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Implantação de algoritmo de inteligência artificial para detecção da sepse

RESUMO

Objetivos:

apresentar a experiência de enfermeiros com inovações tecnológicas computacionais no apoio à identificação precoce da sepse.

Métodos:

relato de experiência de pré e pós-implantação de algoritmos baseados em inteligência artificial para a prática clínica em um hospital filantrópico, no primeiro semestre de 2018.

Resultados:

descrevem a motivação, para criação e uso do algoritmo, o papel do enfermeiro no desenvolvimento e na implantação dessa tecnologia e os seus efeitos no processo de trabalho da enfermagem.

Considerações Finais:

inovações tecnológicas precisam contribuir para a melhoria das práticas profissionais em saúde. Assim, enfermeiros devem reconhecer seu papel em todas as etapas desse processo, de modo a garantir o cuidado seguro, efetivo, centrado no paciente. No caso apresentado, a participação dos enfermeiros no processo de incorporação tecnológica potencializa a rápida tomada de decisão na identificação precoce da sepse.

Descritores:
Fidelidade a Diretrizes; Informática em Enfermagem; Inteligência Artificial. Sepse; Tomada de decisões

ABSTRACT

Objectives:

to present the nurses’ experience with technological tools to support the early identification of sepsis.

Methods:

experience report before and after the implementation of artificial intelligence algorithms in the clinical practice of a philanthropic hospital, in the first half of 2018.

Results:

describe the motivation for the creation and use of the algorithm; the role of the nurse in the development and implementation of this technology and its effects on the nursing work process.

Final Considerations:

technological innovations need to contribute to the improvement of professional practices in health. Thus, nurses must recognize their role in all stages of this process, in order to guarantee safe, effective and patient-centered care. In the case presented, the participation of the nurses in the technology incorporation process enables a rapid decision-making in the early identification of sepsis.

Descriptors:
Guideline Adherence; Nursing Informatics; Artificial Intelligence; Sepsis; Decision making

RESUMEN

Objetivos:

presentar la experiencia de enfermeros con innovaciones tecnológicas computacionales en el apoyo a la identificación precoz de la sepsis.

Métodos:

relato de experiencia de pre y post implantación de algoritmos basados en inteligencia artificial para la práctica clínica en un hospital filantrópico, en el primer semestre de 2018.

Resultados:

describen la motivación para la creación y uso del algoritmo; el papel del enfermero en el desarrollo e implantación de esa tecnología y sus efectos en el proceso de trabajo de la enfermería.

Consideraciones Finales:

las innovaciones tecnológicas necesitan contribuir a la mejora de las prácticas profesionales en salud, así que los enfermeros deben reconocer su papel en todas las etapas de este proceso, con el fin de garantizar el cuidado seguro, efectivo, centrado en el paciente. En el caso presentado, la participación de los enfermeros en el proceso de incorporación tecnológica potencializa la rápida toma de decisión en la identificación precoz de la sepsis.

Descriptores:
Fidelidad a Directrices; Informática en Enfermería; Inteligencia artificial; Sepsis; Toma de decisiones

INTRODUÇÃO

A sepse é um problema de saúde significativo no Brasil, com números de óbitos que variam de 982.294 relatados, em 2002, para 1.133.761, conforme relatado em 2010(11 Taniguchi LU, Bierrenbach AL, Toscano CM, Schettino GPP, Azevedo LCP. Sepsis-related deaths in Brazil: an analysis of the national mortality registry from 2002 to 2010. Crit Care. 2014;18(6):608. doi: 10.1186/s13054-014-0608-8
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). Uma revisão sistemática recente sobre a incidência global de Sepse tratada em hospitais mostra que a mortalidade hospitalar foi de 17% para sepse e 26% para sepse grave durante a última década(22 Fleischman C, Scherag A, Adhikari NK, Hartog CS, Tsaganos T, Schlattmann P, et al. assessment of global incidence and mortality of hospital-treated sepsis. Current estimates and limitations. Am J Respir Crit Care Med. 2016;1;193(3):259-72. doi: 10.1164/rccm.201504-0781OC
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). Essa condição é a principal geradora de custo nos setores público e privado devido à necessidade de usar equipamentos sofisticados, medicamentos caros, além de exigir a assistência médica qualificada e adequada da equipe de saúde.

