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Empowerment do familiar cuidador frente ao acidente vascular cerebral no ambiente hospitalar

RESUMO

Objetivos:

compreender como o empowerment dos familiares cuidadores de pessoas acometidas por acidente vascular cerebral ocorre no ambiente hospitalar.

Métodos:

pesquisa qualitativa, do tipo pesquisa ação participante, articulada com o Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, desenvolvida em abril de 2018 com familiares cuidadores, em uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral.

Resultados:

foram codificados três predominantes: a necessidade de empowerment e autonomia para vivenciarem a situação de cuidado; os desafios vivenciados ao tornar-se cuidador; e o apoio familiar. As participantes apresentaram carência de informações inerentes ao processo de cuidar, com distanciamento do empowermentpara exercer a função na desospitalização. O diálogo revelou o empowermentcomo possibilidade para a consciência crítica e o desenvolvimento de habilidades.

Conclusões:

destaca-se a importância de direcionar a promoção da saúde para cuidadores, inserindo-os no processo de cuidado, reconhecendo suas necessidades e intensificando as práticas que promovam o empowerment para o cuidado, perpassando as ações curativistas.

Descritores:
Familiar Cuidador; Acidente Vascular Cerebral; Poder; Promoção da Saúde; Hospital

ABSTRACT

Objectives:

to understand how the empowerment of family caregivers of people with stroke occurs in the hospital environment.

Methods:

a qualitative research, participatory action research, articulated with Paulo Freire’s Research Itinerary, developed in April 2018 with family caregivers, in a Stroke Unit.

Results:

three predominant codes were coded: the need for empowerment and autonomy to experience the care situation; the challenges experienced in becoming a caregiver; and family support. Participants presented a lack of information inherent to the care process, with distancing from empowerment to perform the function in dehospitalization. Dialogue revealed empowerment as a possibility for critical awareness and skill development.

Conclusions:

it highlights the importance of directing health promotion for caregivers, inserting them in the care process, recognizing their needs and intensifying practices that promote empowerment for care, bypassing curative actions.

Descriptors:
Family Caregiver; Stroke; Power; Health Promotion; Hospital

RESUMEN

Objetivos:

comprender cómo se produce el empowerment de los cuidadores familiares de personas conaccidente cerebrovascular em el entorno hospitalario.

Métodos:

investigacióncualitativa, investigación de acción participativa, articulada conelItinerario de Investigación de Paulo Freire, desarrolladoen abril de 2018 con cuidadores familiares, en una Unidad de Accidentes Cerebrovasculares.

Resultados:

se codificaron tres códigos predominantes: la necesidad de empowerment y autonomía para experimentar lasituaciónasistencial; Los desafíos experimentados para convertirse em un cuidador; y apoyo familiar. Los participantes carecían de informacióninherente al proceso de atención, con distanciamiento del empowerment para realizar la función de deshospitalización. El diálogo revelo el empowerment como una posibilidad para laconciencia crítica y eldesarrollo de habilidades.

Conclusiones:

destacamos laimportancia de dirigir lapromoción de lasalud para los cuidadores, incluyéndolos em elproceso de atención, reconociendo sus necesidades e intensificando lasprácticas que promuevenelempoderamiento para laatención, evitando lasacciones curativas.

Descriptores:
Familiar Cuidador; AccidenteCerebrovascular; Poder; Promoción de laSalud; Hospital

INTRODUÇÃO

A Promoção da Saúde surge fortemente no final da década de 70 como um novo pensar em saúde, sendo considerando um conceito positivo e almejando afastar o enfoque tão somente biologicista e curativista das práticas de saúde(11 Bezerra IMP, Sorpreso ICE. Concepts and movements in health promotion to guide educational practices. J Hum Growth Dev [Internet]. 2016 [cited 2019 Jan 10];26(1):11-6. Available from: http://www.revistas.usp.br/jhgd/article/view/113709/112279
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). A primeira conferência internacional sobre o tema ocorreu em Ottawa, no Canadá, em 1986. Este encontro originou a Carta de Ottawa, documento fundamental e utilizado até os dias de hoje como base para se pensar em Promoção da Saúde. Estabelece cinco eixos estratégicos para a efetivação dos ideais explanados, incluindo a criação de políticas públicas saudáveis, ambientes favoráveis à saúde, desenvolvimento de habilidades pessoais, reorientação dos serviços de saúde e reforço da ação comunitária (empowerment social)(22 Heidemann ITSB, Cypriano CC, Gastaldo D, Jackson S, Rocha CB, Fagundes E. A comparative study of primary care health promotion practices in Florianópolis, Santa Catarina State, Brazil, and Toronto, Ontario, Canada. Cad Saúde Pública [Internet]. 2018 [cited 2018 Dec 18];34(4). Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v34n4/1678-4464-csp-34-04-e00214516.pdf
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-33 World Health Organization. Ottawa Charter For Health Promotion. Ottawa: World Health Organization/Health and Welfare Canada/Canada Public Health Association; 1986.).

Ademais, enfatiza-se que a Promoção da Saúde não pode limitar-se aos serviços da Atenção Primária à Saúde, apesar da forte relação existente e compreendida pelo maior contato com as pessoas e comunidade. A reorientação dos serviços de saúde fomenta que deve haver uma atuação transversal, abarcando todos os pontos da Rede de Atenção, incluindo os serviços de alta complexidade. Embora as ações curativas sejam essenciais, as práticas norteadas por aspectos físicos tornam a Promoção da Saúde um objetivo secundário nestes ambientes(44 Freire RMA, Landeiro MJL, Martins MMFPS, Martins T, Peres HHC. Taking a look to promoting health and complications' prevention: differences by context. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2016 [cited 2018 Dec 15];24:1-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v24/0104-1169-rlae-24-02749.pdf
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).

