Padrões de conhecimento em enfermagem: imagem da enfermeira e papel na sociedade percebida por estudantes

RESUMO

Objetivos:

compreender a percepção de estudantes de nível médio sobre a imagem da enfermeira e seu papel na sociedade, a partir dos padrões de conhecimento de enfermagem.

Métodos:

estudo qualitativo fenomenográfico, desenvolvido entre outubro de 2017 e janeiro de 2018, em uma universidade pública do interior de São Paulo, com oito estudantes do Programa de Formação Interdisciplinar Superior. Os achados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados pelo referencial da fenomenografia, apoiados na releitura dos padrões de conhecimento em enfermagem.

Resultados:

emergiram duas categorias: “A percepção da imagem da enfermeira”, que contempla suas características positivas e negativas, seus atributos e local onde atua; e “O papel da enfermeira na sociedade”, na qual seu trabalho é comparado com o do médico.

Considerações Finais:

apesar de seu papel essencial no cuidado, a subordinação ao saber médico e o desconhecimento das funções da enfermeira ainda refletem na sua imagem.

Descritores:
Enfermagem; Percepção Social; Papel do Profissional de Enfermagem; Estudantes; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objectives:

to understand high school students’ perception about the nurse’s image and role in society, from nursing knowledge patterns.

Methods:

phenomenographic qualitative study, developed between October 2017 and January 2018, in a public university in the countryside of the state of São Paulo, with eight Interdisciplinary Higher Education Program (Programa de Formação Interdisciplinar Superior) students. The findings were collected through semi-structured interviews and analyzed by the phenomenography framework, supported by rereading nursing knowledge patterns.

Results:

two categories emerged: Perception of nurses’ image, which contemplates their positive and negative characteristics, attributes and place where they operate; and Nurses’ role in society, in which their work is compared with physicians’.

Final Considerations:

despite their essential role in care, subordination to medical knowledge and lack of knowledge of nurses’ functions still reflect their image.

Descriptors:
Nursing; Social Perception; Nurse’s Role; Students; Qualitative Research

RESUMEN

Objetivos:

comprender la percepción de los estudiantes de secundaria sobre la imagen de la enfermera y su papel en la sociedad, a partir de los estándares de conocimiento de enfermería.

Métodos:

estudio cualitativo fenomenográfico, realizado entre octubre de 2017 y enero de 2018, en una universidad pública del interior del estado de São Paulo, con ocho estudiantes del Programa Interdisciplinario de Educación Superior (Programa de Formação Interdisciplinar Superior). Los hallazgos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas y analizados por el marco fenomenográfico, respaldado por la relectura de los estándares de conocimiento de enfermería.

Resultados:

surgieron dos categorías: La percepción de la imagen de la enfermera, que contempla sus características positivas y negativas, sus atributos y el lugar donde opera; y El papel de la enfermera en la sociedad, en el que se compara su trabajo con el del médico.

Consideraciones Finales:

a pesar de su papel esencial en la atención, la subordinación al conocimiento médico y la falta de conocimiento de las funciones de la enfermera todavía se reflejan en su imagen.

Descriptores:
Enfermería; Percepción Social; Rol de la Enfermera; Estudiantes; Investigación Cualitativa

INTRODUÇÃO

A imagem profissional é uma representação social estabelecida por um conjunto de conceitos e nos remete à própria identidade ocupacional⁽¹⁾. Possui relações diretas com o poder, o status e a autonomia, sendo que o que pensam sobre uma profissão é tão importante quanto o que o profissional realmente é⁽²⁾. Embora sua atuação seja indispensável no processo de cuidado à saúde, estudos mostram que a imagem da enfermeira percebida pela sociedade é carregada de estereótipos, sendo pouco reconhecida quanto ao seu papel^(3-7). Considerando que a opinião pública pode determinar as normas e as estruturas da sociedade, tais estereótipos podem influenciar negativamente sua prática profissional⁽³⁾.