Nos últimos anos, tem havido grande interesse no desenvolvimento de algoritmos de aprendizado de máquinas(33 Kleinpell R. Promoting early identification of sepsis in hospitalized patients with nurse-led protocols. Crit Care. 2017;21(10):1-3. doi: 10.1186/s13054-016-1590-0
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4 Domingos P. A few useful things to know about machine learning. Commun ACM. 2012;55(10):78-87. doi: 10.1145/2347736.2347755
https://doi.org/10.1145/2347736.2347755...
-55 American Thoracic Society (ATS). Machine learning may help in early identification of severe sepsis. ScienceDaily [Internet]. 2017 [cited 2018 May 15]. Available from: www.sciencedaily.com/releases/2017/05/170524100616.htm
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) que podem potencializar a capacidade dos profissionais de saúde no diagnóstico precoce, considerando-se os resultados do tratamento da sepse, mesmo quando já existe um protocolo institucional. No cenário da Inteligência Artificial (IA), destaca-se o Aprendizado de Máquina (do inglês, Machine Learning - ML). Em resumo, ML é a ciência de fazer com que os computadores aprendam e ajam como os humanos e melhorem seu aprendizado ao longo do tempo de forma autônoma, alimentando-os com dados e informações na forma de observações e interações do mundo real. A abordagem com algoritmos de aprendizado de máquina pode descobrir como realizar tarefas importantes, generalizando a partir de exemplos(44 Domingos P. A few useful things to know about machine learning. Commun ACM. 2012;55(10):78-87. doi: 10.1145/2347736.2347755
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). Na saúde, essa tecnologia auxilia a tomada de decisão de forma precisa, utilizando-se, assim, algoritmos. Nesse sentido, a partir das análises realizadas por ML, a máquina apresenta predições estatísticas precisas(55 American Thoracic Society (ATS). Machine learning may help in early identification of severe sepsis. ScienceDaily [Internet]. 2017 [cited 2018 May 15]. Available from: www.sciencedaily.com/releases/2017/05/170524100616.htm
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).

No contexto da identificação precoce da sepse, o papel de enfermeiros na avaliação dos sinais e sintomas já é bem reconhecido pela literatura mundial(33 Kleinpell R. Promoting early identification of sepsis in hospitalized patients with nurse-led protocols. Crit Care. 2017;21(10):1-3. doi: 10.1186/s13054-016-1590-0
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4 Domingos P. A few useful things to know about machine learning. Commun ACM. 2012;55(10):78-87. doi: 10.1145/2347736.2347755
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5 American Thoracic Society (ATS). Machine learning may help in early identification of severe sepsis. ScienceDaily [Internet]. 2017 [cited 2018 May 15]. Available from: www.sciencedaily.com/releases/2017/05/170524100616.htm
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-66 Winterbottom F. Nurses' critical role in identifying sepsis and implementing early goal-directed therapy. J Contin Educ Nurs. 2012;43(6):247-8. doi: 10.3928/00220124-20120523-33
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). Considerando um contexto mais amplo, a produção científica na área de Enfermagem em relação à gestão de recursos humanos, segurança do paciente e qualidade dos cuidados hospitalares mostra que há uma conexão entre esses fatores, bem como entre a cultura e a gestão organizacional(77 Garcia PC, Fugulin FMT. Nursing care time and quality indicators for adult intensive care: correlation analysis. Rev Latino-Am Enfermagem. 2012;20(4):651-8. doi: 10.1590/S0104-11692012000400004
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), na identificação precoce de agravos que podem colocar em risco a prestação de um cuidado seguro. Nessa perspectiva, enfermeiros precisam usar indicadores relacionados a dados clínicos e administrativos como uma abordagem importante para documentar e monitorar os cuidados oferecidos e seus desfechos.