O movimento Health Promoting Hospital (HPH), vinculado à Organização Mundial de Saúde, surgiu no final da década de 80, preconizando ações promotoras de saúde que envolvam o ambiente, comunidades, organização da instituição, profissionais de saúde, pessoas e seus familiares. Em 2004 a organização criou os “Standards for Health Promotion in Hospitals(55 World Health Organization. Standards for Health Promotion in Hospitals. [Internet]. 2004[cited 2019 Sep 6]. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0006/99762/e82490.pdf
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), documento que inclui cinco eixo principais, com enfoque nos pacientes, funcionários e na gestão: a) uma política institucional que envolva a promoção da saúde; b) a importância em reconhecer as necessidades dos pacientes para a promoção da saúde, prevenção e reabilitação; c) disponibilizar ao paciente informações relacionadas à sua situação de saúde e efetivação das práticas promotoras de saúde; d) a responsabilidade da instituição em oferecer um ambiente saudável para o trabalho e; e) intersetorialidade e cooperação entre outros serviços de saúde.

O atual modelo de saúde desafia gestores para novas alternativas que possam atender às demandas da transição demográfica, configurando uma população com cada vez mais pessoas idosas devido ao aumento da expectativa de vida, culminando no aumento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis. Dentre estas condições, as doenças cerebrovasculares, como o Acidente Vascular Cerebral (AVC), ocupam o primeiro lugar das situações que levam às incapacidades físicas e/ou cognitivas e naturalmente, à dependência(66 Ramos EC, Castillo VAM. Prevalenciadel síndrome de sobrecarga y sintomatología ansiosa depresivaenel cuidador del adulto mayor. Psicología y Salud[Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 14];27(1):53-9. Available from: http://revistas.uv.mx/index.php/psicysalud/article/view/2436/4287
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-77 World Health Organization. World health statistics 2017: monitoring health for the SDGs, Sustainable Development Goals [Internet]. Geneva; 2017[cited 2019 Jan 14]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/255336/9789241565486-eng.pdf;jsessionid=DEE06CC1B44AB23401B445E149958172?sequence=1
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).

Neste cenário, o familiar cuidador surge como principal figura para atender às necessidades da pessoa com AVC, iniciando este papel ainda no contexto hospitalar. Sob o prisma da Promoção da Saúde, a inserção dos cuidadores no planejamento dos cuidados e nas rotinas de trabalho da equipe de saúde pode auxiliar no empowerment destes indivíduos, corroborando com o eixo da Carta de Ottawa, que enfoca na necessidade de reforço da ação comunitária e no desenvolvimento de habilidades pessoais. O termo inglês expressa a capacidade de as pessoas e as comunidades atuarem em busca da qualidade de vida, compreendendo uma ativa participação neste movimento(33 World Health Organization. Ottawa Charter For Health Promotion. Ottawa: World Health Organization/Health and Welfare Canada/Canada Public Health Association; 1986.,88 Viegas LM, Fernandes AA, Veiga MAP. Nursing intervention for stress management in family caregivers of dependent older adults: a pilot study. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 17];32:1-12. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/download/25244/15967
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).

À luz da perspectiva crítico-social, este processo de empowerment objetiva a conscientização individual e/ou social a partir de uma reflexão crítica da realidade vivenciada, acreditando no potencial de pessoas e coletividades para a transformação. O pensador Paulo Freire contribuiu com seus escritos nesta vertente, quando explanava acerca das relações de dominação existentes e a necessidade de libertação e empowerment para o alcance da autonomia. Para Freire, o termo inglês busca ultrapassar modelos de dominação, caracterizando relações de poder com o outro, necessário para a tomada de consciência e transformação social. No conceito de autonomia, relaciona à capacidade de agir por si e com responsabilidade(99 Freire P. Pedagogia do Oprimido. 60ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2016.-1010 Souza JM, Tholl AD, Córdova FP, Heidemann ITSB, Boehs AE, Nitschke RG. The practical applicability of empowerment in health promotion strategies. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [cited 2018 Nov 01];19(7):2265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/csc/v19n7/1413-8123-csc-19-07-02265.pdf
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).

No âmbito hospitalar, a incapacidade ocasionada pelo AVC requer que algum membro da família ou da rede de amigos forneça cuidados que permitam que o sobrevivente retorne para o domicílio. Na percepção destas pessoas que exercem o cuidado informal, há pouco entendimento por parte dos profissionais do ambiente hospitalar em relação às necessidades que surgem após a alta, como as questões cotidianas de uma pessoa com AVC(1111 Olivier CL, Phillips J, Roy DE. To be or not to be? A caregiver's question: the lived experience of a stroke family during the first 18 months poststroke. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 25];32(1):270-9. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/scs.12458
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).

OBJETIVOS

Compreender como o empowerment dos familiares cuidadores de pessoas acometidas por acidente vascular cerebral ocorre no ambiente hospitalar.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa teve início após a aprovação do projeto pelo Comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC e autorização da instituição hospitalar. Os componentes éticos e legais estão presentes em todas as fases da pesquisa, em conformidade com a Resolução n(o). 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelas participantes da pesquisa, e, para garantir o anonimato, foram identificadas como FC1, FC2 e assim sucessivamente.

Tipo de estudo e Referencial teórico-metodológico

Trata-se de um estudo descrito, com abordagem qualitativa, do tipo ação participante, sustentado no referencial metodológico do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, envolvendo três momentos interdependentes: Investigação Temática, Codificação e Descodificação e Desvelamento Crítico. A pesquisa foi operacionalizada por meio de quatro Círculos de Cultura que ocorreram no mês de abril de 2018. Estes encontros representam um espaço onde pessoas que vivenciam situações-limite semelhantes, trocam experiências e, coletivamente, buscam temáticas de interesse para refletirem e desvelarem(99 Freire P. Pedagogia do Oprimido. 60ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2016.). Para direcionamento teórico, utilizaram-se as concepções da Promoção da Saúde, com enfoque no conceito de empowerment, compreendido pela perspectiva crítico-social(1010 Souza JM, Tholl AD, Córdova FP, Heidemann ITSB, Boehs AE, Nitschke RG. The practical applicability of empowerment in health promotion strategies. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [cited 2018 Nov 01];19(7):2265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/csc/v19n7/1413-8123-csc-19-07-02265.pdf
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).

Cenário do estudo

O estudo foi realizado no município de Joinville, localizado no norte do estado de Santa Catarina, o qual conta com um hospital público municipal que oferece atendimento especializado às pessoas acometidas pelo AVC, possuindo uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral (U-AVC) para atendimento na fase de reabilitação da doença, denominada U-AVC Integral, com 21 leitos. Historicamente, a unidade busca a inserção dos cuidadores nas ações em equipe.

