Modelo teórico de cuidado do enfermeiro à criança com obesidade

RESUMO

Objetivos:

descrever o modelo teórico de cuidado do enfermeiro com crianças com obesidade na Atenção Básica de Saúde.

Métodos:

utilizou-se da Teoria Fundamentada nos Dados e na referencial teórico/filosófico de Virginia Henderson. A pesquisa foi realizada em Unidades Básicas de Saúde da Família e Serviços Especializados, em Campina Grande, Paraíba, Brasil. Com 24 participantes que formaram quatro grupos amostrais. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, entre abril a outubro 2015, e analisados pelo método de comparação constante. A análise realizou-se pela codificação inicial, construção de diagramas e memorandos, codificação axial, seletiva e reflexão sobre o paradigma e a teoria emergente.

Resultados:

seis categorias emergiram dos dados. Constitui o modelo teórico a preocupação do enfermeiro com o cuidado à criança com obesidade como área negligenciada na Atenção Básica.

Considerações Finais:

o fenômeno perpassa a individualidade do cuidado do enfermeiro e se depara com a necessidade de uma responsabilidade compartilhada.

Descritores:
Obesidade; Cuidado da Criança; Cuidados de Enfermagem; Atenção Primária à Saúde; Teoria Fundamentada

ABSTRACT

Objectives:

to describe a theoretical model of nursing care for children with obesity in Primary Health Care.

Methods:

Grounded Theory and the theoretical/philosophical framework of Virginia Henderson were used. The research was conducted in Family Basic Health Units and in Specialized Services in the city of Campina Grande, Paraíba, Brazil. A total of 24 participants composed four sample groups. Data were collected through semi-structured interviews, between April and October 2015, and analyzed by the constant comparison method. The analysis occurred by initial coding, construction of diagrams and memos, axial coding, selective coding and reflection on the paradigm and on the emerging theory.

Results:

six categories emerged from the data. Nurses worrying about the care of children with obesity as a neglected area in Primary Health Care was the theoretical model.

Final Considerations:

the phenomenon is related to the individuality of nursing care and the need for shared responsibilities.

Descriptors:
Obesity; Child Care; Nursing Care; Primary Health Care; Grounded Theory

RESUMEN

Objetivos:

describir el modelo teórico de atención de enfermería para niños con obesidad en la Atención Primaria de Salud.

Métodos:

se utilizó la Teoría Basada en Datos y el marco teórico/filosófico de Virginia Henderson. La investigación se realizó en diversas Unidades Básicas de Salud Familiar y Servicios Especializados en Campina Grande, Paraíba, Brasil. Hubo 24 participantes que formaron cuatro grupos de muestra. Los datos se recogieron mediante entrevistas semiestructuradas, entre abril y octubre de 2015 y se analizaron mediante el método de comparación constante. El análisis se realizó utilizando la codificación inicial, la construcción de diagramas y memorandos, la codificación axial, selectiva y la reflexión sobre el paradigma y la teoría emergente.

Resultados:

de los datos surgieron seis categorías. El modelo teórico estaba constituido por el enfermero preocupado con el cuidado de niños con obesidad como área desatendida en la Atención Primaria.

Consideraciones Finales:

el fenómeno traspasa la individualidad de la atención del enfermero y se depara con la necesidad de una responsabilidad compartida.

Descriptores:
Obesidad; Cuidado del niño; Atención de Enfermería; Atención Primaria de Salud; Teoría Fundamentada

INTRODUÇÃO

O cuidado do enfermeiro com a criança com obesidade na Atenção Básica de Saúde (ABS) tornou-se temática em destaque, tendo em vista que está associado às mudanças no estilo de vida da sociedade atual, independente de nível econômico, bem como por requerer desses profissionais competências específicas mediante cuidado multidisciplinar⁽¹⁾.

A obesidade atinge crianças, famílias e a sociedade no geral, tornando-se um problema extenso e grave⁽²⁾, por esse motivo está incluída nas ações de saúde da criança na ABS. Pode ser definida como uma doença crônica de origem multifatorial, caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo relacionado ao desequilíbrio entre a ingestão e o gasto energético⁽³⁾.

O sobrepeso e a obesidade tem se tornado um problema de saúde pública não só no Brasil, mas em todo o mundo, constituindo-se numa preocupação relevante, por impor, ao seu portador, riscos à saúde e limitações à qualidade de vida⁽⁴⁾. Na criança torna-se mais grave, pois caso não tenha assistência adequada, perpetuará esse quadro e será, provavelmente, um adulto obeso⁽⁵⁾.