Para alcançar esse objetivo de usar informações a fim de apoiar a tomada de decisões, enfermeiros, bem como outros profissionais relacionados à saúde, devem buscar a literácia informacional. Esta é um conceito que tem uma abordagem de resolução de problemas que evoluiu a partir do aprender sobre fontes de informação, sendo associado a tecnologia da informação, desenvolvimento de habilidades técnicas e uso de bancos de dados. Mais recentemente, passou a ser entendido através das lentes das habilidades de pensamento crítico, colaboração, comunicação e prática social através da web, competências afetivas e aprendizagem ao longo da vida(88 Kay RH, Ahmadpour K. Negotiating the digital maze of information literacy: a review of literature. J Educ Inform [Internet]. 2015 [cited 2018 May 18];1:1-25. Available from: http://www.journalofeducationalinformatics.ca/wp-content/uploads/2016/04/JEI-2015-01_Kay_Ahmadpour_FINAL.pdf
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).

A área da enfermagem que contempla as questões da literácia informacional é a Informática em Enfermagem, a qual ainda apresenta grande perspectiva de crescimento no Brasil e no mundo, dado o potencial inovador da inserção de ferramentas de informática na saúde que podem contribuir para a otimização dos processos de trabalho de enfermeiros em todas as suas dimensões. Contribui significativamente para esclarecer os componentes necessários para a representação da prática de enfermagem: avaliação, levantamento de problemas, estabelecimento de intervenções e resultados, padrões e estratégias para conseguir um intercâmbio eficiente de informações(99 Moen A, Knudsen LMM. Nursing Informatics: decades of contribution to health informatics. Health Inform Res. 2013;19(2):86-92. doi: 10.4258/hir.2013.19.2.86
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) relativas à prestação de cuidados aos pacientes.

Nessa perspectiva, foi firmada parceria entre profissionais da empresa Laura®, uma tecnologia computacional de apoio à identificação precoce da sepse em hospitais filantrópicos, e pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Dentre as técnicas de IA e ML do Robô Laura®, têm-se os métodos de aprendizado de máquina para dados estruturados(55 American Thoracic Society (ATS). Machine learning may help in early identification of severe sepsis. ScienceDaily [Internet]. 2017 [cited 2018 May 15]. Available from: www.sciencedaily.com/releases/2017/05/170524100616.htm
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), os quais vêm sendo utilizados em base de dados de sistemas de informação de hospitais filantrópicos de todo o país, com a missão de reduzir o número de óbitos por sepse pela sua identificação precoce.

O objetivo da parceria supracitada foi aprofundar o estudo das variáveis que podem estar relacionadas à identificação precoce da sepse, estudar a influência dos algoritmos de IA nas tomadas de decisão de profissionais de saúde e demonstrar a contribuição dessa tecnologia na prática da enfermagem com pacientes em sepse. Assim, por meio da cooperação entre profissionais da área da saúde e da ciência da computação, é possível acessar e analisar em profundidade a base de dados relacionada à prestação de cuidados ao paciente com sepse.

Observando-se o potencial da Inteligência Artificial em relação ao cuidado de saúde desses pacientes, considera-se relevante a diminuição do tempo decorrente do processamento de dados referentes ao diagnóstico e início das intervenções frente à sepse e, consequentemente, o papel dos enfermeiros nesse processo.

OBJETIVOS

Apresentar a experiência de enfermeiros com ferramentas computacionais de apoio à identificação precoce da sepse, tanto na sua pré e pós-implantação, como na prática clínica hospitalar.

