Acessibilidade / Reportar erro

Mães maternando na prisão: relato de experiência do projeto assistencial de enfermagem

RESUMO

Objetivos:

relatar a experiência de elaborar e implementar o projeto assistencial de enfermagem com mães e bebês na prisão.

Métodos:

trata-se de um relato de experiência sobre o projeto assistencial de enfermagem com mães e filhos na prisão, tendo como eixo norteador conceitos winnicottianos sobre a relação mãe-bebê.

Resultados:

foram realizadas consultas de enfermagem em puericultura, rodas de conversa temáticas e confecção de artefatos para o estímulo ao desenvolvimento infantil, além de cuidados à saúde da mulher. O impacto positivo do projeto tornou-o um programa de educação em saúde.

Considerações Finais:

elaborar o projeto assistencial de enfermagem estimulou outros modos de prestar cuidados e implementá-lo, utilizando os conceitos winnicottianos. Recomenda-se que instituições formadoras considerem a prisão e os indivíduos que lá estão como campo do processo de aprendizagem dos profissionais de saúde.

Descritores:
Saúde Materno Infantil; Desenvolvimento Infantil; Saúde da Criança; Prisões; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to report the experience of designing and implementing the nursing care project with mothers and babies in prison.

Methods:

this is an experience report about the nursing care project with mothers and children in prison, having as a guiding axis Winnicottian concepts about the mother-baby relationship.

Results:

nursing consultations were held in childcare, thematic conversation circles and the manufacture of artifacts to encourage child development, as well as women’s health care. The positive impact of the project has made it a health education program.

Final Considerations:

elaborating the nursing care project encouraged other ways of providing care and implementing it, using Winnicottian concepts. It is recommended that training institutions consider the prison and the individuals there as a field in the learning process of health professionals.

Descriptors:
Maternal and Child Health; Child Care; Child Development; Prisons; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

informar la experiencia de elaborar e implementar proyecto asistencial de enfermería con madres y bebés en la cárcel.

Métodos:

se trata de relato de experiencia sobre proyecto asistencial de enfermería con madres e hijos en la prisión, teniendo como eje orientador conceptos winnicottianos sobre la relación madre-bebé.

Resultados:

se realizaron consultas de enfermería en puericultura, ruedas de conversación temáticas y confección de artefactos para el estímulo al desarrollo infantil, además de cuidados a la salud de la mujer. El impacto positivo del proyecto lo convirtió en un programa de educación en salud.

Consideraciones Finales:

elaborar el proyecto asistencial de enfermería estimuló otros modos de prestar cuidados e implementarlo, utilizando los conceptos winnicottianos, se mostró apropiado. Se recomienda que instituciones formadoras consideren la prisión y los individuos que allí están como campo del proceso de aprendizaje de los profesionales de salud.

Descriptores:
Salud Materno-Infantil; Desarrollo Infantil; Salud del Niño; Prisiones; Enfermería

INTRODUÇÃO

A taxa de mortalidade infantil no Brasil apresentou, nas últimas décadas, grande queda. Mesmo com esse avanço, em 2017 registrou-se alta de 4,19%, chegando a 14,9 por 1000 nascidos vivos, sendo 6,7% no período neonatal precoce devido à prematuridade, anomalias congênitas, asfixia no parto e sepse neonatal(11 França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Leading causes of child mortality in Brazil, in 1990 and 2015: estimates from the Global Burden of Disease study. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(Suppl 1):46-60. doi: 10.1590/1980-5497201700050005
https://doi.org/10.1590/1980-54972017000...
-22 Migoto MT, Oliveira RP, Silva AMR, Freire MHS. Early neonatal mortality and risk factors: a case-control study in Paraná State. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2527-34. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0586
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

Ações de promoção e prevenção à saúde devem se iniciar no pré-natal, para que o parto e o puerpério imediato ocorram de modo saudável. Entretanto, será pouco produtivo se essas ações de saúde forem restritas a apenas esses momentos. Portanto, deve-se garantir que mãe e bebê, ao longo do primeiro ano, sejam prioridades no cuidado à saúde, principalmente nos primeiros seis meses, período de adaptação entre ambos, com maior risco para dificuldades de diversas ordens(33 Silva EP, Lima RT, Osório MM. Impact of educational strategies in low-risk prenatal care: systematic review of randomized clinical trials. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(9):2935-48. doi: 10.1590/1413-81232015219.01602015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
).