Em âmbito global, estima-se que 40 a 50 milhões de crianças em países desenvolvidos e em desenvolvimento estejam com sobrepeso ou obesidade⁽⁶⁾. No Brasil, uma em cada três crianças na faixa de 5 a 9 anos está acima do peso, e, no geral, 33,5% das crianças nessa idade têm excesso de peso⁽³⁾.

Para os profissionais da saúde a atenção à criança com sobrepeso e obesidade é uma preocupação e um desafio. Isso se justifica por ser uma fase em que há certa dificuldade de assimilação por parte da criança em desenvolver hábitos saudáveis de vida, principalmente se não houver a participação efetiva e o incentivo da família⁽⁷⁾.

Para acompanhamento desta população específica em suas necessidades de saúde existe a ABS que se destaca por seu importante papel nas ações de vigilância em saúde, com atividades de promoção da saúde e prevenção de agravos, como o acompanhamento de grupos específico, a exemplo de crianças com obesidade⁽⁸⁾. Os profissionais de saúde da ABS são aconselhados a discutir sobre a obesidade e os meios para controlar sua epidemia. Contudo, as abordagens para prevenção e tratamento são limitadas⁽⁹⁾.

O enfermeiro torna-se essencial nesse aspecto, por ser uma categoria profissional que tem o cuidado como cerne da sua profissão desde o final do século XX⁽¹⁰⁾. Paralelamente, está em uma posição ideal para avaliar corretamente, diagnosticar e tratar o excesso de peso em crianças⁽¹¹⁾. Para tanto, o saber do enfermeiro precisa estar pautado em princípios teóricos, filosóficos e tecnológicos, a fim de que se exerça o cuidar das pessoas, buscando o bem-estar⁽¹²⁾. Contudo, as teorias são consideradas abstratas e sem alcance para a prática do enfermeiro. Assim, o desenvolvimento de um modelo teórico assistencial aumenta o potencial do enfermeiro que, ao utilizar a teoria, desenvolve o pensamento crítico e impulsiona a tomada de decisões, com o intuito de melhorar a qualidade do cuidado⁽¹³⁾.

OBJETIVOS

Descrever o modelo teórico de cuidado do enfermeiro às crianças com obesidade na Atenção Básica de Saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Adotaram-se as normas da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, com aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFRN. Garantiu-se sigilo e anonimato para todos os participantes.

Tipo de estudo

Estudo qualitativo que utilizou a Teoria Fundamentada nos Dados⁽¹⁴⁾, a fim de possibilitar a explicação do fenômeno investigado, com a produção das teorias substantivas. Para isso, buscou compreender os processos, adentrar nas experiências, sentimentos, barreiras, significados atribuídos ao fenômeno e opiniões envolvidas nos significados humanos que não podem ser mensurados quantitativamente.

Por tais motivos, foi realizada uma pesquisa do tipo social, exploratória e descritiva, do tipo qualitativo, utilizando como referencial filosófico os princípios de Virginia Henderson que servem para nortear a prática, enquanto busca explicar, descrever, prever ou prescrever os cuidados de enfermagem⁽¹⁵⁾.

Procedimentos metodológicos

A coleta de dados foi realizada no período de abril até outubro de 2015. Utilizou-se das observações com descrições densas e extensivas, bem como a coleta dos relatos pessoais dos sujeitos da pesquisa por meio de entrevistas ou conversas direcionadas. Tendo em vista a busca de resposta para a questão da pesquisa para o primeiro grupo amostral, composto por enfermeiros, utilizou-se o seguinte questionamento inicial: Como você vivencia os cuidados do enfermeiro com a criança com obesidade e que significados atribui a essas experiências de cuidado?

A partir das falas desse primeiro grupo amostral e das hipóteses levantadas na análise dos dados, surgiu a necessidade de incluir outros grupos amostrais: cuidadores de crianças com obesidade, gestores dos serviços de saúde e o grupo de profissionais da saúde, que incluiu preparador físico, nutricionista e médico.

As entrevistas foram gravadas em aparelho telefônico móvel e, logo em seguida, transcritas pela pesquisadora principal e por bolsistas de iniciação científica que foram previamente treinadas. Ao término das transcrições, as entrevistas foram enviadas por correio eletrônico para os participantes a fim de que procedessem à leitura e autorização do uso da mesma.