Fonte de dados

Para a participação, os critérios de inclusão deste estudo foram: ser familiar cuidador de indivíduos internados na U-AVC; estar há pelo menos 48 horas presente na unidade, e participar das discussões dos Círculos. Para os critérios de exclusão, adotou-se: ser cuidador formal; ser cuidador de uma pessoa que não esteja hospitalizada por motivo de AVC na unidade referida, considerando aqui possíveis situações que os leitos pudessem ser disponibilizados para outras especialidades. A participação ocorreu irregularmente, em virtude da rotatividade das pessoas que recebiam alta hospitalar. O Itinerário de Pesquisa Freireano possibilita que os Círculos possam ser realizados com um número reduzido e heterogêneo de participantes, visto que é um método dinâmico e possibilita uma relação horizontal dialógica entre os participantes da pesquisa, e em cada encontro são retomadas e contextualizadas as temáticas(99 Freire P. Pedagogia do Oprimido. 60ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2016.). Esta investigação foi realizada com 16 familiares cuidadores da unidade referida. A coleta dos dados foi realizada pela pesquisadora principal.

Coleta, organização dos dados e análise dos dados

Previamente ao estudo, a pesquisadora se inseriu na Unidade de AVC, a fim de conhecer as rotinas da equipe, se apresentar aos cuidadores, declarando seu objetivo com a pesquisa, a fim de sensibilizar a participação desses nos encontros (nesse momento foi entregue um convite para a participação). Alguns cuidadores não puderam participar, justificado pela troca de acompanhantes no momento do encontro ou por aguardar o boletim médico.

No transcorrer dos quatro Círculos de Cultura desenvolveram-se todas as etapas e os encontros foram previamente agendados, com duração média de 90 minutos, desenvolvidos em uma sala de aula localizada na instituição hospitalar. Investigaram-se os dados socioeconômicos de todas as participantes no início da pesquisa.

Para impulsionar as discussões, a mediadora utilizou dinâmicas e atividades que estimulavam a participação dos cuidadores. Após a apresentação e aproximação, para dar início a Investigação Temática foi lançado ao grupo questões disparadoras: I) Como você se sente enquanto cuidador? II) Quais são os maiores desafios para se empoderar como cuidador? III) Quais são as maiores facilidades/potencialidades para se empoderar e promover a saúde da pessoa com AVC? As participantes refletiram em duplas e com auxílio de revistas e tarjetas expressaram suas percepções para o grande grupo. O termo “empoderamento” foi inserido inicialmente junto às questões disparadoras, a fim de estimular o debate junto aos participantes nos Círculos de Cultura. O significado que os participantes expressavam sobre o empoderamento era o foco principal de reflexão e ação nos encontros. Destas indagações, emergiram 40 temas, relacionados às realidades vivenciadas e compreendidas pelos familiares cuidadores como importantes de serem levantadas. No segundo Círculo de Cultura, a pesquisadora levou tarjetas com os temas levantados e estimulou o grupo a revisitar, ler, refletir e dar início as etapas de Codificação e Descodificação e Desvelamento Crítico. Foi dialogado acerca das temáticas predominantes nas discussões, sendo acordada a organização dos próximos encontros, bem como a ordem de prioridade dos 40 temas para as reflexões, que foram codificados em três temáticas principais, incluindo a) a necessidade de apoio familiar, b) ser cuidador, e c) empowerment e autonomia.

No terceiro Círculo de Cultura, foram utilizadas dinâmicas para impulsionar o debate, como a visualização de vídeos que retratavam situações semelhantes às vivências das participantes.

No último Círculo de Cultura, o diálogo contemplou a Descodificação e o Desvelamento do tema Empowerment/Autonomia. Para impulsionar o desvelamento desta temática, a pesquisadora realizou uma dinâmica com uma pequena caixa de madeira que continha em seu interior um espelho. Foi solicitado que visualizassem o interior da caixa e contassem ao grupo o que percebiam naquela imagem. As discussões possibilitaram um desvelar sobre a realidade vivenciada enquanto famílias cuidadoras, além de um resgate do empowerment, estimulando um processo de ação-reflexão-ação.

No Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, a análise dos dados se dá na etapa de Desvelamento Crítico, envolvendo todos os participantes da pesquisa. Para o registro dos temas, foi utilizado um caderno de campo, um gravador de áudio, além de registros fotográficos das atividades construídas para, posteriormente, facilitar a organização das temáticas.

RESULTADOS

A investigação dos dados socioeconômicos possibilitou o levantamento de informações importantes das participantes, descritas a seguir. Houve um total de 16 familiares cuidadores ao longo dos Círculos, todas eram mulheres e, em sua maioria, nove eram casadas. Dentre as participantes, oito declararam-se donas de casa, cinco desempregadas e as demais, com vínculo empregatício. Quanto ao tempo de internação na U-AVC, houve uma variação de 2 a 15 dias. Os dados são descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos entrevistados, Unidade de AVC, Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2018

A reflexão ocorrida na etapa de Investigação Temática culminou com a identificação de 40 temas geradores, encaminhados para a etapa de Codificação e Descodificação. Eles refletem a realidade de vida das participantes, por meio de suas falas e emoções expressadas, e a inserção da questão de pesquisa foi acontecendo naturalmente, permeando os desejos e a necessidade de expressar os sentimentos do cotidiano que interferiam no ambiente vivenciado pelas participantes.

Na etapa de Codificação e Descodificação, o diálogo desenvolvido nos Círculos permitiu a manifestação das situações conflitantes que interferiam no cotidiano das mulheres. Dentre os 40 temas emergidos nos Círculos de Cultura de Investigação Temática, três temas predominantes foram codificados e descodificados: 1) Ser cuidador; 2) Relações Familiares e 3) Empowerment e Autonomia.