Sabe-se que crescimento e desenvolvimento são indicadores importantes da saúde do bebê, o que determina monitoramento constante e intervenção, quando necessária, de modo a promover todo o potencial do binômio mãe-bebê. Dentre os cuidados, destaca-se a amamentação que, para além do valor nutritivo, é o fundante da relação mãe-bebê, facilitando a aquisição e a manutenção do vínculo para toda a vida(44 Gaíva MAM, Monteschio CAC, Moreira MDS, Salge AKM. Avaliação do crescimento e desenvolvimento infantil na consulta de enfermagem. Av Enferm. 2018;36(1):9-21. doi: 10.15446/av.enferm.v36n1.62150
https://doi.org/10.15446/av.enferm.v36n1...
-55 Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.).

O desenvolvimento é um processo contínuo, sendo que o bebê encontra-se na fase de dependência absoluta, que determina que para crescer, além de um ambiente satisfatório, é necessário a ‘mãe suficientemente boa’, ou seja, que possa atender às necessidades físicas e emocionais do bebê(55 Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.), sendo que a tendência inata para cuidar dos filhos é a maternidade, e a disponibilidade psíquica é intitulada de maternagem(66 Winnicott DW. A preocupação materna primária. In: Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago; 2000. p. 218-32.).

Se a maternidade exige adaptações, para a mulher encarcerada, as necessidades são ainda maiores, visto que ela tem que lidar também com o impacto de estar presa e impedida, judicialmente, do direito de ir e vir.

Considerando as disposições legais que garantem os direitos humanos e os da criança, a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade afiança a permanência do bebê junto à mãe, pelo período mínimo de seis meses, para que essas possam amamentar, inclusive com espaços apropriados para tal(77 Ministério da Justiça (BR). Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional. Documento Basilar para a Elaboração da Portaria Interministerial MJ/SPM nº 210/2014. Departamento Penitenciário Nacional. Brasília: Ministério da Justiça; 2014.). Contudo, não são todos os Estados brasileiros que cumprem a legislação, podendo a mãe e o bebê serem separados precocemente ou permanecerem juntos, mas em celas com condições inadequadas(88 Fochi MCS, Higa R, Camisão AR, Turato ER, Lopes MHBM. Experiences of pregnant women in prison situation. Rev Eletr Enf. 2017;19:a57. doi: 10.5216/ree.v19.46647.
https://doi.org/10.5216/ree.v19.46647...
).

A idade da separação entre mãe e filho é um fator importante para as consequências que virão. A partir dos dois anos, a compreensão da criança se amplia e ela interage com as situações que a cerca. Portanto, antes dos dois anos, a privação materna pode causar efeitos negativos(55 Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.). Assim, no contexto de prisão, mesmo que por tempo limitado, mãe e filho precisam aproveitar todo o potencial dessa relação.

O profissional de enfermagem, em especial o enfermeiro, pode contribuir para estimular a relação saudável entre mãe e bebê, considerando que a sua formação compreende a visão de mãe e bebê, para além dos aspectos biológicos, mas como pessoas que, para existirem, precisam do cuidado e da atenção de outro ser humano(55 Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.).

Frente a essas considerações fundamentadas por conceitos winicottianos(55 Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.,99 Dias EO. Os estágios da dependência e da independência relativas. In: A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago; 2003. p. 227-310.

10 Winnicott DW. Mais ideias sobre os bebês como pessoas. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 95-103.
-1111 Winnicott DW. O bebê como pessoa. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 83-8.), desenvolveu-se projeto assistencial de enfermagem com mães e bebês na prisão. Assim, o objetivo deste estudo é relatar a experiência de elaborar e implementar o projeto assistencial de enfermagem com mães e bebês na prisão.

MÉTODOS

Elaborando o projeto assistencial de enfermagem para mães e bebês na prisão

A autora principal realizou um estudo que previa a observação de mulheres que maternam na prisão. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (CEP-SAP-SP), conforme Parecer 1.885.193.

O acesso a uma penitenciária localizada no interior do Estado de São Paulo ocorreu por meio de contato com os dirigentes, e a primeira visita aconteceu durante a Jornada da Cidadania, ocasião em que as reeducandas participam de palestras educativas. Foi possível conhecer a Ala de Amamentação, além de conversar com as mães que se mostraram muito interessadas em temas sobre saúde da criança. Isso despertou, tanto no responsável pelo serviço quanto nos pesquisadores, a ideia do projeto assistencial de enfermagem.