A pesquisadora também elaborou memorandos contendo as percepções sobre os discursos, bem como anotações preliminares acerca dos códigos e comparações ou qualquer outra ideia que ocorresse sobre os dados coletados, a fim de auxiliar a análise dos dados. Utilizaram-se os memorandos como instrumento para comparar os dados, explorar ideias sobre os códigos e direcionar as coleta de dados subsequentes⁽¹⁶⁾.

A seleção dos participantes foi realizada pelo princípio de saturação teórica, conforme a literatura consultada⁽¹⁶⁾, por isso não se determinou previamente o quantitativo de sujeitos pesquisados. De acordo com a análise dos memorandos, diagramas e entrevistas, observou-se a necessidade de inclusão de novos sujeitos até alcançar a saturação teórica. Assim, ao entender que as categorias não tinham mais espaços para desenvolver novos conceitos, considerou-se que o pesquisador alcançou densidade e propriedades bem definidas.

A análise e a coleta de dados ocorreram simultaneamente. Assim, realizou uma leitura flutuante e destacaram-se as ideias principais, assim como as primeiras impressões das falas. Diante de um processo dinâmico e fluído iniciou-se o processo de codificação dos dados na codificação aberta buscando descobrir conceitos. O próximo passo dentro da codificação aberta foi agrupar os incidentes em conceitos provisórios de acordo com suas similaridades e diferenças.

A partir dos conceitos provisórios, surgiram abstrações e formaram-se então as categorias. Nesse momento se iniciou a codificação axial, na qual as categorias surgiram e foram relacionadas às suas subcategorias, que por sua vez percorrem o entorno do eixo central e foram associadas às categorias de acordo com suas propriedades e dimensões.

Naturalmente, enquanto elaboravam-se categorias e subcategorias surgiram às relações entre elas e os componentes do paradigma. Aqui o paradigma correspondeu a um sistema que auxiliou a ordenar e a agrupar os dados sistematicamente. Esse processo de codificação inicial e axial seguiu desde a primeira entrevista, com a observação dos conceitos e a relação entre eles, o surgimento de categorias e as relações com as subcategorias, percebendo suas condições (ações/interações) e consequências.

As hipóteses emergiram a partir da análise das primeiras entrevistas com os enfermeiros. Como resultado surgiu à necessidade de formação de outros grupos amostrais, mediante carência de refinamento das categorias. Assim, a presente pesquisa contemplou a participação dos seguintes grupos: primeiro grupo formado por 11 enfermeiros da ABS; o segundo grupo composto por quatro cuidadores de crianças obesas; o terceiro grupo formado por quatro gestores de saúde do município; e o quarto grupo composto por cinco profissionais de saúde.

Ao analista coube a tarefa de integrar e refinar as categorias na etapa de codificação seletiva, a partir da análise dos registros e memorandos. No total construíram-se 73 diagramas e 58 memorandos.

Foi determinada a categoria central por meio de processo de abstração e de relação entre as categorias, que reuniu os produtos da análise e transcreveu em uma oração uma aparente explicação para o fenômeno, ou seja, a essência da pesquisa de forma conceitual.

O modelo paradigmático ou condicional/consequência foi desenvolvido em suas relações entre as categorias. Contou com a ajuda de um profissional designer gráfico para diagramar o modelo proposto pela pesquisadora e melhor representar a teoria substantiva alcançada em todo esse processo de integração, refinamento, comparações e questionamentos de códigos, categorias e subcategorias sobre os significados do processo do cuidado do profissional enfermeiro à criança com obesidade na ABS.

Após a construção do modelo teórico, o mesmo passou pelo processo de “validação”, findando a fase de análise dos dados. O modelo teórico construído foi apresentado a cinco validadores, sendo dois especialistas em obesidade infantil, duas enfermeiras participantes desta investigação e um especialista em TFD.

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido em seis Equipes de Saúde da Família de quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS), e um Serviço Especializado (SE) em tratamento da obesidade infantil (Centro de Obesidade Infantil - COI), na ABS da cidade de Campina Grande, no Estado da Paraíba, Brasil. A seleção do município para realização da investigação se deu mediante o funcionamento do COI, serviço público que contemplava o enfermeiro como categoria profissional participante da equipe multidisciplinar. Destaca-se que, no ano de realização da coleta de dados, o Município de Campina Grande era o único na Paraíba que contava com serviço público e especializado em tratamento de obesidade e doenças associadas, direcionado especificamente ao público de crianças e adolescentes, no caso o COI. Por criança compreende-se a faixa etária adotada pela World Organization Health, de zero até os 9 anos completos⁽⁶⁾.