Neste artigo, enfoca-se no último tema citado, o qual emergiu a partir de 9 temas geradores durante a Investigação Temática, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Descrição da investigação temática pelos familiares cuidadores, que corresponde ao tema Empowerment e Autonomia. Unidade de AVC Integral, Joinville, Santa Catarina, Brasil, 04/2018

Foi enfatizada a necessidade de se reconhecerem como pessoas que não podem assumir sozinhas o cuidado da pessoa com AVC, além da necessidade de também serem cuidadas. As falas iniciais retratavam o medo relacionado à insegurança, falta de preparo e limitações físicas:

Confesso que estou muito apavorada, só de pensar em levar ele pra casa, grave assim. Não sei o que fazer [...] A dificuldade, por exemplo, de você botar a cadeira de roda dentro do carro e sair, levar para um hospital, ir para uma clínica. Pra mim, essa é a dificuldade. Nem vou pensar muito [pausa, emocionada]. Sei lá o que vamos fazer de imediato. Não sei! (FC1)

Este debate foi motivado por meio do diálogo no Círculo de Cultura, no qual os familiares cuidadores se viam no espelho e contavam ao grupo o que estavam visualizando. Este momento possibilitou uma aproximação entre as participantes, sensibilização e apoio mútuo. O diálogo sobre a temática do empowerment e autonomia reforçou a sensibilidade para que pudessem criticizar suas condições de vida, permitindo possibilidades para mudanças em seus contextos, principalmente aos relacionados à família e à dificuldade em tornarem-se responsáveis pelo cuidado após o AVC, conforme algumas falas:

Aqui a gente ta acostumada. Eles [familiares com AVC] estão lá na cama, a gente sentada do lado [...] mas, elas [enfermagem] vêm na hora de tirar a pressão, dar o remédio. E a gente ali. Só que em casa você não vai ficar 24, 48 horas assim. Tu tem as coisas pra fazer. Tu vai ter que sair, mesmo que for lá fora pra estender e lavar roupa. Tu não vai ficar aquele tempo. E daí? Eu comecei a pensar, comentei com as meninas....falei: - a gente não tinha parado pra pensar nisso. (FC2)

Durante os Círculos, foram predominantes as falas que remetiam fortemente a necessidade de apoio familiar para o cuidado da pessoa com AVC durante a hospitalização. A sobrecarga do cuidado foi referida como um reflexo da pouca participação de todos os membros da família durante a hospitalização. As participantes expressaram suas carências no apoio de familiares e referiam que eram as únicas pessoas responsáveis, especialmente por serem mulheres ou estarem desempregadas. Inicialmente, não se reconheceram como autônomas de suas vidas, pois suas falas explicitavam que o cuidado era uma obrigação natural destinado a elas. Ao longo das discussões, demonstraram reflexão da situação vivida com questionamento a respeito do cuidado prestado como algo não valorizado pela família:

Você está estressada por quê? Você não trabalha, só fica o dia inteiro [no hospital] com ele - Isso já me falaram. Quem nunca passou por isso, não sabe o que é. Não é ficar sentada o dia inteiro. Minha mãe está bem, mas é complicado. Quando cuidei do meu tio, ele estava mal. Desgasta! Eu estava quase “fora da casinha”, tive que fazer um tratamento. (FC3)

No que se referia à ausência do apoio da rede familiar para o cuidado, as falas expressavam insegurança, incerteza e preocupações. Durante o desenrolar das discussões, alguns pensamentos reflexivos foram divididos entre os familiares cuidadores que buscavam por alternativas que pudessem ser encontradas neste contexto. Dentre elas, surgiu a possibilidade de apoio fora do ambiente familiar, conforme a fala a seguir:

No meu caso, eu tô pensando, porque nós estamos sozinhos aqui [cidade]. Eu vou contar mais com os amigos dele, o vizinho meu, que é muito amigo dele. Um rapaz novo que mora nos fundos da minha casa, que ajudou a chamar o bombeiro, me socorreu [no momento do AVC]. Eu tô contando só com essa pessoa lá pra me ajudar. Então a gente conta mais com a ajuda dos estranhos. Os meus filhos não vão poder vir. (FC4)

Debateu-se, também, a importância do cuidador neste momento da hospitalização, reconhecendo-se como atores essenciais neste contexto. Algumas falas explicitaram que os cuidadores se sentem importantes no cenário da hospitalização, principalmente no que se refere ao auxílio direto de cuidados com a higiene e alimentação que, por vezes, vai além da atenção para seu familiar e participam das necessidades de outras pessoas que não possuem acompanhantes.

Somos muito participativas. Ajudamos como podemos. Alimentamos outros pacientes sem acompanhantes e damos banho nos que estamos cuidando. Até gosto sabe, de poder ajudar. Evito chamar a enfermeira, faço as coisas que consigo. (FC5)

Por meio destes diálogos, expressaram as situações-limite vivenciadas, sendo evidenciado o tema empowerment e autonomia. Os familiares cuidadores reconheceram suas histórias e limites, mas demonstraram dificuldade em se libertar das situações conflitantes que envolviam o cuidado.

As mudanças das rotinas familiares, que passam a ter um foco no cuidado e necessidades da pessoa com AVC, culminam na insegurança da transição hospital-domicílio. Neste cenário, alguns fatores precursores de sobrecarga foram identificados, como o estresse e os limites individuais do familiar cuidador para esta função, a fragilidade na rede de apoio e social, incluindo os conflitos familiares que interferem diretamente na divisão desta atribuição, o choque inicial com a transformação da vida familiar após adoecimento agregada às novas rotinas e a carência de informações e habilidades para o cuidado.

A equipe multiprofissional não foi citada quando o diálogo envolvia o desenrolar das habilidades pessoais no ambiente hospitalar para desempenhar as tarefas do cuidado, entretanto as participantes relataram confiança na atuação dos profissionais de saúde no que se referia ao cuidado direto à pessoa com AVC, com enfoque nos aspectos curativos.

Na etapa do Desvelamento Crítico, os Círculos de Cultura eram motivados pelos relatos das participantes, que demonstravam desafios para o cuidado e a consequente necessidade de empowerment neste contexto. Estes momentos proporcionaram uma reflexão acerca de conhecimentos, ações e despertares para a conscientização.