Estereótipos como o auxiliar do médico, a falta de vida social e as figuras de anjo e prostituta, estão relacionados intimamente com a história da profissão⁽³⁾. Os fatores que contribuem para a sua manutenção incluem a sua condição feminina, a presença de hierarquia entre o médico e a enfermeira, a veiculação de uma imagem errônea na mídia e a falta de marketing por parte da enfermeira^(3,8). A equivocada suposição de que a categoria não dispõe de saberes científicos, o caráter manual atribuído ao cuidado e o desconhecimento dos diferentes graus de formação da equipe de enfermagem e de seus campos de atuação também contribuem para a desvalorização da imagem da enfermeira^(3,7). Uma das estratégias possíveis para a superação deste cenário consiste no marketing pessoal da enfermeira para melhorar a sua visibilidade perante a sociedade^(8-9).

A opinião pública e os estereótipos atribuídos a uma profissão podem interferir na escolha do jovem pela mesma. Atualmente, o cenário aponta uma multiplicidade de cursos de nível superior que influencia tal dilema, não só por sua crença e identificação com uma profissão, mas também por opiniões de familiares, pelo mercado de trabalho e por sua ascensão social, o que implica uma tomada de decisão que pode gerar conflitos na escolha pelo curso⁽¹⁰⁾.

Os estudantes concluintes do ensino médio estão prestes a decidir por uma carreira profissional, sendo a enfermagem uma das possibilidades. É importante conhecer suas percepções sobre a enfermeira, posto que os estereótipos que lhe são atribuídos podem interferir na escolha pela profissão. Assim, a pergunta deste estudo é: qual a imagem da enfermeira percebida por esses estudantes?

No contexto da compreensão da imagem da enfermeira, o investimento na consolidação da fundamentação científica do cuidado pode repercutir na forma com que a sociedade percebe a profissão⁽¹¹⁾. Carper compreendia que era preciso diferenciar o conhecimento específico da área para firmar a profissão como ciência. Carper formulou quatro padrões de conhecimentos: o empírico, tratado como a ciência de enfermagem; o estético, que é a arte da enfermagem; o conhecimento pessoal, o relacionamento genuíno com as pessoas e o ético, que é o componente moral^(12-13).

Há um quinto padrão, o sociopolítico^(14-15), que permite a ampliação do olhar da enfermeira para além de sua relação com o paciente e a situa num amplo contexto em que a enfermagem e os cuidados à saúde estão inseridos^(14-15). Esses padrões, quando incorporados pela enfermeira em sua prática assistencial, retratam um corpo de conhecimentos específicos da área, firmando a enfermagem como ciência^(12-13).

Este estudo justifica-se pela necessidade de ampliar a compreensão da percepção de estudantes de nível médio sobre a imagem da enfermeira e o seu papel na sociedade. Trata-se de uma temática relevante, visto que o cenário mundial aponta para o aumento da formação desses profissionais a fim de atender às necessidades de saúde da população. Sendo assim, a avaliação da percepção de estudantes de nível médio no que se refere à imagem e ao papel da enfermeira na sociedade pode ser significativa⁽¹⁶⁾.

OBJETIVOS

Compreender a percepção de estudantes de nível médio sobre a imagem da enfermeira e seu papel na sociedade, a partir dos padrões de conhecimento de enfermagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, sob Parecer nº 2.302.571, atendendo a Resolução 466/12⁽¹⁷⁾. A coleta de achados foi iniciada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo o anonimato dos participantes garantido por meio da letra E em ordem cronológica de realização das entrevistas.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Estudo qualitativo e fenomenográfico que busca explorar a forma como as pessoas vivenciam e compreendem um mesmo fenômeno⁽¹⁸⁾. A fenomenografia orienta-se para o conteúdo e se interessa mais com o sentido coletivo do que com as experiências individuais, buscando conhecer o modo como cada um desenvolve para se relacionar com o mundo à sua volta⁽¹⁸⁾. É importante na investigação em enfermagem, pois pode descrever como é visto o papel de um grupo profissional⁽¹⁸⁾. O presente artigo utilizou o instrumento Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) para nortear a metodologia.