RESULTADOS

A realização desse estudo possibilitou imergir nos sentimentos, percepções e vivências dos enfermeiros no cuidado à criança com obesidade na ABS. Os significados construídos sobre o cuidado do enfermeiro à criança com obesidade foram realizados com base na relação e reflexão dos conceitos levantados a partir dos dados de entrevistas. Com isso, desenvolveram-se seis conceitos (categorias) e suas subcategorias (propriedades), sendo as subcategorias elementos que qualificam o conceito.

Assim, como forma didática de apresentar os discursos, categorias e suas subcategorias foram demonstradas através do Quadro 1, com os códigos da categoria representada. Sendo assim, demonstra-se o maior número possível de dados gerados através das entrevistas e evita um número extensivo de citações das falas dos participantes.

Quadro 1
Apresentando as categorias, subcategorias e discurso dos participantes

CATEGORIAS	SUBCATEGORIAS	DISCURSOS
1. Identificando processos que determinam a descontinuidade do cuidado à criança com obesidade nas unidades de saúde	Descobrindo fragilidades de gestão para estruturar o cuidado do enfermeiro à criança com obesidade na ABS; Limitando o cuidado do enfermeiro à criança com obesidade pelo quantitativo insuficiente de recursos humanos, falta de capacitação e revelando organização do processo de trabalho a partir do modelo biomédico.	"Deve ter equipe aí que funcione, mas na minha equipe ainda está muito difícil... porque a obesidade é para ser tratada como os hipertensos, a gente sabe, tem o cadastro, conhece, cuida, vai atrás, ta sempre em cima para vê." (E02); "Eu tenho 16 anos de PSF em Campina, nunca ouvi falar de enfermeira que atendesse crianças maiores sadias [...]" (G01)
2. Caracterizando a fragilidade do cuidado compartilhado dos pais e profissionais de saúde no cuidado à criança com obesidade	Recebendo influência de fatores culturais, socioeconômicos e psicológicos nas escolhas alimentares; Visualizando a ausência materna como potencializador para a obesidade infantil; Reconstruindo o círculo vicioso: hábitos dos pais sendo reproduzidos pelos filhos; Deparando-se com impossibilidades para estabelecer parcerias com os profissionais e familiares no cuidado à criança com obesidade e (Des)conhecendo a obesidade infantil como doença.	"Quando falo da cultura, digo que é a cultura do fácil... Envolve o tempo, ninguém tem mais tempo para se preocupar com isso..." (E02); "[...] Quando a mãe não está em casa, ela aproveita. O pai está sempre ali facilitando." (PS04); "[...] Às vezes, o entrave pode ser o básico, a própria família que não acredita no processo, ou que desiste da criança... porque a própria mãe acredita que depois ela vai emagrecer." (E04)
3. Interagindo com a equipe multiprofissional no cuidado	Mantendo relação com o trabalho multiprofissional e disciplinar na atenção à criança com obesidade e contando com centro especializado de referência para o cuidado de criança com obesidade.	"[...] Por isso que é importante o trabalho multiprofissional... Faz um bom tempo que a gente entendeu que nenhum de nós é tão bom quando todos juntos [...]" (E08)
4. Vislumbrando novas perspectivas para o cuidado do enfermeiro	Atuando como suporte à UBS para ser porta de entrada ao cuidado da criança com obesidade; Rompendo os limites da UBSF para captar e acompanhar crianças obesas; Estabelecendo vínculo com as famílias para o cuidado da criança com obesidade; Fomentando alternativas para cuidar da criança com obesidade e desenhando o cuidado sistematizado por meio de projetos de intervenção.	"Quando o paciente chega à unidade, tem que passar primeiro pela Enfermeira [...] primeiro quando o usuário chega, procura, vai diretamente para a Enfermeira [...]" (PS03) "[...] Pra poder as enfermeiras ter esse olhar direcionado a todo ciclo de vida da criança, de 0 a menor de 11 anos, precisariam ter uma sistematização, porque soltas as crianças não vão pro posto pra enfermeiro [...]" (G01)
5. Movendo-se nos cenários do cuidado do enfermeiro	Identificando suprimento insatisfatório de recursos; Refletindo sobre a obesidade infantil no âmbito da gestão de saúde e apontando a falta de planejamento situacional como limitador para o cuidado do enfermeiro.	"A nossa sensação, às vezes, é de impotência, porque nós não conseguimos mudar como gostaríamos de mudar porque não temos os recursos... O problema é a gestão... A política de uma cidade ou de um país. [...]" (E07)
6. Atendendo a preocupação por novos processos do cuidado do enfermeiro	- Abordando prevenção da obesidade infantil no atendimento às gestantes; Assimilando a consulta de enfermagem como princípio do cuidado à criança com obesidade; Utilizando o atendimento cotidiano no enfrentamento da obesidade infantil por meio de orientações e instituindo o acompanhamento sistemático da criança com obesidade na ABS: a perspectiva do enfermeiro.	"[...] O que observo é que a partir do pré-natal deve-se começar uma orientação. Quando o bebê nasce, vai se dando uma continuidade e ampliando isso pra dentro das escolas quando a criança chega na idade escolar..." (G04)