Diante dos limites e facilidades encontrados em meio à situação que viviam, desvelaram a necessidade de empowerment para desenvolver autonomia acerca de seus contextos de vida. Estimulou-se a participação das mulheres como protagonistas de suas vidas, capacitadas para o cotidiano. Nesse momento de retrospectiva, o tema anteriormente codificado e descodificado foi devolvido ao Círculo de Cultura para debate, buscando sua reflexão e descoberta das situações-limite, com a problematização para a tomada de consciência crítica:

Eu tento cuidar da cabeça, não ficar pensando muito. Aí eu tento pensar em outra coisa [...] tu pode sofrer uma depressão, então eu tento sempre me manter ocupada com alguma coisa [no hospital]. Fazendo uma atividade, ou conversando com alguém, um assunto diferente... nessa questão, eu tento focar mais na minha cabeça pra não parar, [...] então, se você ficar pensando, focar só naquilo [no AVC], você acaba ficando doente. Então eu sempre penso: nossa, e se eu ficar doente, quem é que vai cuidar de mim? Pensei isso. (FC2)

Para enriquecer a reflexão sobre os temas destacados, debatemos a importância de expressão dos sentimentos das participantes nos Círculos de Cultura. Esses sentimentos referiam-se à opressão enquanto mulheres donas de casa, que assumiram sozinhas a responsabilidade do cuidado e os entraves percebidos para o cuidado no ambiente hospitalar. Os familiares cuidadores reconheceram que a equipe multiprofissional da U-AVC poderia atuar como suporte para esclarecimentos relacionados à condição do AVC e cuidados necessários, bem como oferecer um apoio social e mediar os conflitos familiares para a divisão do cuidado.

O momento propiciou, ainda, um diálogo descontraído sobre histórias de vida do cotidiano das participantes do Círculo de Cultura, possibilitando o fortalecimento de suas vivências, como um espaço de alívio das angústias e confraternização. O desenrolar destes Círculos de Cultura possibilitou um novo olhar sobre as questões familiares, na qual as participantes buscaram estratégias para ultrapassarem as barreiras existentes:

Não tinha ninguém pra ficar de manhã com a mãe. Daí falei com meu irmão e as duas irmãs. Elas ficaram uma tarde e outra noite. Então precisava de um de manhã, e eu já vou ficar a tarde, não posso ficar o dia inteiro [...] tomei a atitude, falei pros meus irmãos: vamos ajudar, cada um, um pouquinho. (FC6)

O fato de as participantes conseguirem expressar seus sentimentos em relação às dificuldades no cuidado contribuiu para reflexão e superação das situações-limite, abrindo caminhos ao empowerment. Os familiares cuidadores revelaram que os encontros propiciaram um espaço de abertura para o diálogo com o reconhecimento de vivências, necessidades reais e troca de experiências que as auxiliaram no desvelar dos obstáculos que vivenciam, na maioria das vezes sozinhas e sem apoio da família.

Apesar de as suas realidades estarem veladas inicialmente, foi possível visualizar o processo de ação-reflexão-ação ao final das discussões. Os participantes passaram a buscar estratégias para o enfrentamento das situações-limite, caracterizando fortemente o empowerment psicológico como um processo (desenvolvido no Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire) e um resultado (possibilidade de mudança).

Dentre as estratégias encontradas, pode-se citar a busca para a rede de apoio que ultrapasse os limites familiares, a empatia e solidariedade com outras participantes, a possibilidade de ocuparem suas rotinas com outras questões que perpassem às relacionadas ao familiar com AVC, a identificação da necessidade latente em desenvolverem habilidades para o cuidado após a alta, a possibilidade do autocuidado em meio ao cenário vivenciado e a possibilidade de adaptação das rotinas, tomando atitude frente às situações que interferem na sobrecarga.

No último encontro, as participantes descreveram como foi a experiência na participação. O encerramento ocorreu de forma descontraída, aproximando os participantes do grupo, revelando suas potencialidades, limitações e fortalezas, favorecidas pelo contexto da pesquisa e método adotado. Percebeu-se maior clareza das participantes com relação ao cuidado à pessoa com AVC, visualizando a possibilidade do autocuidado, ainda que neste contexto desafiador, promovendo a qualidade de vida e o despertar de princípios como a perseverança, positividade, colaboração, a corresponsabilidade e solidariedade.

DISCUSSÃO

No ambiente hospitalar, a demanda progressiva de leitos, a busca por períodos de internação reduzidos e o predomínio de ações com enfoque na doença culminam em uma barreira para o estabelecimento de condições adequadas para a total recuperação do indivíduo e o preparo para a alta. Como posterior protagonista do cuidado à pessoa dependente, a família se depara com uma situação desafiadora, vendo-se “exigida” a buscar ferramentas que permitam o cuidado adequado no ambiente domiciliar, usualmente exercendo de forma informal e sem remuneração(1212 Pereira JFS, Petronilho FAS. Satisfaction of the family caregiver about the hospital discharge planning. RIE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 16];22(2):42-55, 2018.Available from: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/53799/1/RIE_Satisfacao%20do%20FC%20sobre%20o%20planeamento%20da%20alta%20hospitalar_N%C2%BA22%2c%20Serie%202%20-%20fev2018.pdf
http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitst...
).

A definição do cuidado é permeada por momentos conflitantes no ambiente familiar. Destaca-se que a responsabilidade, geralmente, sobrecai na pessoa que possui maior tempo disponível para estar ao lado do dependente. Pesquisas desenvolvidas traçam o perfil de cuidador ao sexo feminino, usualmente com grau de parentesco, como filha e esposa. A média de idade frequente varia entre 45 e 60 anos, predominantemente casadas, desempregadas ou domésticas, com baixa escolaridade e que já residiam com a pessoa que necessita de cuidados. Acrescenta-se, também, que a função do cuidado algumas vezes exigia a participação de amigos. Estes dados corroboram com os achados deste estudo(88 Viegas LM, Fernandes AA, Veiga MAP. Nursing intervention for stress management in family caregivers of dependent older adults: a pilot study. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 17];32:1-12. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/download/25244/15967
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,1212 Pereira JFS, Petronilho FAS. Satisfaction of the family caregiver about the hospital discharge planning. RIE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 16];22(2):42-55, 2018.Available from: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/53799/1/RIE_Satisfacao%20do%20FC%20sobre%20o%20planeamento%20da%20alta%20hospitalar_N%C2%BA22%2c%20Serie%202%20-%20fev2018.pdf
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13 Totsika V, Hastings RP, Vagenas D. Informal caregivers of people with an intellectual disability in England: health, quality of life and impact of caring. Health Soc Care Community [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 05];25(3):951-61. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/hsc.12393
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/...
-1414 World Health Organization. WHO Global disability action plan 2014-2021. Better health for all people with disability [Internet]. Geneva, 2015 [cited 2018 Oct 06]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/199544/9789241509619_eng.pdf?sequence=1
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).