MÉTODOS

Trata-se de um relato de experiências de situações da prática profissional relacionadas ao desempenho do enfermeiro em suas atividades profissionais, na pré e pós-implantação de ferramentas computacionais de apoio à decisão baseadas em IA, para a área da saúde. Durante o primeiro semestre de 2018, um estudo de campo baseado em observação direta e entrevistas semiestruturadas foi desenvolvido para conhecer o processo de trabalho de enfermeiras que trabalham na empresa Laura®. Dentre suas atividades, elas têm contato direto com os programadores e com as equipes assistenciais nos hospitais, de modo a facilitar a adoção da tecnologia. As atividades que compreendem o estudo de campo e compõem o relato foram desempenhadas no período de março a julho de 2018, em um hospital filantrópico de uma capital do sul do Brasil. Este estudo faz parte do projeto de pesquisa “Inteligência Artificial e o Gerenciamento de Pacientes com Sepse: sua influência na Tomada de Decisão, Intervenções e Resultados de Enfermagem”, que segue os preceitos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Paraná.

RESULTADOS

A descrição da experiência está dividida em três momentos: a motivação para o desenvolvimento do algoritmo, como resultado de uma entrevista com o idealizador do Robô Laura®; a atuação de enfermeiros na pré e pós-implantação da ferramenta computacional de apoio à identificação precoce da sepse; e os efeitos da incorporação dessa ferramenta no processo de trabalho de enfermeiros clínicos, como resultado de entrevistas e observações diretas junto à prática profissional das enfermeiras da empresa Laura®.

Motivação para desenvolvimento do algoritmo

A fala do idealizador e analista de sistemas do Robô Laura® é transcrita a seguir, resumindo sua experiência como familiar e acompanhante em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal. Essa experiência o levou a estudar sobre a sepse, suas causas, os processos de trabalho e o fluxo de informações numa UTI, e a propor uma tecnologia computacional que fizesse com que casos como o que levou sua filha a óbito pudessem ser detectados precocemente, tratados de forma eficaz e até mesmo evitados. Essa trajetória é contada para as equipes assistenciais, como parte do processo de implantação da ferramenta nos hospitais:

18 dias da minha vida me fizeram parar para prestar atenção o quanto as pessoas se dedicam e se doam de diferentes formas e acabam ficando impotentes para resolver determinadas situações pela ausência de ferramentas, pela ausência de recursos para acontecer. Não pela falta de vontade, não pela ausência de competência, não pela falta de amor. Durante 18 dias eu vi profissionais de diferentes perfis, de diferentes idades, homens, mulheres, recém-formados, pessoas com longa data de carreira, todos dando mais de si. Eu os vi desafiarem a morte dia após dia. O que eu não vi eles tendo foi a capacidade de juntar, de se empoderar de informações que dessem para eles uma visão real do que estava acontecendo. Quando no final de 18 dias eu vi a minha filha indo embora, por causa de um problema que ninguém tinha visto que estava acontecendo, por que houve demora para coletar informações, por que houve resultados que demoraram chegar na mão de pessoas que podiam tomar decisões. E essas pessoas estavam ali, queriam tomar essas decisões, elas queriam fazer isso acontecer... Quando eles terminaram de coletar os parâmetros, quando todo mundo reuniu as informações, perceberam que, daquelas 5 crianças internadas, 2 estavam em sepse e as duas evoluíram para óbito... Então, quando falamos de Sepse, falamos de tempo. A pior sensação é você ter uma impotência de não enxergar o que está te oferecendo risco. Se tem alguém te oferecendo uma ameaça você se empodera de alguma forma, você reage. Mas quando ele vem de forma silenciosa, quando ele não se mostra e você não consegue enxergar, como que você combate ele? ... a gente vê oportunidade de criar algo que possa estabelecer condição disso ser regulado. Foi o que nós fizemos nos últimos 6 anos. Nós criamos um robô, que é igual a sepse, que é tão invisível quanto a Sepse. Um robô que tem a mesma capacidade que a Sepse, com a questão que enquanto a Sepse nos surpreende, o robô surpreende a Sepse e aqueles que não estão enxergando os riscos inerentes. Hoje o robô Laura® tem a capacidade de em tempo real identificar aqueles dados que o ser humano levaria horas para fazer. Um robô minerador de dados, que consegue entrar dentro do sistema do hospital, dentro do sistema do laboratório e de forma completamente auditável entregar para o profissional que vai tomar a devida decisão, que ele tenha os elementos e as condições necessárias para salvar uma vida ... A nossa pretensão, nosso objetivo, é evitar que as pessoas morram pela falta de tempo. Nós estamos hoje com o robô Laura®, dando aquilo que falta para os profissionais de saúde, dando a capacidade das pessoas decidir de forma mais rápida. É para isso que servem o os robôs, é para isso que serve a tecnologia. [...] (Jacson Fressatto1010 Laura [Internet]. Curitiba; 2018 [cited 2018 Sept 15]. Available from: http://www.laura-br.com
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).