Ao extrair dos dados todas as categorias e suas propriedades e dimensões, desenvolvidas densamente a nível conceitual, elaborou-se o conceito central intitulado: “O enfermeiro preocupando-se com o cuidado à criança com obesidade como área negligenciada na Atenção Básica de Saúde”. O qual se relaciona intimamente com os seis conceitos (categorias apresentadas no Quadro 1), explicando e descrevendo o fenômeno do cuidado do enfermeiro à criança com obesidade.

A construção do modelo teórico requereu grande integração e compartilhamento das relações estabelecidas entre as categorias com o conceito central e entre si. O modelo contém representações dos aspectos macro e micro do cuidado do enfermeiro à criança com obesidade, de forma a envolver todos os responsáveis por compartilhar esse compromisso na ABS e fazer parte do contexto situacional.

Na Figura 1 vê-se a representação de um alimento de alto teor calórico e de grande aceitação na sociedade atual e que representa as escolhas alimentares mais comuns das crianças e dos seus responsáveis. O hambúrguer figura altos índices de alimentos processados e industrializados presentes na mesa das famílias e centraliza o conceito de negligencia de todos os envolvidos em atuar no combate a essas práticas alimentares não saudáveis.

Figura 1
Modelo teórico para o enfermeiro preocupando-se com o cuidado à criança com obesidade como área negligenciada na Atenção Básica de Saúde

Apesar de o modelo se apresentar com múltiplos fatores que obstaculizam o cuidado do enfermeiro à criança com obesidade, por exemplo, a burocratização e a sobrecarga de trabalho, mediante a preocupação em relação a uma área de saúde negligenciada ficou evidente a forma de romper com o fenômeno em questão, a saber, a necessidade da interação da equipe multiprofissional e disciplinar. Assim, por meio da Figura 1 há a representação, de forma lúdica, da mordida no hambúrguer e das migalhas que interligam a categoria ao conceito central, como forma de interromper o caminho da negligência participativa do cuidado do enfermeiro à criança com obesidade.

O modo em que se sugere que as categorias estão inseridas diz respeito às relações entre elas, uma vez que não existe uma ordem cronológica, organizacional ou situacional das categorias dentro de um contexto, nem mesmo linhas de conectividade entre elas, mas sim uma dinâmica. O caminho tem sentido duplo, demonstrando a relação de exercer influência e ser influenciada das categorias. Da mesma forma, revela o movimento em que todas as categorias estão inter-relacionadas.

A representação dos contextos em que a criança está inserida e onde recebe influência para o aumento de peso pode ser configurada no modelo a partir da escola, da residência, da família, da igreja e dos locais onde a criança recebe o cuidado do enfermeiro através das figuras representativas da ABS e pastoral da criança. Também, os ambientes virtuais são representativos dos contextos que permitem a vivência e influência da criança com os ambientes obesogênicos. As instituições de ensino superior são exemplos das influências positivas que podem ter sobre a criança por meio do ensino, da pesquisa e dos projetos de extensão.

O cuidado do enfermeiro à criança com obesidade ocorre dentro de um contexto na ABS com grandes necessidades de reestruturação. Os fatos e as situações que acompanham o enfermeiro preocupando-se com o cuidado à criança com obesidade como áreas negligenciadas na ABS são representadas pelos conceitos da categoria 5, que denominou-se Movendo-se nos cenários do cuidado de enfermagem. Importa perceber que os enfermeiros atuam no cuidado à criança com obesidade de forma arbitrária e com pouca estrutura física, teórica ou material. O contexto em que os enfermeiros estão inseridos para prestar assistência qualificada dificulta o ir além do pouco que é feito na atualidade.

