguramente a PP, será necessário ao profissional acreditar na dimensão espiritual como seara da enfermagem para o desenvolvimento do cuidado integral, dada a relevância da espiritualidade no trabalho em saúde, como força capaz de auxiliar indivíduo, família e comunidade a superar as dificuldades da vida. Sendo assim, há destaque para a importância de cuidar da espiritualidade, pois o cuidado espiritual é uma chave para mudança pessoal no processo de viver, envelhecer e morrer(1010 Penha RM, Silva MJP. Meaning of spirituality for critical care nursing. Text Context Nursing [Internet]. 2012 [cited 2018 Jul 24];21(2):260-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n2/en_a02v21n2.pdf
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).

A PP se restringe ao conceito que vem sendo estruturado pela Universidade Federal da Fronteira Sul, operado conforme descrito neste estudo e não implicando, sob hipótese alguma, qualquer tentativa de convencimento de pacientes e familiares a respeito da interrupção de meios que garantam a manutenção da vida. Esta tecnologia de cuidado não se relaciona, portanto, a qualquer espécie de modalidade de abreviação da vida, bem como independe de qualquer abordagem terapêutica e/ou de recursos tecnológicos instituídos pelo serviço de saúde ou pela família junto ao paciente, não substituindo qualquer terapêutica médica tradicional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reduzir o medo e o sofrimento relacionados à finitude humana nos permite espiar, por um breve instante, a transcendência, auxiliar a arrumação das malas para a partida e pontilhar com a família e paciente todas as pendências que devem ser solucionadas. Construindo uma ponte para o novo, se cunhou um conceito estruturado por palavras e atitudes que reforçam o positivo, buscando um estado de consciência de paz e provendo a dignidade no processo de morte e de morrer, bem como um tempo para que o paciente, a família e a equipe possam vivenciar recolhimento e despedida.

O conceito de PP, ora estruturado, intenciona “liberar” o paciente para partir, para se entregar de forma amorosa, sem medo e sem sofrimento à morte. Para a família, o cuidado espiritual fortalece a esperança em melhores dias e a manutenção das forças para seguir em frente. Para a equipe, o entendimento de que espiritualidade e ciência são aliadas, se entrelaçam no cuidado e que podem desenhar uma assistência ampliada ao ser humano no processo de viver e de morrer.

Este trabalho se torna relevante na medida em que instrumentaliza a equipe de enfermagem para o cuidado espiritual em situações de morte e morrer de qualquer natureza, independentemente de área de atuação. Ao utilizar-se de tecnologias que valorizem a dimensão espiritual do paciente e sua família, a enfermagem expande seu território e alcance, bem como o contexto científico, ainda que este não possa traduzir em números e algoritmos todas as dimensões do humano, o que o mantém distante de alcançar as verdades e a essência do ser. Uma vez que se trata de uma tecnologia em desenvolvimento, sugere-se outros estudos que demonstrem e avaliem os resultados da PP a partir de diferentes perspectivas.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2018
  • Aceito
    04 Maio 2019
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
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