Um estudo realizado em Portugal avaliou a satisfação do familiar cuidador em relação ao planejamento para a alta hospitalar, encontrando indicadores pouco satisfatórios. Cerca de 30% dos participantes afirmaram não terem recebido nenhum tipo de preparo para a desospitalização. Isto demonstra que a equipe de saúde hospitalar deve dar maior importância ao compartilhamento de informações acerca do cuidado, de modo que auxilie os cuidadores a desenvolverem o empowerment, interferindo positivamente na qualidade de vida da pessoa dependente e do cuidador(1212 Pereira JFS, Petronilho FAS. Satisfaction of the family caregiver about the hospital discharge planning. RIE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 16];22(2):42-55, 2018.Available from: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/53799/1/RIE_Satisfacao%20do%20FC%20sobre%20o%20planeamento%20da%20alta%20hospitalar_N%C2%BA22%2c%20Serie%202%20-%20fev2018.pdf
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).

As discussões demonstraram que o empowerment é incipiente no cotidiano dos cuidadores, uma vez que expressaram sentimento de angústia e desespero para o cuidado da pessoa com AVC, principalmente após a alta hospitalar. As participantes expressaram pouca atenção da equipe de saúde acerca de suas necessidades e individualidades para o cuidado na desospitalização. Entretanto, autores afirmam que a equipe hospitalar pode ouvi-los e auxiliá-los na identificação de alternativas para os novos arranjos que precisam ser feitos em suas rotinas, estimulando a participação e compreensão(1111 Olivier CL, Phillips J, Roy DE. To be or not to be? A caregiver's question: the lived experience of a stroke family during the first 18 months poststroke. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 25];32(1):270-9. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/scs.12458
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). O empowerment pode ser desenvolvido no ambiente hospitalar, visto como um processo e resultado que visa transformações ao fomentar a ação e a reflexão sobre a realidade de vida, além de promover o desvelamento crítico, permeado pelo diálogo(1515 Heidemann ITSB, Dalmolin IS, Rumor PCF, Cypriano CC, Costa MFBNA, Durand MK. Reflections on Paulo Freire's Research Itinerary: contributions to health. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 19];26 (4). Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n4/en_0104-0707-tce-26-04-e0680017.pdf
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-1616 Wahlin I. Empowerment in critical care - a concept analysis. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];31(1):164-74. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/scs.12331
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/...
).

Para esta estratégia de Promoção da Saúde, é necessária a tomada de consciência, da sua importância na rede de cuidados da pessoa com AVC, considerando os seus desejos e prévias rotinas familiares. As incapacidades perpassam diversos setores e, além da própria pessoa acometida, envolve familiares cuidadores e a Rede de Atenção à Saúde, que deve assegurar a assistência em todos os momentos(1717 Faleiros AH. Os desafios do cuidar: revisão bibliográfica, sobrecargas e satisfações do cuidador de idosos. Janus, Lorena [Internet]. 2015 [cited 2019 Jan 25];12(21):59-68. Available from: http://fatea.br/seer/index.php/janus/article/viewFile/1793/1324
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).

O cuidador exerce um papel fundamental na qualidade de vida do sobrevivente do AVC, uma vez que, em grande parte dos casos, há uma dependência na execução de tarefas do dia a dia por parte da pessoa acometida. Entretanto, neste cenário, ocorre uma sobrecarga física e emocional ao cuidador, o que leva à necessidade de considerá-lo como pessoa que também possui necessidades de cuidado(88 Viegas LM, Fernandes AA, Veiga MAP. Nursing intervention for stress management in family caregivers of dependent older adults: a pilot study. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 17];32:1-12. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/download/25244/15967
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,1717 Faleiros AH. Os desafios do cuidar: revisão bibliográfica, sobrecargas e satisfações do cuidador de idosos. Janus, Lorena [Internet]. 2015 [cited 2019 Jan 25];12(21):59-68. Available from: http://fatea.br/seer/index.php/janus/article/viewFile/1793/1324
http://fatea.br/seer/index.php/janus/art...
). Alguns fatores precursores dessa sobrecarga foram identificados neste estudo, como o estresse e os limites individuais do familiar cuidador para esta função, a fragilidade na rede de apoio e social, incluindo os conflitos familiares que interferem diretamente na divisão desta atribuição, o choque inicial com a transformação da vida familiar após adoecimento, agregada às novas rotinas e a carência de informações e habilidades para o cuidado.

Em meio à prevalência das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, o papel do cuidador se intensifica, relacionado ao predomínio de pessoas dependentes e incapacitadas. Esta demanda de cuidadores informais levou ao aumento nas discussões que o incluam neste processo, compreendendo estas pessoas como elos fundamentais que atuam em conjunto da equipe de saúde e da própria pessoa acometida pelo AVC(66 Ramos EC, Castillo VAM. Prevalenciadel síndrome de sobrecarga y sintomatología ansiosa depresivaenel cuidador del adulto mayor. Psicología y Salud[Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 14];27(1):53-9. Available from: http://revistas.uv.mx/index.php/psicysalud/article/view/2436/4287
http://revistas.uv.mx/index.php/psicysal...
).