Estimular a prática de atividade física é uma atribuição necessária ao cuidado do enfermeiro à criança com obesidade. Contudo, o espaço em que as crianças estão residindo limita o rompimento com o sedentarismo, porque a população das unidades pesquisadas reside em áreas sem infraestrutura, praças e locais propícios à prática de exercícios físicos, como: quadra poliesportiva, academia pública, via para ciclismo ou para caminhadas. Assim, o contexto do cuidado do enfermeiro à criança com obesidade na ABS perpassa os gestores de saúde, sejam esses mundiais, nacionais, estaduais e municipais. Bem como, perpassa por enfermeiros sem planejamento sobre a situação da área em que atuam, para que, dessa forma, possam gerar ações de impacto contra a obesidade na infância.

As condições causais refletem as vivências e experiências dos enfermeiros da ABS no cuidado à criança com obesidade. As causas apresentam-se como incidentes ou acontecimentos que exercem influência sobre a preocupação negligenciada, no caso do fenômeno em questão. Assim, endossa as condições causais desta pesquisa a categoria 1: Identificando processos que determinam a descontinuidade do cuidado a criança com obesidade nas unidades de saúde.

Os participantes sugeriram que o cuidado era incipiente e, além disso, que enfrentavam barreiras que limitavam ainda mais suas ações. Diante das fragilidades de planejamento dos gestores de saúde, que não põem em evidência a problemática da obesidade infantil, constituem como algumas das causas ou acontecimentos que fortalecem a negligência no cuidado à criança com obesidade: a falta de recursos humanos, como profissionais especializados; a presença de centros de referência em tratamento para encaminhamento; poucos núcleos de apoio à saúde da família disponível para a ABS ou integrados a elas; o baixo quantitativo de enfermeiros para atender toda a população, gerando sobrecarga de trabalho; os cronogramas pouco flexíveis para inserção da obesidade infantil; falta de capacitação; predominância do modelo biomédico.

No entanto, as condições intervenientes são representadas pela categoria 3: Interagindo com a equipe multiprofissional no cuidado que, nesse caso, exerce uma influência positiva sobre a preocupação negligenciada no cuidado do enfermeiro à criança com obesidade. Em contrapartida, a interação com a equipe multiprofissional se mostrou ser intangível, uma vez que o quantitativo e acesso aos profissionais são feitos de modo precário e, para se alcançar a efetividade do cuidado às crianças com obesidade pelo enfermeiro, é imprescindível a presença da equipe multiprofissional e disciplinar compartilhando responsabilidade.

Os pais compartilham da mesma ideia quando descreveram o trabalho multiprofissional como uma forma de incentivo à permanência no tratamento da família com obesidade. Assim, compartilhar da responsabilidade de cuidar dessas crianças em uma equipe multiprofissional e assisti-las individualmente, com alto poder de resolubilidade para a realidade econômica e social da família, repercute na resposta da família em relação ao cuidado da obesidade infantil.

Na categoria 2, “Caracterizando a fragilidade do cuidado compartilhado dos pais e profissionais de saúde no cuidado à criança com obesidade”, identificou-se a fragilidade dos pais em participar na qualidade de cuidador da criança como reflexo da falta de envolvimento dos gestores e profissionais da saúde em sensibilizar a população quanto a problemática da obesidade infantil.

Compreende-se, então, que se os profissionais de saúde e os gestores investissem mais no cuidado à família com obesidade, certamente os pais não resistiriam com tanta veemência às mudanças sugeridas. Os envolvidos estariam se empenhando em desenvolver uma nova cultura alimentar. Essa mudança de estilo alimentar e de vida requer tempo e pode não ser adotada em curto prazo, exigindo persistência e compreensão dos profissionais de saúde. Perceber esse momento para os pais é necessário, uma vez que adotar um novo estilo de vida pode ser desgastante e cansativo, assim como pode gerar tensão e estresse na família, requerendo um cuidado humanizado que promova adaptações e tolerância com possíveis fracassos.

As categorias que respondem às estratégias que foram adotadas pelos participantes para enfrentar ou responder o fenômeno endossam as ações/interações. Assim, as categorias 4 e 6: “Vislumbrando novas perspectivas para o cuidado do enfermeiro” e “Atendendo a preocupação por novos processos do cuidado do enfermeiro” são os meios utilizados pelos enfermeiros e participantes para lidar com a preocupação negligenciada do cuidado do enfermeiro à criança com obesidade na ABS.