Cenário do estudo

O estudo foi realizado em uma universidade pública do interior de São Paulo, no município de Campinas. O Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), iniciado em 2011, é um curso destinado aos concluintes do ensino médio advindos de escolas públicas do município de Campinas. Ao final, podem ingressar, sem o vestibular, em um curso de graduação da referida universidade. Portanto, necessariamente precisam escolher uma carreira acadêmica a seguir.

Fonte de achados

Os participantes da pesquisa foram que cursavam o ProFIS. O critério de inclusão foi o aluno estar cursando o ProFIS, com idade igual ou maior a 18 anos. Foram excluídos alunos que não pertenciam ao ProFIS e menores de 18 anos.

Coleta e organização dos achados

As entrevistas semiestruturadas ocorreram no período de outubro de 2017 a janeiro de 2018 com oito estudantes do ProFIS compostas pelas seguintes questões: “Você ou alguém que conhece já foi cuidado por uma enfermeira? Conte-me como foi esta experiência” e “Qual a imagem que você tem da enfermeira?”. As entrevistas caracterizam a principal fonte para a coleta dos achados, permitindo explorar a vivência de cada participante sobre o fenômeno estudado⁽¹⁹⁾. Foram gravadas as entrevistas e, posteriormente, transcritas de forma literal, respeitando a fidedignidade das informações. Foi utilizada a amostragem em rede para abordagem dos participantes, em que um indica o outro⁽²⁰⁾. A coleta dos achados se encerrou no momento em que o fenômeno apresentou-se desvelado para a pesquisadora e o objetivo do estudo foi respondido⁽²¹⁾.

Análise dos achados

A análise dos depoimentos prosseguiu as seguintes etapas: transcrição literal das entrevistas, redução dos achados, verificação dos diferentes fenômenos e sua compreensão por meio da forma com que as pessoas os vivenciam e compreendem⁽¹⁸⁾. Como referencial teórico para sustentar o processo de análise dos achados, utilizou-se uma releitura dos padrões de conhecimento que permeiam a prática assistencial da enfermagem, tornando possível uma articulação com as formas de ver, viver e compreender dos participantes, no que se refere à sua apreensão do corpo de conhecimento específico da profissão^(12-13,18).

A partir desse movimento, originaram-se duas categorias: A percepção da imagem da enfermeira e O papel da enfermeira na sociedade.

RESULTADOS

A percepção da imagem da enfermeira

Os participantes do estudo atribuíram características pessoais positivas à enfermeira, como atenciosa, cuidadosa, responsável, paciente e dedicada à profissão.

Atencioso, cuidadoso [...] essa é a principal característica. (E2)

Muita responsabilidade porque cuida de muita gente ao mesmo tempo [...]. Ah, tem que ser bem responsável, né? (E8)

Porque tem que ter muita paciência, você tem que ter muita dedicação [...] ao trabalho, isso, e à pessoa. (E5)

Ainda sobre suas características positivas, a enfermeira é considerada a profissional que primeiro acolhe o paciente nos serviços de saúde, sendo essencial e crucial na sua melhora, porque é responsável por todos os cuidados com ele. Além disso, está presente e pode diagnosticar e acompanhar as necessidades de cuidado.

Eu tive um acidente de carro [...]. O primeiro cuidado foi com uma enfermeira, depois foi com o médico. (E2)

Então é isso, acho que são características boas que eu associo ao enfermeiro, porque [...] aquela base inicial do sistema de saúde que começa lá e tipo, ele que sustenta toda essa camada do serviço de saúde no Brasil. (E4)

Eles são essenciais porque eles têm todos os cuidados com o paciente [...] (E3)

O enfermeiro é crucial pra poder ter esse… Essa melhora do paciente, porque ele é quem cuida, ele quem tá dá o medicamento, ele quem tá ali presente vendo o que tá acontecendo, vendo se teve alguma [...] melhora ou piora no paciente, pode fazer todo esse diagnóstico e acompanhamento. (E5)

Outro achado foi que a enfermeira deve saber lidar com as pessoas que não colaboram com o tratamento e com a alta demanda de trabalho nos serviços em que atua. Deve saber a dosagem certa de cada medicação, ser prevenida e meticulosa, pois pode causar erros durante o cuidado e até mesmo levar o paciente a óbito.