O papel de enfermeiras na pré e pós-implantação de ferramentas computacionais para a saúde

A participação das enfermeiras inicia-se ainda na fase de desenvolvimento do sistema, ou pré-implantação, a partir do compartilhamento de conhecimentos científicos, teóricos e práticos relacionados à área da saúde, com os profissionais de tecnologia(1111 EHR Go-Live. The definite EHR go-live implementation guide [Internet]. Jacksonville: The HCI Group; 2014 [cited 2018 July 25]. Available from: https://www.himss.eu/sites/himsseu/files/education/whitepapers/HCI%20Go-Live%20eBook_edit.pdf
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). Esse compartilhar norteia o time de desenvolvedores não só na criação, mas também no aprimoramento das soluções computacionais propostas, pois trazem a experiência do usuário, promovendo o encontro das necessidades dos profissionais de saúde, com as possibilidades das tecnologias(1111 EHR Go-Live. The definite EHR go-live implementation guide [Internet]. Jacksonville: The HCI Group; 2014 [cited 2018 July 25]. Available from: https://www.himss.eu/sites/himsseu/files/education/whitepapers/HCI%20Go-Live%20eBook_edit.pdf
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), de modo a facilitar a adoção da ferramenta na prática profissional da enfermagem.

Já no processo de implantação propriamente dita, as enfermeiras atuam em momento inicial de sensibilização das equipes, quando expõem para os profissionais de saúde sobre o processo de concepção da ferramenta, sua missão, suas funcionalidades, sobre qual será seu impacto no processo de trabalho da enfermagem e quais ações são esperadas por parte dessa equipe, para que a identificação precoce de possíveis casos de sepse seja efetiva. Transmitir os benefícios gerais da implementação e de uma nova tecnologia é fundamental para que os membros das equipes, aqueles que efetivamente a utilizará no seu cotidiano profissional, tornem-se mais propensos a permanecer engajados e trabalhem juntos para o sucesso de um projeto(1111 EHR Go-Live. The definite EHR go-live implementation guide [Internet]. Jacksonville: The HCI Group; 2014 [cited 2018 July 25]. Available from: https://www.himss.eu/sites/himsseu/files/education/whitepapers/HCI%20Go-Live%20eBook_edit.pdf
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). Dentre as habilidades a serem mobilizadas pelas enfermeiras nessa fase de implantação, têm-se as de comunicação, empatia, escuta atentiva, além do conhecimento técnico sobre a ferramenta e sobre o processo de trabalho da enfermagem naquele contexto hospitalar específico.