Em meio à negligência há sinais de que existe uma preocupação com esse público, e algumas ações do enfermeiro estão sendo adotadas primariamente para prestar cuidado. Como: ter o primeiro contato com a população; facilitar o processo de captação de crianças maiores de dois anos; sair dos muros das Unidades Básicas para prestar cuidado às crianças nos ambientes em que elas passam a maior parte do dia, como a escola e as casas; captar crianças com risco para obesidade ou já com excesso de peso através dos programas sociais do governo federal; estabelecer vínculo com as famílias; parcerias com IES; promover trabalhos preventivos com gestantes e puérperas; utilizar as consultas de enfermagem para abordar a obesidade infantil; orientar e acompanhar famílias obesas.

Quanto à validação do modelo, em geral foi aceito e considerado adequado para representar o cuidado do enfermeiro à criança com obesidade na ABS, contudo, foram sugeridas algumas modificações que foram acatadas, resultando nas mudanças que condiziam com os conceitos elaborados a partir dos dados brutos. As contribuições foram valiosas e auxiliaram a elevar o conteúdo do modelo teórico, bem como a confiar que as suas informações são precisas e fiéis na representatividade da prática do enfermeiro no cuidado à criança com obesidade, conforme o discurso a seguir:

É possível perceber todos os atores envolvidos, inclusive o enfermeiro que negligencia o problema. Com certeza, o modelo consegue representar o contexto que se insere essa criança com obesidade e o cuidado do enfermeiro. (V01)

DISCUSSÃO

As categorias e subcategorias emergentes dos dados descrevem de forma dinâmica e inter-relacionada os aspectos relacionais da obesidade na infância e os seus significados para os enfermeiros. Suas relações e conexões convergem para a centralização de um conceito: O enfermeiro preocupando-se com o cuidado à criança com obesidade como área negligenciada na Atenção Básica de Saúde.

Percebe-se que o enfermeiro está centrado em um cuidado organizado para atender certas necessidades de saúde da população ao se esforçar para incluir o cuidado à criança com obesidade na sua dinâmica de atendimento da ABS. Assim como, na tentativa de atender os instintos tomados por preocupações, se depara com processos que impedem o fluir da assistência à obesidade infantil. Logo, sua atuação com essa população ainda é um vislumbre de novas perspectivas para alcançar crianças com obesidade. Torna-se difícil, portanto, se mover nos cenários de falta de capacitação, insuficiência de recursos e de profissionais de saúde que lhe prestem apoio nesse tipo de cuidado. Como resultado de uma doença deixada em segundo plano pelos sistemas de saúde, os pais de crianças com obesidade têm se omitido da sua parcela de responsabilização nesse processo de tratamento.

As estratégias para tratar a criança com obesidade perpassam por ações isoladas para reduzir o peso e englobam os fatores que influenciam o comportamento. Para se modificar hábitos é necessário envolver todos os responsáveis pela atenção à criança⁽⁹⁾.

Com o intuito de alcançar os níveis de cuidado da criança com obesidade, é necessário pensar sobre o infante como um ser integral, completo, inserido em um contexto social e econômico, assim como envolto por pessoas com hábitos e costumes que serão impressos nesse ser ao longo da vida. Não se pode pensar em obesidade infantil de forma independente e isolada, como um processo biológico e endócrino. É necessário lançar o olhar para as múltiplas relações e inter-relações existentes nesse processo interativo e de dependência. Henderson compreende instintivamente o indivíduo como único e permeado por relações que tanto podem favorecer a doença como a saúde⁽¹⁷⁾.

Assim, os dados indicam que para romper com a negligência do cuidado à criança com obesidade, é necessário mais do que a elaboração de cadernos de atenção básica para orientação sobre obesidade. É necessária uma força tarefa, o sistema de saúde do Brasil precisa atuar no sentido de monitorar e adotar medidas para conter o aumento da obesidade. As projeções sugerem que essa prevalência permanecerá em ascendência.

Transpor os problemas estruturais, teóricos, materiais, instrumentais, de sobrecarga de trabalho, entre outros, pode ser necessário para se alcançar a criança com obesidade. Entre as facilidades do enfermeiro para cuidar da alimentação infantil na ABS estão à participação ativa dos enfermeiros e o envolvimento em cuidar da criança na ABS⁽¹⁸⁾. Da mesma forma, existe a necessidade de compreender as ações e responsabilidades para se promover saúde e prevenir doenças.