Paciente que não colabora [...] com o tratamento [...]. É muito difícil você dar um tratamento [...] pra uma pessoa que não tá ajudando com nada. (E3)

Uma pessoa prevenida, porque se você tá num contexto em que você tem que pegar e atender muitas pessoas você tem que tá muito ligado em tudo o que você faz, porque você pode causar um erro [...] (E4)

Ela tem que saber a dosagem certa de cada medicamento porque uma coisa que ela fizer errado, algum papel que ela fizer errado ela pode acabar é... prejudicando o paciente [...] (E8)

Porque realmente tudo o que você fizer pode dar muito errado. [...] E tem que ser muito meticuloso, porque é muito fácil matar um paciente [...] (E3)

A imagem da enfermeira também foi associada a algumas características negativas como: deslealdade, maus tratos, arrogância, braveza e falta de atenção, o que implica o paciente evitar o contato verbal com ela.

A gente sabe que tem muita enfermeira também que é desleal, que trata mal o paciente. (E2)

[...] mas também tinha umas que eram bem arrogantes assim, que até a gente evitava não falar com elas, porque elas eram meio bravas assim, não te davam muita atenção. (E5)

A percepção da imagem da enfermeira também foi relacionada com as suas áreas de atuação, estando presente em todos os níveis de atenção à saúde, incluindo centros de saúde referidos como “postinhos” e hospitais. Ela é vista como responsável pela gestão da unidade de cuidado. No âmbito hospitalar, foram citadas salas de cirurgia, pronto-socorro e aqueles especializados no atendimento à saúde da mulher. Também relataram a possibilidade de a enfermeira ser contratada para prestar cuidados domiciliares, participar de atividades acadêmicas e trabalhar em clínicas, apesar de sua imagem ser predominantemente associada ao ambiente hospitalar.

Que a minha avó sempre tá indo pros hospitais [...]. Mas eu pessoalmente acho que eu nunca tive, a não ser de ir em postinho, tomar vacina, essas coisas. (E5)

Eu tenho a imagem da enfermeira como uma pessoa responsável pelo setor, [...] pelos cuidados do paciente, seja numa cirurgia, num pronto-socorro [...] internação. (E1)

Minha madrinha é enfermeira e a mãe e a tia da minha melhor amiga são enfermeiras também [...] e aliás duas delas trabalham no CAISM (hospital especializado no atendimento à mulher). (E3)

[...] geralmente devido às condições econômicas acho que fica muito difícil ter uma enfermeira ao seu dispor pra ter cuidados. Então acho que tipo fica nessa de ou algum familiar cuidar ou alguém tá disposto, mas acho que uma enfermeira mesmo ser paga pra trabalhar acho que nunca aconteceu. (E4)

Eu tenho essa imagem do profissional que [...] tem [...] muitos outros caminhos que ele pode seguir dentro da própria carreira acadêmica, como professor, como... Em clínicas e tudo mais. [...] A imagem que você tem normalmente do enfermeiro que fica no hospital... Eu imagino que... Que tem muitas outras coisas que ele pode fazer também [...] (E6)

As responsabilidades atribuídas pelos participantes à enfermeira incluem o cuidado com as pessoas, com ênfase nas atividades técnicas como a higiene corporal, os medicamentos, a aplicação de vacinas, a alimentação e cuidado com as feridas.