Para tanto, foi elaborado, em parceria, por duas enfermeiras, autoras deste relato, o projeto de educação em saúde para mães e bebês de zero a seis meses, que incluiu consulta de enfermagem em puericultura, rodas de conversa e oficinas para confecção de artefatos para o desenvolvimento infantil, com periodicidade mensal, sendo aprovado pelo diretor da penitenciária.

As atividades foram organizadas, tendo como eixo norteador os seguintes conceitos winnicottianos: mãe suficientemente boa, ambiente satisfatório, dependências absoluta e relativa, desadaptação e desilusão, saúde e brincar(55 Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.,99 Dias EO. Os estágios da dependência e da independência relativas. In: A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago; 2003. p. 227-310.

10 Winnicott DW. Mais ideias sobre os bebês como pessoas. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 95-103.
-1111 Winnicott DW. O bebê como pessoa. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 83-8.).

Mãe suficientemente boa, ambiente satisfatório e dependência absoluta já foram conceituados, anteriormente, na introdução deste artigo(55 Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.,99 Dias EO. Os estágios da dependência e da independência relativas. In: A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago; 2003. p. 227-310.). Dependência relativa é quando o bebê não precisa totalmente da mãe, embora ainda dependa dela. Esse conceito está intimamente relacionado à desadaptação, que é quando a mãe permite que o bebê vá. A desilusão é quando o bebê compreende que ele e a mãe são pessoas distintas. Brincar é o modo como o bebê adquire experiências internas e externas e, ao adquiri-las, ele conquista a saúde(99 Dias EO. Os estágios da dependência e da independência relativas. In: A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago; 2003. p. 227-310.

10 Winnicott DW. Mais ideias sobre os bebês como pessoas. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 95-103.
-1111 Winnicott DW. O bebê como pessoa. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 83-8.).

RESULTADOS

Implantando o projeto assistencial de enfermagem

O projeto iniciou com frequência mensal e, posteriormente, tornou-se semanal, por demanda das mães, com anuência do diretor da penitenciária. Foi organizado no interior da Ala de Amamentação, em uma sala em desuso, local para as consultas de enfermagem em puericultura, com maca, mesa e cadeiras.

Os bebês passam por acompanhamento do crescimento e desenvolvimento no serviço de atenção básica do município, sendo encaminhados por agentes de segurança penitenciária. Porém, as mães não acompanham os bebês, permanecendo sem orientação para esclarecimento das dúvidas relativas ao cuidado com o filho.

Desse modo, foram realizadas consultas de enfermagem em puericultura, com fins de orientação, para dirimir dúvidas, propiciar o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento, além de avaliar, por meio dos relatos das mães, como estava se dando a relação mãe-bebê, tendo como foco os conceitos winnicottianos já citados.

As consultas de enfermagem em puericultura seguiram as recomendações do Ministério da Saúde(1212 Ministério da Saúde (BR). Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [cited 2018 Oct 03]. (Cadernos de Atenção Básica, nº 33). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_crianca_crescimento_desenvolvimento.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
), com avaliação antropométrica - peso e cálculo do ganho ponderal, comprimento, perímetros cefálico e torácico - e anotação dos parâmetros nos gráficos, além dos sinais vitais (temperatura, frequências cardíaca e respiratória) e avaliação do desenvolvimento segundo os marcos para a idade, com explicação concomitante às mães.

A partir das demandas relatadas pelas mães, após a consulta de enfermagem em puericultura, aconteciam as rodas de conversa com temas de interesse das mesmas versando sobre crescimento e desenvolvimento do bebê; a importância da caderneta da criança; o estímulo aos sentidos do bebê de audição e tato; os sons e o estímulo à fala; hidratação; cuidados com a febre; e alimentação da criança. Vale destacar que esses temas eram recorrentes, uma vez que novas mães chegavam, a todo momento, à Ala de Amamentação.

Especialmente, em relação ao desenvolvimento, as rodas de conversa reforçavam a importância do cuidado do bebê pela mãe, além do significado desse cuidado para ambos como indivíduos únicos. Nessas ocasiões, emergiram preocupações relacionadas à futura separação entre mãe e bebê, oportunidades para que as enfermeiras pudessem discutir a importância do preparo da mãe e do bebê para esse evento.