Uma vez que a ferramenta já esteja implantada no serviço, monitorando os registros de todos os profissionais e de todos os pacientes em busca do padrão de dados que possa indicar a sepse, é preciso monitorar a adequada inserção dos registros dos pacientes e as eventuais dificuldades no uso da ferramenta pelos usuários finais (profissionais de saúde e da enfermagem). Nessa fase, as enfermeiras da empresa Laura® atuam de duas maneiras. A primeira, de forma pró-ativa, estabelecem uma rotina de ronda entre as diversas unidades do hospital, num processo orientado para o usuário e pelo usuário, no qual mostram-se disponíveis, em relação ao tempo despendido com eles, como em atitude: escuta atenta, respeito, consideração, paciência, treinamento “ombro a ombro”, reconhecendo seus avanços e identificando demandas de aprimoramento(1111 EHR Go-Live. The definite EHR go-live implementation guide [Internet]. Jacksonville: The HCI Group; 2014 [cited 2018 July 25]. Available from: https://www.himss.eu/sites/himsseu/files/education/whitepapers/HCI%20Go-Live%20eBook_edit.pdf
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). A segunda, mais reativa, as enfermeiras comunicam-se com usuários-chave (enfermeiros supervisores, membros de comitês de qualidade ou serviço de infecção hospitalar) por meio de correio eletrônico, para receber eventuais dúvidas, solicitações de treinamento e/ou sugestões de aprimoramento.

É importante salientar que as enfermeiras da empresa Laura® não são especialistas em informática. Foram sensibilizadas pela causa da bebê Laura, capacitando-se para as atividades descritas à medida que os desafios se apresentavam, tanto em relação ao entendimento do funcionamento do algoritmo, o que contempla a compreensão detalhada sobre os hardwares e softwares envolvidos, como ao desenvolvimento de competências organizacionais, no sentido da interação com as equipes assistenciais, o que propiciou a vivência das teorias de gestão do processo de mudança e de treinamento em serviço.

A prática clínica da enfermagem com apoio de ferramenta computacional de apoio à decisão

O Robô Laura® é um sistema especialista em avaliação da deterioração clínica, cujo objetivo é se integrar a ambientes de dados, com o fim de coletá-los, organizá-los e, por fim, executar cálculos estatísticos complexos, comparar resultados com faixas probabilísticas e concluir com precisão sobre as condições favoráveis ou não para ocorrência de um evento de risco. Os programadores “ensinam” o protocolo de sepse do hospital para o Robô Laura® (para isso, o hospital deve ter pré-determinado um protocolo para atendimento a pacientes com suspeita de sepse, o qual considere variáveis relacionadas à alteração de sinais vitais e aos resultados de exames laboratoriais), treinam-no em um ambiente real (o sistema informatizado do hospital e com base nele, que ainda contempla diretrizes de como as equipes assistenciais devem agir frente às alterações) e indicam quais pacientes podem estar em alto, médio e baixo risco para desenvolver sepse. Além disso, como resultado desse ensino, ele comunica essa informação aos profissionais responsáveis e aciona os Times de Resposta Rápida (TRR), monitorando o tempo médio de atendimento das equipes aos pacientes. É importante reforçar que o Robô Laura® indica o risco que determinado paciente tem baseado nos dados e nas informações dos pacientes (identificação de alterações de sinais vitais e disfunções orgânicas clinicamente detectáveis), registrados pelas equipes assistenciais, seguindo o protocolo assistencial de atendimento ao paciente com sepse padronizado no hospital (baseado no Modified Early Warning Score - MEWS, tem como parâmetros: Frequência Respiratória < ou igual a 20 rpm; Frequência Cardíaca > 90 bpm; Pressão Arterial Sistólica < 90 mmHg; Diurese < 0,5 ml/kg/h; Temperatura < 36º C ou > 38º C ou rebaixamento do nível de consciência). Dessa forma, é sempre recomendável que todos os casos alertados sejam analisados e validados pelos profissionais da saúde do hospital.

Portanto, considerando essa tarefa do Robô Laura®, é fundamental que os dados dos pacientes, que constam no protocolo de sepse institucional, estejam disponíveis o mais rápido possível para sua análise, idealmente no mesmo momento em que são coletados pelo profissional de saúde. O mesmo deve ocorrer com os dados dos sistemas de informação dos laboratórios de análise clínica e demais serviços de apoio que possam fornecer dados relacionados ao protocolo de atendimento ao paciente com sepse.