Ela como responsável pelos cuidados no dia a dia, pelo banho, pela administração da medicação, aplicação da, sei lá, de vacina, essas coisas e... Mais como cuidado das pessoas mesmo. (E1)

[...] ela acaba ajudando na alimentação; higiene, [...] cuidados com os curativos, [...] no caso limpar, fazer a manutenção das feridas... Limpar, trocar a gaze, esse tipo de coisa. Acho que é mais a função dela. (E7)

A imagem da enfermeira transmitida pelos filmes é apresentada como alguém toda de branco, que cuida das pessoas, sempre alegre, administra medicações e preocupa-se em saber como o paciente está e quais as suas necessidades.

Então sempre que eu imagino uma enfermeira eu imagino o quanto é um pouco aquela coisa de filme, toda de branquinho assim, mas sempre alegre, cuidando das pessoas e perguntando se você tá bem, se você precisa de mais alguma coisa, te dando a medicação. (E1)

Os participantes apontaram as redes sociais como uma importante ferramenta para divulgar positivamente a imagem da enfermeira, possibilitando suprimir a propagação de estigmas, e dando visibilidade por meio de relato e compartilhamento de textos dos próprios profissionais e estudantes sobre o seu trabalho.

Então você tem as redes sociais e uma pessoa às vezes posta um texto, o enfermeiro posta um texto ou alguém que estuda enfermagem posta um texto e um amigo compartilha, e outro compartilha e daqui a pouco aquilo viraliza e tá todo mundo comentando... Então eu acho que isso tem ajudado bastante a você mudar a visão sobre determinadas profissões, sobre a enfermagem, por exemplo. [...] Porque você tem relatos de pessoas que estão vivendo aquilo, né? (E6)

O papel da enfermeira na sociedade

No que se refere ao papel das enfermeiras na sociedade, os entrevistados a consideraram como assistentes dos médicos e que eles, por sua vez, possuem maior prestígio. Emergiu também o relato de que os médicos não permanecem com o paciente integralmente nas 24 horas do dia, enquanto as enfermeiras estão praticamente o tempo todo cuidando dele. Assim, por estarem mais presentes, elas são consideradas o profissional que tem a visão do cuidado ao paciente, bem como possuem uma maior convivência com ele.

Pra mim ela parece ser mais uma assistente, é, uma assistente do médico, no caso, porque às vezes o médico ele tem muito deveres dentro do hospital, então ele não pode cuidar de cada paciente 100% do tempo como ele gostaria. (E7)

Eu tenho um pouco essa sensação de que o médico ele mais tipo, te atende, fala o que você tem, e quem cuida é o enfermeiro, tem essa visão de cuidado, de medicamento, do enfermeiro tá mais presente. Tem mais essa vivência com o paciente, com a pessoa que está ali doente, que tá mais o tempo todo. [...] então acho que essa pessoa tá ali o tempo todo praticamente. (E5)

Outra percepção apontada é que o médico tem um distanciamento do paciente, o que torna a enfermeira mais próxima na medida em que tenta conhecê-lo melhor e se interessa pelas suas necessidades. Assim, ela não só possui um olhar mais humano na assistência, como também permanece e se relaciona mais com a pessoa que é cuidada.

[...] quem tem mais contato com o paciente, quem realiza mesmo o cuidado é a enfermeira. [...] essa parte de se relacionar mais com o paciente, [...] então, mais relacionado ao cuidado, mais relação ao contato humano que o enfermeiro tem mais contato com o paciente do que o médico. (E4)

É a pessoa que vai estar mais próxima de você do que o médico [...]. Porque o médico pra mim ele tem um distanciamento do paciente. O enfermeiro não. Parece que o enfermeiro está mais próximo, ele quer saber como é que você tá, é ele que vai cuidar de você. [...] os médicos geralmente eles tão mais distantes do paciente, sabe? Tipo ele vai lá, faz o seu trabalho, acabou. O enfermeiro não, além de ele fazer o trabalho ele quer conhecer um pouco mais do seu paciente, nem que seja um pouquinho só. Tipo ah, você tá bem. (E2)

A escolha profissional entre a enfermagem e a medicina também surgiu na fala dos entrevistados. Apontaram que, no contexto do hospital, o médico e a enfermeira são mais ou menos a mesma coisa, sendo o médico mais prestigiado. Porém, enfatizam que se sentem felizes caso escolham enfermagem, porque a consideram como uma profissão da área da saúde.