A confecção de artefatos para o estímulo ao desenvolvimento infantil possibilitou o aprendizado das mães e, ainda, que aguardassem a consulta sem interromper o momento de atendimento de outras mães. Realizaram-se oficinas de produção de brinquedos como móbiles e chocalhos, elaboração de livros de histórias para os bebês, livro de texturas, além de artesanato em MDF (Medium-Density Fiberboard) e EVA (Espuma Vinílica Acetinada).

As mães receberam cuidados de enfermagem, como aferição de pressão arterial, avaliação das mamas e da incisão cirúrgica - em casos de operação cesariana. Também com periodicidade mensal, a pedido da direção da penitenciária, e com a colaboração de um fotógrafo, ocorreram sessões de fotos para acompanhamento dos bebês. Posteriormente, as fotos foram entregues às mães.

Embora não houvesse obrigatoriedade de participação, não houve recusa em nenhuma das atividades propostas, sendo que 43 mães e bebês participaram do projeto, no período de um ano.

Recursos

Para as consultas de enfermagem em puericultura, além do mobiliário já descrito, foi utilizada balança, antropômetro, fita métrica, chocalho, potes de encaixe coloridos, termômetro, estetoscópio. Para as oficinas, foram utilizados folders, algodão, papel cartão, lixas, tecidos, feltros, canetas, tintas, madeiras, resinas, desenhos e barbantes. Esses materiais foram adquiridos com recursos próprios, sendo disponibilizados pelas enfermeiras que, a cada encontro, levavam os que seriam utilizados, a depender da atividade a ser desenvolvida.

Para a utilização dos materiais, houve solicitação prévia à direção da penitenciária, e apenas foram usados os materiais autorizados, obedecendo aos critérios de segurança institucional. Todos os materiais foram vistoriados, na entrada e na saída, conforme normas de segurança estabelecidas pela instituição.

Impacto do projeto assistencial de enfermagem

O projeto assistencial de enfermagem foi acompanhando pela direção da penitenciária e, após um ano de implantação, considerando as opiniões positivas das reeducandas, tornou-se um programa de educação em saúde.

Os bebês apresentaram crescimento/desenvolvimento dentro do padrão de normalidade. Apenas um necessitou de acompanhamento devido ao baixo ganho de peso, com posterior avaliação em serviço especializado, estabilizando-se no decorrer dos meses.

Mães, cujos bebês apresentaram refluxo gastroesofágico, relataram preocupação com ganho de peso, sendo orientadas, por várias vezes, com o auxílio da curva de crescimento de caráter ascendente, evidenciando crescimento contínuo.

Considerando o vínculo entre reeducandas e enfermeiras (autoras deste relato), estas pediam atendimento individual para conversar sobre o momento da separação entre mãe e filho, quando a mulher entrega seu filho aos cuidados de familiares ou instituições de abrigamento, e modos de minimizar a ausência materna. Nesses momentos, os conceitos winnicotianos foram essenciais para enfatizar às mães sobre a importância do cuidado que elas vinham dedicando aos filhos, uma vez que, para muitas, embora multíparas, essa era sua primeira experiência de maternagem pela própria história de vida que incluía drogadição, gravidez indesejada ou mesmo prisões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo buscou relatar a experiência de elaborar e implementar o projeto assistencial de enfermagem com mães e bebês na prisão.

Elaborar o projeto assistencial de enfermagem para mães e bebês na prisão foi importante para estimular outros modos de prestar cuidados de enfermagem, tendo como contexto um ambiente hostil e potencialmente inseguro. Já a implantação foi crucial para compreender as diversas situações que envolvem as mulheres/mães privadas de liberdade.

Os conceitos winnicottianos foram muito apropriados para a condução do cuidado de enfermagem, principalmente para enfatizar os aspectos positivos da maternagem e para refletir sobre qual o melhor ambiente para cumprimento de pena quando a reeducanda dá à luz no sistema prisional, pois ao bebê é imposto, por vezes, ambientes inadequados e separações bruscas, sem considerar os prejuízos emocionais tardios. Não se trata de desconsiderar os motivos pelos quais as mulheres foram aprisionadas, mas não esquecer que os bebês privados de liberdade precisam de cuidados.