Nas fases iniciais deste processo, é comum que o familiar cuidador se sinta pressionado para atender a todas suas responsabilidades e outras funções que já desenvolvia anteriormente. Essa situação torna-se desgastante e dolorosa, uma vez que é preciso planejar a rotina familiar após a alta, sem desconsiderar a importância de cuidar de si mesmo(1818 Glauger JE. The longitudinal ramifications of stroke caregiving: a systematic review. Rehabil Psychol[Internet]. 2010 [cited 2018 Dec 02]; 55(2): 108-25. Available from: https://www.researchgate.net/publication/44625046_The_Longitudinal_Ramifications_of_Stroke_Caregiving_A_Systematic_Review
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). A equipe de saúde assume um papel imprescindível na transição segura para o domicílio, compreendendo os anseios e mudanças nos papéis familiares que remetem às ações para o desenvolvimento de habilidades e competências que auxiliem na transformação da rotina possibilitando a Promoção da Saúde e qualidade de vida(1919 Sit JWH, Chair SY, Choi KC, Chan CWH, Lee DTF, Chan AWK et al. Do empowered stroke patients perform better at self-management and functional recovery after a stroke? a randomized controlled trial. Clin Intervent Aging [Internet]. 2016 [cited 2018 Dec 08];11:1441-50. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5072569/
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).

A Organização Mundial de Saúde reconhece o papel do cuidador no Plano de Ação para a Deficiência Global 2014-2021, no qual enfoca que os cuidadores são atores essenciais para apoiar as pessoas que vivem com incapacidades. Desta forma, estabelece a necessidade de adequado suporte para que estas pessoas possam exercer a função do cuidado adequadamente. Destaca, também, diversas ações direcionadas ao cuidador, como o treinamento e suporte, investimentos em tecnologias que possam auxiliar as pessoas com limitações e, consequentemente, reduzir o tempo dispensado e a carga física e mental dos cuidadores(1414 World Health Organization. WHO Global disability action plan 2014-2021. Better health for all people with disability [Internet]. Geneva, 2015 [cited 2018 Oct 06]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/199544/9789241509619_eng.pdf?sequence=1
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).

Há um grande potencial para a Promoção da Saúde ao cuidador no contexto hospitalar. As ações são contínuas e devem ser iniciadas desde a admissão da pessoa com AVC até a permissão e identificação de ferramentas disponíveis para apoio nos cuidados, visando, sobretudo, que os cuidadores sejam autônomos para a reintegração social após a alta. Essas pessoas necessitam de informações, educação em saúde, capacitação, apoio e encorajamento nas situações possíveis que o cuidado perpassa(66 Ramos EC, Castillo VAM. Prevalenciadel síndrome de sobrecarga y sintomatología ansiosa depresivaenel cuidador del adulto mayor. Psicología y Salud[Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 14];27(1):53-9. Available from: http://revistas.uv.mx/index.php/psicysalud/article/view/2436/4287
http://revistas.uv.mx/index.php/psicysal...
,2020 Pucciareli G,Vellone E, Savini A, Simeone S, Ausili D, Alvaro R et al. Roles of changing physical function and caregiver burden on quality of life in stroke. Stroke [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 15];48(3):733-39. Available from: https://www.ahajournals.org/doi/pdf/10.1161/strokeaha.116.014989?download=true&
https://www.ahajournals.org/doi/pdf/10.1...
).

A Carta de Ottawa estabelece o desenvolvimento de habilidades pessoais como um dos eixos fundamentais para efetivação das ações promotoras de saúde, atingindo maior qualidade de vidas às pessoas e comunidades, além de incluir o envolvimento destas nesse processo(33 World Health Organization. Ottawa Charter For Health Promotion. Ottawa: World Health Organization/Health and Welfare Canada/Canada Public Health Association; 1986.). Neste enredo do cuidado à pessoa hospitalizada com AVC, cabe à equipe multiprofissional capacitar os familiares cuidadores, incluindo o enfrentamento da condição crônica(88 Viegas LM, Fernandes AA, Veiga MAP. Nursing intervention for stress management in family caregivers of dependent older adults: a pilot study. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 17];32:1-12. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/download/25244/15967
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...
). Todavia, as falas deste estudo não identificaram essas práticas, o que pode explicar o entrave para as participantes visualizarem seu papel após a alta e desenvolverem o empowerment. Apesar de alguns familiares relatarem que auxiliam nos cuidados, não houve a relação destas funções a partir de uma orientação adequada pela equipe multiprofissional, apontando à interrogação do desenvolvimento adequado dessas habilidades.

A incumbência do cuidado também reflete em questões econômicas e financeiras, visto que na dependência da pessoa com AVC, as necessidades aumentam(2121 Longacre M, Valdmanis VG, Handorf EA, Fang CY. Work impact and emotional stress among informal caregivers for older adults. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci [Internet]. 2016 [cited 2018 Dec 01];72(3):522-31. Available from: https://academic.oup.com/psychsocgerontology/article/72/3/522/2631929
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). Um estudo com 30 cuidadores verificou que mais de metade (66,7%) assumiu ter aumentos dos gastos econômicos. Portanto, a equipe pode identificar e atender essas demandas, como informações quanto aos cuidados com medicamentos, higiene, mobilização, adequações à estrutura física do domicílio, acesso a serviços de saúde e equipamentos necessários e gestão das tarefas(1212 Pereira JFS, Petronilho FAS. Satisfaction of the family caregiver about the hospital discharge planning. RIE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 16];22(2):42-55, 2018.Available from: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/53799/1/RIE_Satisfacao%20do%20FC%20sobre%20o%20planeamento%20da%20alta%20hospitalar_N%C2%BA22%2c%20Serie%202%20-%20fev2018.pdf
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).

O período após a fase aguda do AVC tem se mostrado como o momento mais estressante ao cuidador informal, apreensão também observada neste trabalho com as participantes. Há o imperativo de que as primeiras semanas após o acidente vascular cerebral podem se caracterizar como o melhor momento para colocar as intervenções em prática, direcionadas à pessoa hospitalizada e seu cuidador. Desta forma, pode-se garantir a transição segura para o domicílio, reduzindo a ansiedade de ambos e possibilitando o empowerment para que consigam influenciar positivamente na recuperação funcional(1919 Sit JWH, Chair SY, Choi KC, Chan CWH, Lee DTF, Chan AWK et al. Do empowered stroke patients perform better at self-management and functional recovery after a stroke? a randomized controlled trial. Clin Intervent Aging [Internet]. 2016 [cited 2018 Dec 08];11:1441-50. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5072569/
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,2222 Graf R. The stroke caregiving trajectory in relation to caregiver depressive symptoms, burden, and intervention outcomes. Top Stroke Rehabil [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 8];24(7):488-95. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28618848
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).