Sabe-se que a documentação dos cuidados prestados e da evolução clínica dos pacientes internados em qualquer serviço de saúde é tanto uma obrigação como uma necessidade para a continuidade do cuidado, mas também se configura num desafio: à princípio, médicos e enfermeiros são treinados para agir proativamente e resolver situações clínicas críticas antes de registrar a sua execução no sistema de informações(1111 EHR Go-Live. The definite EHR go-live implementation guide [Internet]. Jacksonville: The HCI Group; 2014 [cited 2018 July 25]. Available from: https://www.himss.eu/sites/himsseu/files/education/whitepapers/HCI%20Go-Live%20eBook_edit.pdf
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). Assim, compreende-se a necessidade de se aprimorar o processo de coleta e registro dos dados dos pacientes nos sistemas de informação hospitalares, quer sejam informatizados ou não. Trata-se, além de uma demanda que contribuiu para a continuidade e qualidade dos cuidados aos pacientes, de um compromisso ético profissional. Ao mesmo tempo, há que se considerar que a dinâmica do trabalho de enfermeiros nos serviços hospitalares é intensa, em termos de fluxo de informações e pessoas, controle de processos produtivos diversos (ligados à atividade-fim e às atividades-meios), infraestrutura, entre outros.

Finalmente, a experiência das enfermeiras da empresa Laura® no contato com as equipes assistenciais, que já contam com o apoio da ferramenta computacional de apoio à decisão, aponta que o algoritmo contribui para aumentar o seu nível de satisfação em relação à sua prática profissional. Enfatizam que

além de otimizar o processo de tomada de decisão precoce em relação aos casos de sepse, (re) aproxima os profissionais de saúde da sua missão de ‘salvar vidas’, e (re) coloca, em especial o enfermeiro e sua equipe, em posição estratégica no processo de cuidar, advogando pelo compartilhar de informações em vista do cuidado centrado no paciente (Enf1).

Além disso, tal experiência tem como resultados a melhoria de desempenho das equipes assistenciais com o uso da ferramenta e a melhoria da própria ferramenta. Tais benefícios em potencial se apresentam, à despeito dos desafios de ordem tecnológica, tais como os de infraestrutura em relação a terminais de computador, equipamentos de registro de dados à beira do leito, tablets, smartphones institucionais e redes wi-fi, os de fluência individual da parte dos profissionais de saúde em relação ao uso de hardwares e softwares, os de desconfiança na acurácia da tecnologia, entre outros, que influenciam o sucesso da implantação de projetos como esse.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As observações relatadas no estudo de campo apontam que a utilização de ferramenta computacional de apoio à decisão na prática clínica dos enfermeiros potencializa o seu protagonismo na identificação precoce da sepse, proporcionando visibilidade e satisfação profissional. Assim, corroborando com o que já aponta a literatura sobre o impacto das tecnologias na prática profissional de enfermeiros, é necessário desenvolver pesquisas explicativas de modo a criar evidências sobre esses achados descritivos, que já estão previstos na continuidade do projeto de pesquisa ao qual este relato está vinculado.

Reitera-se que a disciplina de Informática em Enfermagem traz consigo um arcabouço de fundamentos, conhecimentos e procedimentos que instrumentaliza o enfermeiro para uma atuação que está diretamente relacionada com o estado atual de informatização de parte dos serviços de saúde e com o seu futuro. Dessa forma, o enfermeiro do século XXI precisa conhecer as possibilidades de atuação em cenários de inovação tecnológica, pois sua participação em todas as etapas desse processo pode contribuir para um cuidado mais seguro, efetivo, apoiado em tecnologia e centrado no paciente. A sua apropriação desses conhecimentos deve ser considerada como uma estrada a ser percorrida por todos aqueles que desejam desenvolver competência para atrelar a prática clínica, gerencial, de ensino e pesquisa em ambientes de cuidado à saúde, criação, implementação e avaliação de inovações tecnológicas na saúde e na enfermagem.

  • FOMENTO
    O projeto de pesquisa ao qual este artigo está vinculado teve financiamento pela CAPES sob processo número 23038.019035/2016-66.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2018
  • Aceito
    09 Maio 2019
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