Você tá dentro do hospital, é mais ou menos a mesma coisa e, apesar do médico ser mais prestigiado, se eu for pra enfermagem, eu vou tá ali na área da saúde, eu vou me sentir igualmente feliz, sendo que são profissões diferentes, né? (E6)

DISCUSSÃO

Houve apoio na releitura dos cinco padrões de conhecimento em enfermagem: empírico, estético, conhecimento pessoal, ético e político^(12-15). Apesar de todos os padrões estarem presentes nas entrevistas, alguns se mostraram predominantes.

Na primeira categoria, compreendida pela percepção da imagem da enfermeira, foram atribuídas características positivas. O padrão pessoal do saber em enfermagem, apesar de ser o mais difícil de ser incorporado na vivência profissional, mostra-se presente nas falas dos entrevistados, pois a enfermeira estabelece um relacionamento genuíno e autêntico com o paciente^(12-13). Essa relação interpessoal dá-se entre o self, ou seja, como a enfermeira se vê, e também entre o cliente, que passa a ser a figura principal da relação, não mais visto como um objeto^(12-13). Os entrevistados identificaram, então, nessa sua relação com a enfermeira, suas características positivas, que acabam por refletir nesse padrão de conhecimento. O padrão estético também corrobora esta visão, visto que a enfermeira deve estar habilitada para perceber o paciente de forma integral e ser capaz de vivenciar sua perspectiva por meio da empatia^(12-13).

Na visão dos entrevistados, por ser habilitada a diagnosticar e avaliar as necessidades do paciente, há a incorporação do saber empírico pela enfermeira, pois essas ações denotam que há um conhecimento científico da profissão evidenciado pela citação de algumas das etapas do processo de enfermagem^(13,22). A experiência estética também se faz presente, pois há uma responsabilização por todos os cuidados com o paciente, permitindo a realização de atos transformadores que levam o conhecimento das experiências para qual a arte da enfermagem está direcionada^(12-13).

Os entrevistados perceberam que a enfermeira deve saber lidar com a alta demanda de serviços e se atentar para não causar erros durante a assistência, enfatizando novamente que o saber empírico está presente em suas ações, pois deve pautar-se no uso da racionalidade e na fundamentação teórica proporcionada pela ciência^(12-13). Ainda, o padrão estético diz sobre a capacidade da enfermeira de usar a sua criatividade para aquilo que seja mais satisfatório e efetivo para atender o paciente em um determinado momento, como quando encontra-se sobrecarregada^(12-13). Entende-se que essa sobrecarga de trabalho pode estar relacionada com a ocorrência de erros na assistência, refletindo também sobre o padrão ético, visto que há um código de ética profissional que subsidia as suas ações^(13,23).

Os atributos negativos conferidos às enfermeiras têm implicações na fundamentação ética das suas ações. Uma de suas responsabilidades, de acordo com o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, é a obrigatoriedade de prestar uma assistência segura, ausente de riscos ou danos⁽²⁴⁾. Assim, a enfermeira possui um compromisso moral com o paciente e está constantemente realizando escolhas que envolvem questões fundamentais entre o certo e o errado, mas que não necessariamente estarão contempladas no Código de Ética Profissional, o que corrobora com o padrão ético^(12,25). Para ser alcançado, esse padrão requer um envolvimento interpessoal da enfermeira com o paciente para iniciar a habituação positiva, ou seja, sua capacidade de aprender com alguma vivência e estar sempre aberta a novas aprendizagens em seu cotidiano^(12-13).