Participar do projeto possibilitou conhecer a estrutura física de uma penitenciária, em particular, da Ala de Amamentação onde as atividades foram desenvolvidas e acompanhar as rotinas da instituição, como horários de refeições, abertura e fechamento das celas, rotina da equipe de profissionais, tarefas de limpeza e organização realizadas pelas mães. A Ala de Amamentação se assemelha a um lar, cujas pessoas se relacionam e vivenciam momentos de conflito e animosidade, como também afeto e solidariedade.

Nesse contexto, as atividades do projeto assistencial de enfermagem permitiram atender às demandas das mães e dos bebês, aproximando-os das crenças e da realidade vivida por elas, instigando questionamentos sobre o papel do enfermeiro na assistência aos indivíduos encarcerados e o impacto que as ações de enfermagem proporcionam à saúde.

O cuidado às mães e aos bebês, de forma integral e humanizada, evidenciou benefícios à saúde física, pois problemas identificados foram sanados, e à saúde mental, pelo estabelecimento de vínculo e pela criação de ambiente de suporte emocional.

As atividades, planejadas e implementadas, permitiram vivenciar nova experiência profissional, considerando as especificidades do ambiente prisional. Assim, assistir ao binômio, na prisão, mostrou-se como oportunidade de crescimento profissional e de exercício da cidadania.

As limitações relacionais ocorreram, pois, inicialmente, agentes de segurança penitenciária ficavam próximas, impedindo que as mães expusessem suas dúvidas. Porém, à medida em que a instituição apoiava o projeto, a observação tornou-se menos cerceadora. Com relação à entrada dos materiais, alguns foram substituídos em função das normas de segurança.

Recomenda-se que instituições formadoras considerem a prisão e os indivíduos que lá estão como campo do processo de aprendizagem dos profissionais de saúde, já que é essencial unir esforços da sociedade para interromper o ciclo de violência da sociedade moderna.

REFERENCES

  • 1
    França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Leading causes of child mortality in Brazil, in 1990 and 2015: estimates from the Global Burden of Disease study. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(Suppl 1):46-60. doi: 10.1590/1980-5497201700050005
    » https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050005
  • 2
    Migoto MT, Oliveira RP, Silva AMR, Freire MHS. Early neonatal mortality and risk factors: a case-control study in Paraná State. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2527-34. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0586
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0586
  • 3
    Silva EP, Lima RT, Osório MM. Impact of educational strategies in low-risk prenatal care: systematic review of randomized clinical trials. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(9):2935-48. doi: 10.1590/1413-81232015219.01602015
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.01602015
  • 4
    Gaíva MAM, Monteschio CAC, Moreira MDS, Salge AKM. Avaliação do crescimento e desenvolvimento infantil na consulta de enfermagem. Av Enferm. 2018;36(1):9-21. doi: 10.15446/av.enferm.v36n1.62150
    » https://doi.org/10.15446/av.enferm.v36n1.62150
  • 5
    Winnicott DW. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes; 2011. 304 p.
  • 6
    Winnicott DW. A preocupação materna primária. In: Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago; 2000. p. 218-32.
  • 7
    Ministério da Justiça (BR). Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional. Documento Basilar para a Elaboração da Portaria Interministerial MJ/SPM nº 210/2014. Departamento Penitenciário Nacional. Brasília: Ministério da Justiça; 2014.
  • 8
    Fochi MCS, Higa R, Camisão AR, Turato ER, Lopes MHBM. Experiences of pregnant women in prison situation. Rev Eletr Enf. 2017;19:a57. doi: 10.5216/ree.v19.46647.
    » https://doi.org/10.5216/ree.v19.46647
  • 9
    Dias EO. Os estágios da dependência e da independência relativas. In: A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago; 2003. p. 227-310.
  • 10
    Winnicott DW. Mais ideias sobre os bebês como pessoas. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 95-103.
  • 11
    Winnicott DW. O bebê como pessoa. In: A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC; 1982. p. 83-8.
  • 12
    Ministério da Saúde (BR). Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [cited 2018 Oct 03]. (Cadernos de Atenção Básica, nº 33). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_crianca_crescimento_desenvolvimento.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_crianca_crescimento_desenvolvimento.pdf

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Valladares Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2017
  • Aceito
    27 Jul 2019
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br