Um estudo desenvolveu um modelo de atenção aos cuidadores informais de pessoas após o AVC, no qual enfermeiros buscavam a resolução de problemas via telefone fornecendo informações acerca da condição crônica e apoio. Os autores salientam que o processo de empowerment possibilita que cuidadores possam ser capacitados para identificar seus próprios problemas e autonomia para resolvê-los(2222 Graf R. The stroke caregiving trajectory in relation to caregiver depressive symptoms, burden, and intervention outcomes. Top Stroke Rehabil [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 8];24(7):488-95. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28618848
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2861...
).

Este preparo para o cuidado pode ser oportunizado e desenvolvido no ambiente hospitalar, fundamentado em um bom relacionamento entre equipe multiprofissional, familiar cuidador e pessoa com AVC(1616 Wahlin I. Empowerment in critical care - a concept analysis. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 20];31(1):164-74. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/scs.12331
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/...
). Todavia, na presente pesquisa, essas práticas não foram observadas, o que dificultou o empowerment das participantes nos encontros iniciais.

Ao final das discussões, alguns familiares cuidadores visualizaram mudanças nas suas rotinas e delimitaram ações a serem desenvolvidas, visando o enfrentamento de um novo cenário. Isto se caracterizou como empowerment psicológico, pois envolveu mudanças individuais e auxiliou as participantes na adaptação de suas situações-limite. Entretanto, para alcançar transformações coletivas, se constata a importância de estas habilidades serem compartilhadas com outras pessoas e grupos que vivenciam as mesmas dificuldades(1010 Souza JM, Tholl AD, Córdova FP, Heidemann ITSB, Boehs AE, Nitschke RG. The practical applicability of empowerment in health promotion strategies. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [cited 2018 Nov 01];19(7):2265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/csc/v19n7/1413-8123-csc-19-07-02265.pdf
https://www.scielo.br/pdf/csc/v19n7/1413...
). Em um estudo realizado com idosos em grupos organizados pela equipe da Estratégia Saúde da Família, constatou-se que estes espaços são benéficos para os participantes, uma vez que promovem momentos de socialização, entretenimento, educação em saúde, vínculo e rede de apoio(2323 Lange C, Heidemann ITSB, Castro DSP, Pinto AH, Durand MK. Promoting the autonomy of rural older adults in active aging. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018[cited 2019 Sep 9];71(5):2411-17. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71n5/0034-7167-reben-71-05-2411.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v71n5/003...
). Atividades de grupos representam uma ferramenta mobilizadora de empowerment e autonomia e, quando atrelada às atividades de teatro, Círculos de Cultura, terapia comunitária, oficinas de escuta terapêutica e projetos de ação social podem complementar estes recursos.

Limitações do estudo

Percebeu-se que os diferentes níveis de dependência das pessoas com AVC demonstravam distintos enfrentamentos dos familiares cuidadores acerca da relação de cuidado, o que pode ser um limite da pesquisa. Durante o estudo, a pesquisadora conheceu as pessoas hospitalizadas e pôde observar suas sequelas neurológicas e incapacidades. Desse modo, foi observada a associação do aumento da sobrecarga de cuidado aos que tinham familiares com maiores incapacidades físicas. Todavia, o nível de sobrecarga e o de dependência não foram quantificados neste estudo.

Além disso, houve uma variação no período de internação, entre 2 a 15 dias, o que pode ter refletido em percepções superficiais de enfrentamento do cuidado aos familiares cuidadores com menor tempo de experiência, no contexto da Unidade de AVC.

Contribuições para a saúde e enfermagem

Além das ações curativas, desde a admissão hospitalar os profissionais devem atender às necessidades dos familiares cuidadores. Estas ações objetivam aumentar a capacidade de enfrentamento dos desafios que acontecem no cuidado da pessoa dependente, para que possam desenvolver empowerment e autonomia na tomada de decisões, transformando seus contextos familiares, sociais e econômicos.

Profissionais de saúde que atuam neste cenário devem reconhecer fatores de sobrecarga de cuidado e elencar estratégias que possam interferir positivamente nestes itens, facilitando a rotina do familiar cuidador e oportunizando a participação deste no processo de cuidado. Compreende-se também que envolver o familiar cuidador no preparo para a alta torna-se ferramenta para diminuir o risco de complicações, reinternação da pessoa com AVC e melhora na qualidade de vida do cuidador. Além destes aspectos, a participação do familiar cuidador no cuidado das pessoas com AVC contribui com a equipe multiprofissional na medida que reúne os diversos campos de saber, em um esforço conjunto para promover com efetividade a qualidade de vida destas pessoas.

Ao final da pesquisa, houve um feedback positivo das participantes em relação aos encontros, por se tratar de um momento direcionado a ela, no qual puderam trocar suas experiências e angústias com o cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo revelou que os familiares cuidadores confiam no trabalho da equipe multiprofissional, na reabilitação da pessoa com AVC no ambiente hospitalar, com enfoque na doença. Entretanto, eles apresentam carências e angústias específicas em algumas habilidades inerentes ao processo de cuidar, mais especificamente no distanciamento do empowerment para exercer a função após a alta. Os dados trazem a fragilidade do suporte à família, pois as participantes não conseguiram desvelar as dificuldades que serão encontradas na mudança das rotinas diárias.

O método de pesquisa ação-participante possibilitou apreender informações importantes para responder ao objetivo da pesquisa. O diálogo e a interação desenvolvidos entre a pesquisadora e as participantes foram fundamentais para emergirem as reais necessidades. A aplicação do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire foi desafiadora, visto que no contexto hospitalar há uma série de rotinas pré-estabelecidas.

Recomendam-se novos estudos que abarquem o familiar cuidador após a desospitalização, pois acredita-se que poderão identificar novas demandas e diferentes desafios possíveis de serem abordados no contexto hospitalar, principalmente ao considerar que esta pessoa terá vivenciando a atribuição do cuidado por tempo prolongado.

Assim, é relevante debater a temática do empowerment, com vistas ao desenvolvimento da consciência crítica das pessoas na sociedade. Urge promover espaços de emancipação que busquem ação cultural para a libertação, transformação social e alcance da equidade em saúde.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Marcos Brandão

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2019
  • Aceito
    10 Out 2019
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