Ainda no que se refere à sua imagem, os entrevistados associaram as áreas de atuação da enfermeira de acordo com a sua experiência e relatos de seus familiares quando frequentaram diferentes serviços de saúde. Este aspecto pode evidenciar o padrão político que menciona o amplo contexto em que a enfermagem e os cuidados à saúde estão inseridos, apesar de a imagem ser predominantemente hospitalar⁽¹⁵⁾.

As atividades conferidas à enfermeira se relacionam com uma assistência direta ao paciente, pois administra medicações, vacinas, responsabiliza-se pelos cuidados com higiene, alimentação e feridas. Infere-se que há um conhecimento empírico para o seu cumprimento, pois o cuidado é pautado numa fundamentação teórica^(12-13,25). A equipe de enfermagem é subdividida em três categorias: a enfermeira, o técnico e o auxiliar de enfermagem, cada qual com atribuições específicas⁽²⁶⁾. As funções da enfermeira foram associadas àquelas realizadas pelos demais profissionais de enfermagem, contrapondo-se às rotinas nos serviços. Apesar de supervisionados, a assistência direta ao paciente é majoritariamente realizada por técnicos e auxiliares. Constata-se um desconhecimento das funções administrativas, gerenciais e de supervisão da enfermeira, associando-a somente ao cumprimento de atividades técnicas e de assistência direta ao paciente⁽⁶⁾.

Com relação à imagem da enfermeira transmitida pela mídia, evidencia-se a presença do padrão estético como forma de conseguir “intra-habitar” o outro por meio da empatia, demonstrada por estar preocupada com o paciente e interessada em atender às suas demandas^(12-13,25). O padrão pessoal permite o estabelecimento de uma relação interpessoal autêntica e única da enfermeira com o paciente^(12-13,25).

As redes sociais foram identificadas como uma ferramenta importante para promover positivamente a imagem da enfermeira. O conhecimento sócio-político integra-se aqui à responsabilização da própria categoria em utilizar os meios midiáticos para melhorar sua participação no espaço público, possibilitando a conquista de maior autonomia e visibilidade do profissional^(14-15).

Na categoria “O papel da enfermeira na sociedade”, os participantes compararam o trabalho da enfermeira com o do médico e sua presença nas 24 horas do dia, caracterizando uma profissão pautada na permanência e não na visita. Por ter maior vivência, ela se relaciona mais com o paciente do que o médico e acaba tendo um contato mais humano para com ele. Assim, a enfermeira, por possuir a visão do cuidado ao paciente, deve estar pautada não só pelo conhecimento empírico, baseado nas evidências, mas também no estético, pois é uma expressão singular e subjetiva de possibilidades que se torna visível na ação de cuidar^(12-13). Deve atentar-se também para as difíceis escolhas que surgem durante sua assistência e envolvem os conceitos do que é bom, do que deveria ser desejado ou do que é correto para cada pessoa, pois ela busca conhecer o paciente para tentar compreender as suas necessidades^(12-13,25).

Evidenciou-se também que a enfermeira é vista como uma assistente dos médicos, que são mais prestigiados pela sociedade. A influência do saber médico é predominante na história da enfermeira, inferindo que ela deve se subordinar a ele⁽²⁷⁾. Uma das contribuições para a suposição dessa inferioridade é de que o médico se responsabiliza pelo diagnóstico e decisões sobre o tratamento para cada paciente e, sem isso, não haveria paciente nem intervenções de enfermagem a serem realizadas⁽²⁷⁾. Portanto, ela é vista como alguém que dá continuidade ao trabalho do médico e que o auxilia quando preciso. Porém, apesar da crença da submissão da enfermeira ao médico, a enfermeira ocupa um papel essencial na articulação entre os trabalhadores de enfermagem e da saúde, sendo independente para realizar o processo de enfermagem^(22,27). Para superar este paradigma, é importante que a enfermeira incorpore o conhecimento sócio-político em busca de maior autonomia e visibilidade da categoria^(14-15). Além do ensino e da pesquisa, é preciso considerar a organização política da profissão como forma de alcançar a representatividade social⁽²⁸⁾.