Para alcançar plenitude no cuidado, o enfermeiro se revela como profissional de saúde capaz de integrar os saberes específicos de outros profissionais e promover uma atenção em sua completude⁽¹⁹⁾. O enfermeiro se adapta bem à linha de frente no cuidado de saúde por alcançar uma compreensão avançada das consequências associadas ao dano e por compreender que essa é a profissão que tem base na ciência e arte do cuidar, uma vez que tal ação trata de alcançar a integralidade⁽²⁰⁾.

A parcela dos pais e cuidadores na responsabilidade de cuidar da criança com obesidade apresentam-se como a mais evidente dificuldade desse processo, entretanto tal fator pode ser considerado como reflexo da ausência dos gestores e profissionais da saúde. Significa, então, que a partir de uma maior mobilização dos demais interessados em reverter o panorama da obesidade no Brasil acarretaria em mudanças de hábitos, pois as famílias de pacientes obesos receberiam o impacto e seriam conduzidas no processo de mudança de comportamento. Os pais esperam a perda de peso dos filhos quando percebem a obesidade na infância, mas o percurso para esse fim ainda é confuso para os pais, pelo entendimento desvirtuado do que é bom e saudável^(21-22).

De acordo com a filósofa, para um homem ser saudável é preciso começar com seu avô⁽¹⁹⁾, o que reforça a ideia de incluir os familiares e cuidadores na busca pela mudança de paradigmas enraizados na população.

Assim, a criança com obesidade requer um cuidado compartilhado e, diante da profundidade dos significados atribuídos ao cuidado a esse paciente, a integração entre os envolvidos requer empenho e doação de todos. Alcançar resultados práticos e reais é imprescindível para que haja impacto nos índices de obesidade infantil no Brasil e no mundo, de forma a minimizar os doentes crônicos ocasionados pela problemática da obesidade desde a infância. Atuar de forma resolutiva e com efetividade no cuidado à criança com obesidade requer do enfermeiro uma base sólida em teorias e filosofias próprias da sua profissão, sendo esse também o ponto de partida para potencializar a capacidade profissional.

Limitações do estudo

O estudo apresenta como limitação abordar apenas a vivência de um centro de referência em obesidade infantil com uma enfermeira integrando a equipe de cuidado. Além disso, o curto tempo das mães para disponibilizar entrevistas com as crianças obesas, no intuito de ouvi-las, sobre suas perspectivas do cuidado de enfermagem em que ela está inserida.

Contribuições para a área da Enfermagem

A teoria substantiva, nomeada de O enfermeiro preocupando-se com o cuidado à criança com obesidade como área negligenciada na ABS, se propõe a servir de base para a prática do enfermeiro no cuidado à obesidade infantil. E, igualmente, a fortalecer as ações de saúde para prevenção, tratamento e reabilitação da criança com obesidade e, também, a despertar todos os envolvidos nesse processo para romper com a negligência e caminhar como facilitadores do cuidado a essa população específica, compartilhando responsabilidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da presente pesquisa foi possível desvendar um agregado de dados, desenvolver conceitos e elaborar um modelo teórico sobre as práticas do enfermeiro no cuidado à criança com obesidade, alcançado através do que aqui se nominou como o fenômeno do enfermeiro preocupando-se com o cuidado à criança com obesidade como área negligenciada na Atenção Básica de Saúde. Da mesma forma, foi desenvolvida uma teoria substantiva sob o fenômeno para compreender os significados que os enfermeiros atribuem ao processo de cuidar de criança com obesidade.

A partir do entendimento do cuidado de enfermagem à criança com obesidade como uma preocupação em área de saúde negligenciada no Brasil foi possível compreender que o fenômeno perpassa a individualidade do cuidado do enfermeiro e se depara com a necessidade de uma responsabilidade compartilhada. Assim, a preocupação atinge as demais instâncias do processo, como outros profissionais da saúde, gestores de saúde nacionais e mundiais, familiares e cuidadores das crianças com obesidade.

O modelo teórico foi validado e reconhecido como confiável e representativo do panorama atual do cuidado do enfermeiro as crianças com obesidade. E, também, auxilia os enfermeiros na compreensão dos contextos sociais em que as crianças estão inseridas e na tomada de decisões para sistematizar projetos de intervenção. Bem como na compreensão de um processo complexo e pleno de inter-relações, no qual o enfermeiro atua em conjunto com a equipe e tem atribuições específicas capazes de romper com a fragilidade de corresponsabilidade dos pais, agregando os profissionais de saúde e fortalece a gestão no planejamento de ações para redução dos índices de crianças com obesidade.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  24 Jan 2018
• Aceito
  12 Out 2019