A escolha profissional entre a enfermagem e a medicina também surgiu no discurso dos entrevistados. Muitas vezes, cursar enfermagem apresenta-se como a segunda opção em relação à escolha profissional em resposta à frustração de algo não realizado: o sonho de cursar medicina. Ressalta-se, neste caso, a importância da construção identitária profissional da enfermagem por meio da incorporação do conhecimento sócio-político pela enfermeira, a fim de que os estudantes se identifiquem com a profissão e que esta seja reconhecida pela sociedade de forma coerente e possa se tornar a primeira opção no vestibular⁽¹⁰⁾.

Limitações do estudo

A percepção da imagem da enfermeira foi compreendida a partir de um grupo de estudantes inseridos em um programa de formação profissional da própria universidade. Há uma disciplina nele que permite o esclarecimento sobre os diferentes cursos de graduação que a universidade oferece, incluindo a enfermagem, podendo ter influenciado na imagem que esses estudantes têm sobre a profissão. Demais jovens que não tenham esta experiência em sua formação poderiam apresentar uma visão diferente da imagem da enfermeira, embora o estudo fenomenográfico considere a experiência de cada sujeito como única.

Contribuições para a área de enfermagem

A pesquisa contribui na identificação da imagem da enfermeira e seu papel na sociedade percebida por estudantes que estão prestes a optar por uma carreira profissional, podendo refletir na maneira como sua imagem é percebida na sociedade. Na medida em que são desenvolvidos estudos sobre a temática e os participantes reconhecem a importância do papel da enfermeira na assistência à saúde da população, é possível a promoção de sua imagem coerente, principalmente se atrelada aos meios comunicação para ter maior alcance social sobre o seu papel. Na área de ensino, o estudo pode incentivar futuras pesquisas sobre o reconhecimento da imagem da enfermeira e o papel que exerce por alunos ingressantes no curso, e como isso se altera ao decorrer da graduação.

A busca pelo aprofundamento científico na área de enfermagem também corrobora positivamente para a autonomia da enfermeira e pode, além de contribuir com a produção científica do conhecimento em saúde, trazer mais visibilidade a categoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização da fenomenografia possibilitou compreender a imagem da enfermeira e de seu papel na sociedade percebida por estudantes de nível médio, discutida de acordo com os padrões de conhecimento em enfermagem.

Os entrevistados associaram à enfermeira características positivas, como atenciosa, cuidadosa, paciente e dedicada à profissão. Ela é essencial nos serviços de saúde, responsabiliza-se por todos os cuidados e pode diagnosticar e acompanhar as necessidades do indivíduo, destacando-se o padrão empírico, visto que denota o conhecimento científico da categoria. Porém, atribuíram-lhe características negativas como braveza, maus-tratos e desatenção, evidenciando o padrão ético, pois a enfermeira se responsabiliza por ações danosas ao paciente. Há um desconhecimento das suas funções gerenciais e administrativas, sendo associada ao cumprimento de assistência direta ao paciente. Apontou-se o uso das redes sociais como ferramenta importante para promover a visibilidade da profissão.

Quanto ao papel da enfermeira na sociedade, emergiu a percepção de que ela se mantém presente nas 24 horas do dia e possui maior vivência com o paciente do que o médico, o que denota o padrão estético devido à expressão singular de possibilidades na ação de cuidar. Predomina a imagem de subordinação ao médico, pois é mais prestigiado socialmente, sendo a enfermeira uma assistente sua.

Ressalta-se a importância da realização de outros estudos que contemplem a temática da visibilidade da profissão e de como sua imagem é percebida por diferentes grupos na sociedade, considerando a carência de pesquisas desta temática.

• FOMENTO Bolsa de Iniciação Científica concedida pelo CNPq por meio do projeto 800295/2016-1.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  30 Mar 2019
• Aceito
  28 Ago 2019